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UNESA - CURSO DE DIREITO 
PROFESSORA: IZABEL LEVENTOGLU
1. NARRATIVA SIMPLES
1.1 O TEXTO
 O advogado, para o bom exercício profissional, necessita não só dominar o conhecimento jurídico, mas também expressar-se com clareza e coerência; precisa conhecer as técnicas de uma boa redação. E essa técnica envolve uma série de questões pertinentes ao ato de redigir, quer dizer, ao texto a ser produzido pelo advogado.
O texto, sendo um conjunto de enunciados linguísticos organizados com sentido, tem como primeira característica a unidade, o que irá distingui-lo de um amontoado de palavras. Um texto é um ordenamento lógico, concatenado, cujos sentidos se combinam a todo o momento.
As ideias que o compõem devem organizar-se adequadamente, para atingir a unidade de sentido necessária, e esse sentido depende do contexto em que cada elemento está inserido. O autor de um texto conta sempre com o conhecimento de mundo do leitor que o ajuda a compor o texto, ou seja, os elementos extra-linguísticos que estão presentes em qualquer um. Assim, na produção de sentido de um combinam-se os elementos internos, ligados entre si e os externos, como o conhecimento de mundo do leitor, o momento histórico, o papel social do autor do texto no momento da sua produção, assim como suas experiências. “
Se o conhecimento linguístico é necessário para o cálculo da coerência, todos os estudiosos são unânimes ao afirmar que tal conhecimento é apenas parte do que usamos para interpretar um texto e, portanto, para estabelecer sua coerência. O estabelecimento do sentido de um texto depende grande parte do conhecimento de mundo dos seus usuários, porque é só este conhecimento que vai permitir a realização dos processos cruciais para a compreensão.
 Todos esses elementos devem combinar-se de tal forma que não deixem nenhuma margem de dúvida ao leitor. Como as características de um texto são consequência de uma atividade intelectual, decorrem de uma intenção comunicativa; deve-se evitar qualquer ambiguidade, que prejudique o entendimento do texto. Quer dizer, o texto deve ter um sentido único – sentido unívoco -, que não permita mais do que uma única interpretação.
1.2 SELEÇÃO VOCABULAR
 Como já se observou, a construção de um texto é um ato pessoal, depende da atividade cognitiva de cada ator envolvido no jogo da linguagem. O vocabulário utilizado na elaboração do texto faz parte do conhecimento do autor que o seleciona segundo propósitos comunicacionais e intenção a ser atingida.
Na construção de um texto jurídico, as palavras são selecionadas para externar ideias e argumentos, respeitando o estilo formal característico da linguagem jurídica, e adequadas ao leitor a quem se dirigem.
Deve-se, ainda, nessa seleção atentar para a correlação entre o vocábulo e a ideia que se pretende expressar, empregando com propriedade os termos que compõem o texto, e isso inclui a objetividade ou a subjetividade com que o vocábulo é utilizado.
Por uma tendência natural, o vocabulário jurídico procura, sempre, a objetividade; no entanto, dependendo da intenção do autor e da necessidade argumentativa, a subjetividade passa a ocupar espaço no texto jurídico. Quer dizer, a subjetividade pode acontecer no texto, mas depende, primeiro, de uma seleção vocabular e segundo, da intencionalidade ou necessidade argumentativa do autor.
O que determina a eficiência e o estilo do texto é a seleção de termos claros e precisos; é a utilização, no caso concreto, de vocábulos sobre os quais se tem domínio.
1.3 O TEXTO NARRATIVO
 Relatar fatos e acontecimentos é uma das atividades mais corriqueiras da vida. Seja conversando, seja contando algum fato, está-se praticando o ato de narrar.
Na construção de uma narrativa, operam-se mudanças, alterando o status quo ante. Construir uma narrativa, de acordo com Victor Gabriel, “é mostrar a ação de um personagem, que opera uma transformação em seu meio”.
Por isso, o texto narrativo é chamado figurativo, isso significa que se desenvolve por meio de personagens (figuras) que atuam transformando a realidade.
No caso de narrativa jurídica, devem ser respeitadas algumas particularidades que ajudam a construir o caso concreto. Assim, o autor deve apontar fatos que irão delinear o caso como: os fatos juridicamente relevantes; fatos que contribuem para a ênfase de outros mais importantes e aqueles que satisfazem a curiosidade do leitor, despertando-lhe interesse
, conforme lição de Victor Gabriel.
Os fatos juridicamente relevantes são importantes para a aplicação da norma jurídica, isto é, a situação de conflito que propiciará qualificação jurídica do evento. Estes (os fatos) estão inseridos em um contexto que contribui para a compreensão da situação de conflito. O fato necessita de elementos que possam esclarecê-lo, situando os fatores, as questões pertinentes para o seu desenrolar e, sobretudo, seu entendimento.
