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LINGUAGEM VISUAL NA HISTORIOGRAFIA Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autor: Thiago Juliano Sayão CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Copyright © UNIASSELVI 2009 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Reitor: Prof. Ozinil Martins de Souza Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald Profa. Jociane Stolf Revisão de Conteúdo: Prof. Evandro André de Souza Revisão Gramatical: Profa. Teresa Pfiffer Franco Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI 907.2 S2754l Sayão, Thiago Juliano. Linguagem Visual na Historiografia/ Thiago Juliano Sayão. Centro Universitário Leonardo da Vinci – Indaial: Grupo UNIASSELVI, 2009.x; 95 p.: il. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-240-5 1. Historiografia 2. Imagem e Linguagem Visual na História I. Centro Universitário Leonardo da. Vinci II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título Impresso por: Thiago Juliano Sayão Possui graduação em História pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2001) e mestrado em História Cultural pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004). Atualmente cursa doutorado em História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atua como professor-tutor do curso de Licenciatura em História em Ensino a Distância do Centro Universitário Leonardo da Vinci. Possui experiência no ensino fundamental e superior. É co-autor dos Cadernos de História Medieval, História do Brasil Colonial e História Contemporânea destinados ao curso de História EAD da UNIASSELVI. Sumário APRESENTAÇÃO ..................................................................... 7 CAPÍTULO 1 Noções de Imagem .................................................................. 9 CAPÍTULO 2 Historiografia e Imagem ...................................................... 27 CAPÍTULO 3 Fotografia e História........................................................... 51 CAPÍTULO 4 Cinema e História .................................................................. 75 APRESENTAÇÃO Este caderno de estudos foi escrito a partir da noção de que todos os artefatos culturais são fontes históricas. As produções materiais são “lidas”, neste sentido, como vestígios culturais reveladores do imaginário. As imagens, assim como a arquitetura de uma cidade ou mesmo a vestimenta de uma pessoa podem fornecer informações sobre determinado contexto histórico. Tratar as imagens como fonte histórica é uma forma de alargar as fronteiras da própria História, aproximando-a das artes e das ciências humanas. O estudo da imagem exige um certo grau de erudição daquele que deseja compreendê-la, pois a imagem convida o intérprete a circular entre diferentes saberes. Acredito que o trabalho de leitura da imagem é por natureza transdisciplinar, já que ele une conhecimentos com o intuito da compreensão do artefato visual. No decorrer da leitura deste caderno de estudos você irá se deparar com reflexões filosóficas e históricas sobre imagem; terá contato com a ideia de “artefato cultural”, originada da antropologia, e perceberá métodos de análise da imagem advindos de teorias da arte e da psicologia. Contudo, apesar da complexidade que envolve o estudo da imagem, você encontrará aqui um texto didático e introdutório, que tem como foco a relação entre linguagem visual e historiografia. No capítulo 1 estudaremos os conceitos básicos e as primeiras reflexões filosóficas elaboradas sobre imagem. Além disso, faremos uma breve incursão sobre o sentido do termo representação, que considero de extrema importância para pensarmos a imagem como fonte histórica. No capítulo 2 serão estudadas as reflexões dos historiadores sobre imagem. Veremos o sentido de fonte histórica na História Tradicional e na Nova História, para, em seguida, adentrarmos nos estudos de História Cultural, que trata as imagens como verdadeiros indícios da mentalidade de uma época. Ainda, no segundo capítulo, faremos uma breve leitura de dois quadros famosos, “Última ceia”, de Leonardo da Vinci, e “Primeira missa no Brasil”, de Victor Meirelles. Esta análise das pinturas serve, justamente, para pôr em prática as teorias estudadas. O terceiro capítulo abordará, especificamente, as reflexões acerca da fotografia, seja para entendermos sua natureza, seja para pensá-la como vestígio do passado. Serão apresentadas as principais características da imagem fotográfica, os aspectos relacionados com a história da fotografia, as relações entre fotografia e historiografia e os métodos de análise da fotografia. No quarto capítulo problematizaremos a imagem em movimento. Veremos o cinema como fonte de conhecimento, enquanto produto culturalmente elaborado. Estudaremos o cinema a partir do seguinte pressuposto: o filme revela muito do contexto social e cultural da sociedade em que foi produzido. A partir deste raciocínio convido-o a ler o capítulo 4, pensando nas possibilidades de uso do filme, seja na sala de aula ou como fonte de conhecimento para compreensão de determinado imaginário social. Por fim, espero que o caderno de Linguagem Visual na Historiografia sirva como guia rumo a um novo olhar sobre imagem. Que os conhecimentos que poderá adquirir aqui contribuam em sua formação acadêmica. Bons estudos! O autor. CAPÍTULO 1 Noções de Imagem A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Identifi car as características gerais que defi nem uma imagem. Discutir o conceito de imagem e de representação. 