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Caracterização de bacias hidrográficas 3.1 ÍNDICE DO CAPÍTULO 3 Lista de Figuras ................................................................................................................................ 3.2 3 CARACTERIZAÇÃO DE BACIAS HIDROGRÁFICAS ...................................................... 3.3 3.1 Conceito de Bacia Hidrográfica ................................................................................ 3.3 3.2 Características Fisiográficas ...................................................................................... 3.8 3.3 Características Geométricas ...................................................................................... 3.9 3.3.1 Área de drenagem ............................................................................. 3.9 3.3.2 Perímetro ........................................................................................... 3.9 3.3.3 Índice de compacidade...................................................................... 3.9 3.3.4 Fator de forma................................................................................. 3.10 3.3.5 Retângulo equivalente e índice de alongamento ............................ 3.11 3.4 Características do Sistema de Drenagem ................................................................ 3.12 3.4.1 Constância do escoamento .............................................................. 3.12 3.4.2 Ordem ............................................................................................. 3.12 3.4.3 Densidade de drenagem e percurso médio sobre o terreno ............ 3.14 3.5 Características do Relevo ........................................................................................ 3.15 3.5.1 Curva hipsométrica ......................................................................... 3.15 3.5.2 Altitude média ................................................................................ 3.15 3.5.3 Altura média ................................................................................... 3.16 3.5.4 Perfil do rio ..................................................................................... 3.16 3.5.5 Declives do leito ............................................................................. 3.17 3.5.6 Declive da bacia e índices de declive ............................................. 3.18 3.5.7 Curva hidrodinâmica ...................................................................... 3.20 3.5.8 Coeficientes de massividade e orográfico....................................... 3.22 3.6 Características de Geologia, Solos, Vegetação e Tipo de Ocupação...................... 3.22 EXERCÍCIOS ................................................................................................................................ 3.24 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................ 3.27 Caracterização de bacias hidrográficas 3.2 Lista de Figuras Figura 3.1 − Delimitação de bacias hidrográficas: a) bacia exorreica, b) bacia endorreica ....... 3.3 Figura 3.2 − Principais bacias hidrográficas de Portugal continental ......................................... 3.6 Figura 3.3 − Principais bacias hidrográficas de Moçambique..................................................... 3.7 Figura 3.4 − Limites duma bacia hidrográfica ............................................................................ 3.8 Figura 3.5 − Índices de compacidade para várias formas de bacias .......................................... 3.10 Figura 3.6 − Critérios de ordenação de cursos de água ............................................................. 3.13 Figura 3.7 − Curva hipsométrica ............................................................................................... 3.15 Figura 3.8 − Perfil dum rio e declives ........................................................................................ 3.17 Figura 3.9 − Método de Alvord para determinação do declive médio ...................................... 3.18 Figura 3.10 − Curva hidrodinâmica........................................................................................... 3.20 Figura 3.11 − Curva hidrodinâmica de um rio com afluentes ................................................... 3.21 Figura 3.12 − Efeito da urbanização no hidrograma de cheia ................................................... 3.24 Caracterização de bacias hidrográficas 3.3 3. CARACTERIZAÇÃO DE BACIAS HIDROGRÁFICAS 3.1 CONCEITO DE BACIA HIDROGRÁFICA Considere-se que o percurso de uma gota de água que precipitou num ponto de determinada região ocorre sempre à superfície dessa região, ao longo das encostas, segundo as linhas de maior declive, em direção a um curso de água, um lago ou a uma linha de costa. A bacia hidrográfica de um rio em determinada secção transversal desse rio é o lugar geométrico dos pontos a partir dos quais o percurso superficial de uma gota de água passa na referida secção transversal, que se designa por secção de referência. O limite desse lugar geométrico designa-se por limite da bacia hidrográfica e constitui uma linha de separação de águas ou um divisor de águas (Figura 3.1, a)). A bacia hidrográfica de um lago que não seja drenado por nenhum curso de água é o lugar geométrico dos pontos a partir dos quais o percurso superficial de uma gota de água se dirige à linha de margem do lago e inclui a superfície do lago (Figura 3.1, b)). Ponto alto, cume Linha de nível Curso de água Secção de referência Limite de bacia hidrográfica A B Lago A B Figura 3.1 − Delimitação de bacias hidrográficas: a) bacia exorreica, b) bacia endorreica Considerem-se, por exemplo, os pontos A, representados em cada uma das bacias da Figura 3.1. O percurso superficial de uma gota de água que em qualquer deles se inicie decorre ao longo das linhas de maior declive, linhas perpendiculares às linhas de nível, até ao curso de água