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Minha voz ira contigo (Milton Erickson)

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'tAtnda que fosse óbvio que a terapia
erick.son.iana não consistisse unicamente em
contar histórias e anedotas, o certo é que um
dos seus elementos fundamentais era o que
eu denominei de 'contos didáticos*.
Em 1979, pouco antes de morrer, Erickson
autorizou-me a escrever um livro sobre esses
contos que foram narrados por ele a seus
pacientes e alunos.
Para aqueles que como eu acompanharam a
obra de Erickson desde as décadas de 40 e
50, era gratificante saber que elefinalmente
havia sido reconhecido e que seus métodos e
técnicas poderiam beneficiar muito mais
pessoas."
Sidney Rosen
IS3N 35-35-3C-»1»--
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Sidnev Rosen
Minha voz irá contigo
Os contos didáticos de Milton H. Erickson
EDITORIAL PSY
1997
Tiiulo original em inglês
My voice will go with vou
The teaching tales of Milton K. Erickson
•£ Sidney Rosen. M. D. 1982
W. W. Norton & Co.. Nova Iorque. Londres
2- edição revisada - 1997
Tradução
Rogério Raul Monte Beller
Revisão técnica
José Carlos Vitor Gomes - CRP: 06/13160-5
Capa
José Carlos Vitor Gomes
Diagramaçào
Micro Laser Comercial Ltda. - ME
Coordenação editorial
Lucélia Caravieri Temple
ISBN: 85.8540-49-1
Direitos reservados para a língua portuguesa:
Editorial Psy Ltda.
Caixa Postal 691 CEP: 13001-970
Campinas/São Paulo - Brasil
http://www.corrcionet.com.br/~eventos
E-Mail eventos••<%correionet.com.br
Tel.: (019) 231-9955
Todos osdireitos reservados. Proibida a reprodução totaJ ouparcial, porqualquer meio
ouprocesso, especialmente por sistemas gráficos, microlilmicos. focoi>n\licos. repro-
gràíícos. fonogràflcos evideográfícos. Vedada a memorização e/ou -i rcrupcraçs&n In
;aj ou parciaJ bemcomo a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer siste
ma de processamento dedados. Essas proibiçõesaplicam-se também as earacrerisii-
ias gráficas da obra e à sua editoração
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
Apresentação
Écom grande contentamento que redijo este prefácio.
Eu. que leio diariamente, por dever de profissão e por pra
zer, tenho, como todos os amantes de livros, os meus predi
letos. E Minha voz irá comigo é um deles.
Descobri Milton Erickson e a hipnose moderna há uns
dez anos. participando de ufh congresso organizado pelos
seus discípulos nos Estados unidos. Entre surpresa e fas
cinada, comecei a comprar livros para rrazè-los comigo de vol
ta ao Brasil, procurando conhecer mais a fundo o seu tra
balho.
Entre todos os livros que li. de Erickson e sobre Erick
son. nenhum deles me pareceu tão encantador, tão poético
e tão surpreendente como este de Rosen. apresentando as
histórias ericksonianas. A sua tradução para o português cer
tamente enriquecerá a biblioteca dos leitores brasileiros pro
porcionando um contatomais intimo com essa faceta da obra
de Erickson.
.\a hipností médica trodic lonul. iniciada por rranz Mes
mer (1734-1815). pensava-se que o hipnotiçador tinha todo
o poder de sugestionar um sujeito passivo, que dormia, per
dendo sua consciência e sua vontade. O próprio nome hip-
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nose. criado por Braid. médico inglês (1 795-1860) teve por
inspiração Hypnos. odeus do sono na mitologia greoa.
Na década de 30. na Escola de Nancv. na Franca Lie
bault. Berheim Coué eoutros começaram amodificar os con
ceitos ,n,c,ais da hipnose. Para eles o transe hipnótico era
um estado normal enão patológico. As modificações se da
vam por meio da imaginação, e as sugestões eram aceitas
apenas quando encontravam no hipnotizado um eco interior
Ahipnose clássica eas inovações conceituais da Es-
co.a eNancy foram desenvolvidas por Milton Erickson f190 -
de Pa d^in ^T™^™' ^ PaSS0U *Ser*—*de Pa da Hipnose Moderna, dada aimportância eaorigina-
lidade da sua obra. s
Para Erickson, oestado de transe hipnótico é um es-
ado psicobiologico do homem. Qualquer momento de fan-
as.a^dtstraçao ou preocupação que nos absorva éum es-
ado hipnótico. Nesses momentos estamos executando a nos
sa rotina automaticamente, ea nossa atenção está focali
zada no nosso interior. Ao final desses processos, em oeral
temos uma visão nova sobre algo ou resolvemos algum pro
blema. Ahipnoterapia. ou hipnose clínica, segunío Erick
son. euma extensão cuidadosamente planejada de proces
sos que ocorrem no cotidiano. Na utilização clinica do tran
se hipnouco ficamos mais receptivos ànossa experiência in
terna, eas sugestões do terapeuta sâo dirigidas para a ex
ploração eodesenvolvimento desse potencial interior do In
consciente de cada um de nós.
No decorrer de seu trabalho. Erickson muitas vezes eli
minou a formalidade eos rituais da hipnose, usando conver
sas hipnóticas, onde contava histórias que encantavam
impactavam oouvinte focado naquele relato, efuncionavam
S::ente como metáforas da •—•- •«*-£
Os problemas de cada paciente determinavam um pla
nejamento específico e único de trabalho, o qual veio a se
constituir na chamada terapia estratégica de Erickson
Este livro traz exemplos magníficos da terapia estra
tégica naturalista, de utilização das respostas possíveis de
cada indivíduo e da diversidade de técnicas e caminhos cria
dos por Erickson. O âmago de seu trabalho está na flexibili
dade diante da singularidade de cada indivíduo.
Sidney Rosen escolheu, organizou e contou para nós
as histórias didáticas de Erickson não apenas como um dis
cípulo aplicado, mas como um mestre contador de histórias
por si mesmo.
Maria Margarida Aí. J. de Carvalho
Psicóloga, psicoterapeuta. professora de Psicologia da USP.
Instituto Sedes Sapientiae.
membro da Academia Paulisra de Psicologia.
Prefácio à edição brasileira
ç^rTH^-^^f
Paul Watzlawick dedicou seu livro Change a -Milton
Erickson. o homem que cura com as palavras". Eie escreveu
esse livro para demonstrar ediscutir muito dos caminhos nos
quais esse mestre da psicoterapia eda hipnose era tão há
bil nomanejo das palavras, tanto para ensinar como para
curar.
Os leitores devem ficar atentos para o fato deessas his
tórias aqui descritas serem chamadas de "contos ou histó
rias didáticas- para terapeutas que vinham de rodos os re
cantos do planeta em peregrinação a Phoenix. Arizona. Elas
não devem ser vistas como prescrições para o tratamento de
pacientes enão são apresentadas como se Erickson pudes
se lazer curas milagrosas em dez sessões em cada uma de
las Mesmo porque muitos pacientes que liam seus livros ad
moestavam seus terapeutas "encksonianos" de que eles nao
seriam capazes de produzir curas assim tão rapidamente.
As histórias nunca foram usadas com a pretensão de
sei receitas psicoterápicas Fm vez disso. ,da> foram usa
das para ajudar os terapeutas a melhorarem suaperformance
como terapeutas. Eu fui uma das pessoas que teve o privi
légio de conviver com Erickson eser fortemente influencia-
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do pelas suas mensagens verbais e não-verbais. Minha re
ceptividade ampliou-se devido ao fatode que eu ficava a maior
parte do tempo em estado de hiper-receptividade por nós
conhecido como "transe". E cada um de nós estava conven
cido de que muitas das suas histórias estavam dire cionadas
pessoalmente a nós. Uma consideração desapaixonada tor
na óbvio que. por causa do nosso estado de transe, devido
ao fato de estarmos com Erickson. freqüentemente aplica
mos essas histórias aos nossos interesses e necessidades.
Da mesma forma, eu ouvi de muitas pessoas que leram
este livro, desde a sua publicação original em 1982,que a sim
ples leitura de suashistórias fazia comque ficassem aliviadas
de eventuais estados de ansiedade e depressões de muitos e
muitos anos. Eu creio que esse benefício deriva não apenas da
antes mencionada tendência de se aplicar esta ou aquela his
tória a alguém ou a uma situação em especial, mas do fato
de que há verdadeiramente uma grande sabedoria veiculada
por meio delas. Além de tudo isso. Erickson dedicou toda a sua
longa carreira, de mais de cinqüenta anos, ao exame, à explo
ração e à experimentação de caminhos e formas para ajudar
pessoas. Ele aprendeu e desenvolveu recursos efetivos para
ajudar as pessoas a utilizar seus próprios recursos interiores
de autocura e sua capacidade de "'aprendizagem inconscien
te". Ele diria, por fim. a esse propósito: "Sevocê não puder fazer
isto por você, eu posso fazer por você."
Assim, é óbvio que a terapia ê muito mais um recurso
interior do paciente do que uma conseqüência de habilida
des extraordinárias de um terapeuta. Detonar recursos po
sitivos é freqüentemente mais importante do que tentar dre
nar efeitos negativos e memórias. Alguém poderia ouvir as
pessoas apenas o suficiente para conseguir algumas das suas
idéias, seu vocabulário e conceitos. Erickson não estava in
teressado nos insighis e nas associações do paciente. Ele ti
nha claro seu objetivo, que era o de levar o paciente a ter
uma visão positiva sobre a vida e sobre si mesmo. Quase todo
o resto era "lixo" que bem poderia ser jogado na lata mais
próxima.
A maioria das intervenções terapêuticas que Erickson
elaborava está exemplificada nestas histórias ou contos di
dáticos, como. por exemplo, a técnica de somar sugestões,
ressignificação. comunicação em múltiplos níveis, o uso
terapêutico da linguagem, incluindo homônimos, trocadilhos
e. naturalmente, sugestões indiretas.
A indução formal de transe não é o mais importante,
nem mesmo as prescrições e diretivas, quando dadas de uma
forma concentrada e intensa, podem ter o mesmo efeito como
sugestões hipnóticas quando se trata de um paciente respon-
sivo. Nós sempre vemos Erickson abordando seu paciente no
seu universo de referências.