10 Linguagem Visual na Historiografi a 11 NOÇÕES DE IMAGEM Capítulo 1 ConteXtuaLiZaçÃo Convido você a embarcar em um estudo sobre a natureza da imagem. Estou certo de que estes conhecimentos básicos serão os primeiros passos para que você veja as imagens de uma maneira diferente. A discussão sobre o conceito de imagem será importante para o objetivo fi nal dessa disciplina, que é fornecer ferramentas teóricas e sugestões de práticas educacionais, para que você trabalhe as imagens, ou como objeto de pesquisas, ou como conteúdos programáticos de seus futuros planos de ensino. Além disso, espero que as informações teóricas, aprendidas neste capítulo, forneçam as bases para que você se interesse e aprofunde os estudos sobre a sociedade midiática e globalizada em que vivemos. Atualmente, estamos sob um verdadeiro bombardeio de imagens, seja no ambiente privado ou público. Se a televisão e a internet trazem para dentro de nossas casas diferentes informações por meio das imagens, as propagandas em outdoors, placas e cartazes estão cada vez mais presentes no campo visual das vias de circulação das cidades. Considero, aliás, que estas produções culturais do tempo presente devem ser incorporadas aos próprios conteúdos curriculares das escolas. As novelas, os fi lmes, os comerciais televisivos, as imagens digitais divulgadas na “internet”, devem ser tratadas como verdadeiros conteúdos programáticos nas aulas de história, como também nas diferentes disciplinas escolares. Isto, simplesmente, porque a escola é o espaço privilegiado de formação do indivíduo em sociedade. O profi ssional da educação deve aprender a lidar de maneira crítica com as informações visuais. Só desta maneira poderá contribuir para a formação de cidadãos capazes de lidar criticamente com o mundo em que vivemos. Hoje, mais que nunca, o professorde história deve ser um pesquisador capaz de contextualizar as imagens do tempo presente. Apesar de vivermos um tempo em que as imagens são produzidas e reproduzidas incessantemente, percebe-se que os profi ssionais de educação ainda se mostram despreparados para trabalhar com a imagem, em particular com as fotográfi cas e fílmicas, o principal foco de estudos deste Caderno. Seja porque o estudo da imagem está restrito a cursos específi cos, como arte; moda; arquitetura; design; marketing e propaganda, ou porque a imagem foi tratada até agora como simples ilustração ao texto. No entanto, veremos que a imagem tem uma identidade própria; ela não serve apenas para reafi rmar o que já foi dito em um texto. Seu signifi cado também não se resume na legenda que, geralmente, é posta logo abaixo dela. Mas, O objetivo dessa disciplina é forne- cer ferramentas teóricas e suges- tões de práticas educacionais para que você trabalhe as imagens, ou como objeto de pesquisas, ou como conteúdos programáticos de seus futuros plano de ensino. O professor de história deve ser um pesqui- sador capaz de contextualizar as imagens do tempo presente. 12 Linguagem Visual na Historiografi a infelizmente, estes são os usos mais encontrados em livros didáticos. Precisamos olhar a imagem sob outra perspectiva, já que a imagem é uma fonte rica de conhecimentos. Para que possamos recolher informações das imagens precisamos, primeiro, percebê-las como artefatos historicamente construídos, e, em segundo lugar, compreender que elas têm uma linguagem específi ca, ou uma forma particular de transmitir uma mensagem. Daí nosso primeiro desafi o, enquanto estudiosos ou leitores de imagens: aprender o vocabulário que compõe essa forma de expressão cultural. Entender a linguagem da imagem nos encaminhará para a elaboração de uma interpretação verossímil sobre ela. Sim, porque não há um único signifi cado para uma imagem, assim como não existe uma única versão para um acontecimento histórico. O que podemos fazer é nos lançar no desafi o de interpretar uma imagem sob a luz dos conhecimentos que temos sobre ela. Só assim, por meio de pesquisas que deem sentido a uma imagem, é que nos aproximaremos de seus signifi cados mais prováveis, que sejam verossímeis. Não se preocupe, voltaremos a explicar melhor o ato de interpretação da imagem no capítulo 2, quando virmos determinados métodos de leitura de imagem. Agora, caro estudante, veremos determinados conceitos-chave ligados à imagem, que nos servirão de referências básicas. Perceba que estou usando a palavra “ler” para me referir à maneira de tratar a imagem, justamente para que fi que claro que uma imagem não fala por si mesma! Na verdade, é o contrário do que diz o ditado popular: “uma imagem vale mais que mil palavras”. Para que uma imagem valha por mil ou mais palavras, é necessário questioná-la, ou seja, elaborar um trabalho de interpretação fundamentado por pesquisas. Imagens PrimitiVas As imagens são os indícios mais antigos da presença do homem sobre a terra, sejam os objetos destinados aos cerimoniais, os vasos funerários, ou as pinturas rupestres encontradas no interior de cavernas, as imagens participavam da vida em comunidade muito antes da escrita. Se as primeiras escritas apareceram há cerca de 4.000 anos, na região do atual Iraque, as pinturas em cavernas já existem há aproximadamente 40.000 anos, na região do atual Zimbábue, no sul da África. Aliás, as únicas fontes de informações que os arqueólogos dispõem, para compreender a história que antecede a invenção da escrita, são as imagens Para que uma imagem valha por mil ou mais palavras, é necessário questioná-la, ou seja, elaborar um trabalho de interpretação fundamentado por pesquisas. 