mais próximo, e prossegue depois ao longo deste. No caso da Figura 3.1, a), o percurso é até à secção de referência e, no caso da Figura 3.1, b), até à margem do lago. Assim, o ponto A faz parte da respetiva bacia hidrográfica em qualquer um dos casos representados. Por outro lado, o percurso superficial que se inicia no ponto B não se dirige quer à secção de referência, no caso a), quer à linha de margem do lago, no caso b), portanto, o ponto B não faz parte da respetiva bacia hidrográfica, em qualquer dos casos representados. Bacias hidrográficas, como a representada na Figura 3.1, a), em que o sistema de a) b) Caracterização de bacias hidrográficas 3.4 drenagem fluvial esgota para o exterior, designam-se por bacias exorreicas; bacias hidrográficas, como a representada na Figura 3.1, b), em que o sistema de drenagem fluvial esgota para o interior, alimentando um lago ou um mar interior, que enchem uma depressão mais ou menos profunda, designam-se por bacias endorreicas. Nas bacias hidrográficas endorreicas, o limite da bacia coincide com a linha de cumeada que envolve a respetiva rede fluvial de drenagem, não intersetando qualquer dos cursos de água; nas bacias hidrográficas exorreicas, o limite da bacia, com a eventual exceção da região vizinha da secção de referência, coincide em grande parte com a linha de cumeada e apenas interseta o curso de água onde se situa a secção de referência. O balanço hídrico de uma região coincidente com uma bacia hidrográfica exorreica, onde seja desprezável o escoamento subterrâneo e a ação antropogénica de transferência de água entre bacias, torna-se bastante mais simples já que a única entrada de água é a precipitação e a saída de água faz-se apenas através da evaporação e da evapotranspiração e de uma única secção transversal de um curso de água, a secção de referênciada bacia hidrográfica. A bacia hidrográfica constitui também a unidade mais conveniente para a gestão dos recursos hídricos, pois é a nível da bacia que se verificam as relações mais estreitas entre: recursos hídricos numa secção de um curso de água e recursos hídricos noutra secção a jusante da primeira; recursos de água superficiais e de águas subterrâneas; consumos de água e rejeição de efluentes a montante e disponibilidades de água a jusante, em termos de quantidade e qualidade; modificações na ocupação do solo ou obras hidráulicas no rio e nas margens e consequentes modificações morfológicas ou das características do escoamento a montante e a jusante, por vezes a distâncias de dezenas de quilómetros. Tudo isto justifica o papel privilegiado desempenhado pelas bacias hidrográficas em estudos hidrológicos e de gestão de recursos hídricos. Tal nem sempre é fácil de materializar quando os limites da bacia hidrográfica não coincidem com os limites das divisões administrativas do país ou quando as bacias são partilhadas por dois ou mais países, situações com grande importância em Portugal e em Moçambique. No entanto, como referido em Burton (2003), mesmo nas situações difíceis de bacias hidrográficas internacionais, existe um consenso cada vez mais alargado para que o planeamento e a gestão operacional dos recursos hídricos se façam a partir da bacia hidrográfica. Com efeito, tem-se assistido nas últimas décadas a uma crescente institucionalização da gestão de recursos hídricos centrada em regiões constituídas por uma bacia ou um conjunto de bacias hidrográficas contíguas, apesar das dificuldades que isso cria relativamente a outras divisões administrativas instituídas. Moçambique adotou essa via com a criação de cinco Administrações Regionais de Águas em 1991, tal como Portugal o fez com a criação em 2005 das cinco Administrações de Regiões Hidrográficas. A Figura 3.2 apresenta as principais bacias hidrográficas de Portugal Continental e a Figura 3.3 as de Moçambique, ambas na foz dos rios assinalados. Note-se que, relativamente às bacias hidrográficas internacionais tanto de Portugal como de Moçambique, apenas se Caracterização de bacias hidrográficas 3.5 encontram representadas nas figuras as áreas situadas nos territórios destes dois países. Caracterização de bacias hidrográficas 3.6 Minho Lima Cávado Douro Vouga Mondego Lis Tejo Sado Mira Arade Guadiana Ave Costa 800 km Rios 33000 km Área 89000 km 2 ZEE 300000 km 2 (1:1 000 000) Figura Error! No text of specified style in document..1 - Principais bacias hidrográficas de Portugal Continental Figura 3.2 − Principais bacias hidrográficas de Portugal continental Caracterização de bacias hidrográficas 3.7 Figura 3.3 − Principais bacias hidrográficas de Moçambique A definição dos limites da bacia hidrográfica torna-se menos precisa quando se considera o escoamento subterrâneo pois pode acontecer que um aquífero não fique inteiramente contido nos limites duma bacia hidrográfica. Assim, distingue-se por vezes a linha de separação topográfica ou superficial da linha de separação freática ou subterrânea. Na situação ilustrada pela Figura 3.4, a parte da precipitação P que se infiltra (I) acima da camada geológica impermeável acaba por originar escoamento subterrâneo G para uma bacia vizinha. Caracterização de bacias hidrográficas 3.8 Limites topográficos da bacia em estudo Camada impermeável Aquífero Figura 3.4 − Limites duma bacia hidrográfica Nesta situação, a definição dos limites da bacia hidrográfica não se pode fazer sem ambiguidade, visto que apenas uma parte da precipitação caída acima da camada geológica impermeável se infiltra, enquanto outra parte se transforma em escoamento superficial R na bacia. Por outro lado, os níveis freáticos variam ao longo do ano, o que tem como consequência a variação da linha de separação freática. Por isso, normalmente e para efeitos práticos, despreza-se o efeito introduzido pelo escoamento subterrâneo, junto aos limites da bacia. A incorreção cometida é negligenciável, com a exceção das bacias com muito pequena dimensão ou com características geológicas particulares. 