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A CIÊNCIA COMO VOCAÇÃO Reginaldo T. Perez [Artigo publicado no jornal “A Razão” em 24/02/2000) É preciso vocação para o exercício do trabalho científico. Essa é a afirmação-síntese do texto de mesmo título deste artigo, de autoria do pensador alemão Max Weber. Apresentado em forma de conferência na Universidade de Munique, em 1918, o artigo esmiúça as posições epistemológicas desse que já é considerado um dos mais importantes intelectuais do século XX. Angustiado com o que considerava ser um engano de “jovens cientistas”, a saber, a criação intelectualista de sistemas cuja referência última é a própria linguagem, Weber reclama por um saber positivo que tem a realidade como último parâmetro. Reconhecendo a impossibilidade da neutralidade científica – afinal, o cientista social é também objeto e incorpora aprioristicamente uma escala de valores –, o autor propõe a partir daí um esforço de objetividade. Em Weber, o distanciamento entre sujeito e objeto é um eterno processo: somente isso propicia o alcance à unidade analítica central do método do autor – a compreensão. Para isso, é necessário uma “especialização rigorosa”. O treinamento é condição para o exercício científico. Em outras palavras, o trabalho científico é antes transpiração do que inspiração. A ciência resulta do exercício da razão. Mas não somente. Ciência é, sobretudo, paixão: “...sem isso, escreve Weber, não haverá vocação para a ciência e seria melhor que vos dedicásseis a qualquer outra coisa. Pois nada é digno do homem como homem, a menos que ele possa empenhar-se na sua realização com dedicação apaixonada”. Ou seja: há aqui – como condição à cientificidade – uma tensão entre razão e paixão que serve de motivação ao agir científico. Nesse sentido, a ciência não se limita a um cálculo que envolve 2 apenas o intelecto frio, mas deve incorporar o “coração e a alma”. Mais: é necessário que essa tensão não se resolva jamais, isto é, que não sejam identificadas as fronteiras entre as dimensões racional e emocional do ser humano. Estando no limite do processo de racionalização, a ciência não deve perguntar sobre o seu sentido. Pois, se assim o fizesse, teria que responder também sobre o sentido da vida e da morte. A ciência não responde a isso – e nem pode responder para que possa existir. Afinal, pergunta Weber: “Por que alguém se dedica a alguma coisa que na realidade jamais chega, e jamais pode chegar, ao fim?” O que impede o fim da agonia do homem moderno é a introjeção da ideia de progresso. E esse é infinito. Sendo a ciência o principal instrumento de promoção do progresso, encontra-se ela incestuosamente envolvida com o processo de racionalização. Assim, por paradoxal que possa parecer, o fim da ciência é não ter fim. Alguns passos importantes do progresso científico são destacados por Weber: em primeiro lugar, o conceito; em segundo, a experimentação racional. O pleno significado do conceito é descoberto na Grécia com Sócrates e se torna definitivo com Platão; o controle da experiência como princípio de pesquisa adquire maturidade na Renascença. A partir de então, ideias e objetos poderiam ser representados por signos (palavras) generalizando a compreensão sobre as coisas do mundo. O nominalismo hobbesiano traduziu esse sentimento, e é seguido pela Ilustração – aqui, a crença na emancipação humana segue os ditames da razão. Paralelamente à ciência emerge seu operador, o cientista. A esse não raramente cabe a tarefa de ensinar – e então ele é professor. Poucos são os afortunados que pesquisam e ensinam alcançando os mesmos bons resultados. É apenas uma coincidência a existência dos atributos de uma e outra profissão em uma mesma pessoa. O que deve uni-los é um imperativo de ordem moral: a integridade intelectual. Somente 3 ela habilita o ser humano para o exercício da ciência como algo pessoal e íntimo. E aí a ciência é uma vocação.