13 NOÇÕES DE IMAGEM Capítulo 1 e os artefatos materiais produzidos pelas sociedades primitivas. É o estudo dessas fontes imagéticas que permitem entender a forma de organização social: os alimentos consumidos; as relações políticas e econômicas entre tribos; os ritos sociais etc. Portanto, antes mesmo dos historiadores contemporâneos se dedicarem aos estudos da cultura material e imagética, os arqueólogos, desde a segunda metade do século XIX, já utilizavam seus próprios métodos para analisar esse tipo de fonte, com a fi nalidade de reconstruir os comportamentos humanos e as ideias de sociedades de um passado remoto. É intrínseco às pinturas rupestres – como são chamados os desenhos pré- históricos encontrados em cavernas e paredes rochosas – sua função mágica. Acredita-se que os homens pré-históricos representavam os animais, a fi m de facilitar a captura dos mesmos. Segundo Gombrich, a maior parte da produção imagética dos povos primitivos está ligada ao poder das imagens. Ainda existem povos primitivos limitados ao emprego de ferramentas de pedra raspando imagens rupestres de animais para fi ns mágicos. Muitas tribos celebram festividades regulares, nas quais se vestem como animais e como eles se movimentam em danças solenes e rituais. Também acreditam que, de algum modo, isso lhe dá poder sobre suas presas. (GOMBRICH, 1999, p. 42). Desde os primeiros tempos, a imagem resulta dos sistemas de valores e crenças da sociedade que a produziu. Ela tem sua função social dentro da cultura em que foi gestada, e, por isso, é considerada um indício do imaginário de uma coletividade. Porém, nem sempre os historiadores conceberam a imagem desta maneira, pois ela não era vista como uma fonte confi ável para a reconstrução objetiva do passado. TestemunHo HistóriCo AmBÍguo A tradição historiográfi ca do século XIX, período em que a história passou a ser tratada como disciplina científi ca, desconsiderou todas as fontes históricas que não se incluíam entre os documentos escritos ofi ciais, pois os historiadores daquele período (e também muitos historiadores do século XX) acreditavam que apenas esse tipo de fonte poderia fornecer informações fi dedignas do passado. A história tradicional sempre privilegiou o documento escrito ofi cial e a erudição do historiador como elementos indispensáveis para a escrita da história Desde os primei- ros tempos, a imagem resulta dos sistemas de valores e crenças da sociedade que a produziu. Ela tem sua função social dentro da cultura em que foi gestada, e, por isso, é considera- da um indício do imaginário de uma coletividade. 14 Linguagem Visual na Historiografi a “séria” – entendida como uma história cientifi cista. Assim, para a reconstrução da verdade histórica, desprezou-se todo um conjunto extremamente valioso e diversifi cado de fontes históricas, que incluem as fontes visuais. E qual a explicação para o desprezo dos historiadores pela fonte visual? Temos dois motivos correlacionados que explicam a desconsideração das fontes visuais pelos historiadores tradicionais. A ambiguidade interpretativa desse tipo de fonte e a falta de teorias e métodos de análise para as imagens. As imagens são, por natureza, objetos ambíguos, permitem múltiplas interpretações. E essa ambiguidade não condizia com o espírito positivista do século XIX, que prezava pela objetividade dos documentos. Por outro lado, os historiadores não dispunham de métodos científi cos para a leitura das imagens (como, por exemplo, a semiótica que só foi desenvolvida no início do século XX). Os estudos sobre imagem (que inclui todos os tipos de objetos visuais, de pinturas a estatuetas) mantiveram-se, assim, restritos ao universo dos colecionadores, nos antiquários. “Os antiquários tiveram mérito de superar uma desconfi ança preponderante em relação às imagens, reivindicando a validade da imagem como fonte histórica”. (KNAUSS, 2009, p.101). De fato, as imagens – que são aqui consideradas como o conjunto de artefatos da cultura visual – só recentemente passaram a fazer parte das preocupações dos historiadores. Até a segunda metadedo século XX, os estudos que privilegiaram as imagens como indícios históricos eram raros. Peter Burke aponta os trabalhos de Philippe Ariès sobre a história da Infância, e de Michel Vovelle, sobre a Revolução Francesa, publicados respectivamente em 1960 e 1970, como representantes dos estudos contemporâneos que utilizam as imagens como fonte histórica. Esses trabalhos fazem parte da “virada pictórica” – momento em as ciências sociais redefi niram o papel da imagem no estudo cultural da sociedade. O termo “virada pictórica”, por sua vez, foi criado por William Mitchell para defi nir o movimento de revalorização, nos anos 1960, dos estudos da imagem. Agora, prezado estudante, daremos início ao estudo de dois conceitos-chave deste caderno de estudos, que são: imagem e representação. Estes dois termos são centrais e nos acompanharão no desenrolar de nossos estudos. A partir daqui, daremos início a uma refl exão mais fi losófi ca sobre a natureza da imagem. As imagens são, por natureza, objetos ambíguos, permitem múltiplas interpretações. E essa ambiguidade não condizia com o espírito positivista do século XIX, que prezava pela objetividade dos documentos. 