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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO MARIANA QUEIROZ ORRICO DE AZEVEDO ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM DESENVOLVIDAS COM ALUNOS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA NA ESCOLA REGULAR: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DA LITERATURA NATAL/RN FEVEREIRO/2017 MARIANA QUEIROZ ORRICO DE AZEVEDO ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM DESENVOLVIDAS COM ALUNOS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA NA ESCOLA REGULAR: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DA LITERATURA Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Débora Regina de Paula Nunes NATAL/RN FEVEREIRO/2017 Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Azevedo, Mariana Queiroz Orrico de. Estratégias de ensino e aprendizagem desenvolvidas com alunos com transtorno do espectro autista na escola regular: uma revisão integrativa da literatura / Mariana Queiroz Orrico de Azevedo. - Natal, 2017. 153f.: il. Orientador: Profa. Dra. Débora Regina de Paula Nunes. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Educação. Programa de Pós-graduação em Educação. 1. Autismo – Dissertação. 2. Revisão Integrativa – Dissertação. 3. Escolarização – Dissertação. 4. Estratégias de ensino. - Dissertação. 5. Práticas - Evidências - Dissertação. I. Nunes, Débora Regina de Paula. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título RN/BS/CCSA CDU 376:616.896 MARIANA QUEIROZ ORRICO DE AZEVEDO PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DESENVOLVIDAS COM ALUNOS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA NA ESCOLA REGULAR: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DA LITERATURA Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação. Área de concentração: Educação Inclusiva. Linha de Pesquisa: Educação e Inclusão Social em contextos escolares e não escolares. Orientadora: Profa. Dra. Débora Regina de Paula Nunes. Aprovada em: _____/_____/_____ Banca examinadora _______________________________________________________________ Profa. Dra. Débora Regina de Paula Nunes – UFRN Orientadora _______________________________________________________________ Prof. Carlo Schmidt – UFSM Examinador Externo _______________________________________________________________ Profa. Dra. Leila Regina de Paula Nunes Examinadora Suplente Externa _______________________________________________________________ Profa. Dra. Maria de Jesus Gonçalves Examinadora Interna _______________________________________________________________ Profa. Dra. Luzia Guacira dos Santos Silva Examinadora Suplente Interna NATAL/RN FEVEREIRO/2017 À minha orientadora, Profa. Dra. Débora Nunes, que sempre tinha uma palavra de incentivo e conforto nos momentos difíceis, sendo muito compreensiva e humana. Uma pessoa que muito me orgulha e na qual tento me espelhar para seguir, de maneira tão competente e comprometida, a minha vida pessoal e prática profissional e acadêmica. Obrigada por não ter desistido de mim! AGRADECIMENTOS Agradeço, primeiramente, a Deus por estar sempre ao meu lado me dando força, coragem e determinação para não esmorecer durante o percurso dessa pesquisa. Obrigada, Deus, por, também, não desistir de mim! Agradeço à minha filhinha, muito amada, planejada por Deus, e que sempre esteve ao meu lado nos momentos de escrita da dissertação, seja com um sorriso lindo no rosto ou chorando por querer comer ou brincar. Agradeço à minha mãe, que se mostrou preocupada e procurou me ajudar como podia, ficando com a minha filha, cuidando e amando-a como se fosse sua própria filha, enquanto eu escrevia a dissertação. Agradeço ao meu pai que sempre incentivou os meus estudos e me deu total apoio para que eu pudesse realizar esse sonho de obter o grau de mestre. Agradeço aos meus irmãos pelas palavras de incentivo e paciência nos momentos em que estava difícil conciliar tudo. Agradeço ao meu companheiro, parceiro, amor, Raphael, pelos momentos em que se mostrou compreensivo, me fez rir nos momentos difíceis e me motivou a não desistir, estando sempre ao meu lado. Agradeço às minhas amigas e amigos que continuam presentes em minha vida e aqueles que passaram pelo caminho, mas deixaram as suas marcas (Raquel, Gllauce, Débora, Karla, Raina, Cláudia, Janielle, Maria Dayane, Gueidson, Mayara, Cosme), pelos momentos de descontração, escuta, palavras de apoio. Agradeço à minha orientadora e professora Débora, que se mostrou muitas vezes amiga, sendo compreensiva, escutando as minhas angústias, tendo a “paciência de Jó” e me incentivando a continuar. Obrigada por acreditar que no último minuto poderia dar certo. Agradeço, imensamente, a Profa. Maria de Jesus que me co-orientou com grande dedicação, conhecimento, entusiasmo e paciência, me mostrando, também, o caminho a ser seguido na pesquisa. Muito obrigada! Agradeço aos professores Jefferson, Ricardo, Rita, Cida, Lúcia, Guacira e Maria de Jesus, que estiveram presentes nos seminários de dissertação, pelas primorosas contribuições para a construção da pesquisa. Agradeço aos professores da banca examinadora, pela disponibilidade em ler o trabalho desenvolvido. Se tentam destruir-me Zombando da minha fé E até tramam contra mim Querem entulhar meus poços Querem frustrar meus sonhos E me fazer desistir Mas quem vai apagar o selo que há em mim A marca da promessa que Ele me fez? E quem vai me impedir, se decidido estou? Pois quem me prometeu é fiel pra cumprir O meu Deus nunca falhará Eu sei que chegará minha vez Minha sorte Ele mudará Diante dos meus olhos Eu tenho a marca da promessa Eu tenho a marca da promessa, que Ele me fez! Eu tenho a marca da promessa Eu tenho a marca da promessa, que Ele me fez! Fernandinho RESUMO O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento, caracterizado por prejuízos nas áreas sociocomunicativas e comportamentais. Com essas especificidades e, também, perante os números expressivos de educandos assim diagnosticados matriculados em escolas regulares, é primordial que o professor faça uso de práticas interventivas que, de fato, favoreçam o desenvolvimento acadêmico e funcional dessa população. Nesse contexto, o objetivo do presente estudo é identificar, com base na Revisão Integrativa da Literatura (RIL), estratégias de ensino e de aprendizagem implementadas por professores regentes, que atuam em classes regulares de ensino, com essa clientela especial. Como fonte de análise, foi rastreado um acervo de teses e de dissertações publicadas no Brasil, no período 2008-2013. Os dados coletados em vinte estudos foram, através de procedimentos da Análise de Conteúdo, organizados em categorias e em subcategorias. A seguir, com base em critérios estabelecidos por duas agências de pesquisa (National Autism Center e o National Professional Development Center), essas estratégias foram classificadas, tendo como critério a validade científica. Os resultados desse estudo revelaram a necessidade de instalação de programas de formação continuada, para aquisição de competências, por parte dos professores,no sentido de se tornarem capazes de implementar práticas empiricamente validadas, no cotidiano das escolas brasileiras. Palavras-chave: Autismo. Revisão Integrativa. Escolarização. Práticas baseadas em evidências. Estratégias de ensino. ABSTRACT Autism Spectrum Disorder (ASD) is a neurodevelopmental disorder characterized by social-communication and behavior impairments. With these specificities and considering the expressive number of students with ASD enrolled in regular schools, it is critical that teachers implement intervention strategies that truly favor the academic and the functional development of this population. In this scenario, the purpose of this study is to identify, based on an Integrative Literature Review (ILR), teaching and learning strategies implemented by regent teachers, who work in regular classes with these students. Theses and dissertations published in Brazil between 2008 and 2013 were used as source of analysis. Data collected in twenty studies were, through Content Analysis, organized into categories and subcategories. Based on criteria established by two research agencies (National Autism Center and National Professional Development Center), these strategies were, then, classified in terms of scientific validity. The results of this study revealed the need for teacher education programs capable of developing competencies to implement empirically validated practices in Brazilian schools. Keywords: Autism. Integrative Review. Schooling. Evidence-based practices. Teaching strategies. