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Tráfico Internacional de Vulneráveis: o tráfico internacional infantil e a realidade brasileira

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIAS
ESCOLA DE DIREITO E RELAÇÕES INTERNACIONAIS
CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
MICAELA SANTIAGO LIMA
TRÁFICO DE VULNERÁVEIS: O TRÁFICO INTERNACIONAL INFANTIL E A REALIDADE BRASILEIRA
GOIÂNIA
2019
MICAELA SANTIAGO LIMA
TRÁFICO DE VULNERÁVEIS: TRÁFICO INTERNACIONAL INFANTIL E A REALIDADE BRASILEIRA
Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado à Escola de Direito e Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais. 
Orientador(a): Prof. Dra. Aline Tereza Borghi Leite
GOIÂNIA
2019
FOLHA DE APROVAÇÃO
MICAELA SANTIAGO LIMA 
TRÁFICO DE VULNERÁVEIS: TRÁFICO INTERNACIONAL INFANTIL E A REALIDADE BRASILEIRA
Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado à Escola de Direito e Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais. 
Orientador(a): Prof. Dra. Aline Tereza Borghi Leite
Aprovada em _____ de ___________________ de ________.
BANCA EXAMINADORA:
_____________________________________________
Prof. Dra. Aline Tereza Borghi Leite
_____________________________________________
Prof. Ma. Angela Maria Aires Teixeira
____________________________________________
Prof. Ma. Denize Daubt Bandeira
Esta obra é dedicada primeiramente a meus pais, Raimundo Filho e Maria Iraídes, por sempre acreditarem em mim e nos meus sonhos, aos meus avós, Raimundo Lima e Maria da Conceição, que zelam por mim onde quer que estejam e, finalmente, à minha amada avó, Raimunda Lima, que por tantas vezes amenizou minha saudade de casa.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, gostaria de agradecer à Deus por ser minha força e acalento nos dias bons, mas principalmente, nos dias que a saudade de casa doía meu coração. Agradeço por tantas vezes me reerguer nos momentos de fraqueza, onde a vontade de desistir falava mais alto, mas o Senhor sempre me atendia em preces e nunca me deixou cair em tentação.
Agradeço aos meus pais, por durante toda a minha caminhada acreditarem em mim e sempre me incentivarem a ir mais longe, por sonharem meus sonhos junto comigo. Há dois anos, eu tive a decisão de sair do conforto do meu lar, mudar para uma cidade há mais de 2.000 km de distância da cidade onde nasci, e iniciar uma nova etapa da minha vida. Eu abdiquei dos nossos momentos de lazer, das comemorações em família para buscar novos ares, crescer e aprender cada vez mais. Vocês, desde o primeiro momento, aceitaram que eu precisava voar e reencontrar a felicidade de estudar o que eu amo. Obrigada por me ouvirem nos momentos de tristeza, de desespero e acalmarem meu coração com suas palavras de incentivo, e por sempre mostrarem o quanto acreditam em mim e nos meus objetivos de vida. Obrigada por cada oportunidade e privilégio que vocês me concederam, por serem incansáveis em sempre tentar proporcionar o melhor as suas filhas, a distância Macapá-Goiânia é pequena comparada ao tamanho do meu amor e gratidão por vocês. Todas as minhas conquistas sempre serão em primeiro lugar de vocês.
Agradeço à minha irmã Gabriela, por entender a minha ausência em momentos tão importantes de sua vida. Você talvez não saiba o tanto que me inspira e incentiva a correr atrás dos meus sonhos e ser alguém melhor. Obrigada por sempre me arrancar risos com nossas conversas, por torcer por mim todos os dias da mesma forma que torço por você. Não importa a distância que eu esteja nesse momento, você sabe que sempre vou segurar sua mão e ser a primeira pessoa, depois dos nossos pais, a te incentivar a crescer, a sonhar e a ser o que você quiser. 
Agradeço aos meus amigos, por vezes entenderem minhas ausências e estresses, e mesmo assim se mostrarem fiéis escudeiros nessa jornada ao meu lado e transformarem dias nublados em dias ensolarados. Obrigada pelos risos arrancados, as confidências trocadas, as lágrimas compartilhadas, as horas de estudo na biblioteca e as festas que se tornaram lugar para espairecer e aliviar as tensões carregadas. Construímos tantas histórias memoráveis no decorrer do ano que nos arrancam tantas gargalhadas quando lembradas, eu só posso agradecer por serem pessoas tão especiais e que mudaram minha vida desde que cheguei em Goiânia.
Agradeço ao meu companheiro de todos os momentos, Gustavo, que foi uma peça fundamental para a finalização deste trabalho. Obrigada por me proporcionar tantos momentos bons em meio ao caos, por ter me acompanhado e ajudado da elaboração do pré-projeto até aqui, fosse emprestando seu computador, procurando referencial teórico, editando tabelas, fazendo correções, críticas ou elogios. Tivemos um ano difícil, mas sou grata por você nunca ter soltado minha mão. E nessa reta final, mesmo com os percalços que enfrentamos, você me deu forças para continuar e esteve disponível a cada ajuda ou favor que eu pedia. Obrigadas pelos cuidados, pela preocupação, pelo carinho, por sempre ouvir meus desabafos e enxugar minhas lágrimas, por sempre encontrar um espaço para estar ao meu lado, mesmo tendo sua rotina puxada, mas sempre se fez presente me arrancando risos e deixando a vida mais leve. Obrigada por estar em minha vida e não sair dela.
Por fim, mas não menos importante, gostaria de agradecer a minha professora e orientadora, Aline Borghi, por desde o meu primeiro dia na instituição PUC Goiás ter me recebido de forma tão calorosa. Obrigada por ter sido uma grande parceira e amiga na construção desse trabalho, por todas as palavras de incentivo desde o nosso primeiro dia de orientação que marcaram de forma tão positiva. Agradeço por acreditar e confiar no meu potencial, por me trilhar pelos caminhos certos e mostrar que a construção de uma monografia não é um bicho de sete cabeças, e principalmente por fazer desta obra com uma temática tão importante e por vezes pesada, algo mais leve. Foi um verdadeiro prazer e uma honra ser sua orientada.
RESUMO
O presente trabalho se propõe a compreender o Tráfico Internacional de Pessoas como um crime de violação aos direitos humanos garantidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), com atenção especial voltada a prática do Tráfico Internacional Infantil. Inicialmente, analisa-se o Tráfico de Pessoas à luz do Direito Internacional, suas definições e principais convenções a respeito do tema, e a relação com os movimentos migratórios. Posteriormente, discute-se a visibilidade da criança como ator nas relações internacionais e a vulnerabilidade social a qual ela é exposta, bem como o aproveitamento dessa vulnerabilidade em ordem do favorecimento ao Tráfico de Crianças. Por fim, analisa-se a realidade do Brasil como um país suscetível ao crime tipificado neste trabalho, de que forma o ordenamento jurídico brasileiro legisla a respeito da temática e quais são as medidas tomadas de cooperação com organismos internacionais e políticas públicas visando a prevenção, o combate e o enfretamento ao Tráfico de Seres Humanos.
Palavras chave: Tráfico Internacional de Pessoas; Tráfico Internacional Infantil; Vulnerabilidade; Ordenamento Jurídico Brasileiro.
ABSTRACT
The aim of the present work to understand the International Trafficking in Persons as a crime of violation of human rights guaranteed in the United Nations Universal Declaration of Human Rights, with special attention focused on the practice of International Child Trafficking. Initially, it is analyzed the Trafficking in Persons in the light of International Law, its definitions and main conventions on the subject, and its relationship with migratory movements. Subsequently, the visibility of children as actors in international relations and the social vulnerability to which they are exposed is discussed, as well as the use of this vulnerability in order to favor child trafficking. Finally, we analyze the reality of Brazil as a countrysusceptible to the crime typified in this paper, how the Brazilian legal system legislates on the subject and what are the measures taken in cooperation with international organizations and public policies aimed at prevent, combat and confrontation against Human Trafficking.