15 NOÇÕES DE IMAGEM Capítulo 1 Rumo ao ConCeito de Imagem As imagens são, segundo Aumont (1993), representações do mundo que foram feitas para serem vistas. E é justamente pensando a imagem como representação (enquanto uma construção social e histórica), que os historiadores passaram a considerá-la um indício do tempo passado. Antes disso a imagem era, para os historiadores tradicionais, simples ilustração gráfi ca ou pictórica de um fato ou de um personagem histórico. Se recorrermos ao dicionário para conceituar imagem, veremos que essa palavra tem diferentes signifi cados, assim como os usos que fazemos dela. Citamos anteriormente um uso popular do vocábulo imagem. Outra menção corriqueira desta palavra está, por exemplo, na identifi cação que fazemos de uma estátua religiosa. Quando nos referimos à estátua de Nossa Senhora, substituímos a palavra estátua pela palavra imagem e dizemos: “a imagem de Nossa Senhora”. Diferente da imobilidade de uma estátua, a imagem envolve sentimento e imaginação. Estes dois exemplos nos remetem a signifi cados distintos atribuídos usualmente à palavra imagem. No primeiro caso (“a imagem vale mais que mil palavras”), a imagem ganha o sentido de expressão visual, que transmite uma mensagem de maneira instantânea. Neste caso, não existe a necessidade da explicação verbal ou textual para que se entenda o que está sendo dito; basta um lance de vista para que a mensagem seja captada. É o caso típico da propaganda visual. No segundo uso, a palavra imagem tem o sentido de representação religiosa; ela é, portanto, um objeto que tem o poder de se colocar no lugar do(a) santo(a). Após essas breves considerações sobre dois sentidos usuais da palavra imagem, vejamos o que o dicionário Houaiss (2002) diz a respeito deste vocábulo. Imagem: 1 “Representação da forma ou do aspecto de ser ou objeto por meios artísticos”. 1.1 “Representação de seres que são objeto de culto, de veneração”. 2 “Reprodução estática ou dinâmica de seres, objetos, cenas, ... obtida por meios técnicos”. 3 “Representação ou reprodução mental de uma percepção ou sensação anteriormente experimentada”. (nossa numeração). E é justamente pensando a imagem como representação que os historiado- res passaram a considerá-la um indício do tempo passado. 16 Linguagem Visual na Historiografi a Na defi nição 1, imagem é uma representação de algo ou alguém, elaborada pelas mãos treinadas e habilidosas de um artista. Nesse sentido, teríamos o desenho, a pintura, a escultura, ou mesmo a gravura, como exemplos. Já na segunda defi nição, imagem aparece como resultado da reprodução de algo ou alguém. Repare que a diferença está nas palavras representação e reprodução. Enquanto a primeira nos remete a um trabalho de criação humana, a segunda nos permite ver a imagem como cópia fi el do real, produzida por meio de máquinas (como por exemplo, a câmera fotográfi ca ou cinematográfi ca). No entanto, entendemos que as imagens fotográfi cas, televisivas e cinematográfi cas não são simplesmente reproduções fi éis do real; elas são, também, representações do real. Fazem parte de um processo complexo de construção. Em outras palavras, a imagem produzida pela câmera é resultado de um conjunto de procedimentos técnicos, mas também sensíveis, que mostram determinados aspectos da realidade visível. Isto porque é uma pessoa que opera a câmera, e será a partir do olhar desta pessoa (ou de uma equipe, no caso do cinema) que um espaço ou uma narrativa ganhará vida. A fotografi a é um tema interessante, você não acha? Mas deixemos para discuti-lo mais adiante, afi nal ele merece seu próprio capítulo. Voltemos então ao conceito de imagem do Houaiss. Uma terceira noção dá à palavra imagem um sentido abstrato, que existe apenas no plano psicológico. Ou seja, diz respeito à maneira pela qual imaginamos o mundo a nossa volta. Por exemplo, quando pronuncio a palavra “peixe” imaginamos a forma deste ser vivo. Mesmo que nunca tenhamos visto pessoalmente um peixe, podemos imaginá- lo (caso tenhamos conhecido sua fi gura em livros ou em outro suporte físico ou virtual). Assim, quando ouvimos a palavra “peixe” sacamos de nosso “arquivo de memórias” a representação que fazemos deste animal aquático. Aliás, existe uma palavra que explica a capacidade que temos de representar imagens mentalmente: imaginação. A imagem percebida pela imaginação faz parte do próprio ato de pensar. Pensamos através de imagens. As imagens estão na base de nossas relações sensíveis e práticas com o mundo. Alberto Manguel esclarece: Para aqueles que podem ver, a existência se passa em um rolo de imagens que se desdobra continuamente, imagens capturadas pela visão e realçadas ou modeladas pelos outros sentidos, imagens cujo signifi cado (ou suposição de signifi cado) varia constantemente, confi gurando uma linguagem feita de imagens traduzidas em palavras e de palavras traduzidas em imagens, por meio das quais tentamos abarcar e compreender nossa própria existência. As imagens que formam nosso mundo são símbolos, sinais, mensagens A imagem percebida pela imaginação faz parte do próprio ato de pensar. Pensamos através de imagens. As imagens estão na base de nossas relações sensíveis e práticas com o mundo. 