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Entrevista Psicológica (Psicanálise) - Resumo da Disciplina - Prof Dra Cláudia Henschel de Lima (Psicologia UFF VR)

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1 
 
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE 
CAMPUS DE VOLTA REDONDA 
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS 
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA 
 
 
 
 
 
 
 
CADERNOS DE AULA DA DISCIPLINA DE 
ENTREVISTA PSICOLÓGICA 
 
PROF. DRA. CLAUDIA HENSCHEL DE LIMA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2016 
 
2 
 
 
1. A Sedução pelo Transtorno. 
 
Abordarei a disciplina de Entrevista Psicológica a partir da perspectiva do método 
clínico. E, para tal, especificarei essa perspectiva por meio da interrogação sobre a 
posição do psicanalista, feita pelo Dr. Jacques Lacan no escrito A Direção de 
Tratamento e os Princípios de seu Poder (1958/1998)1: como o psicanalista se orienta 
em sua prática e o que ele objetiva? 
Lacan se refere diretamente à prática clínica de sua época e cuja orientação era bastante 
diferente daquela que decorria de seu ensino, centrada nos conceitos de inconsciente e 
de pulsão e da localização do ponto de desestabilização sintomática pela avaliação do 
conteúdo discursivo do paciente. Nos anos de 1950, testemunhamos o avanço da 
tecnologia de psicotrópicos para o tratamento das formas de sofrimento psíquico, com a 
síntese dos primeiros antipsicóticos e antidepressivos - a Clorpromazina e a Imipramina 
– e, em 1957, com o desenvolvimento do clorperidóxido (os benzodiazepinicos2). 
Essa expansão tecnológica, aliada à formulação de novas classificações diagnósticas, 
permitiu ao saber psiquiátrico, a partir dos anos de 1950, se libertar da sombra da baixa 
origem moral de sua direção de tratamento – pautada no isolamento manicomial, no 
trabalho, no olhar vigilante, na infantilização e na produção de um ideal disciplinar 
concentrado na autoridade do médico (Machado, Loureiro, Luz, & Muricy, 19783).Qual 
é, então, a relação entre essa configuração da psiquiatria, a partir dos anos de 1950, e o 
domínio de pesquisa e intervenção clínica em psicologia? Retomando a interrogação de 
Jacques Lacan (1958/1998), podemos ainda tornar mais complexa as relações entre 
psiquiatria e psicologia: como o psicólogo clínico se orienta em sua prática e o que ele 
objetiva em uma época dominada pela elaboração crescente de novos diagnósticos4 para 
o sofrimento psíquico, em psiquiatria, e pelo avanço da tecnologia dos medicamentos 
no campo da direção de tratamento? 
 
1 Lacan, J. A Direção de Tratamento e os Princípios de seu Poder (1958). In: Escritos. Rio de Janeiro: 
Jorge Zahar,1998. 
2 Diazepan, Nitrazepam, FLurazepam, Flunitrazepam, Oxazepam, Temazepam, Clonazepam, Orazepam, 
Lorazepam, CLorazepate, Nordiazepam. 
3 Machado, R., Loureiro, A., Luz, R., & Muricy, K. (1978). Danação da norma: a medicina social e 
constituição da psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Edições Graal. 
4Trata-se da ocorrência de um agrupamento de sintomas clínicos distintos em torno de uma mesma 
categoria diagnóstica. É o caso, por exemplo, do transtorno bipolar e do transtorno por uso de substâncias, 
que são aplicadas indistintamente à psicose e à neurose, diluindo, assim, a especificidade etiológica de 
cada estrutura e uniformizando a direção de tratamento. 
3 
 
Essa interrogação está no título das primeiras aulas de nosso curso: a sedução pelo 
transtorno. A sedução pelo transtorno se refere diretamente ao modo como o método 
clínico é definido pela psiquiatria contemporânea: uma clínica da prescrição de 
psicofármacos com objetivo de cura. 
A entrevista clínica apresenta três objetivos fundamentais, elencados na tabela 1 abaixo: 
 
Tabela1. Os objetivos da entrevista clínica. 
1. A formulação do diagnóstico diferencial. 
2. A formulação da direção de tratamento a partir da especificidade do 
diagnóstico diferencial. 
3. A elaboração do planejamento terapêutico em conformidade com os 
dois objetivos acima. 
 
Ao longo da disciplina, estudaremos separadamente cada um desses objetivos. E já à 
título de introdução ao diagnóstico diferencial, reconhecemos que, atualmente, os 
fundamentos para sua formulação tem se deslocado das teorias descritivas (por ex. a 
fenomenologia e a psicanálise) - que se dedicam à pesquisa aprofundada dos sinais e 
sintomas psicopatológicos e dos determinantes de seus desencadeamentos – para uma 
listagem das alterações comportamentais características de cada psicopatologia tal 
como encontramos no DSM (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos 
Mentais) e CID (Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à 
Saúde). Esses manuais são sistemas classificatórios dos transtornos. A tabela 2 
sintetiza a evolução das edições do DSM desde 1952 até 2013. 
Tabela 2. Síntese das edições do DSM 
Edições do 
DSM 
Ano de 
Publicação 
Número de 
Páginas 
Categorias 
Diagnósticas 
Fundamentação 
Epistemológica 
DSM I 1952 132 106 Modelo Psicanalítico 
DSM II 1980 134 182 Modelo Psicanalítico 
DSM III/ 
DSM-III-TR 
1980/1989 494/597 265/292 Modelo 
Médico/biológico 
DSM IV/ 
DSM IV-TR 
1994/2000 886/** 374/** Modelo 
Médico/biológico 
DSM V 2013 947 300 Modelo 
Médico/biológico 
Encontramos no DSM as alterações comportamentais de cada transtorno, mas não 
encontramos uma referência a respeito dos determinantes causais dos sinais e sintomas 
e sequer uma orientação acerca da forma de reconhecimento de sinais e sintomas na 
prática. O que isso significa? Significa que não encontramos no DSM (e no CID) uma 
pesquisa semiológica. Tomando como exemplo a definição do objeto da 
4 
 
psicopatologia e a importância concedida à semiologia, apresentada por Karl Jasper 
(1913) em Psicopatologia Geral, entendemos a redução que a clínica sofre com a 
expansão desses sistemas classificatórios no marco dos anos de 1950. Jaspers (1913) 
afirma que seu objeto é o fenômeno consciente e ressalta a relevância clínica do 
conhecimento da realidade psíquica e de suas condições causais. Da mesma forma, 
Freud (19245) alertara para a necessidade de se estabelecer uma distinção entre 
neurose e psicose como base para a especificação da direção de tratamento para cada 
caso. O autor propõe uma distinção a partir da avaliação clínica acerca da 
consideração da realidade pelo conteúdo discursivo do paciente: 
Tabela 3. Estrutura discursiva a ser encontrada na avaliação clínica da neurose e psicose 
(psicanálise). 
Categorias classificatórias Posição do sujeito diante da realidade 
Neurose O paciente se posiciona não querendo saber 
nada sobre a realidade 
Psicose O paciente se posiciona recusando a realidade 
 
O DSM e o CID seduzem em função da delimitação do domínio de investigação do 
transtorno em torno de um posicionamento científico que valoriza a observação 
comportamental e a investigação de determinantes biológicos dos transtornos ao preço 
da supressão ideológica da avaliação clínica a partir do campo discursivo. 
Com relação a esse ponto, retomo alguns eixos da discussão em torno da elaboração da 
terceira edição do DSM (final dos anos de 1970). Um dos eixos da discussão dessa 
terceira edição era aprimorar a uniformidade e validade do diagnóstico psiquiátrico dos 
transtornos, resultando na formulação de critérios para o diagnóstico. 
 
 
5 Respectivamente: Freud, S. (1924). Neurose e psicose. In: Freud,S. Edição Standard Brasileira das 
Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. v. 19, pp. 189-193. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
Freud, S. (1924). A perda da realidade na neurose e na psicose. In: Freud,S. Edição Standard Brasileira 
das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. v. 19, pp. 229-234. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
 
5 
 
Tabela 4. Critérios para o diagnóstico no DSM-III 
1.Descrição clínica 
2. Estudos de laboratório 
3. Critérios de exclusão de outras doenças 
4.Estudo do curso da doença 
5.Estudos referentes a família do doente 
 
O outro eixo da discussão consistiu no reconhecimento da necessidade de padronizar a 
disciplina dodiagnóstico diferencial pelo estabelecimento de uma base de categorização 
em inglês descritivo, ocupando assim o lugar das hipóteses etiológicas com base em 
referenciais teóricos. Dessa forma, a formulação do DSM-III estava assentada sobre a 
necessidade de se obedecer ao princípio científico da generalização das hipóteses 
diagnósticas ao preço da supressão dos referenciais teóricos que orientavam, até o 
momento, a disciplina do diagnóstico diferencial (a fenomenologia e a psicanálise, por 
exemplo). 
Minha hipótese de trabalho, com relação a esse assunto, é que tal necessidade obedecia 
à ideologia oitocentista do homem normal. E, para mim, pensar inicialmente essa 
ideologia é fundamental para que ela não contamine o trabalho clínico que se inicia nas 
entrevistas psicológicas. 
 