Keywords: International Trafficking in Persons; International Child Trafficking; Vulnerability; Brazilian Legal System.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABC – Agência Brasileira de Cooperação
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
CICP – United Nations Centre for International Crime Prevention
CP – Código Penal
CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito
CREAS – Centros De Referência Especializados De Assistência Social
DUDH – Declaração Universal dos Direitos do Homem
DRCI/SNJ - Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional de Justiça e Cidadania
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
ENAFRON – Estratégia Nacional De Segurança Pública Das Fronteiras
GLO.ACT – Ação Global Para Prevenir E Combater O Tráfico De Pessoas E Contrabando De Migrantes
ICMPD - Centro Internacional para o Desenvolvimento de Políticas Migratórias
IIN – Instituto Interamericano da Criança e do Adolescente
ILO – International Labour Organization
MMFDH - Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
OEA – Organização dos Estados Americanos
OIM – Organização Internacional Para As Migrações
OIT – Organização Internacional do Trabalho
ONG – Organização Não Governamental
ONU – Organização das Nações Unidas
OSCE – Organization for Security and Co-operation in Europe
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PNTETP - Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas
RI – Relações Internacionais
RNE – Registro Nacional Do Estrangeiro
RNM – Registro Nacional Migratório
SDH - Secretaria de Direitos Humanos
SENASP – Secretaria Nacional de Segurança Pública
SINAN – Sistema De Informação De Agravos De Notificação
SNJ – Secretaria Nacional de Justiça
SUAS – Sistema Único De Assistência Social
UNICEF – Fundo Das Nações Unidas Para a Infância
UNIFEM – Fundo das Nações Unidas para a Mulher
UNDCP – United Nations International Drug Control Programme
UNODC – Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO	12
1	CAPÍTULO 1 – O TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL	15
1.1	O FENÔMENO MIGRATÓRIO E A GLOBALIZAÇÃO	15
1.2	AS CLASSIFICAÇÕES DO TRÁFICO DE PESSOAS: DEFINIÇÕES E FINALIDADES ..........................	19
1.3 CONVENÇÕES INTERNACIONAIS SOBRE O TEMAS	24
2	CAPÍTULO 2 – AS CRIANÇAS NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS E OS DIREITOS HUMANOS	28
2.1 O TRÁFICO INTERNACIONAL INFANTIL COMO UMA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS	31
2.2 O CONCEITO DE VULNERABILIDADE SOCIAL – O TRÁFICO INFANTIL COMO UMA EXPLORAÇÃO DA VULNERABILIDADE DA CRIANÇA	34
2.2.1 Meninas e meninos traficados: tráfico para fins de exploração sexual e trabalho análogo à escravidão	36
2.3 A CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA ...................................................................................................................................................38
2.4 A UNICEF e o UNODC......................................................................................................40
2.5 - A ADOÇÃO ILEGAL......................................................................................................42
3 CAPITULO 3 – O TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS NO ÂMBITO DO DIREITO BRASILEIRO	45
3.1	AS DEFINIÇÕES NO ÂMBITO DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO	45
3.1.1 O novo marco legal	48
3.2 A LEI DE MIGRAÇÃO	50
3.3	ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA)	52
3.4 O BRASIL COMO PAÍS DE ORIGEM DAS VÍTIMAS...................................................54
3.5 A COOPERAÇÃO ENTRE INSTITUIÇÕES BRASILEIRAS E ORGANISMOS INTERNACIONAIS.................................................................................................................57
3.6 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE PREVENÇÃO, COMBATE E ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO DE PESSOAS……………………………………………………………………………………………………………..59
CONCLUSÃO
10
INTRODUÇÃO
O tráfico de seres humanos é uma atividade criminal que cresce extraordinariamente na sociedade atual. Impulsionado por elementos como pobreza, instabilidade econômica, política e social, guerras, movimentos migratórios, globalização, leis deficientes, entre outros, o crime tem se expandido e dominado o mercado, envolvendo principalmente o comércio internacional. Trata-se de uma conduta complexa, pois possuí relação direta com princípios morais e éticos, violando de forma severa a dignidade humana e sua liberdade, que são direitos garantidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Seres humanos movem-se entre porções geográficas diversas desde os mais remotos períodos históricos. As razões impulsionadoras de tais deslocamentos variavam e dependiam do contexto histórico e das particularidades inerentes a cada sociedade envolvida. Assim sendo, as migrações internacionais atravessaram os séculos promovendo trocas culturais entre povos. 
Essas migrações são tipificadas em voluntárias ou forçadas, legais ou ilegais que serão discorridas ao longo do trabalho. As últimas podem ser definidas como qualquer movimentação internacional de pessoas que se encontre fora do marco de regulação legal dos países de trânsito ou de destino dos migrantes. A imigração irregular provém da legislação que controla e restringe os fluxos de pessoas, caracterizando-a como um delito contra a soberania dos Estados (LARA, 2008, p. 159-162).
Constituindo uma forma moderna de escravidão, o tráfico de pessoas é uma modalidade do crime organizado e se encontra entre as atividades ilícitas mais lucrativas do mundo, perdendo apenas para o tráfico de drogas e de armas. O delito em tela é voltado, principalmente para a exploração sexual, tendo como principais alvos mulheres e crianças, que se encontram em uma situação de maior vulnerabilidade por motivos a serem apontados ao longo do texto. Não obstante, o ilícito não se limita apenas à exploração sexual, atingindo também, o trabalho escravo, servidão, adoção ilegal e remoção de órgãos. 
O crime de tráfico de pessoas data de tempos longínquos, contudo, apenas nas últimas décadas é que os Estados, especialmente com o auxílio de organismos internacionais e da sociedade civil organizada, passaram a promover ações efetivas para combatê-lo.
O principal instrumento internacional que aborda o assunto é a Convenção contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida como “Convenção de Palermo”. O referido documento foi complementado por três Protocolos adicionais, quais sejam: Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea; Protocolo Adicional a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças e Protocolo contra a Fabricação e o Tráfico Ilícito de Armas de Fogo, suas Peças, Componentes e Munições. 
O Brasil é signatário de tal convenção e de todos os seus protocolos, porém o país se caracteriza como exportador de pessoas, todavia o crime ainda possui baixa visibilidade no país, gerando dificuldades para o controle do mesmo e de elaboração de medidas eficientes para a sua supressão. Entretanto, por muito tempo a legislação brasileira permaneceu ultrapassada em relação a tal instrumento, mantendo normas incompatíveis ao mesmo. A exemplo disto é possível citar a questão do consentimento. Para o documento internacional o consentimento legitimo e voluntário do ofendido anula o crime, enquanto a legislação brasileira entendia que a anuência da vítima era irrelevante para a sua concretização.
O presente trabalho possuí como desafio o objetivo geral de analisar o Tráfico de Pessoas, com foco no Tráfico Internacional Infantil, de forma a entender como a atividade ocorre,quem são suas principais vítimas, o que o sistema internacional tem feito para combater a atuação desse crime transacional, quais são as convenções internacionais que tratam do tema e, por fim, analisar a situação brasileira como país exportador de vítimas, quais medidas e acordos o Brasil tem feito para combater essa realidade e quais atualizações ou omissões existem na Legislação em vigor, tanto para proteger a vítima quanto punir seu aliciador.
Este trabalho está dividido em três partes principais. Na primeira parte, será apresentada a evolução histórica do delito, visando apontar como o mesmo se iniciou e como foi se transformando ao longo dos anos diante das mudanças sociais, políticas, econômicas e, principalmente, tecnológicas, sofridas pela sociedade. 
Já no segundo capítulo, trata-se sobre a questão da criança e o embate existe entre vê-la ou não como ser que merece reconhecimento e assumir papel de ator dentro das relações internacionais. Para esse debate, analisa-se o protagonismo de duas jovens que chamaram a atenção mundial por seu ativismo, Malala Yousafzai e Greta Thunberg. Posteriormente, analisa-se as definições de vulnerabilidade social e o Tráfico Internacional Infantil como uma exploração da vulnerabilidade da criança e os organismos internacionais que cuidam de garantir e assegurar os direitos da criança. 
No terceiro capítulo, analisa-se o Tráfico de Pessoas à luz do direito brasileiro de forma a discutir o posicionamento do ordenamento jurídico brasileiro em relação ao crime transacional, trazendo como referencial o Código Penal (CP), o novo marco legal com Lei nº 13.344/2016, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e as políticas públicas de prevenção e enfrentamento ao tráfico.
Ao longo da obra, busca-se constatar as dificuldades existentes no combate ao tráfico de pessoas, especialmente o tráfico infantil, e se há omissão por parte da Legislação em artigos que tratem do tráfico de pessoas e do tráfico infantil de forma mais espec. Trata-se também da importância de implementação de políticas públicas, para que a população possa compreender de forma mais clara a gravidade que o crime representa para a sociedade atual.
1 O TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS À LUZ DO DIREITO INTERNACIONAL
O presente capítulo tem por objetivo apresentar as definições de migração, movimento migratório internacional e discutir a ligação existente entre essa atividade, a globalização e o tráfico internacional de pessoas, e quais os embates sobre o tema dentro do direito internacional. Em seguida, discute-se as definições e finalidades do tráfico internacional de pessoas e tráfico internacional infantil, os tratados internacionais existentes, com atenção aos que ratificados pelo Brasil, e o contexto histórico das convenções existentes que tratam da temática no âmbito internacional.
1.1 O FENÔMENO MIGRATÓRIO E A GLOBALIZAÇÃO
Migração vem do latim migrāre que significa mudar de residência. A migração é a movimentação de entrada (imigração) ou saída (emigração) de um indivíduo ou grupo de indivíduos que buscam melhores condições de vida. No documento Recomendações Sobre Estatísticas da Migração Internacional disponibilizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1998, é considerado migrante aquele que muda para um país diferente do seu país de residência atual, por um período de ao menos 12 meses, de forma que esse país de destino se torne seu país de residência.