Por exemplo, um policial aposentado estará comandan
do. Uma jovem religiosa que deu um arroto é desafiada a pro
var a sua fé em Deus.
Várias teorias foram publicadas sobre o que tornava o
trabalho de Erickson tão eficiente.
Haley escreveu sobre prescrição de sintomas e manda
tos, os neurolingüistas acentuam a importância do "pacing
e o direcionamento". Rossi enfatiza o "princípio da utiliza
ção", ou o que Erickson classificava como sendo uso da apren
dizagem inconsciente do paciente. Eu publiquei um artigo.
"O que torna a terapia ericksoniana tão eficiente?", no livro
Developingericksonian therapy: state ojthe art. organizado
por Zeige Lankton. Brunner/Mazel. Nova Iorque. 1988. Nesse
artigo eu abordo vários dos elementos em que acredito para
tornar qualquer psicoterapia mais eficiente. Ainda uma vez
fui levado a me lembrar dos comentários de Erickson quan
do as pessoas diziam a ele o que acreditavam ser hipnose.
Quando diziam que a hipnose era sugestão, relacionamen
to, regressão etc. Erickson geralmente respondia: "Seria ape
nas isto?" Há obviamente muito mais. e os leitores se delei
tarão em descobrir alguns desses elementos ao lerem este
livro.
Ao escrever este livro, o que eu de fato escrevi foi uma
história de amor. E fico muito feliz em saber agora que ele
foi tão bem recebido pelos estudiosos de todos os países do
mundo, mas eu fico mais feliz ainda em saber que a viúva
de Erickson e outros membros de sua família ficaram a<*ra-
decidos pela apresentação que fiz do trabalho de seu pai.
xu
Sidney Rosen. IvI.D.
Nova Iorque
A Esielle. Jeffe Joanna.
Com todo o meu amor.
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Sumário
Prefácio XLK
Introdução xxiií
i. Mudando a mente inconsciente 3 í
Mudança intrapsiquica 36
Interpretações dos métodos terapêuticos de Erickson 39
Aplicações dos reiatos didáticos na terapia 41
Prazer vicioso 43
2. Histórias que motivam 54
Aprendendo a ficar de pé 55
O menino estará morto pela manha 60
Dilatação 61
Brigas 63
3. Confia no teu inconsciente 65 •
Eu tinha aprendido muito 65
A neve caia suavemente 66
Narval 66
Vai falar 67
Cocar porcos 67
Sete asteriscos 69
Curiosa '-
O professor Rodriguez -4
Os três sobrinhos do Pato Donald 77
Caminhando pela rua '8
Escrita automática ' 9
Transes em Bali 83
.XX-
4. Sugestão indireta rf4
O sujeito hipnótico e literal 34
Laranjas gg
Esquivar-se da resistência 88
Cactos 90
Competitividade 91
Sonhos orgásticos 93
Simulando o estado de transe ; 94
Você consegue escutá-ia? 9(5
Doenças da pele 97
"Auto"-hipnose 99
Introduzindo-se 100
Kalhleen: tratamento de uma fobia 101
5. A SUPERAÇÃO DAS LIMITAÇÕES HABITUAIS 110
Pedras e mecânica quãniica 1 1 j
Como ir cie um quarto para o outro 112
Ganho campeonatos olímpicos
pernianen temente 113
Donaid Lawrence e a medalha de ouro 1 14
A equipe de atiradores norte-americanos
que devia derrotar os russos 118
Uma rajada de cores 120
Caminhar sobre gelo liso 122
Os índios Tarahumara 124
Camas secas 124
Gravata 129
E pecado 130
Baixar-subir-baixar 135
Um caminho que satisfaz, rumo á dieta 137
Excursões turísticas 13S
O alcoólatra de alguém deve ser sincero 140
Um divórcio amigável 141
Pôr a bola para rolar 145
Claustrolobia 147
Os limites são as estrelas 148
Sangue nas teclas 150
6. ReENQLADRAMENTO 155
Crescer 155
Moda 157
A moca mais fácil de seduzir 158
Caminhe uma milha lo 1
Ba<<os sibilantes 163
Cara de canela If35
Psoriase 157
Nem uma única ereçào 169
Chupar, chupar, chupar 17 1
7. Aprender com a experiência 174
Ter 6 anos c ' "4
Sonhar 174
Nadar 175
Por que náo prova? ' '8
8. Cuidar da própria vida 179
Sobre a morte e os moribundos 179
Quero o par completo 183
Discrepâncias 1S4
Como se virar para continuar os estudos universitários 135
O ladrilho de Pearson 137
Calobidades 189
9. Olhando com um olhar inocente 191
Pensar como criança 192
O fantasma de Roger 193
Para que leva o bastão? 194
Demonstrações de magia 195
10. Observar para avall\r as diferenças 196
O psiquiatra adequado 196
Como examinar um menino de 2 anos 198
Pablum 199
De quantas formas diferentes? 200
Uma tonalidade diferente de verde 20 1
Mando amante 202
Espirros 205
A maaia. o sobrenatural e a percepção
exira-sensorial (PES) 206
Adivinhos 207
Leitura da mente alheia 209
Truques mágicos 209
Percepção extra-sensonai com J. B. Rhme 210
Um truque com cartas 21 1
11. Como TRATAR os pacientes psicóticos 213
A jaqueta do avesso 2 14
O paciente que ficava parado 2 15
Dois Jesus Cristos 216
Herbert 213
12. Manipulação e orientação para o futuro 227
Manipulação 229
Beri e o seu chocolate 231
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Autorização 232
Vão gostar de Dolores 234
Conseguir que Jeff telefone 235
O que faria se eu o esbofeteasse? 237
O dacrLShund e o pastor alemão 238
Tirem-nos dos seus trilhos 239
Lance e Cookie 240
Nós. os inválidos 243
Papel em branco 245
Ruth zzz!z;z"zzi;;z 247
Reverência cortês 249
Bola histérica 251
A colheita de aveia 253
Crescimento 254
13.O ENSINO DOS VALORES E DA AUTODISCIPLINA 256
Não lenho por que fazê-lo 256
Tirar o lixo 258
Heidi-Ho. a cleptomaniaca de 6 anos 259
As cartas do coelho da Páscoa 26!
Robert faz bem as coisas 263
A aula de sábado no domingo 267
Jill. no seu próprio estilo 268
Surra 269
Batendo a porta 270
BüMografia 273
Prefácio
^T^g-^^A
Os criativos e encantadores contos didáticos de Milton
Erickson. as histórias que ele contava aos seus pacientes e
àqueles que o procuravam para escutá-lo. sentados aos seus
pés. são extraordinários exemplos da arte da persuasão.Muitos dizem que eles não merecem um lugar nas estantes
dos psiquiatras, muito embora seu propósito seja psicoterá-
pico. já que eles fazem parte de uma tradição cultural nor
te-americana muito mais ampla: a do talento humorístico,
cujo exemplo maior é Mark Twain.
Ouvi falar pela primeira vez das surpreendentes faça
nhas de Erickson quando comecei a trabalhar como redator e
compilador no MRJ — Mental Research Institute de Paio Alto.
em 1963. Naquela época eu estava selecionando o material pa
ra ser publicado no livro Técnicas de terapiafamiliar, junta
mente com Jay Haley. Ele tinha gravado muitas horas de con
versas com Erickson e falava-me sobre ele contando uma ane
dota após a outra e eu apreciava-as com todo o encantamento.
Essa experiência foi parte da minha iniciação no campo da
terapia familiar e teve uma grande repercussão em mim.
Dezoito anos mais tarde, senti-me extremamente honrado ao
ser convidado para prefaciar a compilação dos contos didá
ticos de Erickson feita por Sidney Rosen.
Descrever a maneira de trabalhar de Erickson não é
simples, porque ele está na linha divisória entre o médico e
o poeta, entre o cientista e o lírico. Por mais magníficas que
sejam as transcrições dos seus seminários, de alguma for
ma eles sempre nos deixam frustrados. Ocorre simplesmente
que a palavra escrita é incapaz de transmitir as pausas e os
súbitos olhares, penetrantes e expressivos, com que Erick
son permeava seus relatos e não consegue registrar o seu per
feito domínio dos diferentes tons de voz. Em resumo, a pa
lavra escrita não consegue dar uma idéia de como Erickson
insinuava-se diante dos seus ouvintes.
Sidney Rosen resolveu esse problema, ainda que eu não
tenha certeza quanto ao grau de êxito que ele alcançou. Na
qualidade de discípulo, colega e amigo de Erickson. este o
escolheu para preparar este livro e, como de costume, a sua
intuição estava certa e mais uma vez não lhe falhou. Rosen
tem um jeito muito peculiar de nos pegar pelas mãos e de nos
insinuar que Erickson está em nossa presença e não parece
haver entre ele e nós qualquer obstáculo.
Uma vez visitei o Sea World na Flórida e assisti a uma
exibição mostrando o mundo submarino: o público ficava sen
tado num local situado abaixo do nível do solo e separado por
um vidro de um grande tanque de pedras. Aágua era tão clara
e transparente que os peixes que se aproximavam do vidro
pareciam estar flutuando no ar.
A leitura deste livro foi uma experiência semelhante
para mim, porque Rosen consegue fazer com que perceba
mos o campo relacionai e o ambiente natural onde Erickson
vivia e trabalhava. O primeiro capitulo começa com uma ob
servação de Erickson a Rosen sobre a natureza do incons
ciente. Na medida em que Erickson vai adicionando aos seus
relatos as reminiscéncias. dados biográficos pessoais, idéias
curiosas OU atitudes quase não-convencionais, Rosen tam
bém apresenta pequenos comentários sobre o seu encontro
pessoal com Erickson. suas associações diante de algum re
lato em particular e a forma como ele (Rosen) empregou es
sas histórias no seu próprio trabalho como terapeuta: por sua
vez, vai explicando as diversas técnicas que os vários rela
tos exemplificam. Assim, o comentário de Rosen e em si
mesmo o cenário relacionai onde tais relatos acontecem.