1.1. A ideologia do homem normal no domínio da psicologia 
O estado de enfermidade se estabelece a partir da irrupção do mal-estar, do sofrimento, 
e da urgência que dele decorre. Essa frase sintetiza todo o trabalho epistemológico, que 
Georges Canguilhem desenvolve no livro clássico, publicado em 1943, O Normal e o 
Patológico6 e em uma conferência de 1980 conduzida na Sorbonne pelo mesmo autor e 
intitulada A Saúde: conceito vulgar e questão filosófica7. Nestas obras, o autor concede 
relevância ao fator de subjetividade presente na avaliação do que é saúde ou doença e na 
forma como a medicina insiste em suprimir esse fator na consideração do normal e do 
patológico - ou o que ainda podemos entender como descrição em primeira pessoa e 
descrição em terceira pessoa. 
Canguilhem analisa o conceito de saúde a partir de uma perspectiva distinta da 
perspectiva da validação científica (que estaria presente, nos anos de 1980, na 
elaboração do DSM-III). Ele propõe pensar o conceito de saúde a partir do testemunho 
 
6 Canguilhem,G. O normal e o patológico. Rio de Janeiro, Forense Universitária,1995. 
7 Canguilhem, G. A saúde: conceito vulgar e questão filosófica. In: Canguilhem,G. Escritos sobre a 
medicina .Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 35-48. 
6 
 
das impressões subjetivas, criticando a medicina que rejeita o testemunho dado pelo 
paciente em nome da visibilidade e transparência dos exames. Esse ponto não é uma 
arbitrariedade de Canguilhem (do tipo “Ignoremos a ciência. E viva a singularidade!!!” 
– esse tipo de afirmação está totalmente fora de nossos objetivos). O autor problematiza 
o modo de definição do normal e do patológico, herdado da fisiopatologia do século 
XVIII. No final do século XVIII, acreditou-se que era possível encontrar um elemento 
comum entre a fisiologia dedicada ao estudo dos fenômenos da vida, e a patologia, 
dedicada à análise das doenças. Esse elemento comum permitiria pensar processos 
normais e processos mórbidos como uma unidade. É o momento em que a 
fisiopatologia se consolidava como uma prática que objetivava esclarecer os estados 
mórbidos (patológicos) a partir da investigação dos estados normais. 
 
Esquema 1: As Diretrizes da fisiopatologia (final do século XVIII): 
 Normalidade morbidade 
 Organismo sadio estados patológicos 
 
Canguilhem localiza a preservação desta herança na medicina no ponto em que esta 
concederia, na prática da entrevista clínica, um papel cada vez mais secundário ao 
conteúdo discursivo do paciente, ao saber que o próprio paciente tem de seus sintomas, 
em nome de um modelo de normalidade: 
Medicina: normal vital patológico 
É nesse quadro que Canguilhem localizará a medicina como uma disciplina sobre o 
normal e o patológico. Esse estatuto ficará particularmente claro com a consolidação do 
método clínico na psiquiatria a partir do século XIX. 
No artigo publicado em 1966 e intitulado O que é a psicologia?, o autor interrogará a 
presença deste vetor no campo da Psicologia, pela evidência da influência dos trabalhos 
de Alphonse de Quételet, em torno da definição de homem médio – um conjunto de 
propriedades estatísticas que são estáveis nas principais ações humanas (o matrimônio e 
o crime) – na psicologia. Canguilhem (1966) esclarece que a Psicologia se constitui, no 
século XIX, como disciplina do comportamento humano, com o objetivo de determinar 
quantitativamente a capacidade técnica do indivíduo - em um contexto de época em que 
se articulam, de um lado, o modelo biológico organizado na forma de uma teoria geral 
das relações entre organismo vivo e meio e, de outro, uma ideologia dos valores da 
7 
 
sociedade industrial direcionada para a abordagem instrumental das habilidades 
humanas. E considera que de muitas pesquisas conduzidas na psicologia, extrai-se a 
impressão de que “misturam uma filosofia sem rigor, uma ética sem exigências e uma 
medicina sem controle”8 
 
1.2. A progressão do sistema classificatório pelo DSM 
No decorrer da conversa com um médico ligado à estação de águas, o qual 
havia assistido meu parente, perguntei, entre outras coisas, acerca de seu 
relacionamento com os aldeões (...) que constituíam uma clientela durante o 
inverno. Contou-me que sua clínica médica se fazia da seguinte maneira. Em 
suas horas de atendimento, os pacientes entravam em sua sala e ficavam de 
pé numa fila. Um após o outro adiantava-se e descrevia suas queixas: dor 
lombar, dor de estômago, cansaço nas pernas, e assim por diante. O médico 
então o examinava e após contentar-se com o que observara, fazia o 
diagnóstico era o mesmo para todos os casos. Ele me traduziu a palavra: 
significava mais ou menos ‘enfeitiçado’. Surpreso, perguntei se os aldeões 
não faziam objeção ao fato desse veredicto ser o mesmo para cada paciente. 
‘Não!’, replicou ele, eles ficam muito contentes: é o que esperavam. Cada um 
deles assim que volta ao seu lugar na fila, mostra aos outros, pela fisionomia 
e pelos gestos, que eu sou um sujeito que entende das coisas.” (Sigmund 
Freud. Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise. Conferência 
XXXIV- Explicações Aplicações e Orientações). 
 
Comecei essa seção de nosso estudo com uma citação de Freud por considerá-la atual 
para explicitar o estado da arte do diagnóstico clínico na contemporaneidade. 
Freud evoca esse encontro no contexto de uma crítica que, na época, endereçara à 
psicologia do indivíduo desenvolvida por Alfred Adler e cuja hipótese explicativa geral 
para a causalidade das mais diversas formas de sofrimento psíquico seria a vontade de 
passar da linha feminina para a linha masculina. Essa crítica tinha sua razão de ser na 
especificidade da disciplina do diagnóstico diferencial, formulada por Freud9 a partir 
dos processos psíquicos de recalcamento e foraclusão. Para a psicanálise, uma 
classificação diagnóstica é entendida como uma hipótese sobre os determinantes 
psíquicos que estão na base da formação de um sintoma, sendo de fundamental 
importância para o estabelecimento das diretrizes do tratamento. E o que Freud criticara 
 
8 Canguilhem, G. (1966). Qu’est-ce que la Psychologie? Cahiers pour l’Analyse, 1(2), 77-86. 
9 Respectivamente: 
Freud, S. (1911). Um caso de paranóia que contraria a teoria psicanalítica da doença. In: Freud,S. Edição 
Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. v. 14, pp. 267-284. Rio de 
Janeiro: Imago, 1996. 
Freud, S. (1915). O Inconsciente. In: Freud,S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas 
Completas de Sigmund Freud. v. 15. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
Freud, S. (1924). Neurose e psicose. In: Freud,S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas 
Completas de Sigmund Freud. v. 19, pp. 189-193. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
Freud, S. (1924). A perda da realidade na neurose e na psicose. In: Freud,S. Edição Standard Brasileira 
das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. v. 19, pp. 229-234. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
8 
 
na forma com que Alfred Adler conduzia o diagnósticoclínico era a dissolução da 
especificidade do sintoma conversivo na histeria, da defesa obsessiva e da formação da 
fobia como solução para a angústia, em nome da afirmação de um mecanismo geral de 
autoafirmação, de supercompensação, da inferioridade: “Mal adivinhava eu, naquele 
tempo, em que circunstâncias haveria de encontrar novamente uma situação análoga.” 10 
Da mesma forma, o psicanalista francês Jacques Lacan ao longo de seu ensino sustenta 
a importância do diagnóstico diferencial. Para ele, o modo como um sujeito, endereça e 
relata seu sofrimento a um profissional funciona obedecendo à uma estrutura psíquica: 
neurose, psicose ou perversão. 
Tabela 5. Categorias classificatórias (estruturas clínicas) segundo o referencial da 
psicanálise. 
Neurose 
Psicose 
Perversão 
 
Essa consideração acerca da relação íntima existente entre sintoma e estrutura psíquica 
fica evidente no próprio modo como o psicanalista abordará a psicose. Ao contrário de 
uma tradição psiquiátrica que não considerava a possibilidade de saber na loucura, 
Lacan pontua a identidade estrutural entre o fenômeno alucinatório, o delírio e o 
mecanismo psíquico da foraclusão típico da psicose. Tomando, como exemplo, a 
relação entre a folha e a planta (a nervura de uma folha reproduz a estrutura, a totalidade 
da planta), ele formula uma analogia com o campo do diagnóstico: o delírio e o 
fenômeno elementar respondem à uma mesma força estruturante. 
Essa posição ética da psicanálise diante das formas de sofrimento psíquico é bastante 
distinta da posição ética subjacente à formulação do diagnóstico genérico “enfeitiçado”, 
elaborado pelo médico da estação de águas, e relatado por Freud. E, no entanto, esse 
diagnóstico genérico, ganha sua atualidade diante da progressão da disciplina 
classificatória do sofrimento psíquico, em psiquiatria, e de sua equivalência ao 
diagnóstico diferencial, por meio das sucessivas edições do DSM. 
Retomando atentamente os dados da tabela 2, é possível depreender que a partir da 
terceira edição do DSM fica claro: 
1. A dimensão empírica: os fenômenos geram, por si só, grades classificatórias. 
 
10 Freud, S. (1932). Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise. Conferência XXXIV- 
Explicações Aplicações e Orientações. In: Freud,S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas 
Completas de Sigmund Freud. v. 22, p. 173. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
9 
 
2. O divórcio do campo de pesquisa psicopatológica: a caracterização como a-
teórico e a hipótese da causalidade orgânica confere a ilusão de unidade para cada 
fenômeno e uniformidade linguística. 
3. A direção medicamentosa de tratamento: a hipótese da causalidade orgânica 
realiza a hipótese organicista e a direção de tratamento do sofrimento psíquicos aí 
implícita. 
 