O movimento migratório pode ser interno ou internacional. O indivíduo se desloca de um uma cidade para outra, dentro do mesmo país, é considerado um migrante interno. Essa é uma forma muito comum de migração e que pode ser exemplificado com clareza dentro do Brasil com a movimentação de moradores da zona rural em direção à zona urbana, moradores das regiões norte e nordeste em direção as regiões centro oeste, sudeste e sul. A migração internacional é onde ocorre o movimento de pessoas que deixam seu país de origem ou de residência atual para fixarem-se de forma permanente ou temporária em outro país. 
Sabe-se que, em meio aos fluxos de migrações internas e internacionais, existem pessoas em situações de vulnerabilidade e risco: mulheres, crianças e adolescentes. As razões que levam essas pessoas a estarem expostas a condição de vulnerabilidade são diversas, indo de menores viajando sozinhos, pessoas que sobreviveram à violência antes ou durante a migração, pessoas que enfrentam qualquer tipo de discriminação, preconceito ou xenofobia baseadas em nacionalidade, religião, gênero ou status de migrante. Uma das piores formas de violência e exploração que o migrante é submetido, é o tráfico de pessoas. Apesar de pessoas traficadas não serem exclusivamente migrantes, é de conhecimento público que os traficantes de seres humanos se aproveitam dos indivíduos durante o processo migratório com o objetivo de aliciar e explorar em proveito próprio a expectativa da vítima que almeja uma vida melhor.
A migração pode ocorrer de forma regular e legal, ou irregular ou indocumentada (TERESI; HEALY, 2012). A forma irregular consiste no ingresso em um país no qual a pessoa não é cidadã e não possuí autorização, ou quando ela permanece após o período de vencimento do visto ou autorização de residência. Trata-se de uma violação das leis migratórias por parte daquele que decide migrar mesmo que em desrespeito à legislação do país de destino e/ou de trânsito (Secretaria Nacional de Justiça, 2013)[footnoteRef:1]. [1: Referência importante nesta discussão é documento do UNODC Smuggling of Migrants: a Global Review (UNODC, 2011).] 
Por último, existem os refugiados e requerentes de asilo, que deixam seus país por motivos relacionados a necessidade de proteção internacional humanitária (BIROL, 2015). O refugiado é o migrante que saí do seu local de origem por motivos de força maior, como perseguições em função de raça, religião, conflitos armados, violações dos direitos humanos, entre outros. Enquanto o asilado pede asilo a um país que não o seu de origem, em virtude de perseguição pelo governo do seu próprio país por motivos como divergência política, livre manifestação de pensamento ou crimes relacionados à segurança do Estado. 
No que tange a questão da criança, as situações de migração, refúgio, exílio e asilo as quais são submetidas vem por meio da decisão dos pais de deixar a localidade ou país onde estão vivendo. Ou seja, essa criança que já é considerada vulnerável por sua condição de ser uma pessoa em desenvolvimento, ainda será exposta a vulnerabilidade e risco de sequestro em fronteiras, ao aliciamento por parte de traficantes com promessas aos seus responsáveis de oferecer uma oportunidade e condições melhores de vida para que o futuro daquela criança seja diferente da realidade vivenciada naquele momento.
O direito internacional possuí diversos segmentos que definem as regras para proteção dos direitos de migrantes e refugiados, além de regular a cooperação internacional no que tange a migração. Incluindo ainda o direito internacional dos direitos humanos e os oito instrumentos internacionais de direitos humanos fundamentais, os dois Pactos Internacionais sobre os Direitos Civis e Políticos e Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, juntamente com as seis convenções internacionais específicas que protegem situações e grupos específicos: discriminação racial, tortura, mulheres, crianças, trabalhadores migrantes e pessoas com deficiência. (ILO & OSCE, 2009)[footnoteRef:2]. [2: Os pactos e as convenções constam no documento Strengthening Migration Governance feito em conjunto pela Organization for Security and Co-operation in Europe (OSCE) e International Labour Organization (ILO).] 
Para Cunha (1998, p. 667-668): “O fenômeno migratório acompanhou a história da humanidade e, na maioria das vezes, significou modernização e progresso humano. Nesse sentido amplo, somos todos, salvo os autóctones, resultado dos deslocamentos de populações que nos antecedem”. O autor deixa claro que o movimento de migração não é algoque deve ser considerado ruim, até porque somos descendentes destes movimentos, uma vez que foi necessário o deslocamento dos portugueses de seu país de origem para que a colonização do Brasil acontecesse, assim como a de tantos outros países. Esse deslocamento acaba por agregar no desenvolvimento de uma sociedade, fornecendo novas perspectivas à respeito de áreas como educação, saúde e governança.
O art. 13 da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) afirma que “toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país.” Este artigo explicita que, o movimento migratório é legal e todo ser humano tem o direito assegurado de transitar em liberdade, de ir e vir. Porém, ressalva-se para o fato de que os Estados são soberanos e precisam cuidar e proteger suas fronteiras, visto que historicamente foram a porta de entrada para invasões de outros Estados com fins de tomar aquele território, mas que também diz respeito a segurança de sua população. 
Pressupõe-se, portanto, que todas as pessoas tenham o direito de sair livremente de um país. No entanto, um direito pressupõe um dever, que seria o dever que o outro Estado teria de receber, o que, paradoxalmente, contradiz a soberania que os Estados têm de proteger as suas fronteiras, de conceder a nacionalidade, admitir e deportar estrangeiros, e de salvaguardar a segurança nacional e o interesse público. Então, segundo o primado do direito internacional, o ser humano teria o direito de sair, mas não necessariamente de entrar ou de ser recepcionado por outro Estado, o que torna o direito à migração ineficaz (BIROL, 2019, Apud PEDRA; BARBOSA, 2014).
Portanto, é de fácil percepção que o direito assegurado na DUDH, se torna sem eficácia na premissa do direito internacional. A soberania do Estado deve ser respeitada, assim como as leis que regem esse país, o que deixa claro que o migrante tem todo o direito de sair do seu país de origem, mas talvez não tenha o direito à entrada no país de destino de sua escolha, principalmente se sua documentação não estiver de acordo com o ordenamento jurídico daquela localidade. Por conta disso, surgem os imigrantes que se submetem a condições de entrada ilegal no país, principalmente por meio da travessia de fronteiras com a ajuda de coiotes, correndo riscos como o de serem deportados, exposição a condição de vulnerabilidade facilitando o aliciamento e consentimento para o tráfico humano e até mesmo a possibilidade de perder a vida. 
A Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros de suas Famílias é considerada elemento fundamental na proteção dos direitos humanos dos migrantes. Essa Convenção considera todos os aspectos de vida do migrante, independente da situação de sua migração, incluindo sua família e dando atenção especial a situação de mulheres e crianças, além do reconhecimento expresso aos direitos dos migrantes indocumentados.
De certo modo, o movimento migratório internacional tem sofrido um grande impacto por conta das transformações constantes geradas pela globalização. Os efeitos da globalização estimulam as pessoas a buscarem novas perspectivas de vida, trabalho e lugares, impulsionando o deslocamento populacional. Ao mesmo tempo, a globalização aumenta o fluxo de informações a respeito das oportunidades ou dos padrões de vida existentes especialmente nos países desenvolvidos. 
Nos dias de hoje, o horizonte do migrante não se restringe à cidade mais próxima, nem à capital do estado ou do país. Seu horizonte é o mundo – vislumbrado no cinema, na televisão, na comunicação entre parentes e amigos. O migrante vive num mundo onde a globalização dispensa fronteiras, muda parâmetros diariamente, ostenta luxos, esbanja informações, estimula consumos, gera sonhos e, finalmente, cria expectativas de uma vida melhor. (MARTINE, 2005, p. 3)
Dessa forma, estimula-se uma vontade cada vez maior de migrar e aproveitar as oportunidades e as comodidades que aparentemente estão sendo criadas em outros países. Portanto, os padrões da migração internacional refletem tanto as desigualdades entre países como as mudanças econômicas e sociais que ocorrem em diferentes países. No atual momento histórico, exceto no caso dos conflitos armados e dos desastres naturais, a globalização é o principal fator que ativa os movimentos migratórios entre países.
Com os efeitos da globalização e a intensificação dos movimentos migratórios, evidencia-se o ressurgimento do transporte de pessoas com a finalidade de exploração, que remete a uma das formas de violação de direitos humanos que nunca deixou de existir e, pelo contrário, continua nos acompanhando de acordo com a evolução da humanidade e é uma realidade vivenciada por milhões de homens, mulheres e crianças. A Lei Áurea que aboliu a escravidão em 13 de maio de 1888 parece ter continuado e gerando muita visibilidade durante os últimos 10 anos. O movimento migratório internacional, com impactos da globalização, torna o tráfico de seres humanos um dos maiores e mais lucrativos crimes transnacionais existentes a nível mundial. Portanto, migração, refúgio e tráfico de pessoas são movimentos populacionais complexos chamados de fluxos mistos (PEDRA; BARBOSA, 2014) que se encontram e podem facilmente ser confundidos, sendo a linha que diferencia uma situação de outra muito tênue.