Além disso, em nenhum momento Rost;n parece estar
escrevendo, mas simfalando, fazendo um paralelo entre ele
eErickson: e seuestilo é agradável ecordial, isentode tecni-
cismos. e muito objetivo. Deliberadamente ou não. Rosen
estabelece um marco bastanteneutro como que para ressal
tar, sobre este fundo, o colorido e o brilho das histórias
ericksonianas. De qualquer forma, o efeito geral transcen
de o de cadaelemento em particular. Muito atento às minú
cias de cada anedota, este experiente hipnoterapeuta e talen
toso operador das técnicas de Erickson entrega-nos assim
um livro que é. de fato. um relato didático sobre contos di
dáticos.
É interessante mencionar comosurgem os comentários
de Rosen a partir dos relatos de Erickson. tomando como
exemplo a primeira parte do capitulo 3. "Confia no teu in
consciente". Começa contando brevemente, que numa opor
tunidade em que Erickson teve que fazer um discurso de im
proviso, ele disse a si mesmo que deveria confiar no depósi-
' to de idéiase experiências acumuladas no inconsciente atra
vés dos anos. Rosen destaca o tema da confiança nos pró
prios poderes inconscientes e inclui, em seguida, uma peque
na história com o título de "Nevisca". que em sua simplici
dade gira em torno de uma recordação de infância edo mo
mento em que esta recordação foi implantada na memória.
Aesse relato seguem-se outros dois sobre omesmo tema. No
último. Erickson conta-nos de quando ele tinha quatro anos
e ainda não falava, e para as pessoas que se inquietavam com
esse fato a sua mãe dizia: "Vai falar, quando chegar o mo
mento." Rosen interrompe aqui a série de relatos para nos
dizer, resumidamente, que esta é uma boa história para con
tar aos pacientes que estão aprendciidu a entrai em tiaubc.
O relato a seguir é esplêndido. Intitula-se "Cocar por
cos". Descreve a época em que o jovem Erickson vendia li
vros para pagar os estudos, e numa ocasião quando tenta-
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va vender alguns a um velho granjeiro. difícil de se conven
cer: este lhe disse que não queria comprar livro algum eque
fosse oferecer a outros. Num impulso. Erickson pega alguns
gravetos do chão e começa a cocar as costas dos porcos que
o granjeiro estava alimentando naquele momento. No mes
mo instante ogranjeiro muda de opinião e resolve comprar
os livros, porque, afirma ele. "você sabe como cocar porcos".
Em seguida. Rosen comenta a anedota e passa a des
crever a ocasião em que a escutou pelaprimeira vez. Ele havia
perguntado a Erickson qual a razão de ele tè-lo escolhido para
escrever o prefácio do seu livro Hypnotherapy. Depois de
explicar o porquê Erickson acrescentou: "Gosto da maneira
como você coca os porcos."
Esse fragmento dá-nos uma idéia da bela estrutura des
te livro. Cada relato é tratado como se fosse um objeto pre
cioso de uma coleção, um objeto que está coberto de recor
dações. ERosen divide com o leitor os diferentes significa
dos que esses objetos despertam nele como pessoa e como
profissional. Se eu fosse tão sagaz como aquele granjeiro.
compraria o livro. Sidney Rosen sabe comococar porcos.
Lynn Hoffman
Instituto Ackerman de Terapia Familiar
Introdução
^rt^^-^^A
No dia 27 de março de 1980. uma quinta-feira, telefo
naram-me do meu escritório de Nova Iorque para Snowbird.
Utah. onde estava esquiando na temporada de férias, comu-
nicando-me que Milton Erickson havia falecido. Pensei em
Betry Erickson e liguei para ela imediatamente. Ela me dis
se que na sexta-feira Erickson havia concluído seus habituais
cursos semanais e autografado doze livros: no sábado sen
tiu-se um pouco cansado o dia todo e no domingo pela ma
nhã, repentinamente, deixou de respirar. Betty aplicou-lhe
respiração artificial e conseguiu reanimá-lo. Uma equipe de
paramédicos ajudou a levá-lo para o hospital, onde não con
seguiram aumentar sua pressão arterial (cujo nível sistólico
estava a 40). nem mesmo com injeções de dopamina. Ficou
evidenciado que Erickson havia sofrido um "choque séptico".
diagnosticado como uma infecção de estreptococos beta. que
se manifestou sob a forma de uma peritonite. Foram-lhe ad
ministradas grandes quantidades de antibióticos, mas ele não
reagiu.
A numerosa e muito devotada família de Erickson —
quatro filhos e quatro filhas, netos e bisnetos — veio de vá
rios lugares dos Estados Unidos e permaneceu com ele. en
quanto estava em estado semicomatoso. Pelo que se comen-
tou. provavelmente Erickson tenhamorrido como muitas ve
zes disse que queria fazè-lo: sorridente, rodeado por fami
liares e amigos. Estava então com 78 anos de idade.
Perguntei a Betty onde seriam os funerais e ela respon
deu-me: "Não se preocupe. Sid. Faremos apenas uma reu
nião íntima. Você sabe. muitas pessoas estão planejando fazer
homenagens à memória de Erickson em diversas cidades do
país." Por sorte pude chegar de carro até o aeroporto de Salt
Lake City e viajar para Phoenix num vôo direto. O clima quen
te e ameno de Phoenix contrastava com o vento e o frio das
montanhas que acabava de deixar.
A reunião realmente foi íntima. O corpo de Erickson foi
cremado e suas cinzas espalhadas pelo pico Squaw. perto da
sua casa. Durante a cerimônia, quatro pessoas falaram:
Jeffrey Zeig. Robert Pearson, Kay Thompson e Ernest Rossi.
Lembro-me das palavras finais de Pearson: Erickson desa
fiou sozinho o sistema psiquiátrico estabelecido e o estreme
ceu. Eles. entretanto, não se deram conta... Rossi contou um
sonho que havia tido um pouco antes de receber a notícia da
morte de Erickson e do qual despertou em lágrimas.
Logo após os funerais, Betty disse que tinha algo para
mim; eram as cartas trocadas entre Erickson e Salvador
Minuchin. Ele havia conhecido pessoalmente Erickson ape
nas uma semana antes da sua morte. Erickson não chegou
a ler a última carta que Minuchin havia lhe enviado, mas
Betty respondeu-a devidamente e pediu-lhe permissão para
que eu fizesse uso daquelas cartas neste livro. Minuchin gen
tilmente concordou.
A última carta começa assim: "Nosso encontro foi uma
experiência inesquecível. Em toda minha vida conheci muitas
pessoas extraordinárias: você é uma delas." E mais adiante:
"Fiquei imensamente impressionado com a sua capacidade de
apreciar momentos simples e descrevè-los em toda a sua pro
fundidade, assim como com sua confiança na capacidade dos
seres humanos para usar o repertório de experiências que eles
têm dentro de si mesmos e que no entanto o ignoram."
Quando visitei Phoenix em 1979. fui convidado ador
mir na pequena casa de hóspedes anexa ao consultório de
Erickson. Aproveitei aoportunidade para dar uma olhada na
sua biblioteca e fiquei impressionado com a quantidade ae
livros que tinham dedicatórias dos seus autores com teste
munhos de graüdão. Esses livros não eram apenas sobre hip
nose epsicoterapia. mas também sobre muitos outros assun
tos: sobre Gurdjieff. sobre planejamento urbano, sobre lite
ratura. As dedicatórias beiravam a devoção, como porexem
plo: "Obrigado por ensinar-me adiferença entre aerudição
e a sabedoria."
Para aqueles que. como eu. acompanharam aobra de
Erickson desde as décadas de 40 e 50. era gratilicanie sa
ber que. aos quase S0 anos. ele finalmente havia sido reco
nhecido por um público mais amplo, eque seus métodos e
técnicas poderiam beneficiar muito mais pessoas. Desde cedo.
nos círculos profissionais de hipnose. Erickson era conside
rado uma personalidade proeminente. Foi fundador edire
tor daSociedade Norte-americana de Hipnose Clinica. Na dé
cada de 50 teve sob sua responsabilidade a redação do arti
go sobre hipnose para a Enciclopédia Britânica. Freqüen
temente diversos profissionais solicitavam suaopinião sobre
hipnose eestados alterados da consciência. Nessa mesma dé
cada hipnotizou Aldous Huxley ecolaborou com ele no es
tudo desses estados. Margaret Mead estudou com ele durante
mais de quarenta anos. inclusive chegou a lazer parte da So
ciedade de Hipnose Clínica. Jána década de 40. a revista Life
escrevia sobre a obra de Erickson. Em 1952. participou ati
vamente das Conferências Macy. onde autoridades como
Gregorv Bateson. Margaret Mead eoeminente psicanalista
Lawrence Kubie debateram questões que levaram a criação
da cibernética. Apesar disso, a maioria dos leigos e muitos
psicoterapeutas jamais haviam ouvido talar de Erickson.
Quando seu nome era mencionado, omais comum era ou
vir-se: "Ah! Sim. Erik Erickson!"'
'. Retcre-se ao céiebTe^ca^alisia. autor de Infância esoledade. IdctUidadcjuventude ecrjse eOs sonhes de Sigmund Freud interpretados etc. !N. I ,
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O interesse por Milton Erickson foi estimulado pelos li
vros de Jay Haley. que estudou durante dezessete anos com
ele e tornou-se um importante expoente da terapia familiar.
Mais recentemente, também os escritos, seminários e
workshops de Richard Bandler e John Grinder difundiram
as idéias ericksonianas.
A lista de pessoas que desejavam participar das ses
sões de grupo conduzidas por Erickson era grande. A todos
os que no último ano o procuraram com tal propósito, foi dito
que teriam que esperar mais de um ano e que não seriam pro
gramados novos grupos até o término do Congresso Interna
cional de Hipnose Ericksoniana. que aconteceria em PhoenLx.
em dezembro de 1980.
Ao apresentar sua obra a profissionais, com demons
trações práticas de hipnose e. às vezes, com a ajuda de fitas
de vídeo, comprovei que muitos ficavam ansiosos para visitá-
lo pessoalmente. Como isso era impossível para a maioria,
eu me perguntava quais aspectos dos seus ensinamentos po
deriam transmitir melhor, a essas e a outras pessoas, a es
sência dos seus métodos terapêuticos e ao mesmo tempo um
sentimento de contato pessoal com ele.