3.2 CARACTERÍSTICAS FISIOGRÁFICAS O comportamento hidrológico duma bacia hidrográfica é essencialmente uma função das características climáticas da região e das características fisiográficas da bacia. As características climáticas são as que incluem ou determinam a precipitação e a evaporação na região, estas por sua vez influenciando de maneira determinante o armazenamento e o escoamento, tanto superficial como subterrâneo. Naquilo que se relaciona com a hidrologia, as características climáticas são tratadas nos outros capítulos deste livro. As características fisiográficas podem ser agrupadas de acordo com as características geométricas da bacia, como o tamanho, a forma, o relevo, o declive, a orientação e a rede fluvial de drenagem, e de acordo com as características físicas da bacia, como a geologia, o tipo e o uso dos solos, no qual se incluem o tipo de cobertura vegetal e a ocupação humana. Para as características geométricas, utilizam-se como indicadores a área de drenagem, o perímetro, o índice de compacidade, o fator de forma, o retângulo equivalente e o índice de alongamento. Para a caracterização do sistema de drenagem, os indicadores utilizados são a constância do escoamento, a ordem dos cursos de água, a densidade de drenagem e o percurso sobre o terreno. Os indicadores para caracterizar o relevo são a curva hipsométrica, a altitude média, a altura média, o perfil do rio, o declive do leito, o declive dos terrenos, o índice de declive de Roche, a curva hidrodinâmica, o coeficiente de massividade e o coeficiente orográfico. Estes indicadores permitem sumariamente dar uma imagem da bacia e ajudam a Caracterização de bacias hidrográficas 3.9 perceber melhor o seu comportamento hidrológico, resultante da interação com as variáveis climáticas. 3.3 CARACTERÍSTICAS GEOMÉTRICAS 3.3.1 Área de drenagem A área de drenagem, A, é a área da projeção horizontal da superfície da bacia hidrográfica, sendo normalmente determinada por planimetria ou por utilização de SIG (sistema de informação geográfica). A área de drenagem tem uma grande influência nos valores dos escoamentos, uma vez que, em regiões com características climáticas semelhantes e valores próximos de precipitação, os escoamentos tendem a ser, duma maneira geral, funções crescentes da área. Esta relação é, no entanto, muito afetada pelas características fisiográficas das bacias. Por exemplo, considerando as razões dos escoamentos anuais médios dos principais rios de Portugal continental expressos como alturas (ou seja, divididos pelas áreas das respetivas bacias de drenagem) pelos valores das precipitações anuais médias nas bacias, verifica-se que as bacias do Minho, Lima e Cávado apresentam uma razão superior a 0,6, valor que diminui para cerca de 0,4-0,5 para a região entre o Ave e o Mondego, para cerca de 0,3 para a região Tejo - Lis, e para valores entre 0,25- 0,30 para a região a sul da bacia do rio Tejo. 3.3.2 Perímetro O perímetro da bacia, P, é o perímetro da projeção horizontal da superfície da bacia hidrográfica. Quintela (1996) sugere que o perímetro deve ser medido depois de se adoçar o contorno, para evitar pequenas irregularidades que fazem aumentar o perímetro sem no entanto exercerem influência significativa no processo do escoamento. O perímetro e a área da bacia, tomados em conjunto, permitem introduzir índices interessantes, como os que se referem aseguir. 3.3.3 Índice de compacidade O índice de compacidade ou índice de Gravelius, Kc, é a relação entre o perímetro da bacia e o perímetro dum círculo de área igual à da bacia: R2π P K c (3.1) em que A = πR 2 define o valor de R. Então: A P 0,282 = π A 2π P = Kc (3.2) Caracterização de bacias hidrográficas 3.10 Kc é sempre maior ou igual à unidade, sendo Kc = 1 para uma bacia de forma circular. Kc é um valor adimensional que não depende da área mas da forma da bacia, sendo tanto maior quanto mais essa forma se afastar da circular. Note-se que, quanto maior for Kc, menos compacta é a bacia. Apresentam-se na Figura 3.5 algumas formas esquemáticas de bacias e os respetivos índices de compacidade, resultantes nos três primeiros casos de formas retangulares em que a relação entre a altura e a largura é sucessivamente de 4:1, 2:1 e 1:1. A quarta figura é composta de cinco quadrados de 1 × 1 cada. Os respetivos valores de Kc são de 1,41, 1,20, 1,13 e 1,51. Figura 3.5 − Índices de compacidade para várias formas de bacias Se imaginarmos uma precipitação instantânea e uniforme sobre a bacia, o escoamento a que ela dá origem surgirá na secção de saída concentrado no tempo ou mais distribuído ao longo do tempo, conforme a bacia tenha ou uma forma próxima da circular ou uma forma irregular. Assim, um valor de Kc mais próximo da unidade pode, em igualdade de outros fatores, indicar uma maior tendência para pontas de cheia mais altas nessa bacia. 3.3.4 Fator de forma O fator de forma, Kf, é a relação entre a largura média e o comprimento da bacia. O comprimento da bacia é definido como o comprimento, L, do seu curso de água mais longo. A largura média, ℓ, é definida como a largura dum retângulo com o mesmo comprimento e com a mesma área. L A 2f L A L K (3.3) Se se considerarem as bacias representadas na Figura 3.5, os seus fatores de forma são aproximadamente 0,25, 0,50, 1 e 0,55. As bacias com fatores de forma baixos são as que têm formas estreitas ou irregulares. Nestes casos, é menos provável a ocorrência de chuvas intensas cobrindo simultaneamente toda a sua extensão, e, por outro lado, os escoamentos resultantes surgem na secção de saída mais Caracterização de bacias hidrográficas 3.11 distribuídos ao longo do tempo, pelo que, em igualdade de outros fatores, bacias com Kf baixos terão tendência para cheias com pontas menores do que bacias com Kf elevados. 