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CANOTILHO, J.J. GOMES, DIREITO CONSTITUCIONAL E TEORIA DA CONSTITUIÇÃO, 7ª edição, Coimbra: Aluredina, 2003. Em seu 2º capítulo da obra “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, José Joaquim Gomes Canutilho, aborda a aproximação à problemática do poder constituinte, o qual foi abordado em capítulo anterior como uma das categorias políticas mais importantes do constitucionalismo moderno. Citando quatro perguntas que roteirizam o poder constituinte, veremos que na primeira indagação, o poder constituinte remete ao conceito: o poder, a força, a autoridade política, para agir na criação, garantia ou eliminação de uma Constituição – uma lei fundamental. Em sua próxima indagação, nos leva a pensar sobre qual a “grandeza política”, o sujeito, capaz de instituir uma lei fundamental, sendo hoje o povo, a “grandeza pluralista”. A indagação sobre o procedimento de elaboração que vem na sequência, nos trás duas linhas de pensamentos: deverá ser um procedimento legislativo-constituinte (assembleia constituinte) ou um procedimento referendário- plebiscitário (decisão do povo)? A quarta e última questão nos leva a indagação sobre os limites do poder constituinte, conteúdo e sua legitimidade. Existe uma pluralidade de abordagens – conceito histórico genético (gênese e origem histórica), termos jurídico-filosóficos e teorético-jurídico (validade ou pretensão de validade, bem como o problema da legitimidade da constituição), perspectiva teorético-constitucional (forças povo, nação ou estado no aparecimento do poder constituinte e no momento da feitura de uma lei fundamental), legitimação de uma constituição (por que determinados grupos se autoafirmam e autolegitimam como poder), dogmático-constitucional (poder jurídico ou poder de facto, da reserva de constituição, da revisão ou alteração da lei constitucional e da identificação de um núcleo duro irrevisível). Outros problemas ainda estão associados ao poder constituinte, entre elas, a soberania, o contrato social, a revolução, o direito a resistência, a ascensão e a queda de regimes políticos. Na sequencia, é abordada a dimensão genética criando a norma através da nova ordem jurídico-política da revolução francesa, revelando do constitucionalismo inglês e dizendo através do texto “the fundamental and Paramount law of the nation”, do constitucionalismo americano. Para os homens livres da Idade Média, pode se dizer que uma lei básica não era visto com bons olhos, uma vez que eles tinham modos próprios de estabelecer limites ao poder através de velhas leis e reduzidos números de documentos, o que de fato, evidenciaria o desequilíbrio, ora regido por privilégios e liberdades. O sentido deste poder constituinte, era justamente trazer os direitos e liberdade de um governo moderado que levasse em consideração os pesos e contrapesos de diversas forças políticas e sociais. Não se creditava um poder constituinte para levar adiante as mudanças de paradigmas desse povo, sendo as “magnas cartas”, incapazes de convencer e um povo sem força e vontade para mudanças. Diferentemente do modelo inglês, o modelo americano adquire uma centralidade política a ideia de um poder constituinte, com uma dimensão clara: criar uma constituição. A constituição não é fundamentalmente um projeto para o futuro, é uma forma de garantir direitos e de limitar poderes. O próprio poder constituinte não tem autonomia: serve para criar um corpo rígido de regras garantidoras de direitos, e limitadoras de poderes, estabelecendo regras de jogo entre os poderes constituídos e a sociedade. A constituição americana de 1787 foi “muito mais a ideia federativa do que a ideia democrática”, com autonomia dos Estados em uma concordância político-prática. A teoria do poder constituinte corresponde ao objetivo central do constitucionalismo: a primeira função de uma ordem político-constitucional foi e continua sendo realizada através de um sistema de limites impostos aqueles que exercem o poder político. Com a Revolução Francesa, surge uma forma de poder centralizado à nação, completamente diferente do que vimos até aqui. Um constitucionalista francês resumiu bem a concepção criacionista da Revolução: “a constituição é um ato imperativo da nação, tirado do nada e organizando a hierarquia dos poderes”. A “descoberta da Nação”, revolve três problemas políticos: legitimação do poder, catalisar a transformação do “estado moderno” em “república democrática” e criar uma nova solidariedade entre os cidadãos politicamente ativos na construção e integração da nova ordem social Os passos mais importantes das teorias sobre o poder constituinte são o - “supreme power” de John Locke, sugere o poder constituinte associada ao direito de resistência, e que identifica como poder constituinte que o estado de natureza é de caráter social e neste estado de natureza os indivíduos tem uma esfera de direitos naturais antecedentes ou preexistentes à formação de qualquer governo, que o poder supremo é conferido à sociedade ou comunidade e não a qualquer soberano, que o contrato social através do qual o povo “consente” o poder supremo do legislador não confere a este um poder geral mas um poder limitador e específico e, sobretudo, não arbitrário e que só o corpo político reunido no povo tem autoridade política para estabelecer a constituição política da sociedade; - o “pouvoir constituant” de Sieyès surge da luta contra a monarquia absoluta e tem como seus momentos fundamentais o recorte de um poder constituinte da nação entendido como poder originário e soberano e a plena liberdade da nação para criar uma constituição, pois a mação ao “fazer uma obra constituinte”, não está sujeita a formas, limites ou condições preexistentes. No fundo, a teoria de Sieyès é desconstituinte (pós-monarquia) e reconstituinte (nova constituição). Na Teoria do poder constituinte e constitucionalismo há uma correlação lógica entre constituição e poder constituinte, já que uma provém da outra, mas de fato são muito distintas. A