17 NOÇÕES DE IMAGEM Capítulo 1 e alegorias. Ou, talvez sejam apenas presenças vazias que completamos com nosso desejo, experiência, questionamento e remorso. Qualquer que seja o caso, as imagens, assim como as palavras, são a matéria de que somos feitos. (MANGUEL, 2001, p. 21). Atividade de Estudos: 1) A partir do que foi dito em relação ao conceito 3 de imagem, retirado do dicionário Houaiss (2002), registre suas opiniões sobre a frase de Alberto Manguel: “as imagens, assim como as palavras, são a matéria de que somos feitos”. _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ _____________________________________________________ Constatamos, então, que a palavra imagem tem diferentes signifi cados. Uma imagem pode ser um artefato visual ou uma representação mental. Entre os artefatos imagéticos temos: pinturas, fotografi as, fi lmes, desenhos, estátuas, logomarcas, etc. Por outro lado, todas as imagens que não podemos tocar constituem-se de representações mentais ou abstratas. Apresentadas as devidas diferenças em torno da palavra imagem, veremos, a partir de agora, os pontos comuns que nos permitem identifi car a natureza deum artefato imagético. A intenção de compreender a natureza da imagem vem, desde a antiguidade, com as refl exões de fi lósofos gregos. Segundo Platão (428-347 a.C.): “chamamos de imagens em primeiro lugar as sombras, depois os refl exos que vemos nas águas ou na superfície de corpos opacos, polidos e brilhantes e todas as representações do gênero”. (apud JOLY, 1996, p. 13/14). Platão acreditava que a imagem era simplesmente a forma exterior das coisas, uma espécie de casca que cobria suas verdadeiras essências. Para esse pensador, a imagem representa o mundo das aparências. Isso quer dizer que a imagem, sob a perspectiva platônica, é considerada uma forma Platão acreditava que a imagem era simplesmente a forma exterior das coisas, uma espécie de casca que cobria suas verdadeiras essências. 18 Linguagem Visual na Historiografi a enganadora de conhecer a verdadeira natureza das coisas. A imagem desviaria o homem do mundo das ideias, que seria o único meio de conhecer – através do pensamento racional – a verdade sobre tudo aquilo que existe. Assim, segundo Platão, temos o seguinte quadro: IMAGEM = IMPRESSÃO SENSÍVEL* IDEIA = CONCEPÇÃO REAL** * Ou “Conhecimento sensível”: representa o grau inferior de conhecimento. ** Ou “Conhecimento inteligível”: representa o grau superior de conhecimento. A ideia de imagem, enquanto conhecimento superfi cial das coisas, fi ca mais clara no Mito da Caverna de Platão. Aliás, este mito serve como uma excelente ilustração para entendermos o sentido que a imagem ganhou no pensamento platônico, e na forma de conceber a imagem em nossa cultura ocidental de raízes greco-latina. O Mito da Caverna, em poucas linhas: Imagine uma caverna, onde seres humanos estavam condenados a viver acorrentados uns aos outros com seus rostos voltados apenas para o fundo da caverna. Jamais haviam visto a luz do sol ou qualquer aspecto do mundo real. Conheciam apenas as sombras das coisas e das pessoas que passavam no lado de fora, as quais eram projetadas na parede da caverna. Essas pessoas acreditavam, devido à condição em que viviam, que as sombras eram os próprios seres que habitavam o mundo. As sombras eram, portanto, a única realidade conhecida. Porém, um dia, um dos indivíduos aprisionados se libertou das correntes e saiu da caverna. Fora da prisão, ele se deparou com o mundo real. Após ter explorado esse novo mundo, ele regressou para a caverna, a fi m de contar a descoberta aos outros prisioneiros. Entretanto, os habitantes da caverna não acreditaram no que o homem liberto lhes contou e sua sentença foi a morte. Caso você queira conhecer mais sobre o Mito da Caverna de Platão, leia o Livro VII da obra: A República. 2. ed. Lisboa: Caloustre Gulbenkian, 1993. Você reparou que, no Mito da Caverna, a sombra é o elemento que equivale 19 NOÇÕES DE IMAGEM Capítulo 1 a imagem? Ela carrega o próprio sentido atribuído à imagem: enquanto indício, marca da presença de algo ou de alguém. Por outro lado, o mundo real só é identifi cado sob a luz do sol, luz esta que simboliza o próprio pensamento racional ou, no caso, fi losófi co. Conclui-se, então, que no pensamento platônico só é possível conhecer o mundo real por meio da razão (ou do raciocínio fi losófi co). Já as sombras ou as imagens são apenas impressões sensíveis das coisas. Logo, as imagens representam o conhecimento superfi cial ligado aos sentidos e sentimentos e não à razão, que é tida como forma de conhecimento superior. Entretanto, Aristóteles (384 – 322 a.C.), que foi discípulo de Platão, pensava diferente. Ele acreditava que nosso conhecimento é resultado tanto da percepção sensível quanto do raciocínio. Segundo Marilena Chauí, Aristóteles acreditava que o conhecimento é formado pela acumulação de diferentes graus de conhecimento (sete ao todo: sensação, percepção, imaginação, memória, linguagem, raciocínio e intuição), de modo que, “em lugar de uma ruptura entre o conhecimento sensível e o intelectual, há continuidade entre eles”. (CHAUÍ, 2003, p. 124). Para Aristóteles, portanto, a sensibilidade não faz parte de um grau inferior de expressão, mas apresenta-se como uma fonte de informação diferente que auxilia na compreensão do mundo. Além disso, este fi lósofo tinha uma relação diferenciada com a arte visual. A pintura, por exemplo, não era vista apenas como