3.3.5 Retângulo equivalente e índice de alongamento O retângulo equivalente é o retângulo com área e perímetro iguais aos da bacia, isto é: 2 × (Le + le) = P Le × le = A Podem resolver-se as duas equações para obter Le e le: A- 16 P + 4 P = L 2 e (3.4) A - 16 P - 4 P = l 2 e Estas equações só apresentam soluções reais para 16AP2 . Assim, não existe um retângulo equivalente para uma bacia com forma circular. O retângulo equivalente permite definir o índice de alongamento, KL, como sendo a relação entre Le e le . Esta relação é de 1 para uma bacia com a forma de um quadrado que é a situação que origina o mínimo valor de KL. Para as bacias esquemáticas da Figura 3.5, os valores de KL são respetivamente de 4, 2, 1 e 5. Pelas mesmas razões aduzidas para o índice de Gravelius Kc e para o fator de forma Kf , também valores de KL próximos de 1 dão uma indicação preliminar de maior propensão para cheias, ao passo que valores superiores a 2 indicam uma menor tendência para cheias. Pode ver-se que se verifica com bastante aproximação que 0,1 l L 1K e e c (3.5) Caracterização de bacias hidrográficas 3.12 3.4 CARACTERÍSTICAS DO SISTEMA DE DRENAGEM 3.4.1 Constância do escoamento Os rios e os seus afluentes podem classificar-se como perenes, intermitentes e efémeros, de acordo com o critério da constância do escoamento. Os rios perenes são os que, em condições naturais, escoam água durante todo o ano, quer por terem afluentes com diferentes regimes de alimentação a partir da precipitação ou da fusão da neve quer por terem uma alimentação contínua a partir de aquíferos. Torna-se necessário fazer a referência a condições naturais, porque a utilização da água para diversos fins pode levar a grandes alterações no regime de caudais dum rio, devido a consumos de água que podem reduzir muito os caudais de estiagem ou devido a barragens de armazenamento que regularizam os caudais e podem originar caudais de estiagem elevados relativamente às condições naturais. Assim, o rio Limpopo em Moçambique é um rio perene, embora atualmente se registem frequentemente caudais nulos na época de estiagem, fruto dos grandes consumos na África do Sul e no Zimbabwe. Os rios intermitentes são os que, em condições naturais, têm água durante a época húmida e secam na estiagem. Durante a época húmida, estes rios beneficiam da precipitação e da alimentação a partir de aquíferos, enquanto, durante a época seca, os níveis piezométricos dos aquíferos descem, e deixa de haver alimentação para os rios. Os rios efémeros apenas têm água durante e imediatamente a seguir aos períodos de precipitação, não sendo alimentados por aquíferos. 3.4.2 Ordem A ordem dos cursos de água é uma classificação para caracterizar o grau de ramificação da rede hidrográfica da bacia. Pode ser determinada a partir dum mapa em que estejam representados todos os canais naturais suficientemente bem definidos, que correspondam a cursos de água perenes, intermitentes ou efémeros. Horton (1945) citou Gravelius como tendo proposto em 1914 um critério de classificação de sistemas hidrográficos, onde o rio principal é designado como sendo de ordem 1, sendo de ordem 2 os afluentes do rio principal, de ordem 1, e de ordem n+1, os afluentes dos cursos de água de ordem n. Este critério é de aplicação simples e quase nada dependente do pormenor com que a rede hidrográfica está representada no mapa. Horton, porém, sugeriu ser preferível que a ordem mais alta fosse a do rio principal e não a das mais pequenas linhas de água da bacia hidrográfica. Por isso, propôs um outro critério, que passou a ser designado por critério de Horton, onde a confluência de duas linhas de água de ordem 1 origina a jusante uma linha de água de ordem 2, e genericamente, a confluência de duas linhas de água de ordem n gera a jusante uma linha de água de ordem n+1. Este processo inicia- se com as linhas de água mais pequenas, que não recebem afluentes, e progride de montante para jusante, até à secção de referência da bacia, conforme se representa na Figura 3.6, a). Caracterização de bacias hidrográficas 3.13 Após a definição do rio principal, a mesma ordem é atribuída a toda a extensão do rio até à nascente. Para determinar, em cada secção de confluência, qual o curso do rio principal para montante, Horton propôs as seguintes regras: Escolher a linha de água, a montante da confluência, que faz o menor ângulo com o rio principal. Se ambas as linhas de água a montante da confluência fazem aproximadamente o mesmo ângulo com o rio principal, escolher a de maior comprimento. Tem sido sugerida uma regra adicional, a de escolher o afluente com a maior área de drenagem, quando os dois afluentes respondem aproximadamente da mesma maneira às regras anteriores. Principalmente no âmbito do estudo de cheias, considera-se atualmente preferível utilizar os critérios anteriores por ordem inversa: primeiro, o da maior área, depois o do maior comprimento, e por último, o do menor ângulo. O mesmo processo seguido para o rio principal é aplicado sucessivamente aos afluentes de ordem n – 1, n – 2, …, 2, conforme se ilustra na Figura 3.6, b), que representa o critério de Horton.Strahler (1957) propôs que se simplificasse o critério de Horton, eliminando a definição do rio principal até à nascente. O critério de Strahler, por vezes também chamado de critério de Horton-Strahler, é, então, o representado na Figura 3.6, a). Por ser mais simples, o critério de Strahler é o mais utilizado em estudos de morfologia fluvial. Figura 3.6 − Critérios de ordenação de cursos de água A partir da definição de ordem pelo critério de Strahler, Horton definiu outros indicadores das características do sistema de drenagem, designadamente: A razão de bifurcação, Rbn − razão entre o número de linhas de água de ordem n, Nn, e o número de linhas de água de ordem n + 1, Nn + 1. A razão de bifurcação média, Rb – média geométrica dos valores de Rbn. Chow (1964) sugere que Rb pode ser obtida por regressão semilogarítmica, nbaNlog n , Rb = e b . A razão de bifurcação média pode