O processo de globalização é recente, porém constante, e tem suas raízes no final do século XIX. Este período representou a consolidação da sociedade industrial, a qual propiciou uma significativa melhora nos meios de transporte e comunicações. Indubitavelmente, esse fator foi de muita relevância para o incremento dos fluxos migratórios no referente período.
Esses movimentos tiveram repercussões importantes não apenas na configuração socioeconômica dos países receptores, mas geraram uma plataforma para migrações subsequentes, a partir das redes e links que começaram a ser criados e que explicam em parte os atuais processos migratórios (JUMILLA, 2002, p. 23 e 24, tradução própria)[footnoteRef:3]. [3: Estos movimientos han tenido importantes repercusiones no nada más en la configuración socioeconómica de los países receptores, sino que generaron una plataforma para as migraciones posteriores, a partir de las redes y enlaces que empezaron a crearse y que explican en cierta parte los procesos migratorios actuales (JUMILLA, 2002, p. 23 e 24).] 
 Dessa maneira, a tendência a um mundo globalizado está intimamente conectada ao período moderno, uma vez que “[...] tanto a tendência à autonomia nacional quanto a tendência à globalização estão profundamente enraizadas na modernidade” (WALLERSTEIN, 1991, p. 98). Dessa forma, os fluxos migratórios se movem entre as fronteiras de quase todos os continentes, mediante uma liberalização fronteiriça, em prol dessa movimentação de pessoas, fazendo com que Estados e sociedades ficassem mais conectados aos sistemas e redes de interação globais (HELD; MCGREW, 2001).
1.2 AS CLASSIFICAÇÕES DO TRÁFICO DE PESSOAS: DEFINIÇÕES E FINALIDADES
De acordo com o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, também conhecido como Protocolo de Palermo, aprovado pelo Congresso Nacional em 12 de março de 2004, em seu capítulo I, artigo 3, alínea ‘a’, o tráfico de pessoas é: 
O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similaresà escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos.
Nota-se que o conceito apresentado é complexo e para melhor compreensão, faz-se necessário a identificação de três elementos: a) a ação principal (recrutamento, transporte, transferência, alojamento, acolhimento); b) a circunstância (emprego de ameaça ou violência, fraude, abuso de autoridade); c) o fim (exploração, trabalho análogo à escravidão). 
Em 6 de outubro de 2016 foi aprovada a Lei nº 13.344, conhecida como a Lei do Tráfico de Pessoas. A Lei incluiu o Art. 149-A no Código Penal, que passou a vigorar com a seguinte redação: 
Art. 149-A. Agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoa, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso, com a finalidade de:
I - remover-lhe órgãos, tecidos ou partes do corpo;
II - submetê-la a trabalho em condições análogas à de escravo;
III - submetê-la a qualquer tipo de servidão;
IV - adoção ilegal; ou
V - exploração sexual.
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
§ 1º A pena é aumentada de um terço até a metade se:
I - o crime for cometido por funcionário público no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las;
II - o crime for cometido contra criança, adolescente ou pessoa idosa ou com deficiência;
III - o agente se prevalecer de relações de parentesco, domésticas, de coabitação, de hospitalidade, de dependência econômica, de autoridade ou de superioridade hierárquica inerente ao exercício de emprego, cargo ou função; ou
IV - a vítima do tráfico de pessoas for retirada do território nacional.
§ 2º A pena é reduzida de um a dois terços se o agente for primário e não integrar organização criminosa.
O tráfico internacional de pessoas viola diretamente a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, no que diz respeito ao direito à vida, a liberdade, a segurança do ser humano, à submissão do ser humano a condições escravas, degradantes e a formas de violência que desrespeitam a dignidade humana. A DUDH disserta em seus artigos sobre a dignidade e liberdade dos cidadãos. Senão, vejamos:
Art. 1 - Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.
Art. 2 - Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, fortuna, nascimento ou outro estatuto. [...]
Art. 3 - Todas as pessoas têm direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Art. 4 - Ninguém pode ser mantido em escravidão ou em servidão; a escravatura e o comércio de escravos, sob qualquer forma, são proibidos.
Art. 5 - Ninguém será submetido a tortura nem a punição ou tratamento cruéis, desumanos ou degradantes. (Grifos Nossos)
Tal prática criminosa dificulta sua identificação por meio das autoridades porque além de ocorrer de forma secreta, existe a dificuldade em boa parte dos governos de reconhecer a atividade que é facilmente confundida com o contrabando de migrantes. 
Segundo definição do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC)[footnoteRef:4], contrabando de migrantes é um crime que envolve obtenção de benefício financeiro ou material pela entrada ilegal de uma pessoa num Estado no qual essa pessoa não seja natural ou residente. [4: ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Tráfico de Pessoas e Contrabando de Migrantes. Disponível em: < https://www.unodc.org/lpo-brazil/pt/trafico-de-pessoas/index.html />. Acesso em: 26 de maio 2019] 
 A principal diferença entre as duas atividades está no consentimento (o contrabando de migrantes envolve o conhecimento e o consentimento da pessoa contrabandeada sobre o ato criminoso); a exploração (o contrabando termina com a chegada do migrante em seu destino, enquanto o tráfico de pessoas envolve a exploração da vítima pelos traficantes após sua chegada) e o caráter transnacional (contrabando de migrantes é sempre transnacional, enquanto o tráfico de pessoas pode ocorrer tanto internacionalmente quanto dentro do próprio país). Nesse caso, tanto o contrabandista quanto o migrante são autores do crime. Para clarear essas definições, o gráfico abaixo mostra a diferença entre tráfico de pessoas, contrabando de migrantes e migração irregular. 
Fonte: Diagnóstico sobre Tráfico de Pessoas nas Áreas de Fronteira – ENAFRON (2013)
O tráfico de seres humanos faz parte da nossa história por ser uma atividade que já existe no cenário mundial há muito tempo e é considerada a terceira atividade ilícita mais lucrativa do mundo, perdendo apenas para o tráfico de drogas e armas. Um novo relatório da ONU, produzido pelo UNODC mostrou que o tráfico de pessoas além de estar avançado no mundo, tem a exploração sexual como principal causa da atividade e que em 2016, quase 25 mil pessoas foram traficadas no planeta. 
Os Relatórios Globais sobre o Tráfico de Pessoas do UNODC dos anos 2012, 2014 e 2016 indicam um conjunto maior de formas de exploração, ainda que o propósito de exploração sexual permaneça como o principal destino das vítimas, ainda existem: o trabalhos forçados e escravidão; adoção ilegal e venda de bebês; mendicância; prática de crimes; casamentos forçados e/ou fraudulentos (simulados); recrutamento de “crianças-soldado”; produção de material pornográfico; sacrifícios humanos (rituais); remoção de órgãos; exploração com mais de um propósito. 
É importante salientar que o crime de tráfico de pessoas passou a ser observado num contexto mais amplo, haja vista que o mercado do sexo não se configura como a única destinação das vítimas, ou seja, outros tipos de atividades criminais também foram incluídos no escopo da referida prática, como os citados previamente acima. 
Dessa forma, outros instrumentos internacionais devem ser incluídos nesse conjunto de tratados acerca do tráfico de pessoas, englobando outras formas de exploração posteriores à exploração sexual. A Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT), nº 182, acerca do trabalho infantil; a Convenção sobre os Direito da criança, a prostituição infantil, entre outros. apresentam cinco mudanças ocorridas nestes moldes:
Cinco tipos de definição expandiram a compreensão do tráfico para exploração sexual para: 1) adicionar exploração comercial além do recrutamento físico; 2) ir além da coerção, mesmo com consentimento; 3) ampliar o tráfico de mulheres para a “migração ilegal”; 4) especificar as condições de violência na prostituição em vez de proibir a prostituição em si; e 5) adicionar uma variedade de trabalho informal e não regulamentado (e não apenas prostituição). 
A temática tem ganhado destaque nas discussões no âmbito internacional, visto que a pessoa menor de idade em processo de desenvolvimento vive uma situação de vulnerabilidade e é mais suscetível a tornar-se uma vítima da atividade criminal. Com o objetivo de assegurar proteção efetiva e integral ao menor para que ele tenha seus direitos assistidos e respeitados, a Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores foi assinada na Cidade do México em 18 de março de 1994. No Brasil foi materializada no Decreto 2.740 de 20 de agosto de 1998, e no que tange ao tráfico de crianças e adolescentes, referindo-se aos aspectos jurídicos, em seu artigo 2 entende: 
a) por ‘menor’, todo ser humano menor de 18 anos de idade; b) por ‘tráfico internacional de menores’, a subtração, a transferência ou retenção, ou a tentativa de subtração, transferência ou retenção de um menor, com propósitos ou por meios ilícitos; c) por ‘propósitos ilícitos’, entre outros, prostituição, exploração sexual, servidão ou qualquer outro propósito ilícito, seja no Estado em que o menor resida habitualmente, ou no Estado Parte em que este se encontre; e d) por ‘meios ilícitos’, entre outros, o sequestro, o consentimento mediante coação ou fraude, a entrega ou o recebimento de pagamentos ou benefícios ilícitos com vistas a obter o consentimentodos pais, das pessoas ou da instituição responsáveis pelo menor, ou qualquer outro meio ilícito utilizado seja no Estado de residência habitual do menor ou no Estado Parte em que este se encontre. 