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS TEA Transtorno do Espectro do Autismo APA Associação Americana de Psiquiatria DSM-V Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais-V DSM-IV Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais-IV TGD Transtorno Global do Desenvolvimento ToM Teoria da Mente AC Atenção Compartilhada RAC Resposta da Atenção Compartilhada IAC Iniciativa da Atenção Compartilhada MEC Ministério da Educação e Cultura SECADI Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão DPEE Diretoria de Política de Educação Especial CEC Council for Exceptional Children CAA Comunicação Alternativa e Ampliada FCP-Rr Functional Communication Profile PEI Plano Educacional Individualizado CFN Currículo Funcional Natural SP São Paulo AEE Atendimento Educacional Especializado NAC National Autism Center IRs Interesses Restritos e Repetitivos NPDC National Professional Development Center RIL Revisão Integrativa da Literatura PBE Prática Baseada em Evidência BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações CAPES Portal de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior IES Instituição de Ensino Superior UCB Universidade Católica de Brasília UNESP Universidade Estadual Paulista UFU Universidade Federal de Uberlândia UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFES Universidade Federal do Espírito Santo UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFBA Universidade Federal da Bahia UFPB Universidade Federal da Paraíba UERJ Universidade Estadual do Rio de Janeiro UFPR Universidade Federal do Paraná ABA Applied Behavior Analysis LEAP Projeto Learning Experience: An Alternative Program for Preschoolers and Parents PEA Perturbações do Espectro Autista PRT Pivotal Response Treatment PECS Picture Exchange Communication P1 Professor 1 P2 Professor 2 P3 Professor 3 P4 Professor 4 P5 Professor 5 CARS Chidhood Autism Rating Scale A1 Aluno 1 A2 Aluno 2 A3 Aluno 3 A4 Aluno 4 A5 Aluno 5 DRI Reforço diferencial de comportamentos incompatíveis DRA Reforço diferencial de comportamentos alternativos DRL Reforço diferencial de baixos índices do comportamento DRO Reforço diferencial de outros comportamentos OA Objeto de Aprendizagem MS-CISSAR Code for Instructional Structure and Student Academic Response – Mainstream Version LISTA DE FIGURAS Figura 1. Organograma que representa o processo de seleção dos estudos a serem analisados..................................................................................................................58 LISTA DE QUADROS E TABELAS Quadro 1. Níveis de funcionalidade nos TEA.............................................................22 Quadro 2. Estratégias baseadas em evidências, segundo o NAC (2009) ................46 Quadro 3. Programas de pós-graduação e número de Instituições de Ensino Superior .....................................................................................................................56 Quadro 4. Relação dos estudos que serão analisados .............................................58 Quadro 5. Categorização das informações dos estudos ...........................................61 Quadro 6. Síntese da visão geral das categorias.......................................................74 Quadro 7. Perfil dos professores ...............................................................................75 Quadro 8. Perfil dos alunos .......................................................................................85 Tabela 1: Correspondência entre a série/ciclo e a idade dos alunos, de acordo com o MEC ...........................................................................................................................96 Tabela 2. Correspondência entre a idade cronológica e a série/ciclo dos alunos participantes dos estudos (ensino fundamental) .......................................................96 SUMÁRIO JUSTIFICATIVA ........................................................................................................16 INTRODUÇÃO ..........................................................................................................18 CAPÍTULO 1: O que é o Transtorno do Espectro do Autismo? ..........................20 1.1. Habilidades sociocomunicativas .....................................................................23 1.2. Habilidades comportamentais repetitivas/estereotipadas ..............................27 CAPÍTULO 2: A escolarização de alunos com TEA no contexto da escola comum ......................................................................................................................30 CAPÍTULO 3: A abordagem metodológica: uma Revisão Integrativa da Literatura ..................................................................................................................50 3.1. O percurso metodológico ................................................................................53 3.1.1. Definição da questão de pesquisa ..................................................................53 3.1.2. Estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão ......................................54 3.1.3. Definição das informações a serem extraídas do estudo ...............................60 3.1.4. Avaliação dos estudos incluídos .....................................................................67 3.1.5. Interpretação dos resultados e síntese dos dados ..........................................67 CAPÍTULO 4: RESULTADOS E DISCUSSÕES ......................................................73 4.1. Apresentação dos dados .................................................................................74 4.1.1. Perfil dos professores e dos alunos ............................................................74 4.1.2. Estratégias de ensinagem ............................................................................98 4.1.2.1. Estratégia de exposição pelo professor (exposição verbal,demonstração, ilustração e exemplificação) ......................................................................................98 4.1.2.2. Estratégias de trabalho independente (tarefa preparatória, tarefa de assimilação de conteúdo ou tarefa de elaboração pessoal) ...................................105 4.1.2.3. Estratégia de elaboração conjunta (conversação didática) ........................109 4.1.2.4. Estratégia de trabalho em grupo ................................................................110 4.1.2.5. Atividades especiais (estudo do meio) .......................................................115 4.1.3. Habilidades trabalhadas pelos professores ............................................116 4.1.3.1. Habilidades cognitivas/acadêmicas ............................................................116 4.1.3.2. Habilidades sociocomunicativas .................................................................122 4.1.3.3. Comportamento e interesses restritos e repetitivos ...................................125 4.1.4. Efeitos das práticas pedagógicas para todos os alunos ........................127 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................132 REFERÊNCIAS .......................................................................................................136 JUSTIFICATIVA Meu encantamento pela Educação Inclusiva surgiu da minha trajetória acadêmica e profissional, enquanto estagiária e professora auxiliar de alunos com Transtorno do Espectro Autista inseridos na sala de aula comum. Por volta do ano 2007, comecei a minha trajetória de conhecimentos acerca desse alunado, enquanto estagiária numa escola de ensino particular. Nessa ocasião, tentava incluir uma aluna nas atividades escolares do 2º ano do Ensino Fundamental, mas sem sucesso, devido à falta de conhecimentos de estratégias de ensino que pudessem me auxiliar nesse processo. Nesses ambientes pude observar a descrença que alguns professores e terapeutas tinham quanto ao desenvolvimento de habilidades acadêmicas e interpessoais dos alunos em questão e a falta de conhecimento para saber como lidar com o “novo”. As perspectivas desses profissionais, possivelmente, baseavam-se em modelos curriculares “normais”, que desconsideram as necessidades funcionais do aluno. Além disso, esses professores e terapeutas pareciam desconhecer estratégias de ensino que pudessem viabilizar a aprendizagem de seus educandos. Com essa preocupação, comecei a trabalhar, como voluntária e, posteriormente, como bolsista de iniciação científica em uma pesquisa sobre o uso da Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA) para alunos não verbais, com diagnóstico de autismo, em uma instituição filantrópica. Através de estratégias naturalísticas de ensino e recursos da CAA, compreendi como era possível desenvolver a comunicação funcional em crianças que não usavam a linguagem verbal. Nessa pesquisa aprendi, também, sobre a importância de adequar o ambiente físico às necessidades do aluno, conforme preconizado pelo modelo de ensino estruturado. Concomitante a isso, fui estagiando com outros alunos no espectro autista, tanto em contextos escolares como em instituição especializada. Atuei como estagiária, professora auxiliar e professora colaboradora de ações inclusivas de alunos no espectro que estavam inseridos na Educação Infantil e no Ensino Fundamental. Nas cinco escolas onde exerci essas funções, não foram realizadas formações de professores para atuar com esse alunado. Assim, continuei a observar as dificuldades das professoras regentes em lidar com os alunos autistas, principalmente, em propor atividades para eles. Como consequência, atribuíam a mim a responsabilidade de elaborar e aplicar as atividades. Porém, eu tinha pouco conhecimento sobre as estratégias de ensino que poderiam auxiliar na aprendizagem dessa população. Recorri, desse modo, ao conhecimento adquirido durante minha prática em instituição especializada. Foram, também, de grande valia a leitura de estudos científicos e as discussões junto ao meu grupo de pesquisa. Foi nesse contexto que surgiu o interesse de identificar e, com base nos modelos das melhores práticas, avaliar as estratégias de ensino que estavam sendo empregadas pelos professores regentes na sala de aula comum. 