Para particularizar e contextualizar o caso concreto, o autor da narrativa forense deve responder às seguintes questões: 
- o quê – o fato, a ação 
- quem – os personagens, agentes (autor e réu);
- como – o modo como o fato se desenrolou (sequência linear dos fatos);
- quando – o momento ou a época em que o fato ocorreu (tempo cronológico)
- onde – lugar da ocorrência (espaço físico);
- porquê – o motivo do fato ( nexo causal)
- por isso – resultado ou consequência (decorrência – elo com a lei) 
 O poema narrativo “Tragédia Brasileira”, de Manuel Bandeira, mostra como Literatura pode proporcionar a compreensão do fenômeno jurídico. 
Tragédia Brasileira
Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade,
conheceu Maria Elvira na Lapa, - prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança
empenhada e os dentes em petição de miséria.
Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico,
dentista, manicura... dava tudo quanto ela queria.
Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado.
Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada
disso: mudou de casa.
Viveram três anos assim.
Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.
Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos,
Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp,
outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos...
Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência,
matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de
organdi azul. 
 Como se pode observar, toda narração transmite uma história que, organizada em um enredo, evolui no tempo e no espaço. Os acontecimentos de uma narrativa se organizam em uma linha temporal. O poema de Manuel Bandeira, apesar de estar em versos, é um texto narrativo, por possuir todos os elementos da narrativa, como enredo, personagens, espaço, tempo. O poema responde às seguintes perguntas essenciais da narrativa
• O quê? Romance conturbado, que resulta em crime passional.
• Quem? Misael e Maria Elvira.
• Como? O envolvimento de um homem de 63 anos com uma prostituta.
• Onde? Lapa, Estácio, Rocha, Catete e vários outros lugares.
• Quando? Duração do relacionamento: três anos.
• Por quê? Promiscuidade de Maria Elvira.
 Em síntese, o poema narrativo relata um assassinato e suas causas, e as personagens dessa Tragédia Brasileira têm nome e características sociais bem definidas: personagem de classe média, Misael, e de classe baixa, Maria Elvira, apresentando todos os elementos da narrativa jurídica. 
 Características mais relevantes em um relatório jurídico:
Relatório jurídico (narrativa simples) 
· Ordem cronológica com respostas às perguntas: o quê? quem? onde? quando? como? por quê? 
· Correta identificação do fato gerador. 
· Verbos no passado. 
· Destaque dos detalhes importantes. 
· Usoda polifonia (provas). 
· Foco narrativo em 3ª. Pessoa.
· Ausência de opinião, de posicionamento por parte do relator. 
 Com exceção da última característica, toda narrativa jurídica deve obedecer às orientações acima, seja ela simples ou valorada. 
 Sintetizando as observações quanto às narrativas, tem-se: 
Narrativa simples dos fatos Narrativa valorada dos fatos 
A narrativa simples não tem o A valorada é marcada pelo compro - compromisso de representar misso de expor os fatos de acordo 
qualquer uma das partes . Deve com a versão da parte que se repre - 
apresentar todo e qualquer fato senta em juízo. Por essa razão, apre -
importante para a compreensão senta o pedido (pretensão da parte 
da lide, de forma imparcial. autora) e recorre a modalizadores. 
O quê O quê 
Quem (ativo e passivo) Quem (ativo e passivo) 
Onde Onde 
Quando Quando 
Como Como 
Por quê Por quê 
Sugere-se iniciar por “Trata-se Por isso 
de questão sobre…” Sugere-se iniciar por “Fulano ajuizou 
 ação de … em face de Beltrano, na 
 qual pleiteia…”
 A estrutura da narrativa será montada, portanto, pelos fatos juridicamente relevantes e os que ajudam o seu entendimento. Existem, no entanto, fatos que contribuem para ênfase de outros e satisfazem a curiosidade do leitor. Esses devem ser inseridos se houver pertinência para tal, caso contrário, perdem seu efeito. O propósito deles é criar interesse na leitura da narrativa, já que formado o conflito, o texto ganha progressão e atratividade natural. Ao se inserir esses elementos na narrativa, isso deve ser feito em função de uma intenção para atingir o objetivo determinado, isto é, contribuir para o convencimento do interlocutor a respeito da veracidade dos fatos.
Ainda nessa linha, devem-se considerar os fatos controversos e incontroversos. Os primeiros exigem a presença da prova processual para determinar quem apresenta a versão que corresponde à verdade dos fatos.
Por não apresentarem consenso entre as partes, devem ser demonstrados a fim de por meio da prova processual, comprove-se a veracidade de um ou outro fato, ponto em que a narrativa se encontra com a argumentação. 
1.3.1 O tempo e a narrativa linear
 A narrativa dos fatos é pontuada por uma sequência de ações, que realizadas pelas personagens, transformam o status quo ante e originam o conflito que se desenvolve. A essa progressão de ações em sequência chamamos transcurso do tempo.