1.3. A expansão psiquiátrica num contexto de desenvolvimento dos 
psicofármacos 
 
Durante o século XIX, numa época em que ainda não se sabia as causas físicas da 
loucura, já se encontram registros de prescrição de uso de medicamentos como: ópio, 
nitrato de amila, clorofórmio e éter, todos usados para acalmar estados de agitação. 
Essas medicações e as contenções de caráter físico, como as cauterizações, duchas frias, 
cadeira rotatória, eram prescritas com base na ideia de que as doenças mentais possuíam 
uma causa orgânica. Diante disso, tais procedimentos físicos eram executados com o 
intuito de descongestionar o corpo e fazer circular sangue, enquanto as prescrições de 
drogas eram para acalmar o sistema nervoso do paciente. Esses procedimentos tinham a 
função de levar para o interior do corpo do doente o regime disciplinar do sistema asilar, 
de modo que a calma do interior do asilo se estabelecesse no corpo do sujeito (Ferrazza, 
200911). 
A partir dos anos 50, com a síntese da clorpromazina e o desenvolvimento de outros 
medicamentos psicofarmacológicos, a psiquiatria entrou na era da farmacologia. Os 
psicofármacos utilizados atualmente têm suas primeiras descobertas datadas nessa 
época. E ainda com suas descobertas, a ênfase dada no tratamento com base no modelo 
manicomial permaneceu. Diante de um agradável resultado do uso da clorpromazina e 
com a conquista de uma “enfermaria silenciosa”, em 1952, Delay e Deniker, na França, 
começam a usar oficialmente o medicamento para conter as agitações psicomotoras de 
pacientes que possuíam o diagnóstico de esquizofrenia. (Ferrazza, 2009). Podemos 
verificar que, na segunda metade do século XX, com o desenvolvimento da 
psicofarmacologia e da neurologia, a psiquiatria conquistou uma nova identidade, 
 
11 Ferrazza, D. A medicalização do social: um estudo sobre a prescrição de psicofármacos na rede 
pública de saúde. Dissertação (Mestrado), Programa de Pós-graduação em Psicologia, Faculdade de 
Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho (Unesp), Campus de Assis, 2009. 
 
. 
10 
 
mostrando uma aproximação ainda maior da medicina. Nesse contexto, a psiquiatria 
busca enfrentar as disfunções biológicas supostamente inerentes à loucura, a psiquiatria 
se torna uma ciência biológica e os medicamentos psicofármacos se caracterizam como 
os principais dispositivos para tratamentos e cura dos transtornos mentais. Tal processo 
deixa clara a extrema valorização da concepção biológica do sofrimento psíquico, onde 
o tratamento passa também a ser reduzido ao biológico e fundamentado nos recursos 
químicos produzidos nos laboratórios farmacêuticos. Nesse contexto de produção de 
psicofármacos, a psiquiatria moderna expande seus discursos a práticas a um número 
cada vez maior de pessoas, processo nomeado como “medicalização da população” e 
que pode ser comparados às intervenções da época do movimento higienista (Ferrazza, 
2009). As classificações atuais, geralmente relacionadas a comportamentos socialmente 
indesejados, acabam por classificar quase todos os nossos sofrimentos e reduzi-los a 
termos médicos. Tal consideração fica claramente exposta por Ferrazza (2009, p.44) 
Nessa configuração, qualquer sinal de sofrimento psíquico pode estar 
suscetível a ser transformado em objeto das práticas médicas constituídas de 
rotulações diagnósticas, de terapêuticas medicamentosas, de práticas de tutela e 
internações psiquiátricas. Nesse processo de transformar qualquer mal-estar 
psíquico em doença pode-se perceber uma tendência geral da medicina em 
tornar médico aquilo que é da ordem do social. Dessa maneira, o conceito de 
doença mental pode ser pensado como uma construção do saber médico 
psiquiátrico que criou uma ampla produção discursiva que veio a constituir a 
psicopatologia moderna. 
 
Atualmente vivemos um contexto em que a medicina faz um gerenciamento dos corpos 
a partir da prescrição de psicofármacos e, diante disso, podemos evidenciar o conceito 
da Biopolítica, elaborado por Foucault, onde o controle dos corpos visa a supressão de 
qualquer tipo de desvio social. A crítica exposta aqui, faz menção a uma produção de 
sujeitos medicados sem a abordagem do sintoma como manifestação subjetiva, 
resultando em um não aprofundamento das relações entre paciente e profissional. As 
práticas médico-psiquiátricas, que no século XIX eram restritas ao âmbito hospitalar, 
agora se expandem para um número cada vez maior de pessoas num processo de 
expansão do fenômeno de medicalização do social. Além disso, vem se consolidando 
como autoridade de saber para disciplinas com aplicabilidade na área da saúde e da 
saúde mental (serviço social, psicologia, fisioterapia, fonoaudiologia). No caso 
específico da Psicologia, a presença da medicina como saber de autoridade vem 
evidenciando o processo de recusa da especificidade da experiência subjetiva em nome: 
1. Da exigência, no campo da Psicologia, de quantificação das habilidades 
instrumentais. 
11 
 
2. Da elaboração,no campo da psiquiatria, de um modelo explicativo das 
psicopatologias fundamentado na neurofisiologia e solidário da tecnologia de 
síntese de medicamentos. 
Um caso clássico é a invalidação do diagnóstico diferencial neurose-psicose, com base 
na prescrição da Imipramina para ambas as psicopatologias. De fato, a publicação, em 
1962, do artigo de Donald Klein sobre os padrões de reação à Imipramina demonstrou a 
futilidade, para a psiquiatria biológica, de uma pesquisa clínica em torno do diagnóstico 
diferencial. Sobre as implicações de uma farmacologia, indissociável dos interesses de 
mercado, sobre a disciplina do diagnóstico diferencial, é possível concordar com 
Laurent (1995, p. 15612). Certamente, uma das contribuições fundamentais da 
psicofarmacologia é ter podido mostrar a eficácia do tratamento antes reservado à 
psicose maníaco-depressiva clássica em outras patologias, tais como as esquizofrenias 
distímicas, bem como nos distúrbios do comportamento alimentar ou nas chamadas 
patologias neuróticas tão bem definidas, em termos semiológicos, quanto os distúrbios 
obsessivo-compulsivos. Nesse quadro, de uma psicofarmacologia orientada pelos 
interesses de mercado, a American Psychiatry Association (APA) extraiu, no final da 
década de 1970, o fundamento biológico para o DSM-III, em ruptura com o modelo 
psicanalítico, ainda predominante no DSM-II, até chegar ao extremo da investigação 
sobre a causalidade da psicose para o DSM-V. 
 * 
Nas próximas aulas trataremos da especificidade da entrevista clínica a partir dessas 
considerações. O conjunto de aulas 2, intitulado A noção de saúde e transtorno mental 
no fundamento da entrevista clínica em psiquiatria, tratará dos fundamentos da noção 
de saúde e transtorno no campo da psiquiatria clínica. 
 
 
 
12 Laurent, E. Melancolia, dor de existir, covardia moral. In: Laurent, E. Versões da clínica psicanalítica. 
(pp. 155-166). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995. 
12 
 
2. A noção de saúde e transtorno mental no fundamento da entrevista clínica em 
psiquiatria. 
Após as considerações acerca da consolidação do método clínico em psiquiatria a partir 
da pesquisa sobre o fundamento biológico das psicopatologias e da direção do 
tratamento privilegiar a prescrição de medicamentos, cabe estabelecer uma reflexão 
acerca do que vem a ser saúde. Levemos em consideração a definição da Organização 
Mundial da Saúde (OMS, 1946). Para a OMS, a saúde é definida em termos positivos 
como um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência 
de afecções e enfermidades: 
A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não 
consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade. 
Gozar do melhor estado de saúde que é possível atingir constitui um dos 
direitos fundamentais de todo o ser humano, sem distinção de raça, de 
religião, de credo político, de condição econômica ou social. 
A saúde de todos os povos é essencial para conseguir a paz e a segurança e 
depende da mais estreita cooperação dos indivíduos e dos Estados13. 
 
A partir da leitura do trecho da Constituição da OMS, é possível depreender que a noção 
de saúde ganha, a partir do ano de 1946, um sentido associado à comunidade (o bem-
estar é um estado que depende de fatores físicos, mentais e sociais), sendo um direito 
fundamental do indivíduo que deve ser assegurado sem distinção de raça, religião, 
ideologia política ou condição sócio-económica. Neste sentido, o documento da OMS 
frisa que a saúde não é um bem individual, mas um valor coletivo, um bem de todos, 
associado à comunidade, localizando no campo de decisões e ações do indivíduo, a 
responsabilidade pela garantia da saúde da comunidade: cada indivíduo deve gozar 
individualmente de sua saúde, sem prejuízo de outrem e, solidariamente, com todos. 
A Constituição da OMS (1946), elaborada no processo de finalização da II Guerra 
Mundial, suprime um fator crucial na análise da formação do laço social em tempos de 
guerra conferindo à associação entre saúde e bem-estar um status utópico: a irrupção no 
campo de decisões, de uma ética que independe do bem-estar e que se alicerça na 
destruição do próximo. 
Com relação a esse ponto, Freud (1908 e 193014), sensível às transformações do laço 
social de sua época, situou o paradoxo imanente à crença no bem-estar, na felicidade 
 
13 Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO) – 1946. Disponível em: 
http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mundial-da-
Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html 
14 Respectivamente: 
Freud, S. (1908). Moral sexual civilizada e doença nervosa moderna. In: Freud,S. Edição Standard 
Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. v. 9. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mundial-da-Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html
http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMS-Organiza%C3%A7%C3%A3o-Mundial-da-Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-omswho.html
13 
 
individual na civilização. A civilização, para Freud, passou a existir quando os homens 
fizeram um pacto entre si, pelo qual trocaram uma parcela de sua liberdade pulsional, de 
suas satisfações mais íntimas e individuais, por uma parcela de segurança. Desta forma, 
o laço social e a condição mesma da existência do homem no laço baseiam-se em uma 
renúncia que, ainda que assegure ao indivíduo certos benefícios, resulta em uma 
experiência de mal-estar. A própria formação do laço social tem, dede a eclosão da I 
Guerra, dado mostras da fragilidade imanente à promessa civilizatória de segurança e 
paz. Levando em consideração essa análise teórica de Freud, manter a articulação entre 
felicidade e saúde significa sustentar que a doença se mede pelo grau de desvio com 
relação ao ideal comunitário de que a tomada de decisões individuais deve, 
conscientemente, incluir a responsabilidade pela garantia da saúde da comunidade. 
Avançando na argumentação da OMS para a saúde em direção à particularização na 
saúde mental, esse ideal comunitário, ganha o aspecto da ordem pública. Nessa 
perspectiva, a saúde mental deve ser medida pelo grau de adaptação à ordem pública. 
Essa perspectiva de que a saúde mental se mede pelo grau de adaptação à ordem 
pública, responde à uma orientação teórica na psiquiatria que remonta à hipótese 
naturalista das psicopatologias, formulada por Emil Kraepelin15. Essa hipótese supõe 
uma fronteira precisa entre normalidade e psicopatologia e define as psicopatologias 
como doenças verdadeiras, processos da natureza que se desenvolvem 
independentemente do funcionamento subjetivo e de condições sociais; elas nada têm a 
ver com construções discursivas, sendo antes fatos objetivos que a ciência psiquiátrica 
tem o objetivo de elucidar: 
Unicamente é possível estabelecer o conceito de enfermidade psíquica e fixar 
com precisão seus limites quando se conhece exatamente as causas, a 
sintomatologia, o curso da doença e suas eventuais alterações 
anatomopatológicas. 
 