Recordo um diálogo que aconteceu em 1979 entre Erick
son e um dos psiquiatras que assistia a um dos seus semi
nários. Em um determinado momento. Erickson voltou-se
para o psiquiatra e. sorrindo, perguntou-lhe: "Por acaso você
pensa que a terapia consiste apenas em contar histórias?"
Pois bem. ainda que fosse óbvio que a terapia ericksoniana
não consistisse unicamente em contar histórias e anedotas,
o certo é que um dos seus elementos fundamentais era o que
eu denominei "contos didáticos".
Em agosto de 1979. Erickson autorizou-me a escrever um
livro sobre esses "contos didáticos": em novembro desse mes
mo ano aceitou ser co-autor do livro e firmamos nosso contrato
de edição uns três meses antes do seu falecimento.
Esses "contos didáticos." foram narrados por Erickson
aos seus pacientes e alunos durante vários anos. Nos últi
mos seis anos. aproximadamente, reuniu-se com grupos de
psicoterapeutas quase todos os dias. em sessões contínuas
de quatro a cinco horas de duração. No decorrer dessas ses
sões, falava-se sobre a hipnose, a terapia e a vida. e Erick
son apelava generosamente a esses "contos didáticos".
A maioria dos nomes das pessoas que aparecem nas
histórias que se seguem são fictícios, com exceção dos mem
bros da família Erickson; esses últimos asseguraram-me que
não faziam nenhuma objeção à utilização de seus nomes.
Devo agradecer a Elaine Rosenfeld. Dava Weinstein e
Joan Poelvoorde a ajuda que me prestaram para conseguir
o material; a Ernest Rossi. pelo seu apoio e alento, e a Jeffrey
Zeig. pelo tempo que generosamente gastou comigo e por suas
inestimáveis idéias. Betty Erickson merece um agradecimen
to especial, pela confiança que depositou em mim. sabendo
que eu não faria por desmerecer a obra do seu esposo, as
sim como pelo tempo que dedicou revisando o manuscrito e
os relatos relacionados com a família, e por sua insistência
para que eu fosse exato até nos mínimos detalhes. Portan
to, cabe a mim a responsabilidade por qualquer desvio em
relação às normas por ela estabelecidas.
Sidney Rosen
Nova Iorque. 1981
"£ quero que escolhas um momento no passado em que tu eras
uma menina muito, muito pequena. E a minha voz irá contigo.
E a minha voz se cornará a voz dos teus pais. teus vizinhos.
teus amigos, teus colegas de escola, teus colegas de brinca
deiras, tuas professoras. E quero que te vejas sentada na sala
de aula. uma menina pequena que se sente contente com al
guma coisa, algoque aconteceu há muito tempo, algo que tu
já linhas esquecido há muito tempo.'
Milton H. Erickson
'Um homem queria saber algo sobre a sua mente, pesquisando
não na natureza, mas sim no seu computador pessoal. Pergun
tou a este (sem dúvida em seu melhor Fortran): 'Imaginas que
um dia chegarás a pensar como um ser humano?' A máquina
começou a analisar seus própnos dados cie computação efi
nalmente imprimiu sua resposia numa folha de papel, como
fazem estas máquinas. O homem correu em busca da respos
ta e encontrou nitidamente impressas as seguintes palavras:
ISTO ME LEMBR.A UMA HISTÓRIA."
Gregory Buieson
\tind and nature
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Capítulo 1
Mudando a mente inconsciente
"Oque você não percebe. Sid. é que a maior parte da sua
vida está determinada de forma inconsciente." Quando escutei
essas palavras de Erickson. reagi da mesma forma como fa
zem muitos dos meus pacientes quando eu digo a mesma coisa
para eles. Eu pensei que o que ele queria dizer era que a mi
nha vida estava predeterminada, e que tudo o que eu pode
ria esperar era prevenir-me desses determinismos inconsci
entes tão firmemente estabelecidos. Porém, mais tarde, com
preendi que o inconsciente não é imutável. Todas e cada uma
de nossas experiências atuais afetam tanto nossa mente cons
ciente quanto nossa mente inconsciente. Se leio algum texto
que me inspira, minha mente inconsciente terá se modifica
do; o mesmo acontece se conheço uma pessoa importante —
importante para mim. Na verdade, a eficácia de qualquer
psicoterapia fundamenta-se na capacidade da pessoa para se
transformar, em grande parte em conseqüência de um encon
tro com outra ou com outras pessoas.
Na minha opinião essa mudança acontece de manei
ra tanto mais efetiva e permanente, quanto mais se empe
nha o terapeuta para influenciar as questões inconscientes
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32 Sidney Rosen
do seu paciente que. freqüentemente, incluem seus valores
e marcosde referência. Erickson sustentava este mesmo pon
to de vista e, até o final da sua vida, desenvolveu um méto
do muito frutífero para alcançar este objetivo: seus seminá
rios didáticos.
Na última vez em que o encontrei, ele explicou-me como
havia surgido a idéia desse método: "O tempo que eu dedi
cava a um só paciente era excessivo. Meu propósito era real
mente ensinar muitas pessoas a pensar e a trabalhar seus
problemas. Tenho recebido dezenas e dezenas de cartas que
dizem: 'Você mudou por completo a minha maneira de tra
tar meus pacientes.' Tenho um grande número de pacientes,
porém os vejo cada vez menos. É cada vez maior a quanti
dade de pacientes que eu atendo e com um tempo de dura
ção cada vez menor." Eu perguntei: "E isto é conseqüência
de...?" E ele respondeu: "Do fato de eles terem vindo aqui e
terem me deixado lhes contar algumas das minhas histórias.
Depois retornavam ao lugar de onde vieram e modificavam
a sua prática clínica."
Corno é óbvio, o trecho "do fato de eles terem vindo aqui
e me deixado lhes contar algumas das minhas histórias" im
plica expectativas e mensagens em muitos planos. Por exem
plo, qualquer um que passasse um tempo com Erickson pro
vavelmente acabaria experimentando diversos níveis de tran
se hipnótico. A pessoa que tem expectativas positivas, em
estado de transe, encontrava-se em melhores condições para
acolher as mensagens e influências que Erickson lhe trans
mitia por meio de suas histórias. Ele afirmava que se o seu
ouvinte "se esquecia" de algumas dessas histórias, ou seja.
se desenvolvia uma amnésia em relação à história, seu efei
to podia ser ainda mais forte.
Em seu hábito de contar anedotas e casos. Erickson
seguia uma tradição muito antiga. Os contos e lendas têm
sido utilizados desde tempos imemoráveis para transmitir
valores morais, éticos e culturais. Sabe-se que uma pílula
amarga pode ser engolida mais facilmente se for envolvida com
uma cobertura doce. Pode ser que as pessoas se chateiem
Minha voz irá comigo 33
com uma preleção moral direta, no entanto, a orientação e
as diretivas de outrem lhes parecem mais aceitáveis quan
do estão inseridas em uma história interessante, divertida
e bem contada. Com esta finalidade, os relatos de Erickson
apelam a muitos artifícios de narração, incluindo o uso do
humor e de informações interessantes — por exemplo, da
dos médicos, psicológicos e antropológicos pouco conhecidos.
As sugestões terapêuticas vêm intercaladas em histórias cujo
conteúdo tem um vínculo muito remoto com as inquietações
do paciente e com os temas que o terapeuta enfoca de ior-
ma ostensiva.
O estado de transe, segundo Erickson. é aquele em que
mais probabilidades existem para que se produzam a apren
dizagem e a abertura para uma mudança: não se reiere a um
estado de sonolència induzida. Os pacientes não são "sub
metidos" nem dirigidos pela vontade do terapeuta. nem per
dem o controle sobre os seus atos. Na realidade, o transe é
um estado natural, que todos nós experimentamos. O esta
do de transe com o qual estamos mais familiarizados é o do
sonho acordado ou devaneio, mas também se produzem es
tados de transe quando meditamos, oramos ou realizamos
determinados exercícios — como os exercícios aeróbicos. que
tèm sido conhecidos como uma espécie de "meditação em mo
vimento". Nessas situações, certas experiências sensoriais
e psíquicas interiores assumem um caráter vivido, tanto que
os sons e movimentos exteriores perdem a sua importância.
No estado de transe os pacientes podem compreender
de maneira intuitiva o significado dos sonhos, símbolos e ou
tras manifestações inconscientes. Despreocupam-se das
suas idéias e dos seus problemas e se aproximam do que
Erickson denomina "aprendizagem inconsciente". Podem
aceitar, então, com menos críticas as sugestões do hipno-
tizador. mo entanto, se ciab entram cia choque com os va
lores que o indivíduo apresenta, esta aceitação é apenas tran
sitória ou não se produz. Podem não recordar a experiência
do transe ou parte dela. porém isso não constitui um aspecto
essencial.
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34 Sidney Rosen
Para ajudar o paciente a entrar em transe, o terapeuta
capta a atenção desse paciente e a dirige até o seu interior,
para uma busca interna, de modo a produzir uma resposta
hipnótica. Esta última está relacionada com as necessida
des e expectativas do paciente e com a diretiva dada pelo
terapeuta. e provém naturalmente do seu "amplo depósito de
conhecimentos". As sugestões terapêuticas que induzem a
essa resposta podem ser indiretas e estarem entremeadas
numa conversação corrente ou na narração de uma histó
ria interessante. (Em seu livro. Hypnotherapy, Erickson e
Ernest Rossi descreveram alguns métodos específicos e úteis
para esse fim.)
O terapeuta mantém-se alerta para perceber as mudan
ças sutis que indicam o grau de "atenção responsiva" do in
divíduo: um relaxamento dos músculos faciais, o olhar fixo
sem piscar, uma imobilidade quase total. Se esta constela
ção de elementos estiver presente, o terapeuta pode presu
mir com total segurança que seu paciente entrou num transe
leve. Então pode formular uma sugestão ou simplesmente
dizer a ele: "É isso. Faça isto...", na certeza de que o sujeito
estará acessando materiais relacionados com a sugestão
dada. nas suas jazidas inconscientes.