	Analisa-se diante da redação do artigo citado da Convenção Interamericana, assim como o artigo anteriormente discutido do Protocolo de Palermo, o conceito de Tráfico Internacional Infantil necessita da identificação dos conceitos: a) ação principal (subtração, transferência ou retenção); b) circunstância (sequestro, consentimento mediante coação ou fraude, benefícios ilícitos com vista a obter consentimento dos pais) e c) fins (exploração, trabalho análogo à escravidão). Por fim, o Tráfico Internacional de Menores mostra-se como uma violação dos direitos humanos da criança não apenas de DUDH, mas em diversas convenções internacionais que discutem a temática.
1.3 CONVENÇÕES INTERNACIONAIS SOBRE O TEMA
A discussão do tráfico de pessoas em nível internacional começa com a Conferência de Paris de 1902, com o primeiro acordo internacional sobre a repressão ao tráfico de pessoas estabelecido no Protocolo de Paris, em 1904. O foco dessa temática concentrou-se ao tráfico de escravas brancas, sendo entendido nesse primeiro momento, como a mobilização dessas mulheres com finalidades de exploração, ou seja, destinadas á prostituição. O Protocolo de Paris negligenciou o tráfico de pessoas de outras raças e origens, da mesma forma que desconsiderava o fato de apenas um pequeno número de vítimas do tráfico serem realmente escravas (BULLOUGH; BULLOUGH apud DERKS, 2000, p. 2-3). Além de ter recebido inúmeras críticas, haja vista que restringiu sua abordagem a questão específica do comércio de escravas brancas, prática limitada ao continente europeu (JESUS, 2003, P. 27).
Em 1910, é adotada a Convenção Internacional pela Supressão do Tráfico de Escravas Brancas, em Paris. Essa Convenção apresentou avanços significativos na ampliação do escopo do tráfico de pessoas ao reconhecer a possibilidade de transpassar fronteiras nacionais e a necessidade de implementar medidas administrativas e legislativas com objetivo de regulamentar a proteção do tráfico de mulheres.
Ainda assim, o tráfico de pessoas permanecia ligado à exploração da prostituição. Outra crítica tecida às duas convenções mencionadas refere-se ao fato de só terem demonstrado preocupação com a etapa de recrutamento, deixando de lado a situação da mulher submetida contra sua vontade a casas de prostituição e bordeis. 
O tráfico envolvendo mulheres e crianças é tratado pela Liga das Nações, com a organização da Convenção pela Supressão do Tráfico de Mulheres e Crianças, em 1921. Nesse momento, o termo “escravas brancas” é extinguido e passa a ser considerada como vítima do tráfico qualquer mulher ou criança, incluindo meninos, sem distinção racial.
Essas discussões que tratam exclusivamente do comércio global e sexo envolvidos no tráfico internacional de pessoas resultaram na Convenção das Nações Unidas para a Repressão de Tráfico de Pessoas e do Lenocínio, protocolada pelo Brasil em 1959. Essa Convenção trata mais de reprimir o ato da prostituição e solidificar o vínculo com o tráfico. Estabelece em seu preâmbulo que “[...] a prostituição e o mal acompanhante do tráfico de pessoas para fins de prostituição são incompatíveis com a dignidade e o valor da pessoa humana e põem em risco o bem-estar do indivíduo, da família e da comunidade.”[footnoteRef:5] [5: “[...] prostitution and the accompanying evil of the traffic in persons for the purpose of prostitution are incompatible with the dignity and worth of the human person and endanger the welfare of the individual, the family and the community”] 
Já o artigo 1º da Convenção, explicita os esforços tendentes a controlar a prostituição, criminalizando os atos de terceiros que incitem ou concretizem sua exploração, independentemente da vítima. Cita que: 
As partes da presente Convenção concordam em punir qualquer pessoa que, para gratificar as paixões de outra: 1) adquira, seduza ou afaste, para fins de prostituição, outra pessoa, mesmo com o consentimento dessa pessoa; 2) explora a prostituição de outra pessoa, mesmo com o consentimento dessa pessoa.[footnoteRef:6]. [6: The parties to the present Convention agree to punish any person who, to gratify the passions of another: 1) procures, entices or leads away, for purposes of prostitution, another person, even with the consent of that person; 2) exploits the prostitution of another person, even with the consent of that person.] 
As discussões sobre o tráfico de pessoas iniciaram sua trajetória pautada no problema da prostituição. Na prática, os desdobramentos culturais, religiosos, políticos e econômicos do período influenciaram e condicionaram os primeiros esforços referentes ao tráfico de pessoas em direção à retórica vinculada à exploração sexual da mulher (DOEZEMA; WIJERS e DERKS, 2000), o que se fez perceber a intrínseca relação entre o tráfico de pessoas e a prostituição durante esse período. 
Durante o período correspondente à Guerra Fria, a questão do tráfico de pessoas foi deixada de lado pela pouca relevância no momento, comparativamente ao esquema estratégico desenvolvido nesse contexto. Dessa maneira, insignificantes esforços internacionais foram empreendidos relativamente ao tema, percebendo-se um vácuo de ações sobre o assunto no panorama internacional. (ARY, 2009). Já nos anos 1980, retorna com grande evidência e preocupação na comunidade internacional a discussão do tráfico internacional de pessoas. A primeira preocupação foi a emergência de novos temas no cenário internacional, onde apareceu a temática dos direitos humanos. Dessa forma, o tráfico de pessoas, por ser um grave ferimento a violação dos direitos humanos foi incorporado nas discussões, visto que todos tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. O segundo fator que condicionou ao reaparecimento dessa preocupação com o tráfico de seres humanos foi o aparecimento de fenômenos que induzem tal prática, como a globalização e o crescimento da indústria pornográfica, e as ações de redes organizadas de crimes transnacionais que são apontados como determinantes na explicação desse novo cenário, já que são os responsáveis pelo aliciamento, recrutamento e transporte das vítimas.
Em 1994, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou uma resolução sobre o tráfico de mulheres e crianças a qual condenava movimentações ilícitas e clandestinas, entre fronteiras nacionais e internacionais, com o objetivo de traficar mulheres e crianças a serem submetidas a situações de exploração sexual ou econômica, ressaltando: “[...] a necessidade de eliminar todas as formas de violência sexual e tráfico sexual, que são violações dos direitos humanos das mulheres e meninas”.[footnoteRef:7] Logo após, foi criado, sob a égide da Comissão de Direitos Humanos, em 1996, um Programa de Ação para a Prevenção do Tráfico de Pessoas e Exploração da Prostituição. [7: “[...] the need to eliminate all forms of sexual violence and sexual trafficking, which are violations of the human rights of women and girl children”.] 
Já em 1995, a Conferência de Beijing, sobre os Direitos das Mulheres, também ocorrida na conjuntura das conferências da ONU, pautou-se por traçar um panorama mundial da questão da mulher e elaborar as políticas específicas a serem seguidas pelos Estados. Elaborou o documento internacional mais completo no tocante a esta questão, visto que identificou os principais problemas envoltos na violação dos direitos das mulheres.
A Declaração de Beijing, assim como a de Viena, reservou uma parte específica à temática da violência contra a mulher, na qual tange a questão do tráfico de mulheres. A Declaração alterou o axioma de criminalizar o ato de prostituição, presente nos tratados antitráfico desde a convenção de 1949. Utilizou a conceituação de prostituição forçada como uma violência contra a mulher, entendendo, assim, que a prostituição livre era vista como uma prática não violatória dos direitos das mulheres.Ainda sobre as questões antitráfico da comunidade internacional, não se pode esquecer a importante referência do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, que incluiu a prostituição forçada e a escravidão sexual no rol de crimes contra a humanidade. Relacionam-se com o tráfico de pessoas no sentido de que as duas práticas apresentam como possíveis destinações do crime do tráfico de pessoas.
Dessa forma, muitos esforços multilaterais de proteção dos direitos humanos, ocorridos ainda na década passada, fizeram menção ao tráfico de pessoas, o que põe em evidência o crescimento da atenção da comunidade internacional no que concerne a referida temática. A retomada dessa preocupação refletiu no modo em que ela é tratada em convenções internacionais, resoluções das Nações Unidas e no trabalho de agências especializadas da ONU que serão discutidas posteriormente nos capítulos seguintes deste trabalho. Assim como se deve salientar o surgimento de ONG ́s, tanto nacionais quanto internacionais, que trabalham especificamente com esse assunto.