Entre uma ação e outra, existe um lapso temporal que será indicado por meio das ações sequenciais, que podem ser narradas em ordem linear (cronológica) ou alinear 
(não cronológica).
A ordem cronológica – narrativa linear – segue a ordem dos acontecimentos em sua enunciação, tornando o texto mais claro, facilitando seu entendimento pelo interlocutor. Além de facilitar a percepção pelo leitor o encadeamento lógico entre um fato e outro de modo mais direto e preciso.
Já na narrativa alinear, subverte-se a ordem dos fatos. Se o texto não for bem cuidado, ou seja, bem elaborado, a narrativa tende a ser confusa. Quando o autor de um texto opta pela alinearidade, deve estabelecer um objetivo para isso. Caso contrário, poderá incorrer no erro de tornar seu texto ininteligível.
Ressalte-se que, em um relato jurídico, a melhor opção é seguir ordem cronológica dos fatos; além de facilitar a interlecção, torna o texto claro, objetivo e direto.
De acordo com Victor Gabriel, “quando o autor de um relato jurídico pretender dar realce a um fato principal, inserindo-o logo no início do texto, pode construir uma narrativa em retrospectiva ou flash back”.
 
O transcurso do tempo fica mais específico e legível na ordem cronológica dos fatos, pois é o tempo que estrutura a narrativa, e pode ser representado de modos diversos.
Uma das formas de representa-lo é o tempo verbal – momento da narração em que o fato é enunciado. Segundo Platão e Fiorim, “pode-se determinar, além do momento da fala (da redação) um outro marco temporal no texto, que passa, juntamente com este, a reger a ordem dos tempos no texto”.
Um exemplo como: “O autor ajuizou, em 5 de janeiro de 2007, ação de despejo por falta de pagamento, porque o recorrido deixara de pagar-lhe mais de cinco meses de aluguel, de agosto a dezembro de 2006. Disse que pagará a dívida quando conseguir um novo emprego.”
A forma verbal ajuizou, por estar no pretérito perfeito, indica que é passado em relação ao ato da fala, 5 de janeiro de 2007, e quanto a pagará, a data passou a ser uma referência para uma ação futura. E ainda a respeito de deixar, indica um passado anterior à data, o marco temporal.
Apesar de o verbo ser essencial para o fluir da narrativa, o tempo pode ser marcado por advérbios ou locuções ou expressões adverbiais, como nos exemplos abaixo
“Quando o autor propôs a ação de cobrança, o réu já vendera seu único bem penhorável.” (compare: ... vendeu seu único bem penhorável)
“O requerente, na data de ontem, recolheu as custas processuais. O apelante, no intuito de firmar um acordo com apelada, redigiu uma proposta para esse fim, transmitida por fax na manhã do dia 6 de janeiro de 1996. Horas depois, a apelada telefonou-lhe, dizendo que não estava disposta a qualquer disposição.”
As expressões em itálico situam as ações no tempo. As duas primeiras têm como referência o ato da fala; já a expressão horas depois considera o marco temporal do texto 6 de janeiro.
1.3.2 A função argumentativa da narração.
Sabe-se que nenhum texto é apenas narrativo ou argumentativo; os tipos se mesclam de acordo com a necessidade do que se pretende enunciar.
O discurso jurídico, por exemplo, utiliza-se da narrativa a fim de relatar os fatos que constituirão a matéria-prima da argumentação; quer dizer, o advogado aproveita-se da narrativa para expor seu ponto de vista com o intuito de persuadir o seu interlocutor.
Além de informar, a narrativa preocupa-se em apresentar um ponto de vista. E é, justamente, por meio dele que o autor, de acordo com sua intenção, procura “convencer a respeito de sua interpretação pessoal dos fatos narrados.”
REFERÊNCIAS
KOCH, Ingedore G. Villaça. Texto e coerência. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1997.
RODRÍGUEZ, Victor Gabriel de Oliveira. Manual de redação forense. Campinas: Mizuno, 2000.
SAVIOLI, Francisco Platão; FIORIN, José Luiz. Lições de texto, leitura e redação. São 
Paulo: Ática, 1996. 
DAMIÃO, REGINA Toledo; HENRIQUES, Antonio. Curso de português jurídico. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2000. 
� RODRIGUEZ, Victor Gabriel. Manual de Redação Forense. São Paulo: Mizuna, 200. p. 143
� RODRÍGUEZ, op. cit., p. 143
� Ibid. , p. 147
� RODRIGUEZ, op. cit., p. 132
� SAVIOLI, Francisco Platão; FIORIN, José Luiz. Lições de texto, leitura e redação. São Paulo: Ática, 1996, p. 212.
� RODRIGUEZ, op cit., p. 159

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