18 INTRODUÇÃO O Transtorno do Espectro Autista (TEA), segundo o DSM-5 (Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais – DSM-5), é um distúrbio do desenvolvimento neurológico, caracterizado por atrasos e desvios sociocomunicativos e manifestação de comportamentos restritos e repetitivos (Associação Americana de Psiquiatria, APA 2013). Estudo epidemiológico conduzido no Brasil indica que o autismo acomete cerca de 600 mil pessoas no país (PAULA, et al 2011). Dados do Ministério da Educação sugerem que há cerca de 25.624 alunos com esse diagnóstico inseridos em classes regulares (NUNES, AZEVEDO e SCHMIDT, 2013). Diante desse número, há uma preocupação na área educacional em prover a esses sujeitos adequações que garantam o acesso, a permanência e a participação na aprendizagem, conforme preconiza a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008). Apesar da garantia do acesso à escola regular, a permanência desse alunado nesse ambiente tem desafiado professores regentes, dada a falta de conhecimentos acerca de práticas pedagógicas que possibilitam o ensino e a aprendizagem desses educandos (NUNES; AZEVEDO; SCHMIDT, 2013; CORRÊ NETTO, 2013). Dentre essas práticas destacam-se as denominadas Práticas Baseadas em Evidência (PBE), que se configuram como estratégias de ensino que foram utilizadas, com sucesso, em pesquisas (AGUIAR; MOITEIRO; CORREIA; PIMENTEL, 2011). Em outras palavras, práticas interventivas que, quando implementadas, produziram resultados satisfatórios no desenvolvimento de habilidades funcionais ou acadêmicas dos educandos. É interessante observar que o uso de tais práticas é preconizado por agências internacionais como o Council For Exceptional Children (CEC, 2009), National Autism Center (NAC, 2009) a National Professional Development Center (NPDC) (WONG et al., 2014), a Scottish Intercollegiate Guidelines Network (SIGN, 2007), dentre outras. Nos documentos produzidos por essas entidades, é recomendado que o professor conheça e implemente as PBE. Apesar dessa discussão em âmbito internacional, pouco é discutido sobre o uso de PBE com alunos diagnosticados com autismo no Brasil. 19 Nesse panorama, é importante avaliar se os tipos de estratégias de ensino e aprendizagem implementadas por professores nas escolas brasileiras apresentam adequado respaldo empírico. Assim, o objetivo geral do presente estudo é descrever as estratégias de ensino e aprendizagem implementadas pelos professores regentes em classes regulares de ensino, com alunos no espectro autista, encontradas em teses e dissertações do contexto educacional brasileiro. De maneira específica, a presente pesquisa visou: (a) identificar as teses e dissertações que tratam das estratégias interventivas implementadas por professores de educandos com TEA, produzidas entre 2008 e 2013; (b) avaliar, de acordo com os critérios estabelecidos pelo National Autism Center (NAC, 2009) e a National Professional Development Center (NPDC) (WONG et al., 2014), as estratégias empiricamente validadas; (c) verificar os resultados das estratégias interventivas implementadas pelos docentes no desenvolvimento acadêmico e funcional de educandos com TEA; (d) caracterizar o perfil dos professores que implementam as estratégias de ensino; e (e) caracterizar o perfil dos alunos participantes dos estudos analisados. A presente dissertação foi organizada em sete capítulos.O Capítulo 1 apresenta ao leitor as especificidades do TEA. O processo de escolarização desse alunado no contexto regular de ensino, bem como as estratégias empiricamente validadas por duas agências de pesquisa (National Autism Center e o National Professional Development Center), são descritos no segundo capítulo. No terceiro são delineadas as características da Revisão Integrativa da Literatura, abordagem metodológica adotada na presente pesquisa. No capítulo 4 são apresentados os resultados e discussões suscitados pela análise. Por fim, no último capítulo, constam as considerações finais, que trazem uma reflexão sobre as estratégias de ensino e aprendizagem identificadas, assim como as contribuições e limitações da dissertação. 20 CAPÍTULO 1. O QUE É O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA? O Transtorno do Espectro Autista (TEA), de acordo com a quinta versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5, APA, 2013), é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado pela presença de comprometimentos nas áreas sociocomunicativas e pela manifestação de comportamentos repetitivos e estereotipados (MARQUES; BOSA, 2015). Trata-se de uma condição que acomete uma em cada 88 crianças, de acordo com os estudos epidemiológicos internacionais (Center for Disease Control and Prevention, 2012). No Brasil, uma única pesquisa piloto indicou uma prevalência do TEA de 0,3% em uma amostra de 1470 crianças, entre 7 e 12 anos de idade (PAULA et al., 2011). O TEA é constituído pelas antigas categorias existentes no DSM-41 reunidas em um único grupo que constitui um conjunto amplo e heterogêneo de casos clínicos. Uma das mudanças observadas nesse novo instrumento é a junção dos domínios “comunicação” e “socialização”. De acordo com Assumpção Jr. (2013), esses domínios seriam inseparáveis, pois os sujeitos com TEA poderiam ser mais bem avaliados quando seus comportamentos fossem observados numa única característica em ambientes e contextos específicos. Sendo assim, de acordo com o DSM-5 (APA, 2013), o Transtorno do Espectro do Autismo deve preencher os seguintes critérios: A. Déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos, conforme manifestado pelo que segue, atualmente ou por história prévia (os exemplos são apenas ilustrativos, e não exaustivos; ver o texto): 1. Déficits na reciprocidade socioemocional, variando, por exemplo, de abordagem social anormal e dificuldade para estabelecer uma conversa normal a compartilhamento reduzido de interesses, emoções ou afeto, a dificuldade para iniciar ou responder a interações sociais. 2. Déficits nos comportamentos comunicativos não verbais usados para interação social, variando, por exemplo, de comunicação verbal e não verbal pouco integrada a anormalidade no contato visual e linguagem corporal ou déficits 1 O DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) reunia o Transtorno Autístico, a Síndrome de Asperger, o Transtorno de Rett, o Transtorno Desintegrativo da Infância e o Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem Outra Especificação - TID-SOE, no grupo dos Transtornos Globais do Desenvolvimento. Cada categoria apresentada apresentava características diferentes em relação ao desenvolvimento das habilidades sociais, comunicativas e de comportamentos, interesses e atividades estereotipadas (ORRÚ, 2009). 21 na compreensão e uso gestos, a ausência total de expressões faciais e comunicação não verbal. 3. Déficits para desenvolver, manter e compreender relacionamentos, variando, por exemplo, de dificuldade em ajustar o comportamento para se adequar a contextos sociais diversos a dificuldade em compartilhar brincadeiras imaginativas ou em fazer amigos, a ausência de interesse por pares. Especificar a gravidade atual: A gravidade baseia-se em prejuízos na comunicação social e em padrões de comportamento restritos e repetitivos (ver Tabela 2). B. Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades, conforme manifestado por pelo menos dois dos seguintes, atualmente ou por história prévia (os exemplos são apenas ilustrativos, e não exaustivos; ver o texto): 1. Movimentos motores, uso de objetos ou fala estereotipados ou repetitivos (p. ex., estereoti- pias motoras simples, alinhar brinquedos ou girar objetos, ecolalia, frases idiossincráticas). 2. Insistência nas mesmas coisas, adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal (p. ex., sofrimento extremo em relação a pequenas mudanças, dificuldades com transições, padrões rígidos de pensamento, rituais de saudação, necessidade de fazer o mesmo caminho ou ingerir os mesmos alimentos diariamente). 3. Interesses fixos e altamente restritos que são anormais em intensidade ou foco (p. ex., forte apego a ou preocupação com objetos incomuns, interesses excessivamente circunscritos ou perseverativos). 4. Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum por aspectos sensoriais do ambiente (p. ex., indiferença aparente a dor/temperatura, reação contrária a sons ou texturas específicas, cheirar ou tocar objetos de forma excessiva, fascinação visual por luzes ou movimento). C. Os sintomas devem estar presentes precocemente no período do desenvolvimento (mas podem não se tornar plenamente manifestos até que as demandas sociais excedam as capacidades limitadas ou podem ser mascarados por estratégias aprendidas mais tarde na vida). D. Os sintomas causam prejuízo clinicamente significativo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo no presente (APA, 2013. p. 50). No DSM-5, o TEA é compreendido numa perspectiva dimensional ao invés da categórica (Transtorno Global do Desenvolvimento – TGD). Nesse novo modelo, o grau de severidade do TEA é determinado pelos níveis de funcionalidade sociocomunicativas e comportamentais e pelos suportes necessários para a 22 adaptação do indivíduo ao ambiente. Três níveis de funcionalidade são determinados a partir dessa definição, conforme descrito no Quadro 1, abaixo: Quadro 1: Níveis de funcionalidade nos TEA Gravidade Comunicação Social Comportamentos repetitivos e interesses restritos Nível 3 Requer muito grande suporte Graves déficits em comunicação social verbal e não verbal que ocasionam graves prejuízos em seu funcionamento; interações sociais muito limitadas e mínima resposta ao contato social com outras pessoas. Preocupações, rituais imutáveis e comportamentos repetitivos que interferem grandemente no funcionamento em todas as esferas. Acentuado desconforto quando rituais ou rotinas são interrompidas, grande dificuldade em redirecionar interesses fixos ou retornar para outros rapidamente. Nível 2 Requer grande suporte Graves déficits em comunicação social verbal e não verbal aparecendo sempre, mesmo com suportes, em locais limitados; e tem respostas reduzidas ou anormais ao contato social com outras pessoas. Preocupações ou interesses fixos aparecem frequentemente, sendo óbvios a um observador casual, interferindo constantemente em vários contextos. Desconforto e frustração são visíveis quando rotinas são interrompidas, dificultando o relacionamento dos interesses restritos. Nível 1 Requer suporte Sem suporte local o déficit social ocasiona prejuízos. Existe dificuldade em iniciar interações sociais e demonstra claros exemplos de respostas atípicas e sem sucesso no relacionamento social com outros. Pode se observar diminuído interesse pelas interações sociais. Rituais e comportamentos repetitivos causam interferência significativa no funcionamento em um ou mais contextos. Resiste às tentativas de se interromperemos rituais ou de se redirecionar seus interesses fixos. Fonte: Assunção Jr. (2013, p. 15-16). 23 Com o objetivo de detalhar as características descritas no DSM-5, serão apresentadas, em seguida, os principais sintomas evidentes em pessoas com TEA. 1.1. Habilidades sociocomunicativas Dentre os alicerces que justificam os prejuízos no desenvolvimento da linguagem e das habilidades sociocomunicativos em pessoas com TEA estão os déficits: (a) na capacidade reconhecer estados mentais alheios; (b) na atenção compartilhada; (c) na capacidade de imitação; e (d) jogo simbólico (SCHMIDT, 2013) A dificuldade em reconhecer pensamentos e sentimentos de outras pessoas é denominado de Teoria da Mente (ToM) insuficiente ou cegueira mental (FRITH; HAPPÉ, 1999; WILLIAMS; WRIGHT, 2008). Por ToM compreende-se a capacidade de fazer inferências sobre os estados mentais dos outros e de si mesmo. Para tanto, é necessário que o sujeito tenha a habilidade de estabelecer comparações entre o mundo interno (subjetivo) e o mundo externo (o outro) para saber o que os outros pensam, sentem, desejam (CAIXETA; NITRINI, 2002). De acordo com esses autores a ToM é: apropriadamente visto como uma teoria porque tais estados não são diretamente observáveis e o sistema pode ser usado para fazer previsões (teorizações) sobre o comportamento dos outros (CAIXETA; NITRINI, 2002, p. 106). Tal expressão (ToM) foi utilizada pela primeira vez na década de 1970, em um artigo publicado por Premack e Woodruff, que trazia em seu título um questionamento em relação a existência de Teoria da Mente em chimpanzés, como a exemplo dos seres humanos (TONELLI, 2011). De acordo com Tonelli (2011), expressões do tipo "talvez ele quisesse encontrar algo que pensou ter deixado ali" ou "possivelmente ele tenha ouvido um barulho e tenha pensado que havia alguém ali" trazem descritores que inferem ou atribuem estados mentais a outras pessoas. Com base no modelo acima descrito, pessoas com TEA apresentam uma ToM deficitária por evidenciarem uma compreensão limitada da mente alheia. Essa dificuldade, que interfere na compreensão dos estados mentais do outro, foi intitulada, por Simon Baron-Cohen, como “cegueira mental” (WILLIAMS; WRIGHT, 2008). De acordo com esse autor, pessoas com TEA possuem menor probabilidade de apresentar comportamentos que se comunicam com a mente do outro ou de considerar os pensamentos, motivações e sentimentos desse outro. Elas 24 tipicamente encontram-se centradas nos seus interesses pessoais o que impossibilita as trocas dialógicas (SCHMIDT, 2013, p. 32). Assim, A dificuldade de entendimento e de obtenção de prazer com base nos tópicos propostos por outros se deve, em grande parte, a uma hiperatenção em um tópico perseverativo que pode estar presente em sua rede neural sem nenhuma correlação com o vigente no momento da tentativa de comunicação interativa. Comportamentos de parceria e cooperação com o outro são pouco comuns nesses sujeitos. Esse padrão de conduta é, de acordo com Goergen (2013), atribuído às dificuldades nas trocas dialógicas e pouca compreensão do estado mental do outro. Esse déficit tende a aumentar o “estranhamento” entre os pares, levando a pessoa com TEA a buscar sua zona de conforto longe do outro. Comportamentos dessa natureza tendem a ser compreendidos como falta de interesse em estabelecer relações interpessoais. Os déficits sociocomunicativos observados nessa população podem ser determinados, ainda, por prejuízos nas habilidades de manter a atenção triádica. Por atenção triádica ou atenção compartilhada (AC) compreende-se a capacidade em coordenar a atenção num referencial externo (objeto ou evento) com um interlocutor, estabelecendo uma relação triádica (ZANON, 2012). Segundo Zanon (2012), a Atenção Compartilhada pode ser manifestada de duas maneiras: (a) Resposta da Atenção Compartilhada (RAC), quando o sujeito é capaz de seguir a direção do olhar, os movimentos dos gestos de outra pessoa compartilhando um interesse com ela e; (b) Iniciativa da Atenção Compartilhada (IAC), quando o sujeito cria ou indica de maneira intencional um interesse comum a ser compartilhado. A AC é um dos comportamentos precursores da comunicação, sendo considerado essencial no desenvolvimento da linguagem e das relações sociais bem como da ToM (ZANON; BACKES; BOSA, 2015). Além disso, a AC tem grande importância no diagnóstico precoce do TEA e, portanto, essa habilidade deve ser cuidadosamente compreendida e investigada levando-se em consideração os diferentes níveis de complexidade das iniciativas e respostas de AC (ZANON, 2012; ZANON; BACKES;e BOSA, 2015). Déficits na atenção compartilhada comprometerá o desenvolvimento da linguagem e comunicação visto que, sem dividir a atenção com um interlocutor para uma dada situação ou não perceber que determinado gesto ou comportamento 25 exprime uma ideia comunicativa acarreta prejuízos nas interações sociais e linguísticas (MARTINS; MORALES, 2007). A capacidade de imitação é outro elemento que afeta o adequado desenvolvimento de habildiades sociocomunicativas. O conceito de imitação vai além de um ato de cópia mecânica e ações reprodutivistas sem sentido (FERNANDES, 2010). De acordo com Fernandes (2010), na visão sóciointeracionista, a imitação consiste num processo dinâmico que favorece e possibilita a aprendizagem, pois ocorre quando o sujeito imita aquilo que está dentro das suas possibilidades cognitivas. Nesse sentido, Imitar não se restringe a uma ação imediata, mas representa a possibilidade de que o aluno, em momentos futuros, pode utilizar informações e procedimentos ensinados pelo professor para resolver um problema ou chegar a determinados resultados (FERNANDES, 2010, p. 50). Assim, a imitação permite que o sujeito aprenda sob a influência do outro, no entanto, ele irá internalizar o conhecimento se estiver num nível de desenvolvimento cognitivo adequado para reproduzir, aprender e aplicar o que aprendeu em outros contextos. Nessa visão, o que o sujeito imita são as ações desenvolvidas pelo outro quando se é capaz de imitar. Segundo Timo, Maia e Ribeiro (2011) a imitação em sujeitos com autismo é prejudicada devido ao comprometimento na atenção compartilhada e na capacidade simbólica que dificulta imitar simples movimentos motores. Dessa maneira, há um déficit no desenvolvimento da capacidade imitativa por haver dificuldade de se colocar no lugar do outro e compartilhar a atenção para um mesmo ato a ser imitado. A partir disso, [...] a dificuldade básica do autismo poderia ser pensada em termos de uma limitação da capacidade de imitar interna e automaticamente os comportamentos do outro, ou, em outras palavras, uma limitação na capacidade de “colocar-se no lugar do outro”, que implicaria déficits contínuos no entendimento da ação e dos sentimentos do outro (TIMO; MAIA; RIBEIRO, 2011, p. 840). A literatura sugere a existência de um elo entre o desenvolvimento da linguagem e o brincar (SÁ; SIQUARA; CHICON, 2015). De acordo com Brasil (2012), o brincar ou jogo significa uma ação livre, iniciada e conduzida pela criança com o 26 objetivo de tomar decisões, expressar sentimentos e valores, conhecer o outro, a si próprio e o meio que a rodeia. De maneira específica, brincar é reproduzir e recriar ações prazerosas, expressar episódios imaginários, criativos, compartilhar brinquedos e brincadeiras com outras crianças, expressar sua individualidade e identidade, observar a natureza, os objetos, comunicar-se e participar da cultura lúdica para compreender o mundo em que vive (BRASIL, 2012). Essa ação (brincar) envolve o aprender a brincar, o compartilhamento da atenção, o “se colocar no lugar do outro”, o (re)significar a situação compartilhada na brincadeira e o expressar utilizando qualquer tipo de linguagem (falas,gestos, expressões faciais para exibir emoções). Nessa perspectiva, a experiência do brincar e do jogo do faz de conta possibilita a internalização da linguagem, visto