Tendo em vista que o último instrumento internacional que tratou a temática do tráfico de pessoas foi a Convenção de 1949, que possuía uma configuração anacrônica nesse novo cenário mundial, a ONU criou um Comitê Intergovernamental com o propósito de elaborar uma convenção sobre a criminalidade organizada transacional, inserindo assim, um novo protocolo que tange o tráfico de seres humanos dentro da realidade atual. Essa proposta foi integrada ao escopo do Protocolo de Palermo.
A partir do Protocolo de Palermo, todos os temas como migrações internacionais, crime organizado, novas formas de escravidão, entre outros, passaram a fazer parte das mesmas linhas que percorrem o crime do tráfico de pessoas. Nessa ótica, o tráfico de seres humanos, alinhado com o narcotráfico, terrorismo, entre outros, emergem no cenário como grandes ameaças à paz e fator de preocupação a violação dos direitos humanos.
Direitos Humanos são os direitos e liberdades fundamentais e intransferíveis garantidos a todos os seres humanos, por meio da DUDH. Esses direitos não podem ser negados, mas, por vezes, podem ser restringidos – por exemplo, o crime de tráfico internacional infantil, onde há a exploração da criança e de sua condição de vulnerabilidade, é uma violação que consiste em um ato ilícito internacional e que será discutida nos próximos capítulos deste trabalho.
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2 AS CRIANÇAS NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS E OS DIREITOS HUMANOS
Definir o que é criança não é fácil, visto que há grandes discussões sobre o que é infância. Este capítulo pretende conceituar e discutir a relação existente entre criança, vulnerabilidade social e o tráfico internacional infantil como um crime que viola os diretos humanos assegurados das crianças, e de que forma ele explora a vulnerabilidade infantil. Posteriormente, serão apresentadas as convenções internacionais que debatem os direitos da criança e as organizações mundiais que cuidam da proteção e garantia desses direitos, com atenção especial à criação da medida normativa legal brasileira, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
De acordo com o artigo 1º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (1989), criança é todo e qualquer indivíduo com menos de 18 anos, salvo quando, em conformidade com a lei aplicável, a maioridade seja alcançada antes. Esse é o conceito adotado pela comunidade internacional e, a partir dele, discute-se a visão da criança como grupo social que deve ser considerado como um todo, ao invés de individualmente, nas Relações Internacionais.
De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF):
O caráter universal dos direitos humanos significa que valem igualmente para todas as crianças e todos os adolescentes. Eles, não obstante, têm alguns direitos humanos adicionais que respondem às suas necessidades específicas em termos de proteção e de desenvolvimento. Todas as crianças e todos os adolescentes têm os mesmos direitos. Esses direitos também estão conectados, e todos são igualmente importantes – eles não podem ser tirados das crianças e dos adolescentes.
Entende-se que as crianças e adolescentes, além de terem seus direitos humanos assegurados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, necessitam de direitos adicionais por suas necessidades de vulnerabilidade, proteção e desenvolvimento nas diversas áreas, como saúde, educação e lazer. Visto que a criança ainda não possuí responsabilidade legal de responder por seus atos, ainda é necessário o aparato jurídico e legal para que ela não seja tratada e julgada como um adulto.
Considerado como ser vulnerável, a criança precisa de políticas públicas reforçadas que garantam que seus direitos como humanos sejam respeitados e seus direitos como criança também. Por conta disso, foram criados organizações, estatutos, convenções e protocolos que cuidem dos direitos à infância, como a Convenção sobre os Direitos da Criança, a UNICEF e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que serão discutidos posteriormente. 
A ONU estabeleceu um padrão comum de direitos humanos com a adoção da Declaração Universal de Direitos Humanos. Os direitos humanos são normas que reconhecem e protegem a dignidade de todos os seres humanos, dão direitos universais e inalienáveis, eles regem o modo como os seres humanos individualmente vivem em sociedade e entre si. A Declaração não faz parte do direito internacional vinculante, mas sua aceitação por todos os países leva ao princípio fundamental de que todas as pessoas devem ser tratadas com igualdade e respeito.
Os acordos e tratados internacionais são os instrumentos que regem o âmbito do direito internacional, eles são usados como uma estrutura para discutir e pôr em prática os direitos humanos. Os instrumentos do marco internacional de direitos humanos são a DUDH e nove tratados principais, incluindo a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança.
A violação dos direitos da criança e do adolescente acontece por meio de ameaças e violações, em decorrência da ação ou omissão dos pais ou responsáveis, da sociedade e do Estado. Abandono, negligência, conflitos familiares, convivência com pessoas que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas, além de todas as formas de violência (física, sexual e psicológica), configuram violação de direitos infanto-juvenis.
O tráfico internacional infantil, como uma ramificação do tráfico internacional de pessoas, fere e viola diretamente os direitos humanos das crianças desde o momento em que são aliciadas em seu país de origem. Percebe-se que, quando há o consentimento na negociação com os pais ou o sequestro dessa criança para que seja transportada para outro país, ela perde o direito à educação, ao lazer, de estar perto da família, o direito à liberdade e principalmente o direito de ser e agir como uma criança da sua faixa etária.
A figura da criança ainda é associada a um ser que não é desenvolvido, mas está em processo de desenvolvimento, e para tal precisa de proteção, alimentação, disciplina e educação (SHCAPIRO, 199, P. 716). É importante pensar na infância como algo além de uma fase de inocência, dessa forma, se sugere pensar a criança como ser que muda e se desenvolve como agentes morais em períodos de grande complexidade.
Allison Watson (2006a) mostra a importância de estudar as crianças como atores nas Relações Internacionais (RI). A autora afirma que as crianças devem ser consideradas como atores ativos das RI e para isso a concepção de infância compartilhada no mundo deve ser desconstruída. 
No caso do discurso que envolve especificamente a análise das relações internacionais, contudo, o estudo das crianças pode ser caracterizado como ainda à margem da disciplina, apesar do corpo de trabalho que já existe em áreas tradicionalmente vistas como de interesse. para estudiosos de relações internacionais (WATSON, 2006a, p. 240, tradução própria).[footnoteRef:8] [8: In the case of the discourse that specifically surrounds the analysis of international relations, however, the studyof children could be characterized as still being on the fringes of the discipline, despite the body of work that already exists in areas traditionally seen as being of interest to international relations scholars.] 
Crianças são geralmente percebidas como não tendo poder e são entendidas como pessoas dominadas (WATSON, 2004), assim sem agência. Dessa forma, a percepção de que crianças fazem escolhas é importante para o reconhecimento do papel que elas exercem no sistema internacional e pede revisão na maneira como as ideias de poder e agência estão relacionadas (WATSON, 2004, p. 162).
Reconhecer a importância do estudo das crianças nas Relações Internacionais pode trazer novos temas para a agenda de pesquisa, tais como: crianças soldado, tráfico e adoção internacional de crianças, trabalho infantil, exploração sexual e comercial de menores, crianças refugiadas, menores migrantes desacompanhados e separados, a relação entre direitos da criança e estudos de desenvolvimento, a questão das gerações futuras. Além disso, pode mudar a concepção do estudo de temas tradicionais, como segurança, desenvolvimento, conflitos armados, entre outros. 
Analisa-se dois exemplos recentes que estão em grande destaque na mídia e agindo como porta voz das crianças no âmbito internacional, Malala Yousafzai, atualmente com 22 anos, ganhou grande visibilidade quando aos 15 anos, sofreu um atentado do Talibã sendo baleada na cabeça e no peito. Malala é menina paquistanesa e militante em prol dos direitos das crianças, desde os 11 anos defendia seu direito à educação que é garantido pela Convenção sobre os Direitos da Criança, além de criticar a oposição do Talibã ao ensino feminino. 
Se o seu discurso não tivesse um posicionamento consolidado e sua opinião atuante politicamente, o Talibã não deveria ter motivos para preocupar-se com um blog escrito por ainda então, uma criança. Em 12 de julho de 2013, na celebração dos seus 16 anos, Malala discursou para uma plateia de mais de 100 países na Assembleia de Jovens das Nações Unidas gerando ainda mais impacto na população mundial.
O segundo exemplo é Greta Thunberg, uma ativista ambiental sueca de 16 anos. Lutando por mais ações com o objetivo de mitigar as mudanças climáticas por parte dos políticos da Suécia, Greta faltava aula para protestar próximo ao parlamento sueco. Após ganhar atenção mundial, serviu foi inspiração para que inúmeros outros estudantes do território europeu se mobilizassem de forma semelhante para que as autoridades mundiais cumprissem as metas de emissão de gases causadores do efeito estufa, o movimento conhecido por “Sexta é o futuro” culminou em uma greve escolar mundial com protesto em mais de 100 países. 
2.1 O TRÁFICO INTERNACIONAL INFANTIL COMO UMA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS
O tráfico internacional de pessoas é um crime contra a dignidade humana e que fere diretamente os direitos assegurados na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Submeter alguém a condições de qualquer tipo de exploração, restringir seus direitos e liberdade, colocar em situações de risco são atitudes completamente desumanas, e se agravam quando são crianças expostas a essas circunstâncias.