ainda ser calculada por 1k 1b NR , onde k representa a ordem do curso de água mais a jusante. McCuen (1989) indica que os valores da razão de bifurcação média variam tipicamente entre 2 e 4. A razão dos comprimentos, RL − razão entre o comprimento médio das linhas de água de Caracterização de bacias hidrográficas 3.14 ordem i e o comprimento médio das linhas de água de ordem i − 1. A razão das áreas, RA − razão entre a área média das sub-bacias das linhas de água de ordem i e a área média das sub-bacias das linhas de água de ordem i − 1. A razão dos declives, RS − razão entre o declive médio das linhas de água de ordem i e o declive médio das linhas de água de ordem i + 1. Horton (1945) sugeriu diversas relações indicadoras das características geomorfológicas das bacias hidrográficas, cuja validade foi sendo comprovada em regiões muito diversas. Essas relações são as seguintes: Relação do número de linhas de água − relaciona o número de linhas de água de ordem i, Ni, com a razão de bifurcação média e com a ordem do rio, k: Ni = Rb k-i . Relação dos comprimentos − relaciona o comprimento médio das linhas de água de ordem i, Li, com a razão dos comprimentos, RL, e com o comprimento médio das linhas de água de ordem 1, L1: Li = L1 RL i-1 . Relação das áreas − relaciona a área média das sub-bacias das linhas de água de ordem i, Ai, com a razão das áreas, RA, e a área média das sub-bacias das linhas de água de ordem 1, A1: Ai = A1 RA i-1 . Relação dos declives dos rios − relação do declive médio das linhas de água de ordem i, Si, com a razão dos declives, RS, e com o declive médio das linhas de água de ordem 1, S1: Si = S1 RS 1-i . Horton sugeriu que estas relações se mantêm relativamente constantes numa bacia. 3.4.3 Densidade de drenagem e percurso médio sobre o terreno A densidade de drenagem, λ, é a relação entre o comprimento total dos cursos de água duma bacia, sejam eles perenes, intermitentes ou efémeros, e a área da bacia: A l =λ i i (3.6) λ é dado em km -1 e, segundo Lencastre e Franco (1992), varia normalmente entre 0,5 e 3,5 km -1 . Este indicador tende a ser alto em bacias com relevo acentuado e pouco permeáveis. O percurso médio sobre o terreno, Lp, é um parâmetro dado por 2λ 1 Lp (3.7) sendo expresso em km. A densidade de drenagem e o percurso médio sobre o terreno são também indicadores da tendência para a ocorrência de cheias numa bacia hidrográfica. Com efeito, numa bacia bem drenada (λ alto, Lp baixo), o escoamento superficial é rapidamente canalizado para linhas de água bem definidas e surge mais rapidamente e concentrado na secção de referência da bacia. Nas bacias mal drenadas (λ baixo, Lp alto), a precipitação vai originar, sobretudo, um Caracterização de bacias hidrográficas 3.15 escoamento subsuperficial e um escoamento subterrâneo, que se processam com muito mais lentidão, não originando por isso pontas de cheia elevadas. 3.5 CARACTERÍSTICAS DO RELEVO 3.5.1 Curva hipsométrica A curva hipsométrica é a curva A (z), em que A é a área da bacia que se situa acima da altitude ou cota z referida ao nível do mar. A área pode ser expressa em km 2 ou em percentagem da área total da bacia. A curva hipsométrica é obtida a partir da carta hipsométrica, carta onde a representação das altitudes é feita por curvas de nível ou por qualquer outro processo de representação gráfica, como uma carta topográfica. A Figura 3.7 apresenta um exemplo de curva hipsométrica. Figura 3.7 − Curva hipsométrica Note-se que esta curva hipsométrica se refere à bacia hidrográfica de um rio em que a secção de referência está à altitude 0 m, o que é uma situação característica dum rio principal que desagua no oceano. No caso de um afluente, tomando a secção de confluência como secção de referência a respetiva altitude será superior a 0 m. 3.5.2 Altitude média A altitude média da bacia, Z, é dada pela expressão: A daz =Z total A 0 total (3.8) Caracterização de bacias hidrográficas 3.16 O integral dá a área limitada pela curva z (A) e pelos eixos coordenados, podendo ser facilmente calculado por integração numérica a partir da curva hipsométrica. Consegue-se uma boa aproximação assimilando o integral a um somatório: Az=daz ii n 1=i A 0 total (3.9) em que Ai é a área da bacia entre as curvas de nível i e i + 1, e zi a média das altitudes dessas duas curvas de nível. A altitude média é uma característica com grande influência em variáveis hidrometeorológicas como a precipitação e a temperatura. Em Moçambique, as zonas de maior altitude (Gurué, Milange, Angónia, Lichinga) são as regiões de maiores precipitações anuais médias e mais baixas temperaturas mínimas. O mesmo se verifica em Portugal continental, com as maiores precipitações anuais médias registadas nas regiões de altitudes mais elevadas (Peneda-Gerês, serra da Estrela-Montejunto). 3.5.3 Altura média A altura média, H, é dada pela expressão: A dah = H total A 0 total (3.10) em que h é a cota acima da secção de referência, em vez de z, que é a altitude ou cota referida ao nível do mar. Assim, se estivermos a tomar como secção de referência a foz no oceano, as alturas h coincidem com as altitudes z; se a secção de referência for, por exemplo, a secção de confluência do afluente com o rio principal, então para esse afluente ter-se-á: h = z − zconf ou h = z − z100 já que toda a bacia (100 por cento) do afluente se situa acima de zconf. Daqui se tira imediatamente que 100zZH (3.11) A altura média da bacia dá-nos uma ideia se a bacia é muito ou pouco acidentada. Normalmente, as bacias com maiores alturas médias apresentam quedas mais importantes que podem ser aproveitadas para a produção de energia hidroelétrica. 