que ocorre uma (re)significação do objeto e a representação de situações de vida, com o uso de múltiplas linguagens, garantindo o desenvolvimento intra/interpessoal (SÁ, SIQUARA, CHICON, 2015). A ausência de jogos ou brincadeiras de imitação social e a limitada ou inexistente brincadeira espontânea e a falta de reciprocidade social são características comuns nos quadros de autismo e são conhecidos como comportamentos disruptivos na brincadeira (American Psychiatric Association, 2002; Organização Mundial de Saúde, 2003 apud FIAES, BICHARA, 2009; GOERGEN, 2013). As pessoas com esse diagnóstico tendem a utilizar os brinquedos de forma restrita a fim de manipulá-los de forma repetitiva e tendo preferência por alguma parte do objeto com característica do seu interesse para manipular de forma não funcional (MARTINS; GÓES, 2013). De acordo com Klin (2006), a criança pode explorar partes não funcionais dos brinquedos (gosto e cheiro) ou usar partes dos brinquedos para autoestimulação (girar os pneus de um carro). Os prejuízos sociocomunicativos da pessoa com TEA são evidenciados nas dificuldades em estabelecer contato visual, compreender expressões faciais, mensagens verbais, gestos e linguagem corporal (GOERGEN, 2013; NUNES, 2013; ORRÚ, 2009). Adicionalmente, esses indivíduos tendem a ter uma compreensão literal de mensagens faladas ou escritas (WILLIAMS; WRIGHT, 2008). Dessa maneira, tipicamente apresentam dificuldades para entender figuras de linguagem como ironias e metáforas. Em termos de comunicação expressiva, de 20 a 30% dos sujeitos autistas são funcionalmente mudos, indicando que, apesar de falarem, não se comunicam 27 verbalmente. Adicionalmente, podem apresentar uma fala ecolálica (repetição de palavras ou frases de maneira imediata ou tardia), apresentar inversão pronominal (3º pessoa do singular) e precário uso social da linguagem (pragmática). Figuras de linguagem, como as metáforas, o humor e o sarcasmo podem ser incompreensíveis para esses sujeitos, uma vez que a pessoa com autismo pode não conseguir apreciar a intenção comunicativa do interlocutor, resultando em uma interpretação literal da declaração. Quanto à entonação de voz, essa pode ser monótona e os demais aspectos comunicativos da voz (ênfase, altura, volume, e ritmo ou expressões) são idiossincráticos e pobremente modulados (WILLIAMS; WRIGHT, 2008). 1.2. Habilidades comportamentais repetitivas/estereotipadas As manifestações de comportamentos repetitivos e estereotipados incluem a persistência em rotinas específicas, a resistência para mudanças, o apego excessivo a objetos e a satisfação com o movimento de peças, principalmente, as que giram, como rodas ou hélices (RIESGO, 2013). Na perspectiva de Goergen (2013, p. 35), Entende-se que a busca pela estabilidade remete ao conhecido, ao não ameaçado, e, assim sendo, a mesmice não gera sobressaltos provocados por súbitas oscilações de input sensorial fracamente inibido em seu desenvolvimento. Esse olhar não é único a tentar explicar a busca da mesmice, mas certamente nos possibilita entender um pouco do que o sujeito com TEA busca, ou seja, não ter sobressaltos com o novo. Além disso, os brinquedos podem ser manuseados como se não tivessem simbolismo ou função, uma vez que tendem a ser alinhados de forma perfeccionista ou deixados de lado. De acordo com Riesgo (2013), os repertórios de interesses restritos se manifestam pelo interesse em movimentos que se repetem: estereotipias motoras e verbais, como por exemplo, balançar-se, bater palmas repetitivamente, flapping, caminhar em círculos, de um lado para o outro ou na ponta dos pés. Sujeitos com TEA, também, apresentam comprometimentos na sensorialidade, ou seja, nas interconexões no processamento auditivo e linguagem, no planejamento e sequenciamento motor, no processamento visuoespacial e na modulação sensorial (GOERGEN, 2013). 28 Segundo o mesmo autor esses processamentos consistem em: 1) Processamento auditivo e linguagem: forma como a informação é recebida, compreendida, representada e significada e, finalmente, expressa; 2) Planejamento e sequenciamento motor: representação das idéias, das escutas e dos aportes visuais; 3) Processamento visuoespacial: habilidade de entender e dar significado ao que é visualizado; é processo fundamental no armazenamento das informações, inclusive servindo posteriormente para a rechamada da informação; 4) Modulação sensorial: habilidade de regular e modular sensações que possibilitem uma entrada no sistema neural, “sem sobressaltos”, a decodificação e o adequado registro de armazenamento (GOERGEN, 2013, p. 36). Diante desses comprometimentos, a percepção da entrada sensorial manifesta-se de maneira distorcida, diminuída ou elevada, ou seja, podem levar a uma hipersensibilidade (resposta comportamental exagerada) ou hipossensilidade (falta de resposta ou insuficiência da mesma frente a um estímulo) dos cinco sentidos (GOMES; PEDROSO; WAGNER, 2008). Nesse cenário, algumas pessoas no espectro autista podem apresentar hipossensibilidade sensorial e desenvolver interesses sensoriais (aromas, sabores, texturas, sons, luzes) incomuns, passando longos períodos de tempo explorando o que essas sensações lhes proporcionam. Outras, que evidenciam hipersensibilidade sensorial, podem ser muito sensíveis a muitas experiências sensoriais, ficando incomodadas quando se deparam com elas, como por exemplo, com sons altos, luzes brilhantes, ou determinados odores etc. Outras, ainda, parecem ter limiar de dor muito alto ou muito baixo, ou seja, podem machucar-se e não demonstrar incômodo, bem como podem ter cortes e escoriações sem notá-los (WILLIAMS; WRIGHT, 2008). As atipicidades cognitivas, sensoriais e comportamentais de educandos com TEA não podem ser ignoradas no contexto da sala de aula regular, uma vez que as especificidades da síndrome podem impactar a aprendizagem (CAMINHA, 2008; MATTOS, CYSNEIROS; D’ANTINO, 2013; GOMES; NUNES, 2014). Mattos e colaboradores (2013), por exemplo, argumentam ser possível relacionar as dificuldades de percepção, organização e interpretação de informações às dificuldades de aprendizagem e desempenho acadêmico já que o contexto escolar possui muitos estímulos sensoriais (auditivo, visual, olfativo e gustativo) que possibilitam a manifestação de alguns comportamentos inapropriados ocasionados 29 por uma hiper ou hipossensibilidade. Sendo assim, uma intervenção no contexto escolar é importante nesses casos. 30 CAPÍTULO 2. A ESCOLARIZAÇÃO DE ALUNOS COM TEA NO CONTEXTO DA ESCOLA COMUM O direito do educando com TEA de entrar na escola regular, como previsto na Lei nº 12.764, de 22 de dezembro de 2012 (Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista) (BRASIL, 2012), é enfatizado em distintos documentos legais. A Nota Técnica nº 24/2013/MEC/SECADI/DPEE, por exemplo, salienta que, Para a garantia do direito à educação básica e, especificamente, à educação profissional, preconizado no inciso IV, alínea a, do artigo 3º da Lei nº 12.764/2012, os sistemas de ensino devem efetuar a matrícula dos estudantes com transtorno do espectro autista nas classes comuns de ensino regular, assegurando o acesso à escolarização, bem como ofertar os serviços da educação especial, dentre os quais: o atendimento educacional especializado complementar e o profissional de apoio (BRASIL, 2013, p. 4). Em consonância com o paradigma daeducação inclusiva, o número de educandos com TEA, inseridos em escolas regulares, tem aumentado expressivamente nos últimos anos, principalmente, após a política de 20082. Os dados do Censo Escolar, por exemplo, indicam que em 2006 havia 2.204 alunos com esse diagnóstico inseridos em escolas regulares e que em 2012, esse número aumentou para 25.624 (NUNES; AZEVEDO; SCHMIDT, 2013). É importante salientar, conforme discutido por Padilha (2004 apud MATURANA; MENDES, 2015), que inserir um aluno com deficiência na escola regular não significa que ele esteja incluído, mas que foi dado a ele o acesso, como prevê a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008). O que se almeja com a inclusão é a escolarização do educando. Escolarizar, segundo Filho (2003 apud FILHO; VAGO, 2009), alude a três significados: (1) a produção de referências sociais tendo a escola, ou a forma escolar de socialização e transmissão de saberes como eixo articulador de seus 2 Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) que tem como objetivo garantir o acesso, a permanência e a participação na aprendizagem dos alunos com deficiência, TEA e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares através da orientação aos sistemas de ensino para promover o sucesso acadêmico dos alunos. 