Essa definição naturalista da psicopatologia invalida a atitude metodológica de escuta e 
análise do conteúdo discursivo do paciente, e de determinação dos pontos de 
desestabilização do funcionamento mental, a partir da história narrada pelo paciente. 
Ao contrário, para a concepção naturalista, é fundamental considerar como parte do 
método clínico a supressão da avaliação clínica da narrativa do paciente por considerá-
 
Freud, S. (1930). O mal-estar na civilização. In: Freud,S. Edição Standard Brasileira das ObrasPsicológicas Completas de Sigmund Freud. v. 21. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
15 Kraepelin, E. As formas de manifestação da insanidade Revista Latinoamericana de Psicopatologia 
Fundamental. São Paulo, v. 12, n. 1, p. 167-194, mar. 2009. 
14 
 
la o veículo de erros e simulações decorrentes do quadro psicopatológico. Conforme 
afirma Kraepelin (2009, p. 17416): 
Contudo, o mais importante nessa relação é descobrir o papel decisivo que 
cabe àquilo que é constitucional no próprio sujeito, principalmente as 
influências da hereditariedade [...]. Fica claro, portanto, que a compreensão 
das manifestações patológicas deverá passar primordialmente pela pesquisa 
das disposições herdadas. 
Ou seja, para os kraepelinianos do século XIX, a observação da evolução da doença e a 
busca de uma etiologia biológica (hereditariedade) deveriam orientar a posição ética do 
psiquiatra na condução do diagnóstico e nas diretrizes do tratamento das 
psicopatologias. 
A recuperação da hipótese naturalista de Emil Kraepelin ocorrerá no início dos anos 
1970 por um grupo de psiquiatras da Universidade de Washington, preocupados em: 
 Retomar a hegemonia da psiquiatria biológica como ciência e alinhar o método 
clínico segundo a objetividade da ciência, suprimindo do domínio de pesquisa 
clínica em psiquiatria, as referências que pudessem vinculá-la a discursos 
considerados pouco científicos (por exemplo, a sociologia, a fenomenologia ou a 
psicanálise). 
 Formular um novo modo de pensar as psicopatologias que tomasse como 
modelo os procedimentos clínicos utilizados para diagnosticar uma patologia 
biológica, que fosse aceito e utilizado uniformemente pelos psiquiatras do 
mundo inteiro como referência - como uma espécie de vocabulário universal. 
 
A elaboração das sucessivas edições do DSM, conforme vimos ao longo da seção 1 (A 
Sedução pelo Transtorno) deste curso, respondia à esse projeto de erguer uma ciência 
no âmbito da clínica. A publicação do DSM III, em 1980, foi o marco da consolidação 
deste modo de entender as psicopatologias (como desordens ou transtornos) e conduzir 
o diagnóstico e a direção de tratamento em psiquiatria: 
1. Novo modo de entendimento: em relação às edições anteriores (DSM-I e DSM-
II, orientados pela psicanálise). 
2. Antigo modo de entendimento: pois retoma ideias clássicas da psiquiatria 
biológica, tributárias do século XIX, centradas na explicação biológica dos 
 
16 Kraepelin, E. As formas de manifestação da insanidade Revista Latinoamericana de Psicopatologia 
Fundamental. São Paulo, v. 12, n. 1, p.174, mar. 2009. 
15 
 
comportamentos considerados desviados (hipótese da hereditariedade, da 
localização cerebral). 
 
A publicação do DSM- III teve como eixo articulador o artigo de John Feighner (1970), 
intitulado Diagnostic criteria for use in psychiatric research17. O artigo fundamentou a 
elaboração da classificação das psicopatologias publicada a partir do DSM-III, 
defendendo os dados empíricos, afastando a avaliação subjetiva e rompendo com a 
fundamentação teórica da psicanálise (conforme é possível visualizar na tabela 2 deste 
material de aula - síntese das edições do DSM). O DSM-III ressalta a necessidade de 
observar cinco critérios para a classificação das psicopatologias (transtornos). A tabela 6 
abaixo reapresenta os critérios considerados pelo DSM-III, na tabela 4 deste material de 
estudo. 
Tabela 6. Critérios para a classificação dos transtornos no DSM-III (reprodução 
da tabela 4) 
1) descrição clínica 
2) estudos de laboratório 
3) critérios de exclusão de outras doenças 
4) estudo do curso da doença 
5) estudos referentes à família dos doentes 
 
Dessa forma, a estrutura do DSM-III obedece ao neokraepelinianismo, cujos postulados 
são reproduzidos pelo artigo crítico de Caponi (201118) e expostos abaixo: 
1. A psiquiatria é um ramo da medicina. 
2. A psiquiatria deve utilizar metodologias científicas modernas e estar baseada em 
conhecimentos científicos. 
3. A psiquiatria trata pessoas que estão doentes e que requerem tratamento para 
doenças mentais. 
4. Existe uma fronteira ou limite entre normalidade e doença. 
5. As doenças mentais não são mitos. Existem muitas doenças mentais. A tarefa da 
psiquiatria científica, como especialidade médica, é pesquisar as causas, o 
diagnóstico e o tratamento das doenças mentais. 
6. O alvo da psiquiatria deve estar, particularmente, nos aspectos biológicos das 
doenças mentais. 
7. Deve existir uma preocupação explícita com o diagnóstico e a classificação. Os 
critérios diagnósticos devem ser codificados e deve existir uma área de pesquisa 
para validar esses critérios com diversas técnicas. 
 
17 Feighner, J.P. et al. Diagnostic criteria for use in psychiatric research. Archives of General Psychiatry, 
v. 26, p. 57-63, 1972. 
18 Caponi, S. A hereditariedade mórbida: de Kraepelin aos neokraepelinianos. Physis v.21 no.3 Rio de 
Janeiro, 2011. 
 
16 
 
8. Os departamentos de psiquiatria nas escolas médicas devem ensinar esses 
critérios, e não depreciá-los. 
9. Com a finalidade de aumentar a validade dos diagnósticos e das classificações, 
as técnicas estatísticas devem ser utilizadas. 
 
Esses princípios definem o modo como a psiquiatria procede a partir de uma hipótese 
do que é ciência desde o ano de 1978 até hoje. Esses princípios definem a pesquisa 
clínica em psiquiatria da seguinte forma: integrando as pesquisas conduzidas em outros 
domínios da biologia, pesquisando as causas, o diagnóstico e a terapêutica de cada 
transtorno psiquiátrico, reproduzindo os mesmos procedimentos da medicina, utilizando 
metodologia estatística e estudos comparativos. 
 
NOTAS DE AULA 
 
17 
 
 
18 
 
 
19 
 
3. A Entrevista psicológica e sua especificidade em relação a psiquiatria 
contemporânea 
O conjunto de aulas anteriores nos permitiu extrair uma primeira noção fundamental: no 
domínio da investigação psicológica, não é possível pensar em um diagnóstico 
naturalista ou seja em uma mera descrição de fenômenos que teriam entre si um nexo 
causal estabelecido desde sempre. Conforme veremos, o próprio fato da entrevista 
conter como uma de suas características, a dependência ao mundo da linguagem torna a 
formulação do diagnóstico, uma prática orientada pela linguagem e não pela observação 
do comportamento. A classe que reúne os fenômenos clínicos observáveis não é um 
dado real, ela é efeito direto de uma construção. Por esse motivo, a metodologia 
entrevista precisa estar bem alicerçada nesse mundo da linguagem. 
A entrevista é um instrumento metodológico fundamental nos diversos domínios de 
atuação do psicólogo: na seleção (domínio da psicologia organizacional), na orientação 
(domínio da psicologia escolar), na formulação do diagnóstico em psicopatologia 
(clínica). A despeito da diversidade de sua importância, podemos isolar um núcleo de 
características próprias à entrevista, independentemente de seu domínio de aplicação. 
São elas: 
 A entrevista ocorre por intermédio da relação entre duas ou mais pessoas. 
 Na entrevista, predomina a comunicação simbólica. 
 A entrevista se fundamenta em objetivos preestabelecidos orientados pelo marco 
teórico do entrevistador: avaliação, diagnóstico terapia, orientação. 
 
Essas características apontam para o fato da entrevista diferenciar-se de uma conversa 
informal. O que de antemão, impõe uma retificação do entendimento que o estudante de 
psicologia possa ter de termos muito difundidos no senso comum a respeito do curso de 
psicologia e da atividade do psicólogo: psicólogo escuta, psicólogo faz um acolhimento, 
a escuta é mais importante do que qualquer teoria. 
Ora, as características da entrevista tornam evidente que acolher e escutar são aspectos 
da metodologia da entrevista e esta, por sua vez, não se confunde com uma conversaporque depende do marco teórico do profissional. De acordo com esta perspectiva, 
podemos elencar as seguintes funções da entrevista: 
 
20 
 
Tabela 7. Funções Gerais da Entrevista Psicológica 
Levantamento das informações do paciente Aqui, são privilegiadas as seguintes 
informações sobre o paciente: história 
evolutiva, história laboral e profissional, 
história familiar, história de uso de 
medicação. 
Esclarecimento e motivação São privilegiadas ações como: 
esclarecimento junto ao paciente dos 
problemas por ele apresentados, 
orientações quanto a metodologia 
empregada. 
Terapêutica São privilegiadas ações de esclarecimento 
e direção de tratamento para a 
estabilização do quadro clínico – 
obedecendo às diretrizes da hipótese 
diagnóstica. 
Temporalidade Longitudinal A entrevista ocorre ao longo de todo o 
processo psicoterapêutico. 
 