uma forma de representação do mundo, uma “sombra”, como afi rmava Platão, mas também como um objeto de prazer. Isto quer dizer que a imagem não se restringe ao debate teórico sobre conhecimento, pois ela fornece a base para toda uma discussão a respeito da estética. Veja bem, caro estudante, nosso objetivo aqui não é aprofundar um debate acerca do conhecimento ou da estética, mas trazer as primeiras refl exões fi losófi cas sobre a natureza da imagem, pois ainda hoje as visões de Platão e de Aristóteles estão presentes nas noções que temos dela. Denominaremos estas noções de noção platônica e noção aristotélica. Em síntese, temos: • Noção platônica: A imagem é concebida como ilusão, que impede o juízo racional, pois acoberta o sentido verdadeiro das coisas. • Noção aristotélica: A imagem é considerada produção sensível que nos auxilia a conhecer melhor o mundo, ou melhor, a forma com que nos relacionamos com ele. Assim, seja a imagem uma ilusão ou um artefato cultural, consideramos que ela tem a característica primeira de representação. Vamos as suas raízes linguísticas? O sentido da palavra latina imago, por exemplo, que está na origem da palavra imagem, se refere Para Aristóte- les, portanto, a sensibilidade não faz parte de um grau inferior de expressão, mas apresenta-se como uma fonte de informação di- ferente que auxilia na compreensão do mundo. Seja a imagem uma ilusão ou um artefato cultural, consideramos que ela tem a caracte- rística primeira de representação. 20 Linguagem Visual na Historiografi a à máscara mortuária usada pelos romanos na antiguidade. Isto quer dizer que, de acordo com a defi nição de Platão, que acabamos de ver, a imagem é, em seu nascedouro, uma representação, ou seja, um artefato que se coloca no lugar de algo ou de alguém. Para que possamos identifi car as origens da imagem, proponho a leitura do texto de Martine Joly: No começo, havia a imagem. Para onde nos voltemos, há a imagem. “...por toda parte no mundo o homem deixou vestígios de suas faculdades imaginativas sob a forma de desenhos, nas pedras, dos tempos mais remotos do paleolítico à época moderna”. Esses desenhos destinavam-se a comunicar mensagens, e muitos deles constituíram o que se chamou “os precursores da escrita”, utilizando processos de descrição-representação que só conservavam um desenvolvimento esquemático de representações de coisas reais. “Petrogramas”, se desenhadas ou pintadas, “petroglifos”, se gravadas ou talhadas – essas fi guras representam os primeiros meios de comunicação humana. São consideradas imagens porque imitam, esquematizando visualmente, as pessoas e os objetos do mundo real. Acredita-se que essas primeiras imagens também se relacionam com a magia e a religião. Já as religiões judaico-cristãs têm a ver com as imagens. Não porque as representações religiosas estão presentes em massa em toda a história da arte ocidental, porém, mais profundamente, porque a noção de imagem, assim como sua condição, representam um problema-chave, a questão religiosa. A proibição bíblica de se fabricar imagens e prosternar-se diante delas (3º mandamento) designava a imagem como estátua e como deus. Uma religião monoteísta tinha como dever, portanto, combater as imagens, isto é, os outros deuses. A “querela das imagens”, que abalou o Ocidente do século IV ao século VII de nossa era, opondo iconófi los e iconoclastas, é o exemplo mais manifesto desse questionamento sobre a natureza divina da imagem. Mais próxima de nós, no Renascimento, a questão da separação da representaçãoreligiosa e da representação profana estará na origem do surgimento dos gêneros pictóricos. Mesmo abolido, o iconoclasmo bizantino infl uenciou toda a história da pintura ocidental. De fato, no campo da arte, a noção de imagem vincula-se essencialmente à representação visual: afrescos, pinturas, mas também iluminuras, ilustrações decorativas, desenho, gravura, fi lmes, vídeo, fotografi a e até imagens de síntese. A estatuária é mais raramente considerada “imagem”. [...] Presente na origem da escrita, das religiões, da arte e do culto dos mortos, a imagem também é um núcleo de refl exão fi losófi ca desde a Antiguidade. Em especial Platão e Aristóteles vão defendê-la ou combatê-la pelos mesmos 21 NOÇÕES DE IMAGEM Capítulo 1 motivos. Imitadora, para um, ela engana, para outro, educa. Desvia da verdade ou, ao contrário, leva ao conhecimento. Para o primeiro, seduz as partes mais fracas de nossa alma, para o segundo, é efi caz pelo próprio prazer que se sente com isso. A única imagem válida aos olhos de Platão é a imagem “natural” (refl exo ou sombra), que é a única passível de se tornar uma ferramenta fi losófi ca. Instrumento de comunicação, divindade, a imagem assemelha-se ou confunde-se com o que representa. Visualmente imitadora, pode enganar ou educar. Refl exo, pode levar ao conhecimento. A sobrevivência, o Sagrado, a Morte, o Saber, a Verdade, a Arte, se tivermos o mínimo de memória, são os campos a que o simples termo “imagem” nos vincula. Consciente ou não, essa história nos constituiu e nos convida a abordar a imagem de uma maneira complexa, a atribuir-lhe espontaneamente poderes mágicos, vinculada a todos os nossos grandes mitos. (JOLY, 1996, p. 17-19). Assim, independente da função que uma imagem possa assumir: para iludir ou educar, ela tem, como condição, ser uma representação. E é justamente sobre esta característica