31 sentidos e significados; (2) a construção de processos e políticas condizentes à organização de uma rede, ou redes, de instituições, geralmente formais, responsáveis tanto pelo ensino da leitura, escrita, cálculo, da ética e da moral, como o aprofundamento de conhecimentos mais elaborados e que vão além dos saberes da escola; e (3) a submissão de pessoas, conhecimentos, sensibilidades, valores ao ensino escolar, tornar escolar(izado). Todas essas significâncias se referem aos efeitos sociais, culturais e políticos da escolarização, ou seja, envolve questões relacionadas ao letramento, ao reconhecimento ou não de competências culturais e políticas dos indivíduos sociais e à urgência da profissão docente (FARIA FILHO; ROSA; INÁCIO, 2002). Portanto, segundo Rodrigues (2010), a escolarização é um processo contínuo que se desenvolve socialmente e de várias maneiras. É um fenômeno que depende do contexto sócio-histórico e político da sociedade em um determinado período. Além disso, esse processo tem um caráter regulador que inventa uma nova condição de infância civilizada, a criança escolarizada e diferenciada pela escola, que dá visibilidade à infância e à criança como sujeito, com base na importância e na abrangência que assume (RODRIGUES, 2010, p. 26). Outro aspecto da escolarização é o fato de ela se constituir homogênea. Em outras palavras, compreende-se que as práticas pedagógicas seguem padrões condizentes com especificidades físicas, afetivas e psíquicas dos alunos produzindo, assim, um aluno imaginário e ideal que seria inteligente, da raça branca, com possibilidade de ascender profissionalmente (VEIGA, 2004 apud RODRIGUES, 2010). A escolarização, quando garantida a todos os estudantes, cumpre a sua função de uma inserção controlada de todos na sociedade. Nessa perspectiva, a escola se constitui como um meio de convivência social, de vivência comum, coletiva, na qual os ideais da sociedade assumem, gradativamente, os conteúdos, o tempo e a cultura escolar3 (RODRIGUES, 2010). 3 Cultura escolar é compreendida como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização). [...] Enfim, por cultura escolar é conveniente compreender também, quando é possível, as culturas infantis (no sentido antropológico do termo), que se desenvolvem nos pátios do recreio e o afastamento que apresentam em relação às culturas familiares (JULIA, 2001, p. 32 Nesse contexto, o “fenômeno da escolarização”, segundo Rodrigues (2010), apresenta duas faces. A primeira, denominada de face macro diz respeito ao processo de escolarização e o segundo, ou face micro, refere-se ao universo do fazer, das práticas, do cotidiano e da cultura escolares. São as ações, os sujeitos, as esferas que interagem na configuração e consolidação da escolarização. Diversos estudos nacionais e internacionais têm descrito o processo de escolarização de educandos com TEA em contextos regulares de ensino, Dentre essas pesquisas, destacam-se aquelas que tratam dos efeitos promissores da inclusão tanto para os educandos com TEA, como para as suas famílias e professores (SERRA, 2004; GOMES, 2011; PEREIRA, 2014; PEREIRA, 2009; CAMARGO, 2007; FILHO; LOWENTHAL, 2013; CATROLA, 2010; GIARDINETTO, 2009; CAMPOS; FERNANDES, 2016; MATTOS; NUERNBERG, 2011). O estudo realizado por Serra (2004) teve como objetivo investigar o processo de inserção de um aluno com autismo na escola comum. Os resultados, produzidos a partir de diários de campo e entrevistas com os professores e diretores, indicaram que o processo de escolarização em ambiente regular se mostrou vantajoso para a criança, uma vez que ela apresentou maior concentração na realização das atividades propostas, bom relacionamento com os seus colegas e cumprimento de ordens. Além disso, a família constatou os efeitos positivos desse processo, sugerindo que o aluno teve suas potencialidades valorizadas. A perspectiva dos pais foi tema abordado no estudo de Pereira (2009). Essa pesquisa, de cunho descritivo, investigou as concepções, expectativas e experiências de pais de alunos no espectro autista acerca do processo de inclusão escolar de seus filhos. Os resultados indicaram que os pais percebiam dificuldades no acesso e permanência de seus filhos na escola. Não obstante, relataram experiências de sucesso, como o apoio familiar advindo da equipe pedagógica e as adequações curriculares para os educandos. Hoher-Camargo (2007), por sua vez, analisou, no contexto da Educação Infantil, a interação de um aluno com TEA com um colega que evidenciava desenvolvimento típico. Os resultados indicaram, por meio de uma pesquisa exploratória que utilizou a observação sistemática dos alunos e uma versão 10-11 apud FARIA FILHO; GONÇALVES; VIDAL; PAULILO, 2004). Portanto, buscava-se compreender as práticas cotidianas ou o funcionamento interno da escola. 33 adaptada das Escala Q-sort de Competência Social4 (ALMEIDA, 1997 apud HOGER-CAMARGO, 2007), que o perfil de competência social5 da criança sem autismo praticamente não variou. Por outro lado, o menino com autismo apresentou maior frequência de comportamentos sociáveis/cooperativos e asserção social, além de diminuição na frequência de comportamentos agressivos e desorganização do self, no pátio. Considerando o modelo da aprendizagem social6, é possível conjecturar que o desenvolvimento de habilidades sociocomunicativas, tipicamente deficitária nessa população, é potencializada quando um aluno interage com o outro em contextos naturais (FILHO; LOWENTHAL, 2013). Esse fenômeno ocorre na medida em que pessoas com desenvolvimento típico servem como modelos comportamentais para alunos com TEA (COUNCIL FOR EXCEPTIONAL CHILDREN; CEC, 2009). É importante salientar que o aluno com desenvolvimento típico, também, garante o seu próprio desenvolvimento quando, ao interagir com um colega com TEA, aprende a conviver com as diferenças.De fato, um dos pilares do modelo da educação inclusiva, proposta pela UNESCO, é o aprender a conviver com o outro (FILHO; LOWENTHAL, 2013; BRASIL, 2010). A pesquisa conduzida por Gomes (2011) tratou do desenvolvimento das habilidades comunicativas de um aluno no espectro autista inserido em uma escola regular. Esse estudo, conduzido em uma classe de 2º ano do Ensino Fundamental, teve como objetivo avaliar os efeitos de um programa de intervenção nas interações comunicativas entre um aluno com autismo e sua professora utilizando os recursos da Comunicação Alternativa e Ampliada (CAA)7, bem como as estratégias 4 É um instrumento de medida ideográfico que avalia as diferenças e semelhanças individuais a partir da identificação de padrões de organização do comportamento social, levando em conta os fatores de contexto e de desenvolvimento (HOGER-CAMARGO; BOSA, 2012). 5 Competência social, segundo Camargo (2007), é um conjunto de comportamentos aprendidos no decorrer das interações sociais, especialmente, nas interações com pares. 6 A aprendizagem social trata-se de uma teoria que defende a aprendizagem de novos comportamentos a partir da observação de modelos comportamentais (BANDURA, 1979; BANDURA; ROSS, 1963; BANDURA; WALTERS, 1963; BARR; HAYNE, 2003; CLONINGER, 1999 apud VIEIRA; MENDES; GUIMARÃES, 2010; ALMEIDA; LIMA; LISBOA; LOPES; JÚNIOR, 2013). Para tanto, as especificidades do modelo, tais como o grau de afinidade ou o papel desempenhado pelo mesmo, tais como a figura de um herói, o sexo do modelo bem como as contingências envolvidas na situação devem ser consideradas. Ou seja, esses modelos podem fazer parte do contexto do aluno ou fazer parte das mídias existentes, como por exemplo, televisão, videogame, quadrinho etc. (VIEIRA; MENDES; GUIMARÃES, 2010). 7 A Comunicação Alternativa e Ampliada consiste no uso e recursos alternativos que oferecem aos sujeitos sem fala funcional ou ausente possibilidades para se comunicar através de pictogramas a fim de substituir ou suplementar a fala, com sistemas alternativos de comunicação (NUNES, 2003; GLENNEN, 1997 apud TOGASHI; WALTER, 2016). 34 naturalísticas de ensino8. Os resultados, produzidos por meio de delineamento quase-experimental e registros de campo, revelaram mudanças qualitativas e quantitativas nas interações da díade após a implementação do programa de intervenção. De forma específica, foi observado aumento na frequência de uso do CAA pelos participantes bem como uma avaliação positiva da prática interventiva pela professora. Campos e Fernandes (2016) verificaram a influência do tempo de permanência semanal na escola regular e o desempenho de crianças com TEA em teste de inteligência não verbal e em habilidades comunicativas e problemas comportamentais. Para tanto, 44 crianças foram submetidas ao teste matrizes Progressivas Coloridas de RAVEN – Escala Especial (avalia a inteligência não verbal) e a aplicação do Functional Communication Profile (FCP-Rr) que mede o grau de severidade da inteligência não verbal dos sujeitos. De maneira geral, os resultados indicaram correlação positiva entre a frequência escolar e a inteligência não verbal e correlação negativa entre frequência escolar e habilidades comunicativas, atenção/concentração, linguagem receptiva, pragmática/social, linguagem expressiva e de problemas comportamento. Em outras palavras, os resultados dessa pesquisa sugerem que quanto maior o tempo de permanência na escola, melhores os resultados em inteligência não verbal e menor o grau de severidade nas habilidades comunicativas e problemas de conduta. O objetivo do estudo de Pereira (2014) foi envolver um aluno no espectro autista, desprovido de fala funcional, em situações de ensino e aprendizagem acadêmica e social no contexto da Educação Infantil. Como estratégia interventiva foi desenvolvido, de forma colaborativa um Plano Educacional Individualizado (PEI)9 para o aluno. Os resultados indicaram, por meio de delineamento quase- experimental e diários de campo, aumento na frequência de participação do aluno nas rotinas escolares como no momento do lanche e atividades de letramento. De forma específica foi observado desenvolvimento de habilidades sociocomunicativas, uma vez que aprendeu a se comunicar utilizando um sistema de comunicação alternativa, o que possibilitou maior interação com os colegas da sala. Adicionalmente foram registrados avanços em termos de habilidades da vida prática, 8 Ensino naturalístico é um modelo de intervenção em linguagem que abrange algumas dessas estratégias: modelo dirigido à criança, mando, arranjo ambiental e espera (NUNES, 1992). 