As histórias de Erickson geralmente seguem modelos
arquetípicos. como os que se apresentam nos contos de fa
das, nas parábolas bíblicas e nos mitos populares. Incluem
quase sempre, como nessas fontes citadas, o tema da bus
ca. O cumprimento de algumas das tarefas estabelecidas por
Erickson talvez não tenha o caráter heróicoda busca do Cas
tiçal de Ouro. mas os sentimentos e dramas interiores são
semelhantes. Em muitas das suas histórias, especialmente
as que falam sobre sua família, existem situações particu
larmente norte-americanas. Por esse motivo se diz que Erick
son é tima espécie de herói popular dos Estados Unidos.
Não obstante, alguém poderia perguntar-se como o sim
ples fato de escutar uma história, ainda que em transe hip
nótico, pode ser proveitoso para um paciente ou para um alu
no. Em muitos aspectos, o efeito é semelhante ao "enlevo"
Minha voz irá contigo 35
que se sente após assistir a um bom filme no cinema. Du
rante a projeção, muitos espectadores entram num estado
alterado de consciência: identificam-se com um ou mais per
sonagens e saem do cinema "transe-formados"*. Mas esse
sentimento dura pouco, mais ou menos dez ou quinze minu
tos. Em contraste com isso. as pessoas que escutaram um
relato de Erickson voltam a referir-se a ele muitos e muitos
anos mais tarde; a mudança que produziu em sua atitude e
em sua conduta pode ter sido permanente.
Erickson explicava a durabilidade dessas mudanças
pelo fato de elas se produzirem no contexto da "hipnose", que
ele definia como "a evocação e a utilização das aprendizagens
inconscientes". Se um terapeuta é capaz, recorrendo ou não
às histórias, de ajudar um paciente a entrar em contato com
seu próprio saber não-aproveitado, o mais provável é que ele
incorpore à sua conduta esses conhecimentos esquecidos e
que traga como resultado um comportamento mais constru
tivo e autofortalecedor.
Em que se diferencia este processo de uma "lavagem
cerebral"? Talvez a principal diferença seja que, sem um re
forço cultural, as lavagens cerebrais tendem a se dissipar.
Por exemplo, durante a guerra da Coréia, muitos prisionei
ros de guerra norte-americanos foram submetidos a lavagem
cerebral para que aceitassem crenças antiamericanas: mi
lhares deles declararam prontamente que queriam perma
necer na China comunista em vez de retornar a sua pátria.
Pelo que parece, sem dúvida, depois de terem sido repatria
dos, a maioria deles, se não todos, voltaram às suas antigas
crenças.
As intervenções de Erickson. ao contrário, provocavam
mudanças que se autoperpetuavam gerando outras mudan
ças. Talvez isso acontecesse porque apontavam na direção do
crescimento e da "abertura" pessoal. Sem dúvida, sua eficá
cia e permanência estavam mais asseguradas numa cultura
* Jogo de palavras: em inçlês trance-Jormcd tem a mesma pronúncia que
transformed (transformado). (N.T.)
36 Sidney Rosen
congruente e sintonizada com a filosofia de Erickson. segun
do a qual cada indivíduo é importante e pode melhorar, e cada
um tem suas próprias possibilidades de crescimento.
MudAINÇA ilNTRApSÍQUÍCA
Como já dissemos, a mente inconsciente pode ser influ
enciada por estímulos positivos externos. O simples fato de re
lacionar-se com um terapeuta como Erickson, otimista e con
fiante no crescimento, pode converter-se num destes estímu
los positivos, o que è reforçado, complementado e direcionado
mediante o apelo das influências dos "contos didáticos". Ao con
tar suas histórias, ele acrescentava dados novos, suscitava no
vos sentimentos, prescrevia novas experiências. Por meio destas
histórias, o indivíduo que tivesse lutado durante anos com sua
própria concepção estreita e culposa de vida. pode encontrar-
se com uma filosofia permissiva e celebradora da vida, como
a de Erickson. E essas idéias penetram nele em muitos níveis,
inclusive no nível inconsciente.
As histórias podem ser apresentadas em estado de vi
gília ou durante a hipnose; em qualquer caso. o paciente des
cobrirá que não tem por que ficar preso às suas arraigadas
e viciosas estruturas de pensamento, que não tem que "ajus
tá-las" à sua limitada filosofia e aos seus limitados mecanis
mos mentais. Em parte, graças a estas histórias, perceberá
que existem para ele novas possibilidades e que é livre para
abraçá-las ou rejeitá-las. tanto em plano consciente como in
consciente.
Em algumas ocasiões, ele se identificará com o perso
nagem de uma história ou com o próprio Erickson — o mes
tre capaz de fazer frente, com êxito, aos árduos desafios da
vida. Experimentará, nesse caso, um sentimento de realiza
ção, que o habilitará para enfrentar determinada situação
com maior confiança em si mesmo. Um exemplo disso é o tra
Minha voz irá comigo
tamentode problemas sexuais como oda ejaculação preco
ce.Se, durante um transe hipnótico, o paciente for capaz de
vivenciar vicariamente o ato sexual, o terapeuta terá acres
centado às suas recordações o sentimento de êxito e a expec
tativa de que esse êxito pode repetir-se.
Portanto, nem todos os contos didáticos de Erickson (e
por certo nenhum deles na sua totalidade) têm a finalidade
de levar ao inconsciente tais aíluxos positivos. Alguns pre
tendem remover e trazer para a consciência uma sensação
de falta de vitalidade, de paralisação ou de falta de autenti
cidade. O sujeito apelará, então, aos seu» próprio» recursos
inconscientes a fim de remediar a situação. Também pode
encontrar, em algumas histórias, apoio emocional e intelectual.
Àsvezes, basta recordar uma única frase dita por Erick
son em suas histórias para que se altere toda a maneira de
viver uma determinada situação. Numa certa ocasião, isso
me aconteceu quando eu caminhava por um campo. De re
pente, veio-me à mente uma pergunta que Erickson me ha
via feito: "Você sabia que cada folha tem um tom diferente
de verde?" Olhei com mais atenção para o campo que me ro
deava. Era verdade! Durante todo o resto do dia caminhei com
os olhos mais abertos do que de costume.
Muitas das histórias de Erickson parecem implicar
interações pessoaise, ainda, uma manipulação de outras pes
soas; e alguém poderia concluir de forma equivocada que o
que ele quer éensinar as pessoas a manipular osdemais. Isso
está muito longe do verdadeiro propósito das histórias, ou
dos seus efeitos, que se manifestam fundamentalmente em
mudanças interiores. Grande parte daqueles que o escuta
ram comprovam que começaram a trabalhar com maior li
berdade e criatividade, e isso. obviamente, procede de cer
tas mudanças interiores. Talvez possamos compreender es
sas mudanças se entendermos as histórias e seus persona
gens como representativos de estruturas psíquicas interio
res. Por exemplo, os pais que aparecem em uma das histó
rias podem representar modelos ou guias, fontes de amor e
de apoio, ou mesmo de orientação irracional; commuita fre-
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38 Sidney Rosen
qüència. representam a origem de forças coativas irracionais.
Omeninode uma história talvez esteja representando o que
temos dentro de nós: esse menino inexperiente, ansioso por
aprender, mas sem saber como fazê-lo. natural e espontâ
neo em sua ingenuidade, dotado de um repertório limitado
de respostas e de conduta. Se o ouvinte identifica-se com esse
menino e ouve que ele conseguiu superar os obstáculos que
se opunham ao seu crescimento e à sua liberdade, não é raro
que se sinta cheio de esperança.
Algumas mudanças intrapsíquicas podem ser conse
qüência do processo de "reparentalização", conceito que
Jacqui Lee Schiffaplicou emseu livroTransactional analysis
treatment ofpsychosis, e do que Erickson empregou mais am
plamente em seu procedimento de substituição das ordens
"parentais" prévias por novas idéias, introduzidas median
te sugestões pós-hipnóticas.
Essas sugestões pós-hipnóticas. às vezes, eram faci
litadas mediante uma frase que Erickson incluía em suas
induções hipnóticas: "Eminha vozirá contigo a todos os lu
gares." Essa frase permitia-lhe manter-se em contatocom
o sujeito em estado de transe, independentemente da pro
fundidade da sua regressão, uma vez que lhe servia como
sinal indicativo das sugestões pós-hipnóticas. Outra frase
que indica essa tendência era: "E verás uma rajada de co
res." Muito depois da sessão terapêutica, quando o pacien
te visse uma "rajada de cores", responderia às outras suges
tões pós-hipnóticas formuladas ao mesmo tempo que essa.
Essas sugestões poderiam incluir diretivas ou idéias que se
riam "ouvidas" (com freqüência na própria voz de Erickson).
como se viessem de um pai introjetado ou um superego. Em
qualquer psicoterapia pode acontecer essa introjeçào da voz
do terapeuta. porém é muito mais provável que isso aconte
ça quando o paciente encontra-se em transe hipnótico. Uma
das possíveis explicações para este fenômeno foi a que deu
Lawrence Kubie. em uma reunião da Associação Psicanalí-
tica Norte-americana, declarando que no transe hipnótico não
há distinção entre o hipnotizador e o paciente. O paciente
Minha voz irá contigo 39
ouve a voz do hipnotizador como se ela viesse da sua própria
mente, como sua própria voz interior. Exatamente como ocor
ria com Erickson. A voz dele tornava-se a voz do paciente, e
ia com este a todas as partes.
Evidentemente que. para transmitir de forma vivida
essas histórias, teríamos que fazê-lo mediante fitas de video.
ou pelo menos com fitas cassetes. Sem dúvida, teríamos as
sim uma idéia melhor da importância das mudanças na voz
de Erickson. suas pausas, a posição do seu corpo em cada
circunstância, seu comportamento não-verbal. Infelizmen
te, na atualidade dispomos de poucas fitas de vídeo, e a maio
ria das fitas cassetes são pouco inteligíveis. Uma das van
tagens da publicação impressa dessas histórias è que. pre
cisamente, assim será mais fácil examiná-las e estudá-las.