primordial da imagem que nos deteremos neste caderno de estudos. Você deve ter uma ideia do que seja representação, mas vejamos melhor o que esta palavra quer dizer. De maneira geral, representação é “um processo pelo qual se institui um representante que, em certo contexto limitado, tomará o lugar do que representa”. (AUMONT, 1993, p. 103). Por exemplo: O ator Paulo Betti fez o papel de Carlos Lamarca no fi lme “Lamarca”, lançado em 1994. Consideramos, então, que o fi lme é uma representação sobre a vida do guerrilheiro comunista. Por outro lado, também podemos dizer que Paulo Betti representou ( “se colocou no lugar de”) Carlos Lamarca. Representação é um conceito central para pensarmos a imagem, mas também um conceito fundamental na história cultural. Este termo foi cunhado pelo sociólogo Émile Durkheim para explicar as maneiras pelas quais uma coletividade compartilha sentidos sobre o mundo. Nos estudos sobre “povos primitivos”, Durkheim concebe as representações coletivas como formas de manter a coesão social de um grupo. Elas se traduzem pelas normas, discursos, rituais e imagens socialmente compartilhadas. Assim, as representações, em seu sentido sociológico, são formulações mentais que confi guram o real; ou melhor, são formulações mentais pelas quais as pessoas dão sentido ao mundo e pautam suas próprias condutas, a fi m de conviver socialmente. Os historiadores que trabalham com as noções de mentalidade e imaginário, por sua vez, têm o conceito de representação como espinha dorsal de seus estudos. É o caso de George Duby, Jaques Le Goff , Roger Chartier e Alain Corbin. Quando nos referimos, por exemplo, à história das representações femininas, Representação é um conceito central para pen- sarmos a imagem, mas também um conceito funda- mental na história cultural. 22 Linguagem Visual na Historiografi a estamos falando propriamente dos estudos sobre as maneiras pelas quais as mulheres foram imaginadas em determinado contexto histórico. Representar é, pois, fundamentalmente, estar no lugar de, é presentifi cação de um ausente; é um apresentar de novo, que dá a ver uma ausência. A idéia é, pois, a da substituição, que recoloca uma ausência e torna sensível uma presença. A representação é conceito ambíguo, pois na relação que se estabelece entre ausência e presença, a correspondência não é da ordem do mimético ou da transparência. A representação não é uma cópia do real, sua imagem perfeita, espécie de refl exo, mas uma construção feita a partir dele. Há uma exposição, uma representação de algo ou alguém que se coloca no lugar de um outro, distante no tempo e/ou no espaço. Aquilo/aquele que se expõe – o representante – guarda relações de semelhança, signifi cado e atributos que remetem ao oculto – o representado. A representação envolve processos de percepção, identifi cação, reconhecimento, classifi cação, legitimação e exclusão. (PESAVENTO, 2005, p. 40). A noção básica que devemos assimilar de representação é esta: algo ou alguém que se coloca no lugar daquilo que representa. Representar é apresentar novamente (reapresentar) algo ou alguém, a partir de um suporte material que difere, em sua forma, daquilo que representa. Por exemplo: O quadro Mona Lisa, em sua forma, uma tela bidimencional de 77 por 53 cm, é completamente diferente da forma da modelo retratada por Leonardo da Vinci (provavelmente Lisa Del Giocondo). Marilena Chauí usa o termo analogia para se referir à característica comum que une os diferentes tipos de imagens. Na citação, a seguir, podemos perceber que este termo equivale ao sentido que estamos dando à palavra representação. Apesar das diferenças entre as imagens, Algo é comum a todas elas: oferecem-nos coisas, situações, pessoas que guardam alguma semelhança com outras coisas, situações, pessoas reais. Por oferecer alguma parecença, diz- se que uma imagem oferece um análogo das próprias coisas, situações ou pessoas. As imagens oferecem um análogo seja porque estão no lugar das próprias coisas (como na fotografi a ou numa pintura, por exemplo), seja porque nos fazem imaginar coisas através de outras (como a bandeira de um país, uma poesia ou uma música, por exemplo). [...] Embora sejam diferentes pela natureza da analogia, as imagens novamente possuem algo em comum: raramente ou quase nunca a imagem corresponde materialmente à coisa imaginada. Por exemplo, a bandeira e a nação são materialmente diferentes, os sons da sinfonia e meus sentimentos são diferentes, a fotografi a e a pessoa fotografada são diferentes, um mímico que imita uma janela ou uma locomotiva não é nem uma coisa nem outra, etc. Notamos, Representação é algo ou alguém que se coloca no lugar daquilo que representa. Repre- sentar é apresen- tar novamente algo ou alguém, a partir de um suporte material que difere, em sua forma, daquilo que representa. 