9 O PEI é um documento que descreve objetivos acadêmicos e funcionais, de curto e longo prazo, considerando as potencialidades e déficits de um educando com deficiência. 35 sendo que o aluno substituiu a mamadeira pelo uso do copo. Mudanças na prática docente, também, foram evidenciadas. Registros de campo indicaram que a professora, com mais autonomia, passou a planejar melhor as atividades que atendessem às necessidades do aluno. Assim como em Pereira (2014), foram evidenciados, também, benefícios acadêmicos e sociais na escolarização de um aluno no espectro autista em contexto regular de ensino no estudo de Catrola (2010). Tal pesquisa teve como objetivo avaliar os efeitos de uma intervenção de cunho comportamental no desenvolvimento das competências acadêmicas, sociais e cognitivas do aluno, que tinha 9 anos e estava matriculado no 3º ano do ensino fundamental. Dentre as práticas interventivas utilizadas, destacou-se o trabalho, realizado em sala, com pares ou em pequenos grupos para favorecer a socialização e a autonomia do aluno. Ganhos acadêmicos, sociocomunicativos, e aumento de concentração nas atividades pedagógicas foram registrados. O aluno desenvolveu habilidades de leitura e escrita, permitindo que lesse e copiasse, com sucesso, textos. Adicionalmente passou a participar, com mais frequência e autonomia, das atividades desenvolvidas em sala de aula. Quanto às habilidades sociocomunicativas, o aluno diminuiu a frequência de falas ecolálicas e passou a elaborar frases mais elaboradas. Foi também observado maior compreensão da comunicação, visto que passou a se interessar mais por histórias contadas com o uso de imagens de livros e projeções em PowerPoint. Além disso, o trabalho com pares e grupos possibilitou a colaboração entre os colegas e um entrosamento maior através da cooperação, solidariedade, respeito e ajuda. Com o estudo de Catrola (2010), foi possível vislumbrar resultados positivos para o aluno, os colegas, a escola e a família visto que houve uma melhor percepção da escola frente ao aluno e o reconhecimento da família que passou a acreditar mais em seu filho e em sua escolarização. Além disso, os progressos foram perceptíveis no comportamento/atitudes da grande maioria dos alunos, a partir dos métodos de trabalho mais estruturados, das capacidades de atenção/concentração, numa maior autonomia perante as diversas solicitações da vida escolar e, por fim, numa maior interiorização das regras a cumprir. A pesquisa conduzida por Mattos e Nuernberg (2011) teve por objetivo relatar uma experiência de intervenção psicoeducacional no contexto da educação infantil. O propósito do estudo, de caráter qualitativo, foi desenvolver as habilidades 36 sociocomunicativas de um aluno com 4 anos de idade com diagnóstico de autismo. Buscou-se, então, através de estratégias interventivas, tais como a inter-regulação da participação do aluno nas trocas sociais10 e o uso da comunicação alternativa, superar barreiras atitudinais e as dificuldades na comunicação. Os resultados indicaram progressos na qualidade de interação e comunicaçãodo educando bem como melhorias na capacidade da turma em acolher diferenças e da professora em flexibilizar suas práticas educacionais à luz de perspectivas inclusivas. Assim como os autores supracitados, Giardinetto (2009) trouxe evidências dos efeitos promissores da escolarização de alunos no espectro autista no ensino regular. O objetivo da sua pesquisa foi realizar uma análise circunstanciada dos contextos da experiência escolar inclusiva de alunos com autismo e identificar as possibilidades de contribuição do programa Currículo Funcional Natural (CFN) como meio de auxiliar na participação desses alunos em sala de aula comum. O CFN diz respeito a uma filosofia de educação que determina a forma e o conteúdo de um currículo adequado às habilidades e necessidades dos alunos e requer procedimentos metodológicos que enfatizem a aplicação do conhecimento e as habilidades em contextos reais (MIURA, 2008). Portanto, trata-se de planejar um programa de educação que seja vital e útil para o aluno e que, assim, ele possa participar ativamente na aprendizagem, de forma independente, produtiva e socialmente aceitável (CUCCOVIA, 2003; GIARDINETTO, 2005; SUPLINO, 2009). Os resultados indicaram efeitos positivos por parte das professoras que passaram a acreditar que a escolarização em sala regular era possível com a adoção de práticas adequadas de intervenção. Adicionalmente, as mesmas docentes declaram que o CFN deveria ser aplicado nas demais séries em que as demandas são diferenciadas. Algumas pesquisas que versam sobre a inclusão de educandos com TEA descrevem estratégias interventivas a serem empregadas em contextos regulares de ensino. Brande e Zanfelice (2012), por exemplo, descreveram os efeitos do uso de algumas práticas de ensino e aprendizagem que foram sendo pensadas, criadas (“inventando estratégias”) e experimentadas pelos educadores (professoras e coordenadora) da escola para o aluno com autismo baseadas nos conhecimentos 10 Tem como princípio fazer entre as pessoas (intersubjetividades) para que o indivíduo apreenda as possibilidades de regulação, desenvolvendo uma possibilidade de autorregulação (intrassubjetividades), ou seja, assume-se uma postura de co-ação, em que num primeiro momento a criança não é capaz de fazer sozinha. 37 das habilidades e dificuldades manifestadas por ele. O procedimento utilizado teve uma abordagem cooperativa que consiste em propor situações de aprendizagem a partir das interações dos alunos com o outro e o objeto de conhecimento (BRANDE; ZANFELICE, 2012). A partir da escuta das professoras, que se mostravam angustiadas quanto ao "não saber fazer", foram elencadas, em uma perspectiva colaborativa, com a participação dos pais, professores e funcionários da escola, situações de aprendizagem do aluno. Nessas discussões, realizadas junto a esses atores, foram identificadas atividades acadêmicas a serem desenvolvidas com os educandos. Por fim, os autores concluíram que a escolarização de alunos com autismo, através de intervenções educacionais11, também, pode desenvolver nessa população as habilidades acadêmicas de ler, escrever, calcular e resolver situações- problema. Apesar dos efeitos promissores registrados nas pesquisas acima descritas, diversos estudos têm destacado os desafios em escolarizar educandos com TEA em contextos regulares de ensino (CRUZ, 2009; GÓES, 2012; PEREIRA, 2009; REGIANI, 2009; NEVES; ANTONELLI; SILVA; CAPELLINI, 2014; PIMENTEL; FERNANDES, 2014; LIMA, LAPLANE, 2016; LEMOS; SALOMÃO; AGRIPINO- LEMOS, 2014). Cruz (2009), por exemplo, analisou a experiência escolar de dois adolescentes no espectro que participaram de um programa de inclusão numa escola regular da rede pública. Os resultados indicaram que a experiência vivenciada não propiciou a esses alunos a apropriação de conteúdos acadêmicos, e que a presença deles provocou desorganização na comunidade escolar, afetando professores, alunos e outros profissionais. Além disso, a autora concluiu que esses alunos têm potencial para aprender, mas dadas as condições de falta de capacitação docente, as possibilidades diminuem, afetando o desenvolvimento dos educandos. A referida pesquisa aponta para a necessidade de repensar a operacionalização do processo inclusivo para que os “incluídos” não vivenciem um processo de exclusão dentro da própria escola. 11 As intervenções educacionais atuam no fracasso escolar e nos problemas de aprendizagem em geral tendo a equipe pedagógica atuar de maneira colaborativa nesses aspectos através do auxílio aos professores nos planejamentos, na metodologia e no agir frente ao sujeito aprendente (SILVA, 2006). Portanto, a intervenção educacional, segundo Silva (2006), define como seu objeto de atuação os processos de ensino e aprendizagem que a escola estabelece e implementa. 