3.5.4 Perfil do rio O perfil do rio é a representação gráfica da função z (L), em que z é a cota duma dada secção do rio, e L, a respetiva distância à secção de referência. Para os rios principais, a secção Caracterização de bacias hidrográficas 3.17 de referência habitualmente adotada é a foz do rio; para os afluentes, toma-se normalmente como secção de referência a secção de confluência. A Figura 3.8 apresenta, a título de exemplo, o perfil dum rio. A marcação de distâncias para os afluentes pode ser feita, a partir da confluência, em sentido contrário à do rio principal, para melhorar a legibilidade, particularmente no caso de se incluírem muitos afluentes. O perfil dum rio dá uma noção imediata das zonas de quedas importantes e de outras quase planas e mais facilmente inundáveis. É habitual encontrar no perfil dum rio de média ou grande extensão que a parte de montante apresenta grandes inclinações, muito superiores às dostroços intermédio e de jusante. Esta situação é característica do lento processo de erosão hídrica e transporte dos sedimentos para jusante. Figura 3.8 − Perfil dum rio e declives 3.5.5 Declives do leito O declive médio do leito obtém-se dividindo a diferença entre as cotas máxima e mínima do leito pelo comprimento do rio. É também possível calcular de modo análogo o declive médio dum determinado troço do rio. Por vezes, considera-se o declive 10;85, considerando apenas o trecho do rio entre as secções a 10 e a 85 por cento da distância à secção de referência, como é proposto em McCuen (1989). WMO (1981) define o declive equivalente como o declive da reta que subentende com o eixo das abcissas a mesma área que o perfil do rio. No exemplo da Figura 3.8, o declive médio é de 0,0051, o declive 10;85 é de 0,0034, e o declive equivalente, 0,0028. Caracterização de bacias hidrográficas 3.18 3.5.6 Declive da bacia e índices de declive Quanto maior o declive dos terrenos, maior será a velocidade com que se dá o escoamento superficial e, consequentemente, menor será o tempo que a água leva a atingir o sistema de drenagem, facilitando o aparecimento de maiores pontas de cheias. Para tal contribui também o facto de um maior declive corresponder a uma menor infiltração de água no solo. Por outro lado, as maiores velocidades agravam o problema da erosão do solo. O declive da bacia pode ser obtido por amostragem, marcando, por exemplo a partir duma quadrícula aposta ao mapa da bacia, um número elevado de pontos no interior da bacia e determinando para cada ponto o declive a partir das duas curvas de nível entre as quais o ponto se situa. Fica-se assim com uma distribuição estatística dos declives, o que permite igualmente obter o declive médio da bacia. Um outro método para determinar o declive médio da bacia é o método de Alvord. Suponha-se a bacia representada numa carta com curvas de nível espaçadas de D (por exemplo, D = 10 metros). A Figura 3.9 representa as curvas de nível às cotas n − D, n, n + D. Figura 3.9 − Método de Alvord para determinação do declive médio Considere-se a curva de nível à cota n. A faixa de terreno entre as curvas de nível à cota n − D/2 e n + D/2 está representada a tracejado na figura. Se se designar por dn a largura média dessa faixa, o declive médio dos terrenos nessa faixa será dada por in = D/dn. Se o comprimento da curva de nível à cota n for Ln, então: A L D = L d L D = i n n nn n n em que An é a área da faixa a tracejado. Caracterização de bacias hidrográficas 3.19 Este raciocínio é aplicável a qualquer faixa de terreno correspondente a uma curva de nível da carta. Portanto, pode-se definir o declive médio da bacia como a média ponderada dos declives médios de todas as faixas que compõem a bacia: A L D = A L D = A i A = I n n n nn (3.12) em que L é o comprimento total das curvas de nível de equidistância D existentes na bacia, e A é a área da bacia. É um método prático pois, conhecido D, basta determinar a área A e o comprimento L, utilizando SIG ou manualmente, com um planímetro e um curvímetro. Note-se que, sendo I um valor adimensional, se deve exprimir L, D e A no mesmo sistema de unidades, por exemplo, em km e km 2 . O retângulo equivalente permite fazer uma representação gráfica da distribuição das áreas pelas diferentes altitudes, sendo outra forma de apresentar a mesma informação que é dada pela curva hipsométrica. Para tal, marcam-se sobre o lado maior do retângulo os valores das altitudes, espaçados de modo a representarem as correspondentes áreas entre valores sucessivos de altitude. A partir do retângulo equivalente, podem calcular-se diversos índices de declive. O índice de declive médio, Ii, entre as curvas de nível de cotas Zi e Zi-1 é dado pela relação: X Z-Z = I i 1-ii i (3.13) em que Xi é a distância entre as altitudes Zi e Zi-1 no retângulo equivalente. O índice de declive de Roche, Ip, é o índice de declive médio para toda a bacia. Assim, Ip fica definido por L ZZ = I e minmax p (3.14) O índice de Roche é muito afetado por valores extremos de altitude, por exemplo se a bacia tiver pequenas áreas de grande altitude. Para representar mais fielmente as características médias da bacia, o índice de declive global, Ig, exclui as áreas correspondentes aos 5 por cento mais altos e aos 5 por cento mais baixos da bacia: L Z-Z = I e 955 g (3.15) Caracterização de bacias hidrográficas 3.20 Como é evidente, Ig é sempre inferior a Ip. Os valores de Z5 e Z95 são obtidos a partir da curva hipsométrica. 