Além das funções, elencamos também os objetivos mais gerais da entrevista psicológica 
na tabela 8. 
Tabela 8. Objetivos da entrevista psicológica 
Anamnese Reconstrução da história do sujeito 
Orientação Avaliação das aptidões para uma 
aprendizagem 
Seleção Levantamento das aptidões para um emprego 
 
Arguição Oral Levantamento de conhecimentos 
Entrevista preliminar a uma psicoterapia Formulação da hipótese diagnóstica para a 
indicação e tratamento das psicopatologias 
Aconselhamento Psicológico Ajuda para o enfrentamento de uma 
dificuldade pontual na existência 
Formação Aprimorar a comunicação com outrem 
 
As características, funções e objetivos da entrevista psicológica, conforme já foi 
considerado aqui, dependem de um marco teórico. Neste sentido, a entrevista 
psicológica deve estar articulada à um dos três marcos teóricos que o estudante aprende 
no curso de psicologia: a psicanálise, a psicologia fenomenológica e a psicologia 
cognitivo-comportamental. 
Ao longo do curso, aprenderemos os procedimentos da entrevista psicológica a partir do 
marco da psicanálise aplicado ao dispositivo clínico exercido tanto no campo da atenção 
psicossocial como no consultório. 
21 
 
De acordo, então, com esse marco teórico já podemos adiantar que Freud (1913)19 
denominara o momento da entrevista de análise de prova ou tratamento de ensaio e 
que Jacques Lacan o denominara de entrevistas preliminares. Sem ainda detalhar o 
modo como Freud concebe a metodologia da entrevista ou do tratamento de ensaio, 
podemos apreender que o fundador da psicanálise sustenta a importância de um 
momento necessário para o analista conhecer o caso e decidir sobre a direção para o 
tratamento dos problemas apresentados pelo paciente e à ele endereçados. Conforme 
estudaremos mais adiante, esse momento do tratamento de ensaio é ele próprio o início 
da análise, obedecendo assim à função longitudinal da entrevista. Apresentaremos os 
norteadores gerais para a formulação da entrevista psicológica (independente do 
referencial teórico) e a especificidade desses aspectos a partir do referencial teórico da 
psicanálise. 
• Primeiro norteador da entrevista psicológica – preparando a entrevista: 
Em linhas gerais, a preparação da entrevista exige que o estudante de psicologia domine 
suficientemente seu marco teórico para a determinação do domínio de interesse na 
entrevista. No caso da entrevista clínica, isso significa que o estudante precisa conhecer 
seu marco teórico, ter conhecimento de psicopatologia e da compreensão que seu marco 
teórico oferece para a direção de seu tratamento. Considerando esses pontos, referidos 
ao marco teórico da psicanálise mais detidamente, temos que as entrevistas preliminares 
dependem do conhecimento: 
1. Dos processos de constituição do funcionamento psíquico: recalcamento e 
foraclusão. 
2. Das psicopatologias que decorrem da desestabilização desses processos e seu 
impacto no funcionamento subjetivo: neurose e psicose. 
3. Dos aspectos técnicos referentes à direção de tratamento na neurose e na 
psicose. 
 
Esses três pontos apontam para a valorização da teoria psicanalítica como instrumento 
conceitual para definir a direção de tratamento em cada caso. A psicanalista Lêda 
 
19 Freud, S. Sobre o início do tratamento (1913). In:______ Obras psicológicas completas de Sigmund 
Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, p.137-158. (Edição standard brasileira das obras psicológicas 
Sigmund Freud, Vol.12). 
22 
 
Guimarães (2008, p. 73)20 expõe com precisão a importância da teoria na condução do 
caso clínico desde as entrevistas preliminares em psicanálise: 
 
Será a leitura dos dados clínicos, do que ocorre a cada sessão de análise, 
utilizando os instrumentos conceituais da psicanálise para efetivar esta 
leitura, que permitirá ao analista um trabalho constante de formulação da 
direção da cura para cada caso. Assim, a teoria da psicanálise instrumentaliza 
a posição analítica para que o analista venha a operar. 
 
A preparação da entrevista também supõe o cuidado do profissional com relação a 
posição que ocupará diante de seu paciente, evitando ocupar uma posição 
hierarquicamente superior ao paciente, típica das relações no senso comum, e que 
acabam por reproduzir uma estrutura de poder. Conforme a consideração de Jacques 
Lacan, em A Direção do Tratamento e os princípios de seu poder (1958/1998)21, o 
psicanalista dirige a cura e não dirige o paciente. Esse ponto é de fundamental 
importância para a psicanálise. Em sua perspectiva teórica, o momento das entrevistas 
preliminares (tratamento de ensaio, conforme Freud) possibilita ao analista: 
1. Situar-se diante do tipo de demanda do paciente. 
2. Interrogar-se sobre suas próprias possibilidades de assumir a função de analista 
para aquele paciente. 
Essa interrogação que o analista faz sobre suas próprias possibilidades coloca, de saída, 
que a pertinência do método psicanalítico depende da disponibilidade do analista em se 
autorizar a assumir essa função. Assim, não há restrições clínicas quanto a psicanálise - 
independentemente de estarmos diante de uma demanda de tratamento direcionada a 
partir de uma neurose, a partir de uma psicose (em situações em que ambas se 
apresentem com maior campo de elaboração psíquica) ou de um sintoma 
contemporâneo (toxicomanias, depressão, pânico, déficit de atenção, anorexia, bulimia) 
em que as passagens ao ato são predominantes. 
• Segundo norteador da entrevista psicológica – a fase inicial/ as condições de 
abertura para o ato analítico: 
Em linhas gerais, a fase inicial se caracteriza pela explicação do processo da entrevista e 
seus objetivos. É também o momento em que se esclarece o que vem a ser o tratamento, 
a necessidade de, eventualmente, solicitar a presença de membros da família e de 
 
20 Guimarães, L. Como formalizar um caso clínico?. Asephallus. Revista eletrônica do núcleo sephora. 
v.3,n.6, mai-out, 2008, p.73-82 
21 Lacan, J. (1958) A direção do tratamento e os princípios do seu poder. In: Escritos. Rio de Janeiro: 
Jorge Zahar, 1998, p. 591-652. 
23 
 
encaminhamento à avaliação psiquiátrica. È também, aí que se estabelecem o acordo 
referente aos honorários e a regularidade das sessões de terapia. Considerando o marco 
teórico da psicanálise, nessa fase inicial reside as condições de abertura para o ato 
analítico. De acordo com a psicanálise, o início de um atendimento psicanalítico requer 
a verificação da abertura, da autorização subjetiva, para o ato analítico. Essa abertura é 
verficada por meio da demanda do paciente que procura um tratamento: o que esse 
paciente demanda e o modo como formula sua demanda no campo discursivo, ou seja, o 
modo como o paciente situa o Outro em sua demanda. Tomando mais uma vez como 
referência as considerações de Lêda Guimarães (2008, p.75) em relação a formalização 
do caso clínico, temos o seguinte exemplo: 
 
Karine, com idade em torno de trinta anos, chegou ao consultórioapresentando-se por meio de um pedido que consistia numa condição de 
suportabilidade, que dependia de uma ressalva em relação ao modo como a 
analista deveria operar. Quando interrogada sobre as razões da sua vinda, 
disse: “vim porque sei que preciso muito fazer análise”, “sempre precisei”. 
Afirmou ainda que levou muito tempo para reunir toda a coragem e se decidir 
a dar esse passo. Justificou esse pedido apoiada numa posição subjetiva de 
um certo pavor controlado, dizendo que há mais de cinco anos havia iniciado 
uma análise na qual só pôde suportar permanecer em torno de quatro ou 
cinco meses, pois se sentia encurralada com o modo de intervenção do 
analista e com o fato de fazer as sessões deitada no divã. Passou a sofrer de 
uma doença psicossomática que precipitou sua saída. Karine chegou a 
considerar que a doença teria alguma coisa a ver com essa experiência de 
análise. O que dizer desse modo de formular uma demanda ao analista? Que 
Karine chega impondo uma restrição à maneira como a analista deverá operar 
com ela. Esses dados indicam, desde a primeira entrevista, o modo 
sintomático da relação dessa paciente com o Outro ao qual ela dirige uma 
demanda que pode ser interpretada do seguinte modo: “Peço que você me 
responda, mas que você responda como eu decido. Você tem que me permitir 
e aceitar que eu domine, quer dizer, que eu possa controlá-la para que nada 
do que você disser ou fizer seja imprevisível para mim. E, sobretudo, nada de 
surpresas”. 
 
A partir do estudo do caso de Karine, depreende-se que na verificação das condições de 
abertura ao ato analítico, é necessário trabalhar para: 
1. Localizar, na demanda do paciente, a parceria que ele estabelece, ao longo da 
vida, com o Outro (denominada de parceria-sintomática). 
2. Delimitar o ponto de desestabilização da estrutura psíquica e que o levou à buscar 
tratamento: Qual foi o fator mobilizador da demanda? Em que circunstâncias esse 
fator emergiu? Desde quando? 
 
No exemplo clínico de Karine, isolamos afirmações do tipo “vim porque sei que preciso 
muito fazer análise”, “sempre precisei” – indicando a ocorrência de um ponto de 
24 
 
desestabilização. Levando adiante as palavras da paciente, temos ainda que num dado 
clínico, o motivo que levou esse sujeito ao analista anterior e a partir do qual 
verificamos que sua questão dirigida à análise foi sobre o amor. Ainda que, nesse novo 
pedido de análise, Karine não se ocupasse inicialmente em falar sobre essa questão, o 
modo como foi traçada a direção da cura lhe permitiu retomá-la seriamente mais 
adiante. O que nos permitirá verificar que o ponto de desestabilização da sua estrutura 
situava-se no campo do amor. 
 