Interpretações dos métocJos
TERAPÊUTICOS <jE ErÍc1<SOIN
O conjunto dos casos tratados por Erickson pode re
velar curas que parecem mágicas, e certas pessoas reagiram
com uma certa incredulidade, outras tantas imaginaram que.
ainda que fossem escritos de forma muito correta e atrati
va, os relatos eram fictícios. Minha observação pessoal de
Erickson. em seu trabalho com pacientes, permite-me asse
gurar que alguns desses relatos, pelo menos, nada têm de
fictício. E ainda mais. creio que todos eles atêm-se aos fei
tos, e o trabalho editorial a que foram submetidos não fez
mais do que torná-los legíveis e mais interessantes do que
acontece habitualmente à maioria dos informes clínicos. Há
também pessoas convencidas de que Erickson conseguia com
seus pacientes, alunos e outros terapeutas mudanças reais
incríveis, mas sustentam que, provavelmente, essas mudan
ças eram resultado de algum carisma especial, que não era
passível de ser ensinado a outros terapeutas. Não obstante.
40 Sidney Rosen
nos últimos tempos, houve tentativas de estudar de forma
mais analítica suas modalidades de comunicação.
No seu livro Terapia não-convencional. Jay Haley colo
cou em evidência o caráter estratégico do método de Erick
son. Haley definiu a "terapiaestratégica" como aquela na qual
"o clínico toma a iniciativa do que deverá ocorrer durante a
terapia e estabelece um método particular para cada proble
ma". Destacou que Erickson não apenas se comunicava me
taforicamente com seus pacientes, como também "operava
dentro da metáfora para produzir uma mudança". Assina
lou que Erickson evitava as interpretações e que, ao seu juízo.
"as interpretações tradicionais, via insights, das comunica
ções inconscientes são absurdamente reducionistas, como
se pretendêssemos resumir a obra inteira de Shakespeare em
uma única frase". Haley destacou que entre as característi
cas principais da terapia ericksoniana encontravam-se o
"alento da resistência", o "oferecimento de uma alternativa
pior", a "frustração de uma resposta para alimentá-la", a
"semeadura de idéias", o "exagero estratégico de uma pato
logia" e a "prescrição do sintoma".
Bandler e Grinder. com seu enfoque "neurolingüístico".
interpretaram microscopicamente as comunicaçõesde Erick
son. assinalando, por exemplo, sua tendência para "marcar"
as sugestões que eram intercaladas em um relato. Realiza
va essa "marcação" por meio das pausas, do tom de voz. das
mudanças de postura corporal: e. também, acrescentando,
antes da sugestão "marcada", o nome do paciente.
Ernest Rossi. nos livros. Hypnotic realities e Hypno-
therapy. dividiu em cinco etapas as induções hipnóticas de
Erickson e suas formas indiretas de sugestões. Essas eta
pas são: 1) a fLxação da atenção: 2) a despotencializaçáo dos
marcos de referências c dos sistemas habituais de crenças:
2) a LuoU inconsciente: 4) o piw,.^^ inconsciente c Z) a
resposta hipnóüca. Cadauma dessas etapas conduz à seguin
te. Os autores denominaram esse método hipnoterápico de
"método utilizacional". Nessas obras e nas de Watzlawick.
Change e The language ofchange. analisa-se a tese de que
Minha voz irá contigo
41
Erickson comunicava-se com ohemisfério direito do cérebro,
que se ocupa . -vdmente dos processos primários, a lin
guagem arca: - moções, oespaço, as formas eas imagens.
Em Os seminários didáticos com Milton H. Erickson".
Jeffrey Zeig enumera as seguintes vantagens para ouso das
anedotas na terapia: 1) As anedotas não implicam ameaça.
2) Captam ointeresse do ouvinte. 3) Estimulam a indepen
dência do indivíduo, que é quem tem que conferir sentido à
mensagem, extrair suas próprias conclusões ou tomar deci
sões por suaprópria iniciativa. 4) Podem ser utilizadas para
superar a resistência natural às mudanças. 5) Podem ser
em; eçadas paracontrolara relação estabelecida com opa-
cie:.ier6) Oferecem ummodelo de flexibilidade. 7) Podem criar
confusão e assim promover no paciente uma boa resposta
hipnótica. 8) Imprimem sua marca na memória, fazendo com
"que a idéia exposta seja mais facilmente lembrada".
AplicAÇÕES dos reIatos didÁiicos ,na ierapía
Um dos métodosmais úteis e importantes de Erickson
éoque poderíamos denominar "leitura da mente". Observan
do minuciosamente a conduta e as respostas dos pacientes
e mostrando-as como se reiletidas num espelho. Erickson
transmitia-lhes a sensação deque sua mente era lida por ele
eque ele realmente os conhecia. Esse tipo de "conhecimen
to" cria uma relação íntima. O rapport. esse vinculo de aii-
nidade. que é imperativo alcançar emqualquer psicoterapia.
aparentemente se estabelece com mais rapidez durante a
hipnose. (É interessante destacar, nesse sentido, que Anton
Mesmerfoi o primeiro a utfliaa.ro termo rapportna terapia.)
Amaioria dos terapeutas. independentemente cia "escola" a
que pertençam, concorda com a grande importância desse
• Editorial Psv. Campinas. 1995.
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42 Sidney Rosen
"vínculo médico-paciente". o rappon. Um forte vínculo tera
pêutico faz com que o paciente sinta-se confiante, seguro e
compreendido; que possa aventurar-se. tanto no mundo ex
terior como no interior, com mais firmeza e maior disposi
ção a correr riscos.
O tipo de "conhecimento" a que fizemos referência é
muito diferente do modo habitual como o terapeuta analíti
co chega a conhecer "sobre" seu paciente. Sendo assim. Erick
son não precisava contar com grande quantidade de ante
cedentes sobre um paciente, muito menos sobre seus sinto
mas. Éválido especular que seu conhecimento era "intuiti
vo", mas somente se entendermos que sua intuição basea
va-se num vasto, trabalhoso e minucioso treinamento de
observação. Isso não incluía apenas questões simples, como
movimentos corporais, respiração e pulsação (observados no
pescoço), mas também as reações do indivíduo ao escutar as
histórias. Por exemplo, se num determinadoponto da his
tória ele endireitava-se na cadeira ou ficava imóvel, isso era
um indício claro de que Erickson havia tocado num ponto-
chave. Então Erickson recorreria a alguma outra história ou
desenvolveria mais a que estava relatando, de forma a inten
sificar essa resposta. Suas histórias não eram somente te
rapêuticas, eram também procedimentos diagnósticos.
Os contos didáticos eram sempre aplicados por ele —
e devem ser —em conjunção com outros princípios da tera
pia ericksoniana. já esboçados por Haley e outros autores,
como a prescrição do sintoma, a utilização da resistência e
o reenquadramento. Às vezes, ele prescrevia ao paciente a
realização de certas atividades e ainda impunha tarefas pe
sadas ou sacrificadas. A mudança acontecia com o resulta
do da interação de tais atividades com as modificações intra-
psiquicas. no contexto de um vínculo médico-paciente estreito
e confiável.
Segundo o que ele mesmo declarou, no seu livroHypno-
therapy. Erickson captava a atenção do paciente por meio da
surpresa, do impacto, provocando dúvida e confusão, recor
rendo amplamente a suas histórias, a inferências tácitas.
Minha voz irá contigo 43
perguntas, brincadeiras e trocadilhos. Todas as suas histó
rias tinham estrutura e argumento e quase sempre tinham
um final feliz. Avançavam até um certo "clímax" para dar
lugar posteriormente a uma sensação de alívio ou de êxito.
O emprego dos contos didáticos realça um princípio formu
lado por Erickson em Hypnotic realities: "Quando você abor-,
dar um problema difícil, faça dele um esquema interessante.
Então poderá concentrar-se nesse interessante esquema e
superar a tarefa angustiante que esse problema implica." Em
primeiro lugar, precisamos identificar um esquema inte
ressante nas respostas e sintomas do paciente: em seguida,
escolher uma ou várias histórias que forneçam uma primeira
analogia desses primeiros esquemas do paciente, para então,
mais tarde, obter um esquema melhor. Erickson o expôs nes
tes termos para sua nora Cookie: "Primeiro, você deve ofere
cer um modelo de acordo com o mundo do paciente. Então,
ofereça como modelo opções relacionadas a esse mundo." Um
exemplo disso é o seguinte relato, intitulado "Prazer vicioso".
Prazer vicioso
"Uma mulher de pouco mais de 30 anos chegou e dis
se: Eu acho que você não quer me atender.' Disse-lhe: 'Isto
é o que você supõe. Interessaria saber o que eu suponho?"
'A verdade", continuou ela. 'é que não mereço a sua aten
ção. Quando eu tinha 6 anos. meu pai abusou sexualmente
de mim: desde então até os 17 anos. utilizou-me como obje
to sexual de forma regular, várias vezes por semana. E cada
vez que ele fazia isto. eu ficava atemorizada e paralisada de
terror. Sentia-me suja. vulgar, envergonhada, uma pessoa
insignificante. Quando completei 17 anos. pensei que era
bastante forte para afastar-me dele e segui meu caminho até
que terminei a escola secundária, na esperança de que isso
daria respeito por mim mesma. Mas não foi assim. Pensei
44 Sidney Rosen
então que um diploma de licenciatura em artes me daria esse
auto-respeito. Abri meu caminho para a universidade. Sen
tia-me envergonhada, vulgar, indecente. Era um terrível sen
timento de desengano. Pensei que a licenciatura me daria esse
auto-respeito, mas não foi assim. E durante toda minha car
reira universitária, até a licenciatura, faziam-me propostas
amorosas. Isso provava que não era merecedora deste auto-
respeito. Pensei em seguir o doutorado, mas os homens con
tinuaram fazendo-me propostas. Até que abandonei os es
tudos e tornei-me uma prostituta vulgar. Mas isso não é mui
to agradável. Um certo homem convidou-me para viver com
ele. Bem. uma moça precisa comer e ter um teto para se abri
gar, e, pensando assim, eu acabei aceitando.