3.5.7 Curva hidrodinâmica A curva hidrodinâmica representa as possibilidades energéticas da bacia. Se se considerar um volume de água V caindo duma altura h, a energia potencial que lhe corresponde é: En = ρ g V h J (com as unidades do Sistema Internacional) ou En = 2,722 V h kWh (com V em hm 3 e h em m) (3.16) Considere-se o caso dum rio sem afluentes onde estão identificadas diversas secções (Figura 3.10), e marquem-se os pontos (Vi, hi). A figura que assim se obtém designa-se por curva hidrodinâmica. Figura 3.10 − Curva hidrodinâmica h é a cota da secção, e V, o volume anual médio que nela se escoa. A energia para uma variação Caracterização de bacias hidrográficas 3.21 elementar de cota dh é dada por d En = 2,722 V dh e a energia potencial para a totalidade do rio será então dada por Vdh 2,722 =En max min h h (3.17) designando-se por potencial hidroelétrico bruto. O valor de En é dado pela área delimitada pela curva V(h) multiplicada pelo fator 2,722. Considere-se agora o caso dum rio com afluentes, como se representa na Figura 3.11. O processo de representação da curva V(h) pode ser repetido para o rio principal e para os afluentes, à semelhança do caso anterior, permitindo determinar o potencial hidroelétrico bruto de cada afluente e da totalidade da bacia. Figura 3.11 − Curva hidrodinâmica de um rio com afluentes Caracterização de bacias hidrográficas 3.22 A determinação do potencial hidroelétrico bruto implica o conhecimento dos volumes escoados nas diversas secções. Quando tal não acontece e se dispõe apenas de cartas topográficas com a indicação da rede de drenagem, pode utilizar-se à mesma a curva hidrodinâmica substituindo os volumes por áreas de drenagem, para se ter uma primeira ideia do potencial hidroelétrico da bacia. Para tal, aceita-se a hipótese da proporcionalidade entre áreas drenadas e volumes escoados: K =... = A V = A V = A V 3 3 2 2 1 1 hipótese válida em primeira aproximação, desde que toda a área tenha características climáticas, geológicas e de solos que sejam relativamente homogéneas. Então: max maxh 0 h 0 dhAK2,722dhV2,722En (3.18) Portanto, pode traçar-se uma curva hidrodinâmica semelhante à da Figura 3.11, mas em que os volumes escoados são substituídos pelas correspondentes áreas de drenagem. Para se obter o valor do potencial hidroelétrico, multiplica-se a área delimitada pela curva hidrodinâmica pelo fator 2,722 K. O valor de K pode ser estimado a partir do conhecimento numa secção (de preferência, a jusante) do valor do volume anual médio V e da respetiva área drenante A, K = V/A, com K em m se V em hm 3 e A em km 2 . Se não houver quaisquer dados de escoamento na bacia, pode-se utilizar o valor de K calculado para uma bacia vizinha com características semelhantes. 3.5.8 Coeficientes de massividade e orográfico O coeficiente de massividade é o quociente entre a altura média da bacia, em metros, e a suaárea, em km 2 . Este coeficiente toma valores elevados para pequenas bacias com grandes desníveis e valores baixos para grandes bacias de relevo pouco acentuado. No entanto, os respetivos valores podem ser os mesmos para bacias muito diferentes. Por exemplo, uma bacia pequena com relevo pouco acentuado e uma bacia grande com grandes desníveis podem ter valores muito próximos de coeficiente de massividade. O coeficiente orográfico é o produto da altura média pelo coeficiente de massividade. O coeficiente orográfico permite fazer a distinção de situações em relação às quais o coeficiente de massividade dá indicações dúbias. Admite-se que a fronteira entre relevo pouco acentuado e relevo acentuado é marcado pelo valor do coeficiente orográfico igual a 6. 3.6 CARACTERÍSTICAS DE GEOLOGIA, SOLOS, VEGETAÇÃO E TIPO DE OCUPAÇÃO A geologia duma bacia hidrográfica e o tipo de solos dela resultante têm uma grande Caracterização de bacias hidrográficas 3.23 influência no movimento da água na bacia, em particular no que toca ao escoamento, superficial e subterrâneo. A geologia define a existência de formações permeáveis e impermeáveis e de aquíferos, bem como a forma como os aquíferos são alimentados e contribuem para alimentar o escoamento dos rios. A geologia condiciona a localização do nível freático, que tem grande importância para o fenómeno da evapotranspiração. Os rios que comunicam com importantes lençóis freáticos são normalmente rios perenes, com caudais significativos, mesmo durante as estiagens. O tipo de solos e das camadas geológicas superficiais condiciona fortemente a permeabilidade dos terrenos e, consequentemente, a infiltração, fenómeno que está na base da recarga dos aquíferos. Solos muito permeáveis, como areia grossa, favorecem uma infiltração elevada, retardando o início do escoamento superficial e reduzindo o respetivo volume. Terrenos pouco permeáveis dão origem a que toda a precipitação se transforme rapidamente em escoamento superficial, gerando por isso cheias mais intensas e de menor duração. A geologia e os solos duma bacia são também importantes fatores condicionantes da erosão superficial. As formações mais recentes (do Holoceno e Pleistoceno) assim como formações calcárias e graníticas muito alteradas são as mais facilmente erodíveis. A erosão superficial nos terrenos da bacia hidrográfica constitui a fonte do caudal sólido que tem de ser transportado pelo rio. A cobertura vegetal também tem muita importância para os fenómenos hidrológicos. A vegetação aumenta a interceção da precipitação e retarda o escoamento superficial, assim aumentando a quantidade de água que se infiltra. A vegetação também absorve parte importante da energia cinética das gotas da chuva, evitando a desagregação do solo e que as partículas mais finas preencham os poros mais grosseiros, o que iria diminuir a permeabilidade dos terrenos. A vegetação oferece maior resistência ao escoamento superficial que o solo desmatado, o que ajuda a diminuir a erosão superficial dos terrenos e origina cheias menos intensas. Em termos de ocupação do solo, as alterações com maior impacto em diversas componentes da fase terrestre do ciclo hidrológico são a substituição de um tipo de coberto vegetal por outro e a urbanização. Duma maneira geral, terrenos com florestas e matas têm maiores infiltrações e menores velocidades de escoamento superficial do que terrenos cultivados. Por outro lado, o tipo de vegetação influencia fortemente o fenómeno de evapotranspiração. Em países em desenvolvimento, como Moçambique, verifica-se o desaparecimento de extensas áreas de floresta nativa, seja para exploração da madeira, seja para utilização dessas áreas para outros cultivos agrícolas. A substituição de floresta nativa por floresta plantada, por exemplo