4. Eixos e Norteadores da Entrevista Clínica em Psicanálise 
 No caso específico da psicanálise, as entrevistas clínicas (tratamento de ensaio ou 
entrevistas preliminares) se organizam em três eixos: 
EIXO 1: AVALIAÇÃO CLÍNICA 
EIXO 2: LOCALIZAÇÃO SUBJETIVA 
EIXO 3: INTRODUÇÃO AO INCONSCIENTE. 
 
Esses três eixos estão presentes em cada norteador das entrevistas preliminares, 
expostos na tabela 9: 
Tabela 9. Os Norteadores das Entrevistas Preliminares 
Preparação da entrevista 
Fase inicial/ as condições de abertura para o ato analítico 
O modo de funcionamento da identificação imaginária e da suplência 
A modalização da transferência 
O modo de defesa e o imperativo do supereu 
Determinação da função do significante na regulação pulsional (no caso 
clínico) 
O foco central do caso clínico 
 
• Primeiro norteador da entrevista psicológica – preparando a entrevista: 
Em linhas gerais, a preparação da entrevista exige que o estudante de psicologia domine 
suficientemente seu marco teórico para a determinação do domínio de interesse na 
entrevista. No caso da entrevista clínica, isso significa que o estudante precisa conhecer 
seu marco teórico, ter conhecimento de psicopatologia e da compreensão que seu marco 
teórico oferece para a direção de seu tratamento. Considerando esses pontos, referidos 
25 
 
ao marco teórico da psicanálise mais detidamente, temos que as entrevistas preliminares 
dependem do conhecimento: 
4. Dos processos de constituição do funcionamento psíquico: recalcamento e 
foraclusão. 
5. Das psicopatologias que decorrem da desestabilização desses processos e seu 
impacto no funcionamento subjetivo: neurose e psicose. 
6. Dos aspectos técnicos referentes à direção de tratamento na neurose e na 
psicose. 
 
Esses três pontos apontam para a valorização da teoria psicanalítica como instrumento 
conceitual para definir a direção de tratamento em cada caso. A psicanalista Lêda 
Guimarães (2008, p. 73)22 expõe com precisão a importância da teoria na condução do 
caso clínico desde as entrevistas preliminares em psicanálise: 
 
Será a leitura dos dados clínicos, do que ocorre a cada sessão de análise, 
utilizando os instrumentos conceituais da psicanálise para efetivar esta 
leitura, que permitirá ao analista um trabalho constante de formulação da 
direção da cura para cada caso. Assim, a teoria da psicanálise instrumentaliza 
a posição analítica para que o analista venha a operar. 
 
A preparação da entrevista também supõe o cuidado do profissional com relação a 
posição que ocupará diante de seu paciente, evitando ocupar uma posição 
hierarquicamente superior ao paciente, típica das relações no senso comum, e que 
acabam por reproduzir uma estrutura de poder. Conforme a consideração de Jacques 
Lacan, em A Direção do Tratamento e os princípios de seu poder (1958/1998)23, o 
psicanalista dirige a cura e não dirige o paciente. Esse ponto é de fundamental 
importância para a psicanálise. Em sua perspectiva teórica, o momento das entrevistas 
preliminares (tratamento de ensaio, conforme Freud) possibilita ao analista: 
3. Situar-se diante do tipo de demanda do paciente. 
4. Interrogar-se sobre suas próprias possibilidades de assumir a função de analista 
para aquele paciente. 
Essa interrogação que o analista faz sobre suas próprias possibilidades coloca, de saída, 
que a pertinência do método psicanalítico depende da disponibilidade do analista em se 
 
22 Guimarães, L. Como formalizar um caso clínico?. Asephallus. Revista eletrônica do núcleo sephora. 
v.3,n.6, mai-out, 2008, p.73-82 
23 Lacan, J. (1958) A direção do tratamento e os princípios do seu poder. In: Escritos. Rio de Janeiro: 
Jorge Zahar, 1998, p. 591-652. 
26 
 
autorizar a assumir essa função. Assim, não há restrições clínicas quanto a psicanálise - 
independentemente de estarmos diante de uma demanda de tratamento direcionada a 
partir de uma neurose, a partir de uma psicose (em situações em que ambas se 
apresentem com maior campo de elaboração psíquica) ou de um sintoma 
contemporâneo (toxicomanias, depressão, pânico, déficit de atenção, anorexia, bulimia) 
em que as passagens ao ato são predominantes. 
NOTAS DE AULA 
 
27 
 
 
28 
 
 
29 
 
5. Segundo norteador da entrevista psicológica – a fase inicial/ as condições de 
abertura para o ato analítico: 
Em linhas gerais, a fase inicial se caracteriza pela explicação do processo da entrevista e 
seus objetivos. É também o momento em que se esclarece o que vem a ser o tratamento, 
a necessidade de, eventualmente, solicitar a presença de membros da família e de 
encaminhamento à avaliação psiquiátrica. È também, aí que se estabelecem o acordo 
referente aos honorários e a regularidade das sessões de terapia. Considerando o marco 
teórico da psicanálise, nessa fase inicial residem as condições de abertura para o ato 
analítico. De acordo com a psicanálise, o início de um atendimento psicanalítico requer 
a verificação da abertura, da autorização subjetiva, para o ato analítico. Neste sentido, 
esse norteador já está integrado, segundo a psicanálise, ao início do tratamento. Essa 
abertura é verificada por meio da demanda do paciente que procura um tratamento:o 
que esse paciente demanda e o modo como formula sua demanda no campo discursivo, 
ou seja, o modo como o paciente situa o Outro (o tesouro dos significantes) em sua 
demanda. 
Essa demanda, normalmente, se apresenta como um pedido, feito pelo paciente, de 
restituição de um saber que lhe falta para amenizar o conflito e o mal-estar, supondo 
previamente que ali encontrará um Outro que saiba sobre o significado de seu mal-
estar24 – por exemplo: “não sei o que está acontecendo comigo... eu não era desse jeito”; 
“minha vida era diferente...tudo caminhava bem...até que terminei um namoro e as 
coisas começaram à não dar mais certo...eu já nem sei quem eu sou”. 
Este norteador, das condições de abertura para o ato analítico, é o marco da 
demonstração do conhecimento especializado das estruturas psíquicas e da fórmula da 
transferência, por parte do profissional. Consideraremos ao longo dos demais 
norteadores esse conhecimento especializado. Neste segundo norteador, trabalharemos 
os aspectos teóricos que são cruciais para o entendimento e acolhimento da demanda do 
paciente. 
 
4.1. As estruturas psíquicas. 
O discernimento da estrutura psíquica constitui um dos eixos do procedimento das 
entrevistas preliminares sustentando de maneira decisiva a direção do tratamento. De 
 
24 Eis a fórmula da transferência: o paciente destituído de um saber sobre seu mal-estar supõe que o 
profissional ou analista detenha um saber sobre as causas desse mal-estar. Lacan escreve a posição do 
analista na transferência da seguinte forma: SSS – sujeito suposto saber. 
30 
 
fato, a fundação da psicanálise a partir dos problemas epistemológicos que a clínica das 
neuroses histéricas direcionava à psiquiatria do século XIX, abrira a possibilidade de se 
investigar problemas referentes ao diagnóstico diferencial de quadros de sofrimento a 
partir da identificação dos princípios de formação da extensa variedade de sintomas que 
um mesmo caso pode comportar e dos processos psíquicos que estão em jogo em seu 
desencadeamento. 
Conforme já mencionei anteriormente, as estruturas psíquicas em psicanálise se 
distinguem entre neurose, psicose e perversão. Aqui, trabalharemos fundamentalmente, 
a distinção entre neurose e psicose. A tabela 10 abaixo retoma a tabela 3, anterior, e 
apresenta um detalhamento maior em relação às estruturas psíquicas. 
 
Tabela 10. Estruturas Psíquicas e seus processos psíquicos constitutivos. 
Estrutura 
Psíquica 
Formas ou Tipos Processo 
Psíquico 
Formação do sintoma na 
neurose /fenômeno 
elementar na psicose 
 
Posição do 
sujeito diante da 
realidade 
Neurose • Histeria 
• N. obsessiva 
• Fobia 
Recalcamento • Conversão 
• Deslocamento 
• Deslocamento/ 
transformação em 
seu oposto/ 
substituição. 
O paciente se 
posiciona não 
querendo saber 
nada sobre a 
realidade 
psíquica. 
Psicose • Paranoia 
• Esquizofrenia 
• Melancolia 
Recusa ou 
Foraclusão 
• Rancor 
• Ironia 
• Remorso 
O paciente se 
posiciona 
recusando a 
realidade 
psíquica. 
 
Deixando, então, de lado a discussão clínica sobre a perversão, nosso estudo centrar-se-
á em torno dos aspectos diferenciais entre neurose e psicose. A psicanálise constrói um 
saber clínico sobre o funcionamento psíquico a partir dos processos de recalcamento e 
foraclusão. O ensino de Lacan, a partir da elaboração conceitual da lógica do 
significante e do significante do Nome-do-Pai como regulador das pulsões, possibilitou 
maior formalização do diagnóstico diferencial entre neurose e psicose, indicando que: 
1. O funcionamento psíquico não pode pertencer a duas estruturas e nem se 
deslocar de uma estrutura para outra: cada estrutura funciona de acordo com 
processos psíquicos específicos. 
2. Os fenômenos clínicos apresentados por um paciente e endereçados ao analista 
no quadro de sua demanda de tratamento (insônia, uso de drogas, declínio da 
vontade e do sentimento de vida, ansiedade, tristeza, medo, conflitos internos) só 
31 
 
ganham sentido na medida em que são inteligíveis no quadro de funcionamento 
de uma estrutura. Uma vez determinada, a estrutura indica a maneira que este 
sujeito tem de ser diferente de todos. Um diagnóstico de neurose histérica, por 
exemplo, só tem valor para a psicanálise porque indica o ponto em que, na 
estrutura, os fenômenos dependem da lógica de funcionamento dos significantes 
nessa estrutura e do modo como essa lógica regula as pulsões. 
3. A estrutura psíquica só pode ser reconstruída pelo tratamento psicanalítico. Ou 
seja, o diagnóstico de estrutura ocorre segundo as condições do trabalho 
analítico. O diagnóstico fora da transferência tende a dar uma consistência 
inconveniente ao analista25. 
4. O diagnóstico diferencial depende de um saber clínico que envolve a psiquiatria: 
em Freud, a clínica das convulsões para a pesquisa dos processos psíquicos 
envolvidos na formação da neurose histérica; em Lacan, a paranoia de 
autopunição da paciente Aimée para a pesquisa dos processos psíquicos 
envolvidos na formação das psicoses. 
Consideremos em primeiro lugar, as neuroses. 
4.1.1. Neuroses. 
A tabela 11 sintetiza a pesquisa etiológica de Freud com relação às neuroses. 
 