O sexo foi para mim uma experiência horrível. Um pê-
nis é algo tão duro e tão ameaçador... Eu ficava passiva, cheia
de temor. Era uma experiência horrível e penosa. Esse ho
mem cansou-se de mim e fui viver com outro. E o mesmo
voltou a acontecer uma e outra vez. até que decidi vir até aqui
para consultá-lo. Sinto-me um lixo. Um pênis ereto aterro
riza-me e deixa-me impotente, débil e passiva. Fico conten
te quando o homem acaba.
Mas o certo é que tenho que viver. Preciso vestir-me e
ter um teto para me abrigar. Eu sinto essencialmente que não
mereço nada mais do que isto...'
Eu disse: 'É uma triste história. E a parte realmente
triste de tudo isto é... que você é uma imbecil! Você me dis
se que tem medo de um pênis ousado, duro e ereto! E isso é
imbecil! Você sabe que você tem uma vagina. e eu também
sei. Uma vagina é capaz de transformar o maior pênis, o mais
ousado e prepotente pênis. num objeto completamente des-
valido e frouxo. E sua vagina pode extrair um prazer vicioso,
reduzindo-o a esse objeto frouxo, impotente e semimorto.'
Houve imediatamente uma transformação no seu ros
to, seu semblante ficou maravilhoso e iluminado. Tenho que
regressar a Los Angeles", disse-me. "Posso voltar a vê-lo dentro
de um mês?" "Claro que sim", assegurei.
Minha voz irá comigo 45
Um mès mais tarde ela voltou e disse: 'Você tinha ra
zão! Fui para a cama com um homem e tive um enorme pra
zer vicioso em deixá-lo em frangalhos. Não me custou mui
to tempo consegui-lo e eu também obtive um certo prazer.
E logo provei com outro homem e aconteceu omesmo. Ecom
outro. È um prazer enorme! Agora vou obter meu doutora
do e dedicar-me à psicopedagogia. e esperar até que apare
ça um homem com o qual eu tenha vontade de viver."
Eu chamei-a de "imbecil". Realmente consegui captar
sua atenção. E logo disse "prazer vicioso". Sem sombra de
dúvidas, ela sentia-se ultrajada pelos homens e em seguida
eu mencionei "prazer"."
Quando Erickson contou-me essa história, eu comen
tei: "Pela forma como você descreveu aquele pênis duro... fez
parecer que ele era muito atraente e... enigmático. Da for
ma como você o fez. houve também uma certa sedução ver
bal. Você estava penetrando-a verbal e imaginariamente."
A primeira parte do relato que termina com "... não
mereço nada mais do que isto" é uma apresentação do paci
ente de um modelo do seu próprio mundo. Quando se conta
isso a uma pessoa que tenha procurado, infrutiferamente.
superar sua escassa auto-estima mediante mudanças exte
riores (alcançar títulos universitários, deixar-se utilizar pe
los outros) e essa pessoa sente-se ainda ameaçada por algum
estímulo fóbico (como o que representa "um pênis dtiro e
ameaçador"), existemboas possibilidades de que reconheça,
pelo menos num plano inconsciente, que a história laz um
paralelo com seu mundo real.
A segunda parte, a de "oferecer ao paciente as opções já
disponíveis noseu mundo", e cumpridapor Erickson. uma vez
que eleconseguiu atrair a atençãodo indivíduo. Supostamente,
qualquer um que narrasse essa história captaria a atenção do
ouvinte graças ao seu impacto dramático: o uso de palavras.
como "vagina", "audacioso pênis duro e ereto" e "imbecil".
Essas opções são modeladas não só pelo conteúdo das
sugestões de Erickson. mas também por sua atitude despreo-
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cupada e pelo humor com que repete e reenquadra o pro
blema, apresentando, em seguida, umareformulação da con
duta da paciente em seu empenho por "viver". Oproblema
—temor dos homens e o autodesprezo —é reenunciado da
seguinte forma: "Você está dizendo que tem medo de um
pênis audacioso, duro e ereto." Apalavra "medo" condensa
os temores da paciente, não apenas no que diz respeito aos
homens, mas também à vida em geral. Eéassegurado a ela.
firmemente, que esse temor é "imbecil" (já que ela considera
va-se uma imbecil). Asentença: "Esse pênis duro e audacio
sopode entrar em suavagina" éuma sugestãopós-hipnótica.
que. ao ser aceita pela paciente, trar-lhe-á à memória uma
visão um tanto maternal e gostosa desse pênis. antes amea
çador —esse "pênis duro e audacioso" que. de tanto repe
tir a frase. Erickson a transformou numa gozação, numa
brincadeira.
Oúlümo eelegante passo deste reenquadramento. para
o paciente, se dá quando Erickson diz: "E sua vagina pode
extrair um prazer vicioso, reduzindo-o a um objeto desvali-
do e frouxo."
Para o leitor, a etapa final dessamodelagem depapéis
é a resolução do problema ou a cura. que. no presente caso.
Erickson fez com quea própria paciente descrevesse. Quando
ele ou qualquer outra pessoanarra um relato como esse. fica
no ouvinte a esperança de que osproblemas desse tipo pos
samser resolvidos. E. como foi dito. os "problemas desse tipo"
não são apenas as dificuldades sexuais provocadas por um
eventual incesto, mas também podem incluir temores fóbicos.
situações que geram ansiedade ou impedimento para a afir
mação da própria personalidade. As metáforas desse relato
oferecem muitos "ganchos" nos quais pode pendurar-se toda
sortede problemasde enfado, desamparo e auto-afirmação.
"Prazer vicioso'* é umbelo exemplo do usodo reenqua
dramento para trocar um sentimento de impotência passi
va por umde domínio ativo. Também demonstracomo se pode
apelar ao reenquadramento para tirar uma pessoa de uma
posição de submissão para uma outra posição, na qual é ela
Minha voz irá contigo 47
quem controla. Por mais que a paciente houvesse acentua
do seu temor e impotência. Erickson advertiu-a de que tinha
também um intenso ressentimento pelos homens e ligou-o
com um potencial prazer: foi daí que ele empregou a evocativa
frase "prazer vicioso".
Depois de ler esse relato, nos sentiremos mais inclina
dos a admitir nossos ressentimentos e carregá-los? Estare
mos em melhores condições para enfrentar as forças que nos
avassalam. e comprazer-nos em dominá-las e reduzi-las à
impotência?
É provável que o terapeuta que se utilize dos contos
didáticos de Erickson experimente uma diminuição da sua
ansiedade habitual: poderá, então, concentrar-se melhor no
assunto e ajudar o paciente a mostrar-se mais autêntico, a
buscar novas soluções para suas dificuldades e novos pon
tos de referência. O simples fato de dispor de um repertório
de histórias pode dar ao terapeuta um sentimento de con
trole, domínio e competência. E. ainda ao ler ou narrar os
relatos de Erickson. não é raro que ele mesmo entre em es
tado de transe, seja por suas associações relacionadas com
Erickson. seja pelo "efeito hipnótico" inerente à história. E
esse estado de transe não apenas diminuirá sua ansiedade,
mas também dará mais espaço às suas associações incons
cientes. Desta forma, estará mais habilitado a ajudar o pa
ciente a abandonar suas angústias, explorar suas potencia
lidades e descobrir novas maneiras de ver as coisas.
Eu comprovei que para o terapeuta o melhor procedi
mento para a seleção de histórias consiste em entregar-se às
suas próprias associações livres, entendendo por elas não
apenas as do tipo intelectual, mas também as respostas cor
porais, emoções, percepções e. em particular, as imagens.
Darei alguns exemplos da minha aplicação das histórias de
Erickson no tratamento dos meus pacientes.
O primeiro foi um jovem senhor judeu de 30 anos de
idade. Foi-me indicado por sua esposa, que havia lido sobre
as técnicas ericksonianas e pensava que eu poderia ajudar
48 Sidney Rosen
seu marido a resolver um problema bem antigo: era-lhe im
possível levantar-se da cama numa hora razoável. Desde que
cursara o décimo grau da escola judaica, jamais tinha con
seguido levantar-se antes das 11 ou 12 horas da manhã. Por
causa disso, não conseguiu manter nenhum emprego: não
obstante, acomodou-se trabalhando nos negócios da famí
lia. Fazia um ano que estavam casados, e a esposa achava
desagradável ter que perder diariamente uma hora pela
manhã, tentando fazer seu marido levantar-se.
Na primeira sessão o paciente contou-me que havia sido
hipnotizado várias vezes por um hipnotizador muito conhe
cido. Este havia manifestado sua satisfação com o pacien
te, mas o paciente não estava igualmente satisfeito. Eu rea
lizei uma indução hipnótica tradicional, empregando as téc
nicas da levitação de braço e da fixação ocular; ele chegou a
fechar os olhos e sentir a sensação de peso no braço.
Ainda assim, no final da sessão, ele insistiu que não havia
sido hipnotizado, que simplesmente quis cooperar comigo —
apesar de ter-lhe dito para que não cooperasse comigo. Lo
go após o término da sessão ele ligou-me para dizer que quan
do falou para sua esposa do procedimento hipnótico que eu
empreguei, ela duvidou que o método fosse suficientemen
te "não-convencional" para ser considerado um método
ericksoniano.
Na segunda sessão, comecei advertindo-os: "Já estamos
.♦»*>*£,eíWeí|Cidosde que você não pode ser hipnotizado como ele
gostaria, por mais que eu ou qualquer outro hipnotizador pen
sássemos que você tivesse sido hipnotizado. Como conse
qüência, não perderemos mais tempo tentando convencê-lo
de que ele pode ser hipnotizado." Em resposta, o paciente con
tou-me um caso sobre o qual ele e sua esposa haviam lido.
e que era o que eles entendiam por terapia "ericksoniana".
Frickson havia tratado um casal de enurétiCQS fazendo rnm
que. todas as noites, se colocassem de joelhos na cama c uri
nassem ali mesmo, e então se deitassem sobre os lençóis mo
lhados.