para abastecer a indústria de papel, também altera os valores de interceção, infiltração e evapotranspiração, assim como o equilíbrio com outras espécies vegetais na mesma área. A urbanização exerce um grande impacto numa bacia hidrográfica. Em primeiro lugar, grandes áreas com diversos graus de permeabilidade são substituídas por áreas impermeáveis de estradas, passeios, coberturas de edifícios e outras áreas com revestimentos impermeáveis. Esta Caracterização de bacias hidrográficas 3.24 impermeabilização duma parte da área da bacia resulta na diminuição da retenção superficial e da infiltração, e, consequentemente, no aumento do volume do escoamento superficial. Para além disso, como a resistência ao escoamento de pavimentos impermeáveis é muito inferior à de terrenos revestidos com vegetação, o escoamento concentra-se mais rapidamente nas secções de saída, resultando em cheias com pontas maiores e a ocorrerem mais depressa em reação à precipitação. A Figura 3.12 ilustra este efeito. Figura 3.12 − Efeito da urbanização no hidrograma de cheia Um outro impacto negativo ligado à urbanização é o da qualidade da água. Com efeito, o escoamento em zonas urbanas tem muito pior qualidade que o escoamento nas mesmas áreas anteriormente à urbanização, afetado como é pela poluição de origem doméstica ou industrial, obrigando a dispendiosos sistemas de tratamento para evitar ou reduzir a degradação da qualidade do meio aquático recetor. EXERCÍCIOS 3.1. Discuta, apresentando exemplos concretos do seu país ou região, os problemas que se levantam ao adotar a bacia hidrográfica como unidade de gestão dos recursos hídricos. 3.2. Considere três bacias hidrográficas com áreas de drenagem claramente diferentes. Analise a influência da área no escoamento anual médio e que outras variáveis também influenciam o escoamento na bacia. 3.3. Em determinada bacia hidrográfica obtiveram-se os seguintes elementos para análise do relevo z (m) 204 220 240 260 280 300 306 A (km 2 ) 23,05 22,84 16,81 9,32 2,07 0,57 0,00 Caracterização de bacias hidrográficas 3.25 onde z representa a cota, e A a área de bacia acima dessa cota. Calcule a altura média da bacia hidrográfica. 3.4. Escolha uma bacia hidrográfica e represente a respetiva curva hipsométrica. Faça a representação da distribuição de altitudes na bacia utilizando o retângulo equivalente. 3.5. A área de determinada bacia hidrográfica é 102 km 2 e a soma dos desenvolvimentos de todos os seus cursos de água é 300 km, numa dada escala cartográfica. Estime o percurso médio de escoamento sobre o terreno. 3.6. No quadro seguinte apresenta-se a contagem do número de segmentos de cursos de água de cada ordem, segundo a classificação de Strahler: Ordem (i) 1 2 3 4 5 Número (Ni) 139 46 11 3 1 Determine a razão de bifurcação média. 3.7. Para o traçado do perfil longitudinal de determinado curso de água determinaram-se os seguintes pontos: x (km) 0 2 4 7 z (m) 103 110 130 205 onde x representa a distância à secção de referência e z, a cota. Determine o declive médio e o declive equivalente do curso de água. 3.8. Considere um rio e os seus dois principais afluentes. Trace a curva hidrodinâmica e obtenha o valor do potencial hidroelétrico bruto a partir de informação topográfica e de escoamentos. 3.9. Comente porque é que o potencial hidroelétrico bruto corresponde a um limite superior da energia hidroelétrica que se pode obter a partir do rio. 3.10. Como é que o impacto da urbanização se traduz em termos de necessidades de infraestruturas hidráulicas? Justifique. 3.11. Escolha, a partir da informação cartográfica a que tiver acesso, uma bacia hidrográfica com uma área entre 100 e 1000 km 2 para fazer a respetiva caracterização fisiográfica. Identifique com rigor a bacia hidrográfica e apresente os seguintes desenhos ou figuras: localização geográfica da bacia hidrográfica; planta da bacia hidrográfica; curva hipsométrica(com escalas absolutas e com a escala das áreas adimensional e acompanhada de quadro com os elementos de traçado); hierarquização da rede de drenagem pelo critério de Horton; perfil longitudinal do curso de água principal e de dois dos seus maiores afluentes; Caracterização de bacias hidrográficas 3.26 carta geológica da bacia hidrográfica; carta de solos da bacia hidrográfica; carta de cobertura vegetal da bacia hidrográfica. 3.12. Para a bacia hidrográfica do exemplo anterior, determine e apresente os seguintes elementos, incluindo, quando justificado, os cálculos efetuados: área da bacia hidrográfica; desenvolvimento do perímetro (adoçado) da bacia hidrográfica; índice de compacidade de Gravelius; altitudes máxima, mínima e média da bacia hidrográfica; altura média da bacia hidrográfica; desenvolvimento do curso de água principal; declives médio e equivalente do curso de água principal; declive médio da bacia; densidade de drenagem da bacia hidrográfica; percurso médio à superfície do terreno até um curso de água; razão de bifurcação média. Caracterização de bacias hidrográficas 3.27 BIBLIOGRAFIA Burton, J., Integrated water resources management on a basin level, UNESCO, Paris, 2003. Chow, V. T. (ed.), Handbook of applied hydrology, McGraw-Hill, New York, 1964. Horton, R. F., Erosional development of streams and their drainage basins: hydrophysical approach to quantitative morphology, Geological Society of America, Bulletin 56, p. 275-370, 1945. Lencastre, A. e F. M. Franco, Lições de hidrologia, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 1992. McCuen, R., Hydrologic analysis and design, Prentice-Hall, New Jersey, 1989. Quintela, A., Hidrologia e recursos hídricos, Edição policopiada, Instituto Superior Técnico, Lisboa, 1996. Strahler, A., Quantitative analysis of watershed geomorphology, American Geophysical Union Transactions, vol. 38, p. 912-920, 1957. WMO, Guide to Hydrological Processes, Report WMO-168, Geneva, 1981.
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