Tabela11. A estrutura psíquica da neurose para a psicanálise. 
Formas ou Tipos Processo 
Psíquico 
Formação do sintoma 
na neurose 
Casos clínicos de 
referência na Obra 
freudiana 
Posição do sujeito 
diante da realidade 
Histeria 
N. obsessiva 
Fobia 
Recalcamento Conversão 
Deslocamento 
Deslocamento/ 
transformação em seu 
oposto/substituição. 
Estudos sobre 
Histeria 
O Homem dos Ratos 
O Pequeno Hans 
O paciente se 
posiciona não 
querendo saber 
nada sobre a 
realidade psíquica. 
 
O destaque à pesquisa sobre a histeria ocorrerá a partir dos trabalhos clínicos de Jean 
Martin Charcot, dedicados ao diagnóstico diferencial entre histeria e epilepsia e ao 
aprofundamento da especificidade da histeria. Dessa forma, ao longo de todo o século 
 
25 Em Lacan Elucidado (1997), Jacques-Alain Miller cita uma situação que envolveu Winnicott. O relato 
é de Maksoud Khan e reproduzido por Miller (1997, p.226): “Fizeram à Winnicott uma pergunta bastante 
simples. Quando devemos encaminhar um paciente ao hospital psiquiátrico e quando não? Depois de 
pensar, Winnicott respondeu-lhes. ‘É fácil: se o paciente aborrecê-lo, encaminhe-o ao hospital 
psiquiátrico, caso contrário, conserve-o’. Parece piada, mas não é. É consequência da posição ética (...)”. 
Resposta que evidencia a interferência dos sentimentos pessoais na avaliação clínico do paciente. 
32 
 
XIX, evidencia-se o aprofundamento da pesquisa clínica em torno da distinção entre 
epilepsia e histeria segundo os marcos: 
1. Da revisão da categoria de histeroepilepsia, levando Charcot à concentrar a pesquisa 
clínica das convulsões em torno do diagnóstico diferencial entre histeria e epilepsia. 
2. Do passo essencial de aprofundamento da pesquisa sobre a causalidade da histeria, 
por Freud, conduzindo ao isolamento do traço diferencial da histeria e à formulação da 
causa sexual da neurose. 
3. Da elaboração dos fundamentos metapsicológicos a partir da hipótese da causa 
sexual: no nível econômico e dinâmico, Freud elaborara o recalcamento e a 
conversão do afeto como hipótese explicativa para a formação dos sintomas na 
neurose histérica; no nível tópico, estrutural, da inscrição das representações 
psíquicas no inconsciente, ele sustentara a identificação ao pai como agente 
regulador da satisfação pulsional. 
Tomando como referência os textos clínicos iniciais de Freud (1893/1976)26, sua 
pesquisa etiológica indica uma abordagem positiva do sintoma, distinta da tradição 
médica do século XIX, que o caracterizava como o negativo dos sintomas de uma 
doença orgânica, com a carga pejorativa do termo “simulação”. Nessa pesquisa 
etiológica de Freud,o sintoma primordial da neurose – e, em particular na neurose 
histérica – é a conversão. No mesmo quadro epistemológico da delimitação do 
sintoma primordial da histeria, Freud já insinua uma hipótese etiológica, que só ficará 
clara com a publicação de O Recalcamento (1915/1996)27 e O Mal-estar na civilização 
(1930/1996)28: o sintoma resulta do processo psíquico de recalcamento. Poder-se-ia 
afirmar que ele é o índice do consentimento do sujeito à ação do ideal civilizatório 
sobre a regulação pulsional. Esse consentimento se manifesta, clinicamente, como 
uma defesa contra a interrogação sobre o feminino. O caso de Elizabeth Von Ritter 
permitira a verificação dessa hipótese, conforme a indicação do próprio Freud (1893-
1895/1976): 
 
26 Freud, S. Esboços para a “Comunicação Preliminar” (1893). In:______ Obras psicológicas completas 
de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Edição standard brasileira das obras psicológicas 
Sigmund Freud, Vol.02). 
27 Freud, S. O Recalcamento (1915). In:______ Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de 
Janeiro: Imago, 1996. (Edição standard brasileira das obras psicológicas Sigmund Freud, Vol.02). 
28 Freud, S. O Mal-estar na civilização (1930).In:______ Obras psicológicas completas de Sigmund 
Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Edição standard brasileira das obras psicológicas Sigmund Freud, 
Vol.02). 
 
33 
 
1. Elisabeth localiza sua posição de filha amada identificando-se ao conteúdo do 
lapso cometido por seu pai ao endereçar à ela a declaração “és o filho que eu 
sempre desejei”. 
2. A declaração amorosa, do cunhado para a irmã, como o ponto em que a paciente 
localiza a emergência do feminino para além da identificação ao filho desejado 
pelo pai: ali o coração de gelo – produto da identificação ao pai – começara a 
derreter. 
3. O agravamento do sintoma conversivo de hemiplegia como defesa contra o 
feminino. 
Nos textos Fantasias Histéricas e sua Relação com a Bissexualidade (1908) e Algumas 
Observações Gerais sobre Ataques Histéricos (1909[1908])29, Freud estabelecerá a 
constituição lógica da estrutura psíquica a partir do autoerotismo. Essa constituição 
lógica consiste no seguinte processo: 
1. TEMPO 1: vigora o autoerotismo, que consiste no funcionamento das pulsões 
parciais concentradas em zonas erógenas. 
2. TEMPO 2: 
• O autoerotismo funde-se a uma representação psíquica, pertencente à esfera de 
amor objetal, ou seja, funde-se à uma fantasia. 
• A condição para essa fusão é o processo de recalcamento. 
• As fantasias inconscientes são os precursores psíquicos imediatos do sintoma 
histérico. 
• O sintoma é a exteriorização da fantasia inconsciente por meio da conversão. 
 
Reproduzo a citação onde encontramos essa constituição lógica da estrutura: 
 (...) o ato masturbatório (no sentido mais amplo da palavra) compunha-se de 
duas partes. Uma era a evocação de uma fantasia e a outra um 
comportamento ativo para, no momento culminante da fantasia, obter 
autogratificação. Como sabemos, esse composto estava em si simplesmente 
soldado junto. Originalmente o ato era um processo puramente auto-erótico 
que visava obter prazer de uma determinada parte do corpo, qye pode ser 
denominada de erógena. Mais tarde, esse ato fundiu-se a uma idéia plena de 
desejo pertencente à esfera do amor objetal, e serviu como realização parcial 
da situação em que culminou a fantasia. (...) Dessa forma, as fantasias 
 
29 Freud, S. Fantasias Histéricas e sua Relação com a Bissexualidade (1908). In:______ Obras psico-
lógicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Edição standard brasileira das obras 
psicológicas Sigmund Freud, Vol.09). 
Freud, S. Algumas Observações Gerais sobre Ataques Histéricos (1909[1908]). In:______ 
Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Edição standard 
brasileira das obras psicológicas Sigmund Freud, Vol.09). 
34 
 
inconscientes são os precursores psíquicos imediatos de toda uma série de 
sintomas histéricos. Estes nada mais são do que fantasias inconscientes 
exteriorizadas por meio da ‘conversão’.” (p.165). 
 
No entanto, em 1908, a clínica das neuroses atuais introduz uma nova abordagem para o 
diagnóstico no campo das neuroses. De fato, em Moral Sexual ‘Civilizada’ e Doença 
Nervosa Moderna, Freud (1908/1976)30 formula uma distinção diagnóstica 
importante entre psiconeuroses e neuroses atuais. Ele define as psiconeuroses como 
condizentes aos efeitos dos conteúdos ideativos inconscientes, e as neuroses atuais, 
como neuroses que não possuem relação com o infantil, e caracterizam-se por 
manifestações clínicas que surgem no corpo, mediante um excesso ou escassez de 
pulsão. Com as neuroses atuais, Freud depara-se com uma clínica da desestabilização 
pulsional e do declínio do funcionamento do inconsciente. Assim, se por um lado à 
abertura do inconsciente permitiu à Freud isolar o amor ao pai como sustentador da 
formação sintomática na histeria, a própria subjetividade de época testemunhou seu 
fechamento a ponto de Freud, em 1908, em uma carta a Jung, admitir que esta categoria 
se diluíra diante de seus olhos, em função da extensão clínica assumida pelo diagnóstico 
de demência precoce. 
A própria direção de tratamento da neurose histérica, inicialmente afinada com a 
interpretação do sentido subjacente ao sintoma, cede progressivamente lugar, à 
evidência de que o sujeito neurótico pode ser recalcitrante, ou seja, resistente à 
análise devido a ocorrência de uma exigência superegoica de não curar 
denominada de reação terapêutica negativa (Freud, 1913/1976). 
A elaboração do conceito de pulsão de morte, a partir dos anos de 1920, permitirá um 
entendimento sobre as condições de funcionamento desta instância superegoica típica 
do processo psíquico subjacente à histeria. E que, contemporaneamente, ainda se 
verifica para a elucidação dos quadros contemporâneos de desestabilização da estrutura 
neurótica. O maior detalhamento sobre o que vem a ser os processos psíquicos de 
suplência, identificação imaginária, na neurose e nas psicoses, e a formação do supereu 
será feito no momento em que trabalharmos os norteadores do modo de 
funcionamento da identificação imaginária e da suplência e do modo de defesa e o 
imperativo do supereu. 
 