normal politics foi desenvolvida normalmente com base nas regras e princípios estabelecidos na lei superior e fundamental, já a constitucional politics vem com um caráter excepcional, extraordinário, típico dos momentos de elevada “consciência politica” e de mobilização popular. O poder constituinte “não está submetido a qualquer constituição”, por outro lado, “uma constituição é um corpo de leis obrigatório ou não é nada”. Essa tensão justificou a introdução do conceito do poder constituinte derivado e poder de revisão constitucional a quem compete alterar, nos termos da constituição, as normas ou princípios por esta fixados. Há momentos ainda de perplexidade jurídica e política, como o chamado paradoxo da democracia: como pode um poder estabelecer limites às próximas gerações? Dificultando deliberadamente a “vontade de gerações futuras” na mudança de suas leis? O conceito de povo nas democracias atuais está ligado a “grandeza pluralística”, concebendo-se povo em sentido político, isto é, grupos de pessoas que agem segundo ideias, interesses e representações de natureza política, abandonando o mito da subjetividade originária (povo, nação, Estado). Os conceitos redutores de povo nos levam a conhecer o povo político e o povo majoritário – que pertence ao povo político, mas não o esgota. Conclui-se que só o povo concebido como comunidade aberta de sujeitos constituintes que entre si “contratualizam”, “pactuam” e consentem o modo de governo da cidade -, tem o poder de disposição e conformação da ordem político-social. No tocante ao procedimento constituinte, anteriormente viu-se - quem faz a constituição? Agora temos a indagação de, como se faz uma constituição? O problema a se esclarecer é o do procedimento constituinte, também conhecido como problema dasformas de exercício do poder constituinte. É um problema importante, pois é uma dimensão básica e estruturante da própria legitimidade da constituição. As decisões que levam a criação de uma nova constituição estão associadas a momentos constitucionais extraordinários, como revoluções, nascimento de novos estados, transições constitucionais, golpes de Estado, “quedas de muros”, e levam decisões de natureza pré-constituinte de decisão política de elaborar uma lei fundamental – constituição e de edição de leis constitucionais provisórias destinadas a dar uma primeira forma jurídica ao “novo estado de coisas” e a definir as linhas orientadoras. É importante distinguir as decisões formais, que contem a “vontade política” de criar uma nova constituição e de regular o procedimento constituinte adequado a tal finalidade, das decisões pré-constituintes que transportam os momentos procedimentais – iniciativa, discussão, votação, promulgação, ratificação, publicação – conducentes a adoção de uma nova constituição. Compreende-se que nesta fase pré-constituinte se estabeleçam apenas as condições mínimas e as regras indispensáveis para a feitura de uma constituição legítima. O primeiro ato constituinte ainda é um ato pré-constituinte, que consiste em decidir como o povo irá adotar uma nova lei fundamental: se através de uma assembleia constituinte ou de um referendo constituinte através de constituintes representativos e procedimentos constituintes referendários. Sendo por assembleia constituinte, ela pode ser soberana, onde cabe à assembleia constituinte elaborar e aprovar a constituição, excluindo-se qualquer intervenção direta do povo através de referendo ou plebiscito; e não soberana, que compete a ela apenas elaborar e discutir os projetos da constituição, competindo depois ao povo, através de referendo, aprovar o projeto elaborado pela assembleia constituinte. Diz se que o texto aprovado por uma assembleia constituinte é uma proposta de constituição enquanto que o voto do povo é uma sanção constituinte. O modelo de assembleia constituinte e convenções do povo foi usado para a constituição norte-americana de 1787, e consiste em diversas convenções em diferentes territórios para aprovação popular. No procedimento constituinte direto, ocorre a aprovação pelo povo de um projeto de constituição sem medicação de qualquer representante. Fala-se do referendo constituinte, quando da aprovação de uma constituição mediante livre decisão popular exercida através de um procedimento referendário justo, o plebiscito constituinte. A ideia de vinculação jurídica conduz uma parte da doutrina mais recente a falar de “jurisdicização”e do caráter do poder constituinte. A experiência demonstra também que não basta a legitimação através da fixação democrática de valores básicos; é necessário, igualmente, que o “povo inteiro” se beneficie da implementação desses valores básicos. O texto é muito rico e nos permite essa crítica ampla ao formato de definição do poder constituinte. É citado no texto como uma questão de “poder” e de “força” ou mesmo de “autoridade política” sendo uma ferramenta decisiva de criação/eliminação de uma Constituição. A criação/eliminação de uma Constituição é um marco para o seu povo e uma responsabilidade muito grande para seus governantes, uma vez que as gerações futuras terão que se adequar a ela, sendo a mesma muito difícil de ser modificada . Em tese, as leis são formuladas para uma população por seus governantes, escolhidos para tal por esta mesma população, seguindo exemplo do art 5º da nossa Constituição da República, visando garantir os direitos fundamentais dos cidadãos. De fato, a população em geral, pode se sentir parte atuante nessa Constituinte? Ou será que os grupos de maior “grandeza pluralística” são os atores principais e por vezes, legislam/decidem para o seu bem, ignorando o bem comum e a população, que de modo geral permanece com seu “véu da ignorância” como citado por “John Rawls” - o fato das pessoas não conhecerem, de fato, aqueles que as representam. Talvez o modelo de convenções do povo como adotado pelos norte-americanos para a elaboração da constituição de 1787 seja o mais ‘justo’, no meu ponto de vista.
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