Minha voz ira contigo
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Eu iniciei então uma longa divagaçáo sobre o valor da
mente inconsciente, em cujo transcurso o paciente mostrou
evidentessinais de relaxamento, suas pâlpebras fecharam-
se e pareceu entrar em transe. Não avaliei a profundidade
do seu transe, só que. enquanto falava, comecei a lazer as
sociações com a história dos enuréticos. erecordei ocomen
tário que Erickson havia feito no final de outro relato: "Você
quer saber qual a técnica infalível para viver uma longa vida?
Desperte todas as manhãs! E para assegurar-se de que real
mente vai despertar pela manhã, beba muito líquido antes de
dormir: assim, terá que despertar para ir ao banheiro."
Depois de dizer-lhe isso. sugeri que bebesse não me
nos do que um litro de líquido todas as noites, uma hora antes
de ir para a cama. por um período de 15 dias. antecipando
meia hora. a cada noite, o horário de dormir. Até então, ele
deitava-se por volta das três da madrugada e se levantava
pelas 11 horas: sugeri a ele que começasse a ir para a cama
às duas e meia. depois às duas. depois à uma e meia etc.
até conseguir deitar-se à meia-noite, que era a hora em que
sua esposahabitualmente deitava-se para dormir. Também
recomendei que nãopermanecesse acordado na cama: o leito
devia estar associado ao dormir e ao fazer amor. No caso de
não conseguir dormir, deveria levantar-se e ir até a sala. ler
ou assistir televisão. E antes de ir para a cama. beberia. no
mínimo, um litro de qualquer coisa líquida. Assegurei-lhe que
deste modo sua bexiga estaria cheia dentro de seis a oito
horas, e ele não teria outro remédio a não ser levantar-se da
cama para urinar. Uma vez que ele o fizesse, tornaria uma
ducha deágua fria. se possível. Então colocaria a roupa, to
maria o café da manhã e sairia para trabalhar, sem voltar
para a camasob nenhuma circunstância.
Q paciente replicou que não gostava de tomar banho
demanhã, que habitualmente o fazia ã noite. Insisti que desta
vez o fizesse pela manhã, pelo menos até ter superado o pro
blema do despertar. Prometeu qtie assim o taria e que tele
fonaria em duas oti três semanas para contar como linha tun-
cionado o plano. Duas semanas mais tarde, telefonou para
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50 Sidney Roseninformar que não teve nenhum problema para dormir, nem
para despertar.
No dia seguinte, atendi uma mulher, inteligente e re
finada, que inicialmente havia solicitado ajuda porque tinha
problemas para dormir e uma dolorosa inflamação na bexi
ga. Ao iniciar a sessão, eu não estava dando muita impor
tância aos seus problemas de bexiga: sabia que na semana
anterior ela havia se apresentado ao tribunal para concluir
uma ação judicial de divórcio, ainda que. ao entrar no con
sultório, sua aparência fosse de calma e placidez. Também
estava a parde queela tinha interesse pelos métodos terapêu
ticos de Erickson. Contei-lhe minha experiência com o pa
ciente judeu, sobre meu conselho para beber liquido antes
de dormir e. finalmente, acrescentei um comentário de Erick
son quando relatou um determinado caso: "Todos começa
mos a morrer no momento emque nascemos", disse. "Alguns
morrem mais rapidamente doque outros. Tudo o que pode
mos fazer em relação a isso é gozar a vida."
Minha paciente começou achorarmuito. Perguntei se
gostaria de contar-me porqueestava chorando. (Perguntei-
me se o seu pranto tinha algo a ver com a associação dos seus
problemas urinários e com oque eu havia relatado.) Respon
deu-me que. ao falar da morte, eu havia feito com que ela
sentisse que sua vida estava terminada, convicção quejá vi
nha elaborando havia algum tempo. Apesar do seu êxito pro
fissional e de tercriado perfeitamente os dois filhos, pensa
va que já não tinha motivos para continuar vivendo.
Relacionou isso ao fatodequeseus pais. separados des
de que ela tinha 11anos. jamais tinham se divorciado. Amãe
a proibira dequalquervinculo com o pai. dizendo-lhe que in
terpretaria isso como deslealdade da parte dela. se fosse
contrariada. Em conseqüência, minha paciente sentia que
tmha sido cerceado seu vínculo com o pai: e pensava que.
se seus pais tivessem se divorciado, teria tido maior liber
dade para vê-lo. Teria sido feito um acordo com ele para que
pudesse visitá-la etc. e teria existido entre ambosalgum re
lacionamento. Dessa forma, associava seu próprio divórcio
Minha voz irá contigo 51
ao fato de dar mais liberdade aos seus filhos, e que por sua
vez. consumado o processo, pensava que já não tinha para
o que viver.
Isso fez-me lembrar uma outra história que passei a
contar-lhe. Depois de visitar Erickson pela.primeira vez, eu
tive um sonho durante o qual eu vi as seguintes palavras:
"Você nunca termina nada." Sete anos mais tarde, escuta
va, em Phoenix. algumas fitas gravadas de Erickson. quan
do de repente compreendi: "Quem disse que você tem que ter
minar alguma coisa? Na realidade, nada termina enquanto
estamos vivos."
Contei isso à minha paciente e disse-lhe que talvez ela
pudesse conceber sua vida como a continuação da vida dos
seus pais. e a dos seus filhos, como a continuação da sua
própria vida: o processo prosseguiria enquanto houvesse vida
sobre a Terra. Essa idéia pareceu-lhe reconfortante.
O mais importante desse resumo de duas sessões com
meus pacientes é que a minha seleção de histórias não es
teve determinada por nenhuma noção preconcebida, mas sur
giu das minhas próprias associações livres, que foram influ
enciadas pelas experiências da minha vida. refinadas por
mais de trinta anos de prática clínica. Mesmo assim, o im
portante é destacar que tudo isso aconteceu num contexto
de boas relações terapêuticas.
Cada um dos pacientes selecionou determinada parte
das minhas histórias — não necessariamente as que eu pen
sei que escolheriam, porém foram úteis mesmo assim — para
aplicar ao seu caso.
O perigo em usar essas histórias é o mesmo para a ima
ginação em geral: a experiência imaginária pode converter-
se em um sucedâneo da experiência da vida real. Se uma
pessoa está convencida de que conseguiu satisfazer suas
necessidades básicas na vida. não se sentirá absolutamen
te motivada a deixar a cama de manhã. Agora, se um terapeu
ta abraça uma filosofia da ação como a de Erickson. ele ja
mais estimulará um tipo de vida baseado em "não fazer nada".
52 Sidney Rosen
Não é provável que aqueles que lêem as histórias de Erick
son optem por distanciar-se da vida.
Em certas ocasiões, alguns pacientes confessam-me
que. por mais que no consultório tivessem tido uma entusi
asmada sessão comigo, na qual imaginaram ou fantasiaram
sobre como resolver seus conflitos, nada disso teve conse
qüências em suas vidas. QueLxam-se dizendo que "não acon
teceu nenhuma mudança em mim; fora do consultório con
tinuo fazendo o mesmo que antes". Em tais casos, o melhor
é que o paciente permaneça calado e passivo enquanto lhe
conto algumas das anedotas de Erickson. Talvez seja uma
história comprida e aborrecida sobre o crescimento de uma
criança, e ao final da sessão o paciente lamente que não foi
tão "boa" como a anterior, e declare que prefere algo mais di
nâmico. Inclusive pode confessar-se aborrecido. Em tais cir
cunstâncias, eu recordarei a ele que o trabalho que procu
ramos realizar juntos acontece em um nível inconsciente e
que pouco importa o que faça a sua mente consciente nesse
ínterim: mais adiante me dará conta de mudanças importan
tes em sua vida. Por exemplo, me informará que seus rela
cionamentos sociais melhoraram, que se mostra mais em
preendedor ou seguro de si mesmo, ou que tenha mudado
de trabalho. Dito de outro modo: sua atividade tem lugar/ora
da sessão; nesta, sou eu que assumo.
Há também pacientes que não gostam que lhes con
temos histórias criadas por outros que não o seu terapeu
ta: preferem um tratamento mais personalizado. Obrascomo
Therapeutic methaphors. de David Gordon. inspiradas no uso
que Erickson fazia das metáforas, podem ser úteis para aque
les terapeutas que. sem deixar de empregar o método geral
de Erickson, inclinam-se por criar suas próprias metáforas.
É importante destacar que somente a leitura ou • re
lato de algumas dessas histonas nao produzira, provavelmen
te, transformação alguma: esta somente acontecerá quan
do o receptor, talvez também o transmissor (denominação que
utilizarei de agora em diante para o terapeuta). encontrar-
se num estado favorável. Como mencionei anteriormente, a
Minha voz irá contigo
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forma mais simples e rápida de alcançar esse estado espe
cial de receptividade consiste em induzir um transe. Ovin
culo terapêutico ótimo não ésomente oque se chama "trans
ferência positiva", e simaquele em queo terapeuta eo paci
ente tenhamestabelecido um rapport.dtt tal forma que suas
respectivas mentes inconscientes respondam plenamente
uma à outra. Se esses relatos forem lidos no "estado de vi
gília", talvez sejam subestimados econsiderados "estereoti
pados", "banais" ou bem "interessantes.%porém não ilumi-
nadores". Mas. no estado hipnótico, noqual é realçadoo sig
nificado de tudo o que o terapeuta diz. qualquer história e
até palavras soltas numa história podem desencadear, em
pequena escala, um satori - o termo que os adeptos do zen-
budismo aplicam à "iluminação".
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Capítulo 2
HISTÓRIAS QUE MOTIVAM
Como forma de conscientizar uma pessoa sobre o sentido do seu
próprio processo de vida e de crescimento. Erickson apelava bas
tante para a descrição do desenvolvimento da criança, desde sua
primeira infância: como aprendeu a reconhecer sua própria mão.
a ficar de pé. a caminhar, a falar. Cada vez que me contava uma
história que se referiaa estas primeiras aprendizagens, eu revivia,
em estado de transe,o imenso esforço e freqüentes frustrações que
implica a aprendizagem de qualquer nova habilidade ou tarefa: e
por sua vez eu tinha uma perfeita consciência de que havia con
seguido aprender tudo aquilo. O corolário era que. da mesma ma
neira, eu poderia superarqualquer outrodesafio que me surpreen
desse na vida atual.

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