30 Freud, S. Moral Sexual ‘Civilizada’ e Doença Nervosa Moderna (1909). In:______ Obras psico-
lógicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Edição standard brasileira das obras 
psicológicas Sigmund Freud, Vol.09). 
 
35 
 
Para finalizar esse norteador das condições de abertura para o ato analítico, e já 
orientados pelo problema clínico levantado pelas neuroses atuais, retomando mais uma 
vez como referência as considerações de Lêda Guimarães (2008, p.75) em relação a 
formalização do caso clínico. A autora cita o estudo de caso de Karine, indicativo de 
uma neurose sem a princípio evidenciar as coordenadas da formação do sintoma 
histérico: 
 
Karine, com idade em torno de trinta anos, chegou ao consultório 
apresentando-se por meio de um pedido que consistia numa condição de 
suportabilidade, que dependia de uma ressalva em relação ao modo como a 
analista deveria operar. Quando interrogada sobre as razões da sua vinda, 
disse: “vim porque sei que preciso muito fazer análise”, “sempre precisei”. 
Afirmou ainda que levou muito tempo para reunir toda a coragem e se decidir 
a dar esse passo. Justificou esse pedido apoiada numa posição subjetiva de 
um certo pavor controlado, dizendo que há mais de cinco anos havia iniciado 
uma análise na qual só pôde suportar permanecer em torno de quatro ou 
cinco meses, pois se sentia encurralada com o modo de intervenção do 
analista e com o fato de fazer as sessões deitada no divã. Passoua sofrer de 
uma doença psicossomática que precipitou sua saída. Karine chegou a 
considerar que a doença teria alguma coisa a ver com essa experiência de 
análise. O que dizer desse modo de formular uma demanda ao analista? Que 
Karine chega impondo uma restrição à maneira como a analista deverá operar 
com ela. Esses dados indicam, desde a primeira entrevista, o modo 
sintomático da relação dessa paciente com o Outro ao qual ela dirige uma 
demanda que pode ser interpretada do seguinte modo: “Peço que você me 
responda, mas que você responda como eu decido. Você tem que me permitir 
e aceitar que eu domine, quer dizer, que eu possa controlá-la para que nada 
do que você disser ou fizer seja imprevisível para mim. E, sobretudo, nada de 
surpresas”. 
 
Leda Guimarães opera sobre a verificação das condições de abertura ao ato analítico no 
sentido de: 
3. Localizar, na demanda do paciente, a parceria que ele estabelece, ao longo 
da vida, com o Outro (denominada de parceria-sintomática). 
4. Delimitar se já houve na estrutura desse sujeito uma estabilização bem 
fixada ou não. 
5. Delimitar o ponto de desestabilização da estrutura psíquica e que o levou à 
buscar tratamento: Qual foi o fator mobilizador da demanda? Em que 
circunstâncias esse fator emergiu? Desde quando? 
6. Delimitar os indicadores dos modos de suplência que tentam solucionar, na 
vida psíquica, o ponto de desestabilização da estrutura. 
 
No exemplo clínico de Karine, isolamos afirmações do tipo “vim porque sei que preciso 
muito fazer análise”, “sempre precisei” – indicando a ocorrência de um ponto de 
desestabilização. Levando adiante as palavras da paciente, temos ainda que num dado 
clínico, o motivo que levou esse sujeito ao analista anterior e a partir do qual 
36 
 
verificamos que sua questão dirigida à análise foi sobre o amor. Ainda que, nesse novo 
pedido de análise, Karine não se ocupasse inicialmente em falar sobre essa questão, o 
modo como foi traçada a direção da cura lhe permitiu retomá-la seriamente mais 
adiante. O que nos permitirá verificar que o ponto de desestabilização da sua estrutura 
na neurose situava-se no campo do amor – uma pista clínica importante para o manejo 
da neurose atual. 
 
A leitura de Sobre o narcisismo: uma introdução (1914)31 e O Ego e o Id (1923)32, 
oferecem uma chave de leitura importante, e cada vez mais aprofundada, acerca da 
organização dos tempos de constituição da estrutura psíquica. Esse texto representa, no 
marco da pesquisa teórico-clínica em psicanálise, um tratado sobre o Eu derivado 
diretamente dos problemas clínicos colocados pela direção de tratamento da 
esquizofrenia. 
No primeiro capítulo de Sobre o narcisismo: uma introdução (1914), Freud retoma os 
achados pertinentes à clínica da histeria, sobre o que é um corpo. Um sintoma histérico 
afetao corpo, produzindo, por exemplo, um sintoma de paralisia, mas não afeta, não 
corrói, o organismo. Com isso, Freud indica uma distinção importante à se fazer entre 
corpo e organismo vivo: o corpo é secundário em relação ao organismo vivo. E, para o 
corpo se constituir é necessário um processo psíquico para que se constitua o corpo a 
partir do organismo vivo. Essa afirmação freudiana a respeito do caráter construído do 
corpo será intimamente relacionado ao narcisismo. É importante notar que, em Sobre o 
Narcisismo: Uma introdução (1914), Freud já deixa bem clara a existência de uma 
relação entre o corpo e o eu. Essa relação entre o eu e o corpo será deduzida a partir da 
clínica da esquizofrenia e ganhará aprofundamento em O Ego e o Id (1923): o eu é, 
inicialmente, um eu corporal. 
 
 
31Freud, S. Sobre o narcisismo; Uma Introdução (1914). In:______ Obras psicológicas completas de 
Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Edição standard brasileira das obras psicológicas Sigmund 
Freud, Vol.14). 
32Freud, S. O Ego e o Id(1923). In:______ Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de 
Janeiro: Imago, 1996. (Edição standard brasileira das obras psicológicas Sigmund Freud, Vol.14). 
 
37 
 
Tabela 12. Desdobramento na pesquisa freudiana sobre a relação entre o corpo e o 
eu entre os Estudos sobre Histeria(/) e Sobre o Narcisismo: Uma introdução (1914) 
 
Referências em Freud Pesquisa sobre o corpo 
Estudos sobre Histeria (/) A clínica do sintoma conversivo na histeria 
implica na elaboração da distinção entre corpo e 
organismo vivo. 
Sobre o Narcisismo: Uma introdução (1914) / 
O Ego e o Id (1923) 
 
A clínica da esquizofrenia implica na elaboração 
da articulação entre corpo e eu / o eu 
incialmente é um eu corporal. 
 
 
Nessas referências fica clara, portanto, a relação estreita, existente para Freud, entre o 
eu e o corpo. O autor sustenta a escandalosa que uma unidade comparável ao eu não 
está presente, no indivíduo, desde o início. Daí a condição de funcionamento ser o 
autoerotismo. E esse fato só pôde ser evidenciado por meio da clínica da psicose e, em 
específico, da esquizofrenia. Conforme foi dito mais acima, em Sobre o Narcisismo: 
Uma introdução (1914),Freud se refere à parafrenia - dementiapraecox (segundo a 
nomenclatura de Kraepelin) ou esquizofrenia (segundo a classificação de Bleuler). O 
autor ressalta que essa condição psíquica apresenta 2 traços de caráter que torna a 
parafrenia imune à intervenção psicanalítica, conforme sintetiza a tabela 13. 
 
Tabela 13. Traços de caráter nas parafrenias (conforme Freud, 1914). 
Delírio de grandeza 
Declínio do interesse com relação ao mundo exterior 
 
Nesse texto, Freud dá continuidade à interrogação, que já fazia em Fantasias Histéricas 
e sua Relação com a Bissexualidade (1908) e Algumas Observações Gerais sobre 
Ataques Histéricos (1909[1908])33, a respeito do destino da pulsão que se retrai em 
relação ao investimento dos objetos. No texto sobre o narcisismo, o foco é a retração da 
pulsão na esquizofrenia. 
A hipótese de Freud (1914) é que a pulsão subtraída do mundo exterior foi conduzida ao 
eu e, assim, surgiu uma atitude que ele denomina de narcisismo. O delírio de grandeza é 
a amplificação de um estado que já existira. Isto conduz Freud à conceber o narcisismo 
 
33 Freud, S. Fantasias Histéricas e sua Relação com a Bissexualidade (1908). In:______ Obras psico-
lógicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Edição standard brasileira das obras 
psicológicas Sigmund Freud, Vol.09). 
Freud, S. Algumas Observações Gerais sobre Ataques Histéricos (1909[1908]). In:______ Obras psico-
lógicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Edição standard brasileira das obras 
psicológicas Sigmund Freud, Vol.09). 
38 
 
que se constitui pela retração do investimento pulsional no objeto como narcisismo 
secundário. Este narcisismo secundário está sobre a base do narcisismo primário. Então, 
Freud (1914) sustentou a hipótese de um investimento da pulsão originariamente no eu 
e cedida, posteriormente, aos objetos. Freud recorre à metáfora da ameba e de seus 
pseudópodes para elaborar a hipótese de que esse investimento originário persiste e é a 
partir dele que ocorre a distribuição do investimento no objeto. A mobilidade e 
equivalência entre libido do eu e libido do objeto é crucial no texto sobre o narcisismo, 
fundamentando o entendimento clínico dos traços de caráter na esquizofrenia e na 
própria paranoia conforme tabela 14. 
Tabela 14. Traços de caráter na esquizofrenia e na paranoia a partir do 
investimento pulsional. 
 
Formas clínicas da 
psicose 
Distribuição pulsional Efeito de ruptura com o Outro 
Esquizofrenia Retração da pulsão sobre o eu O Outro não existe: delírio de 
grandeza e declínio do interesse 
com relação ao mundo exterior 
Paranoia Retração da pulsão sobre o 
objeto 
O Outro existe: delírio 
persecutório. 
 
A complexidade de Sobre o narcisismo: uma Introdução (1914)

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