Alguns crimes são tão perversos que chegam a suprimir não somente um, mas inúmeros direitos inerentes à pessoa humana. O tráfico de pessoas é um deles, em especial por ferir o indivíduo nos mais vitais dos seus direitos: a liberdades de locomoção, sexual e de trabalho, a integridade física e a dignidade. O tráfico deixa marcas muitas vezes invisíveis aos olhos, mas que são feridas abertas na alma e no coração de suas vítimas." (MATHIASEN et al, 2013, p.44)
	O Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas deste ano, divulgado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) recolheu informações em 142 países e mostra um número recorde de casos detectados em 2016 do que em qualquer outro período nos últimos 13 anos.
	Quase um terço do total de vítimas do tráfico de pessoas em nível mundial é representado por meninas e meninos, 72% das vítimas correspondentes ao tráfico são mulheres e meninas segundo o relatório disponibilizado. O sexo feminino tende a ser destinados ao tráfico com fins de exploração sexual e matrimônio, enquanto o sexo masculino é destinado ao trabalho forçado e escravo.
	
Fonte: Relatório Global Sobre Tráfico de Pessoas (UNODC) – 2018
As crianças representam 30% das vítimas identificadas em todo o mundo. O gráfico ilustra que em regiões como a África Subsaariana, alguns países das Europa e Caribe, a porcentagem de crianças como vítimas detectadas é expressivamente acima de 50% enquanto a Ásia expressivamente encontra-se em uma estimativa entre 30% e 50% das vítimas detectadas. A América do Norte, boa parte da Europa e o Pacífico mostra um índice abaixo de 30%, isso porque esses continentes são considerados países destinatários. Na questão de adoção ilegal ou venda de bebês, foram detectados cerca de 4% de vítimas entre os anos de 2012 e 2014 na América do Sul. 
Os dados representam a violação dos direitos inerentes a criança, tipificado no crime transacional de tráfico internacional infantil. Tais direitos são assegurados a todo e qualquer ser humano, por meio de tratados internacionais, que são assinados e ratificados pelos países que estão de acordo com a resolução final da discussão ocorrida no âmbito internacional por meio das Convenções específicas para tratar da temática em questão. 
A Carta das Nações Unidas foi assinada em 26 de junho de 1945, por 50 Estados e é um documento que marca o âmbito do direito internacional, de forma que estabelece meios comuns de atuação dos Estados em busca da paz e segurança internacional. Esses Estados reuniram-se novamente entre 1947 e 1948, e o resultado de mais de 90 encontros foi a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), que em texto aborda valores universais, elenca princípios, direitos e liberdades. Destaca-se os artigos I, II, III, IV, XII, XVI e XXIII que relacionam diretamente com o tráfico de pessoas:
Artigo 1 
Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. 
Artigo 2
 I) Todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
Artigo 3 
Todo o homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
 Artigo 4 
Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos estão proibidos em todas as suas formas.
Artigo 5
 Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
Artigo 12
 Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques a sua honra e reputação. Todo o homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
Artigo 16
 I) Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, tem o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.
 II) O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes. 
III) A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado. 
Artigo 17 
I) Todo o homem tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. 
II) Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.
O crime de tráfico de pessoas pressupõe a existência de alguns meios de exploração e a realização de atividades forçadas com fins de explorar a vítima. Retomando o primeiro capítulo, essa exploração se dá por meio de diversas formas sejam elas prostituição, trabalho escravo, tráfico de órgãos, adoção ilegal entre outros anteriormente citados. 
Os respectivos artigos citados da DUDHsão exemplos de direitos violados na prática dessa atividade criminal. Nota-se que a Declaração foi escrita em um período pós-guerra onde o cenário internacional vivenciado era diferente do cenário atual, e ainda assim, a prática da violação desses direitos que aconteciam na época entre guerras e pós-guerra continua se repetindo atualmente, mesmo com as mudanças que o sistema internacional vivenciou durante o decorrer dos séculos.
Segundo o ex-secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, “os traficantes visam aos mais desesperados e vulneráveis”. O tráfico de pessoas é um crime que se alimenta da vulnerabilidade de pessoas que vivem em situações de miséria, passam por necessidades e veem migrantes e especialmente crianças como alvos fáceis para exploração violência e abuso.
2.2 O CONCEITO DE VULNERABILIDADE SOCIAL – O TRÁFICO INFANTIL COMO UMA EXPLORAÇÃO DA VULNERABILIDADE DA CRIANÇA
Vulnerabilidade é a situação individual ou de um grupo, preexistente ou criada, que significa fragilidade e por isso potencializa a possibilidade de a pessoa ser exposta a situações de risco ou de exploração. A vulnerabilidade pode ser dividida em pessoal, situacional ou circunstancial (CARMO; GUIZARDI. 2018).
A vulnerabilidade pessoal é relacionada às características individuais de uma pessoa, podendo ser: sexo, identidade de gênero, orientação sexual, etnia, deficiências, entre outros. A vulnerabilidade situacional é adquirida, ou seja, está relacionada ao fato de a pessoa estar de forma ilegal em um país estrangeiro e estar socialmente e linguisticamente isolada. Por fim, a vulnerabilidade circunstancial diz respeito a uma particularidade, como a situação econômica, desemprego, pobreza, dependências de entorpecentes ou do álcool (UNODC, 2012b). 
Quais são as pessoas que podem estar envolvidas em situações de vulnerabilidade? Naturalmente, crianças e adolescentes são vulneráveis pela questão do desenvolvimento pessoal. Mulheres, migrantes, minorias étnicas, indígenas, pessoas com deficiência e a população LGBT também poder estar em situações de vulnerabilidade em alguns contextos (ICMPD, 2011).
No caso do tráfico de pessoas, a vulnerabilidade é elemento meio do crime. O Protocolo de Palermo define a “situação de vulnerabilidade” como um dos meios de que se valem os agentes do tráfico de abuso da posição de vulnerabilidade de uma pessoa. Ou seja, se configura quando o traficante abusa de situações como dificuldade financeira, violência familiar, pobreza extrema e dessa forma convencê-la ou coagi-la para a obtenção de seu consentimento. Nos termos do Protocolo de Palermo, há crime se o consentimento foi dado por uma pessoa em situação vulnerável e se esse consentimento foi induzido ou viciado.
	
O consentimento pode ser entendido como uma capacidade de exercer livremente a própria vontade, o que pressupõe uma ideia de autonomia individual. Quando o consentimento da vítima é obtido de forma viciada, se torna irrelevante nos termos do art. 2°, § 7° da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (PNETP)[footnoteRef:9], o que gera confusão, visto que nos termos do Protocolo de Palermo, o consentimento é irrelevante somente quando o meio utilizado envolver ameaça ou uso de força e outras formas de coação, rapto, fraude, engano ou abuso de autoridade da situação de vulnerabilidade. [9: § 7o O consentimento dado pela vítima é irrelevante para a configuração do tráfico de pessoas.] 
Portanto, no momento onde ocorre o aliciamento e a coação para que a vítima ou os responsáveis legais pela criança consintam em entregar esse menor de idade ao seu traficante, o consentimento dado é obtivo de forma coagida e viciada, visto que a vítima ou seus responsáveis foram induzidos ao pensamento de proporcionar melhores condições de vida a criança. O debate em questão é que, no âmbito do direito internacional, o Protocolo de Palermo considera o consentimento irrelevante apenas em casos onde é usado formas de ameaça e uso de força ou formas de coação que envolvam algum tipo violência, desconsiderando os casos onde o consentimento é dado por meio do aliciamento em forma de conversa. Todavia, para o ordenamento jurídico brasileiro é considerado irrelevante o consentimento da vítima independente da forma pela qual ele foi dado, o ato é configurado no crime de Tráfico de Pessoas para que o infrator receba a pena correspondente ao crime no qual foi enquadrado.
Mulheres, crianças e adolescentes foram registrados com mais frequência como vítimas do tráfico de pessoas, somando 75% das vítimas entre os anos de 2007 e 2010 (UNODC, 2012). Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) revelam que a faixa etária de maior incidência é entre os 10 e 29 anos, havendo maior incidência de vítimas, cerca de 25% na faixa etária de 10 a 19 anos, reforçando a relação entre vulnerabilidade em razão da idade. A Estratégia Nacional de Segurança Pública nas Fronteiras (ENAFRON) em sua pesquisa Diagnóstico Sobre Tráfico de pessoas Nas Áreas de Fronteira no ano de 2013, revelou o tráfico de crianças e adolescentes na área de fronteira, em sua maioria com a finalidade identificada a exploração sexual.
As crianças e adolescentes se encontram em situação de vulnerabilidade não apenas pela faixa etária, mas também por influência do meio social em que vivem. Questões como desigualdade social; falta de vínculo afetivo na família; passagem abrupta da infância à vida adulta, falta de acesso à educação, saúde, lazer, cultura colocam essas crianças em situação alarmante de risco. O aliciador tentará convencer os pais de que ele ofertará a essa criança condições de vida melhores e que ela terá uma oportunidade de futuro diferente da realidade que vive. Por conta disso, ainda há o mercado de venda de bebês gerados na barriga e crianças que serão adotadas por casais estrangeiros. 