38 Góes (2012) investigou, por meio de entrevistas, os motivos que levaram os pais de dois alunos no espectro autista e deficiência intelectual associada a matricularem seus filhos na educação infantil em escolas de educação especial. Trata-se de uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório que teve como base teórica, para a análise dos dados coletados nas entrevistas com os pais, a Teoria Crítica da Sociedade, que consiste em refletir sobre a estrutura social e sua relação com diversas instituições, como por exemplo, a escola (HORKHEIMER; ADORNO, 1973 apud GÓES, 2012). Os pais relataram que seus filhos estavam sendo excluídos da classe regular, visto que os professores não lhe davam a devida atenção, tampouco faziam adequações curriculares. Em síntese, a pesquisa constatou que a falta de preparação docente era um dos principais fatores para o fracasso da inclusão. O estudo de Pereira (2009) reitera os dados de Góes (2012). O referido estudo, de cunho qualitativo, teve por objetivo investigar as concepções, expectativas e experiências de pais de alunos com diagnóstico de autismo acerca do processo de inclusão escolar de seus filhos. Assim como Góes, os pais mostraram- se insatisfeitos com a inclusão devido à falta de capacitação dos profissionais. Com base em achados dessa natureza, Regiani (2009) descreveu as dificuldades dos docentes ao atuar com alunos no espectro autista. O objetivo de seu estudo foi analisar as possíveis relações entre a formação, as percepções e as práticas de professores especialistas em educação especial, regentes em classe comum das séries iniciais junto a alunos com deficiência. Para tanto, estruturou-se uma pesquisa qualitativa e descritiva conduzida por meio de observação em sala de aula e entrevistas semiestruturadas com três professoras do ensino regular. Os resultados indicaram a compreensão das professoras quanto à necessidade de agregar o conhecimento pedagógico à sua prática. Adicionalmente, registros indicaram que as docentes avaliaram o curso de especialização em Educação Especial de forma positiva bem como apontaram a necessidade de aprimorar os planejamentos das atividades desenvolvidas em sala de aula pelos alunos com necessidades educacionais especiais. O estudo de Pimentel e Fernandes (2014), também, explicitaram as dificuldades enfrentadas pelos professores ao ter em suas salas de aula um aluno autista. O objetivo da pesquisa foi identificar e descrever as dificuldades dos professores e o valor atribuído ao trabalho com crianças com esse diagnóstico. Para 39 tanto, foram aplicados questionários fechados em 51 professores de escolas comuns e especiais a fim de investigar o papel que eles exercem em relação ao aluno, suas dificuldades e habilidades no que se refere ao aluno; suas observações sobre comportamentos e interesses da criança e estratégias de comunicação usadas por ambos. As respostas dadaspelos professores sugerem que a prática docente está mais voltada para o desenvolvimento das habilidades sociocomunicativas. Em contrapartida foram assinaladas dificuldades em lidar com os aspectos da aprendizagem e problemas de comportamento devido a pouca contribuição de outros profissionais e a falta de tecnologia de ensino adequada. A importância de outros profissionais (psicólogo, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, entre outros), também, foi explanada na pesquisa de Lemos, Salomão e Agripino-Ramos (2014). Esse estudo teve como objetivo analisar as interações sociais de crianças no espectro autista nas escolas regulares, considerando a mediação de professores. Os resultados revelaram que as estratégias adotadas pelos docentes são, na maioria das vezes, baseadas na intuição, com pouco respaldo teórico e pouca orientação de profissionais capacitados. A falta de apoio pedagógico especializado reflete nas questões de acesso e permanência na escola regular, como sugere o estudo conduzido por Lima e Laplane (2016). Nessa pesquisa, de natureza descritiva, foi constatado alto nível de evasão escolar de educandos com autismo de escolas regulares ocasionado pela falta de um atendimento educacional especializado. De forma específica a rede estadual não oferece nenhum tipo de apoio a esse alunado e os alunos que estão matriculados não frequentam, necessariamente, as salas de aula comum em que estão registrados. Como resultado, o processo de escolarização de alunos com TEA no município de Atibaia (SP) parece ficar restrito à Educação Infantil e aos anos iniciais do Ensino Fundamental. Conforme observado, muitos dos estudos revisados tratam, especificamente, do sentimento de despreparo docente. Em outras palavras, os professores parecem carecer de competências essenciais para lidar com educandos com autismo. É nessa perspectiva que o Council for Exceptional Children (CEC), uma organização internacional que tem como meta melhorar, com base em pesquisas empíricas, as práticas educacionais com indivíduos com necessidades especiais (PLETSCH, 2009) descreve competências essenciais que professores de educandos com TEA 40 devem desenvolver. Em termos de conhecimento, o referido documento afirma que o professor deve: 1. Extinguir os preconceitos culturais pessoais e diferenças que afetam o processo de ensino; 2. Servir como um modelo para os indivíduos com necessidades de educacionais especiais; 3. Investir na formação continuada ao longo da vida profissional; 4. Investigar práticas validadas por pesquisas atuais; 5. Considerar as questões legais, éticas e políticas relacionadas com a educação, o desenvolvimento, e serviços médicos para crianças, adolescentes e as suas famílias; 6. Conhecer o estatuto profissional e as condições de trabalho para aqueles que servem as crianças, adolescentes e suas famílias; Em termos de habilidades, o documento sinaliza alguns comportamentos que o professor deve adotar: 1) Basear sua prática no Código de Ética do CEC e outros padrões éticos da profissão; 2) Preservar elevados padrões de competência e integridade e exercer bom senso na prática profissional; 3) Agir eticamente na defesa de serviços apropriados; 4) Realizar atividades profissionais em conformidade com as leis e políticas aplicáveis; 5) Demonstrar compromisso para desenvolver uma educação de qualidade e oferecer qualidade de vida aos indivíduos com necessidades educacionais especiais; 6) Demonstrar sensibilidade para a cultura, língua, religião, gênero, deficiência, status socioeconômico e a orientação sexual dos indivíduos; 7) Usar a linguagem verbal, não verbal e escrita de forma eficaz; 8) Autoavaliar a prática profissional; 9) Acessar informações sobre excepcionalidades; 10) Refletir sobre sua prática para melhorar o ensino e orientar o crescimento profissional; 41 11) Envolver-se em atividades profissionais que beneficiam os indivíduos com necessidades educacionais especiais, suas famílias e colegas; 12) Demonstrar o compromisso de implementar práticas baseadas em evidências; 13) Reconhecer sinais de sofrimento emocional, negligência e abuso, bem como seguir os procedimentos de notificação; 14) Conhecer teorias e princípios dos sistemas familiares integrados na prática profissional; 15) Respeitar as escolhas e metas das famílias; 16) Participar em atividades de organizações profissionais relevantes para a educação especial na primeira infância e intervenção precoce; 17) Aplicar práticas baseadas em evidências e recomendadas para bebês, crianças e jovens de diversas origens; 18) Advogar em nome dos bebês, crianças e suas famílias; Em termos de colaboração, definido como uma rede de apoio em que a equipe pedagógica age de maneira conjunta com outros profissionais e familiares para atender às demandas de alunos com deficiência (CEC, 2009), o professor deve ser capaz de identificar: 1) Modelos e estratégias de consulta e colaboração; 2) Os papéis dos indivíduos com necessidades educacionais especiais, famílias e funcionários da escola e comunidade no planejamento de um programa individualizado; 3) As preocupações das famílias de indivíduos com necessidades educacionais especiais e estratégias para ajudar a resolver essas preocupações; 4) Os fatores culturalmente sensíveis que promovem a comunicação eficaz e colaboração com indivíduos com necessidades educacionais especiais, famílias, funcionários da escola e membros da comunidade; 5) As estruturas de apoio de colaboração interinstitucional. Em termos de habilidades, merecem destaque os seguintes: 42 1) Manter uma comunicação confidencial sobre indivíduos com necessidades educacionais especiais; 2) Colaborar com as famílias e outros profissionais na avaliação de indivíduos com necessidades educacionais especiais; 3) Manter relações respeitosas e benéficas entre famílias e profissionais 4) Ajudar as pessoas com necessidades educacionais especiais e suas famílias em tornarem-se participantes ativos na equipe educacional; 5) Planejar e realizar conferências de colaboração com indivíduos com necessidades educacionais especiais e suas famílias; 6) Colaborar com a equipe da escola e membros da comunidade na integração de indivíduos com necessidades educacionais especiais em diferentes contextos de aprendizagem; 7) Capacitar outros agentes interventivos na utilização de métodos de ensino e acomodações; 8) Comunicar-se com a equipe da escola sobre as características e necessidades educacionais especiais; 9) Comunicar, de forma eficaz, com as famílias de indivíduos com necessidades educacionais especiais de diversas formas; 10) Observar, avaliar e fornecer feedback para os educandos; 11) Colaborar com cuidadores, profissionais e agentes de apoio no desenvolvimento e aprendizagem das crianças; 12) Escolher e priorizar as metas e estratégias de intervenção para apoiar as famílias; 13) Implementar serviços de orientação para a família com base na identificação da família, recursos, prioridades e preocupações; 14) Fornecer consulta em ambientes que servem a bebês e crianças; 15) Envolver as famílias na avaliação dos serviços; 16) Participar, em equipe, das decisões da escola de forma colaborativa, propondo melhorias para as funções da equipe; 17) Empregar princípios de aprendizagem de adultos em membros da família sob a forma de consultoria, formação e prestação de serviços; 18) Ajudar a família no planejamento para a transição. 43 No Brasil, existem orientações específicas voltadas para professores de alunos com TEA, conforme descrito na Nota Técnica nº 24/2013/ MEC/SECADI/DPEE. Segundo esse documento, que orienta os sistemas de ensino para a implementação da Lei nº 12.764/2012, dentre as competências que os profissionais precisam desenvolver destacam-se:
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