De acordo com Chaves (2018), em 2018 a Polícia Civil recolheu provas que indicavam a prática de tráfico internacional de crianças por uma quadrilha nacional no Hospital de Contagem em Belo Horizonte. Com registros de conversas e áudios via grupos de WhatsApp e Facebook, crianças eram negociadas por valores entre quinze e vinte mil reais. O caso foi descoberto ao ocorrer a prisão de uma mãe que negociava a filha com quatro pessoas e desistiu da venda, todos aguardavam o nascimento da criança no saguão da maternidade.[footnoteRef:10] [10: A polícia ainda identificou uma organização criminosa envolvendo pessoas da Itália e Estados Unidos.] 
A vulnerabilidade vivenciada por esses menores os levará a serem vendidos e traficados para diversos tipos de finalidade, indo de casamento forçado a remoção de órgãos. Meninos e meninas são destinados a todos os tipos de atividade, mas a diferença dos padrões de gênero é diferente, por exemplo, a maior parte das meninas serão destinadas a exploração sexual e outras formas de exploração e os meninos ao trabalho forçado. 
2.2.1 Meninas e meninos traficados: tráfico para fins de exploração sexual e trabalho análogo à escravidão
A diferença de gênero é claramente um fator determinante no que diz respeito às atividades que meninos e meninas serão destinados. Assim como as mulheres, a maioria das meninas vítimas detectadas são traficadas para fins de exploração sexual. No entanto, uma em cada cinco meninas detectadas em 2016 foram traficadas para trabalho forçado. Enquanto os meninos são principalmente detectados como vítimas do tráfico para trabalhos forçados, muitos são também destinados à exploração sexual e outras formas de exploração, como a mendicância, o recrutamento de crianças-soldado e atividades criminosas forçadas.
	
Fonte: Relatório Global Sobre Tráfico de Pessoas - UNODC (2018) 
 
Fonte: Relatório Global Sobre Tráfico de Pessoas - UNODC (2018) 
Os dados denunciam que 72% das meninas são traficadas para fins de exploração sexual. A estatística pode estar diretamente ligada a questão da sexualidade, visto que o sexo feminino é atrelado a vulnerabilidade por questão de gênero e, nesse caso, por faixa etária também. Historicamente,mulheres são submetidas à condições de exploração ligadas ao teor sexual, seja por meio de pornografia, prostituição, entre outros. Todavia, 50% dos meninos são traficados para o trabalho forçado, mostrando que, novamente a questão da sexualidade faz-se presente, uma vez que o homem sempre foi visto como o gênero predominantemente forte em relação ao uso de força e trabalho braçal. Por conta dessas atividades envolvendo a exploração infantil, algumas Convenções discutem e listam as piores formas de trabalho as quais crianças podem ser submetidas.
A Convenção sobre Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação (C182) foi uma proposta da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para criação da Lista TIP – Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil. As piores formas, de acordo com a OIT, incluem todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, como: venda e tráfico de criança; sujeição por dívida; servidão; trabalho forçado ou compulsório (inclusive recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados). Além da utilização, demanda e oferta de criança para fins de prostituição, produção de pornografia ou atuações pornográficas; utilização, recrutamento e oferta de criança para atividades ilícitas, particularmente para a produção e tráfico de entorpecentes conforme definidos nos tratados internacionais pertinentes; trabalhos que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, podem prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança.
Outra forma de exploração a ser levada em consideração é a indústria da pornografia infantil. Segundo Koebler (2019), o Departamento de Justiça dos Estados Unidos juntamente com outras autoridades internacionais anunciou o desmantelamento do Welcome to Video, um dos maiores sites de pornografia infantil. O site que hospedava mais de oito terabytes de vídeos, levou a apreensão de 337 supostos em 38 países, incluindo o Brasil, e o resgate de 23 menores vítimas de exploração sexual que eram exibidos nos vídeos gravados pelos abusadores.[footnoteRef:11] [11: As detenções aconteceram após a decodificação da página na “dark web” – uma parte da internet codificada e quase impossível de regulamentar – e o rastreio de pagamentos com criptomoedas.] 
2.3 A CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA
A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança é um tratado que visa à proteção de crianças e adolescentes do mundo inteiro, aprovada na Resolução 44/25 da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989. É o instrumento legal em âmbito internacional mais representativo dos direitos conquistados e instituídos em benefício da infância e adolescência. Em seus princípios gerais fala sobre a participação da criança como pessoa e sujeito de direito. Todo menor pode e deve expressar suas opiniões nos temas que lhe afetam, suas opiniões devem escutadas e levadas em conta na agenda política, econômica e educacional de um país. Dessa forma, cria-se um tipo de relação entre a infância e aqueles que decidem por parte do Estado e da sociedade civil.
Em 1978, o governo polonês apresentou formalmente a ONU uma proposta que adotasse um instrumento em favor dos direitos da criança, com o objetivo de que a Convenção fosse adotada no ano seguinte, o ano internacional da criança. A proposta foi apresentada aos outros países pelo Secretário Geral da ONU com o objetivo de discutir, observar e recolher sugestões. Ocorreu-se o posicionamento majoritariamente omisso dos Estados ao afirmar que o texto não se referenciava a uma série de direitos da criança. 
Nota-se que a atitude proveniente da Polônia visava um instrumento para a proteção e garantia dos direitos em favorecimento do menor de idade, e a adoção da Convenção seria em celebração ao ano dedicado à infância. Apesar do primeiro posicionamento dos Estados ter sido de rejeição, a redação da Convenção passou por debates e reformulações até que ela fosse considerada suficiente para ser promulgada.
A discussão e reformulação da Convenção prolongou-se durante 10 anos de intenso trabalho, com um extenso preâmbulo e 54 artigos, finalmente foi promulgada exatamente 30 anos após a promulgação da Declaração dos Direitos da Criança. A data 20 de novembro foi decretada pela ONU como Dia Universal da Criança. 
Dentro dos princípios consagrados pela Convenção, encontram-se o direito à vida, à liberdade, a não-discriminação, as obrigações dos pais, sociedade e Estado em relação à criança e adolescente. Os Estados signatários comprometem-se em assegurar a proteção dos menores contra agressões, ressaltando em seu artigo 19 o combate à sevícia, exploração e violência sexual. A Convenção ainda conta com três Protocolos que a complementam: os relativos à venda de crianças e a prostituição infantil, à participação das crianças em conflitos armados e o que estabelece um procedimento de comunicações para apresentar denúncias perante o Comitê.
2.3 A UNICEF e o UNODC
Em busca de assegurar o cumprimento dos direitos da criança, proporcionar melhores condições de vida, e evitar que esses menores sejam colocados em situações de risco, as Nações Unidas possuí dois órgãos de extrema importância que tratam diretamente dos cuidados com a criança e a garantia de seus direitos e de questões que tangem ao tráfico de pessoas e tráfico internacional infantil. 
Segundo o site oficial das Nações Unidas, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) foi criado em 11 de dezembro de 1946, por decisão unânime da Assembleia Geral da ONU como fundo de emergência para fornecer assistência a crianças no período pós-guerra na Europa, Oriente Médio e China. Em 1953, tornou-se órgão permanente do sistema das Nações Unidas e teve seu mandato ampliado para atingir crianças e adolescentes do mundo inteiro. Seu objetivo hoje é defender e proteger os direitos de crianças e adolescentes, ajudar a atender suas necessidades básicas e criar oportunidades para que alcancem seu pleno potencial. A UNICEF é guiada pela Convenção sobre os Direitos da Criança e é o principal defensor global de meninas e meninos. A organização atua em mais de 190 países por meio de sete escritório regionais e 150 escritórios espalhados, além de ter 34 Comitês Nacionais que arrecadam fundos com a ajuda de voluntários.
No que diz respeito a relação com o Brasil, a UNICEF está presente no país desde 1950, apoiando as mais importantes transformações na área da infância e da adolescência no país, incluindo a mobilização que resultou na elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente e a aprovação do artigo 227 da Constituição Federal:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988, Art. 227)
O artigo equivale ao cumprimento em território nacional do dever que cabe não somente à família, mas também a sociedade e ao Estado, de assegurar os direitos da criança e do adolescente com prioridade. No dispositivo constitucional citado acima, destaca-se o dever de “colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. No tráfico internacional infantil, esse direito e dever de estar a salvo que deveria ser assegurado a criança, é violado do momento que ela começa a ser aliciada e continua ao ser submetida a todas as condições de risco. 
O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) é uma das agências especializadas da ONU criada em 1997. Segundo o site oficial do Escritório, sua atuação se baseia nas três convenções internacionais de controle de drogas, nas convenções contra o crime organizado transacional e contra a corrupção e os instrumentos internacionais contra

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