23 NOÇÕES DE IMAGEM Capítulo 1 assim, que é próprio das imagens algo que suporíamos próprio apenas da fi cção, isto é, as imagens são irreais, quando comparadas ao que é imaginado através delas. Um quadro é real na condição de quadro percebido, mas irreal se comparado à paisagem da qual é imagem. (CHAUÍ, 2003, p. 145-146). O quadro de René Magritte, intitulado Traição das imagens, além de levantar uma discussão sobre a própria natureza da imagem, nos ajuda a entender a citação Anterior, mais especifi camente a seguinte frase: A imagem “quase nunca corresponde materialmente à coisa imaginada”. Convido que você se detenha por alguns instantes na fi gura abaixo. Figura 1 - Reprodução de parte da pintura de René Magritte intitulada: Traição das Imagens Fonte: Disponível em: <http://brasil.indymedia.org/ images/2008/03/413089.jpg>. Acesso em: 01 jun. 2009. Você não acha que a imagem acima é bastante provocativa? Gosto dela pelo simples fato de se tratar de uma brincadeira elaborada a partir da contradição entre imagem e texto; entre o que está desenhado e o que está escrito na legenda. Ao mesmo tempo em que a imagem nos apresentaum cachimbo, afi rma ironicamente: “Isto não é um cachimbo” (Ceci n’est pas une pipe). Trata-se de uma ironia traduzida em linguagem visual. E o que Magritte nos faz pensar com a pintura? Voltando à citação de Marilena Chauí, podemos dizer que a pintura de René Magritte reafi rma o caráter “irreal” da imagem. Ali não vemos propriamente um cachimbo, mas a pintura de um; a representação do objeto e não ele próprio. O quadro relança, então, o debate em torno da imagem como um artefato elaborado, seja a partir de algo existente, como é o caso da representação do cachimbo, seja a partir de algo imaginário. Apesar de irreal e justamente por ser irreal, a imagem é dotada de um atributo especial: ela tem o poder de tornar presente ou de presentifi car Segundo Chauí, a imagem consiste em um análogo de algo existente ou inexistente. Neste sentido, ela envolve aspectos que fazem parte do imaginário, da- quilo que constitui nossas crenças e valores culturais. 24 Linguagem Visual na Historiografi a algo ausente, seja porque esse algo existe e não se encontra onde estamos, seja porque é inexistente. No primeiro caso, a imagem ou o análogo é testemunha irreal de alguma coisa existente; no segundo, é a criação de uma realidade imaginária, ou seja, de algo que existe apenas em imagem ou como imagem. Nos dois casos, porém, o objeto-em-imagem é imaginário. (CHAUÍ, 2003, p. 146). Portanto, segundo Chauí, a imagem consiste em um análogo de algo existente ou inexistente. Neste sentido, ela envolve aspectos que fazem parte do imaginário, daquilo que constitui nossas crenças e valores culturais. Justamente, porque a imagem tem o poder “mágico” de tornar presente algo ausente. Um exemplo da magia da imagem está na relação dos Ianomâmis com a fotografi a: eles acreditavam que a foto tem o poder de capturar a sombra, ou alma, da pessoa. (PERSICHETTI, 2000, p. 16). Mas será que toda imagem é uma representação? A pessoa em um retrato não se coloca necessariamente no lugar de outra. Neste caso, não estaríamos diante de uma reprodução ao invés de uma representação? Para início de conversa, poderia dizer que a fotografi a é, ao mesmo tempo, reprodução e representação. Nesse caso, nossa resposta seria sim e não para a segunda questão. Sim, porque a fotografi a é tanto uma cópia fi el do que ela “captura” (desde que a foto não tenha sido manipulada com auxílio do photoshop), quanto o resultado de um processo de construção, que envolve o trabalho mental e manual. Assim, a princípio, a fotografi a é um pedaço de papel (em geral retangular), um “objeto-em-imagem”, que se coloca no lugar daquilo que foi fotografado. Desta forma, a imagem que está gravada no papel pode ser considerada uma reprodução; mas, se considerarmos apenas o objeto material, o próprio papel, sem dúvida não passa de uma representação. Para resumir, diríamos que a fotografi a é uma analogia, já que o signifi cado de analogia contém os sentidos atribuídos tanto à reprodução quanto à representação. Atividades de Estudos: 1) Pesquise os conceitos de analogia, reprodução e representação. A partir das informações coletadas, estabeleça as semelhanças e diferenças entre estes termos. Defi na com suas próprias palavras o conceito de imagem. ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ 25 NOÇÕES DE IMAGEM Capítulo 1 ___________________________________________________ 2) Você acha que a imagem pode ser considerada uma fonte histórica? Justifi que sua resposta a partir do que estudamos neste capítulo. ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ALgumas Considerações Defi nitivamente, a imagem, que não a mental, é um artefato culturalmente produzido. Ela é resultado de uma construção manual de algo real ou imaginário. É, no fi m das contas, um “ponto de vista” do mundo. Por isso, para compreender uma imagem, devemos levar em conta: o contexto cultural do indivíduo ou do grupo que a produziu e as tecnologias disponíveis no momento de sua criação. A imagem é um objeto complexo, que faz parte de nossa cultura. Por isso, fi ca difícil ler uma imagem se não conhecermos as condições culturais, econômicas e políticas de sua produção. A imagem tem, para o historiador, sem dúvida um valor documental, de época, mas não tomado no seu sentido mimético. O que importa é ver como os homens se representam, a si próprios e ao mundo, e quais os valores e conceitos que experimentavam e que queriam passar, de maneira direta ou subliminar, com o que atinge a dimensão simbólica da representação. (PESAVENTO, 2005, p. 88). Iniciamos esta disciplina pelas noções de imagem e de representação, a fi m de pensarmos o caráter cultural da imagem. Sendo uma representação, ela nos coloca em contato com o imaginário da sociedade que a produziu e das relações sociais, políticas e econômicas de uma coletividade. Através das imagens podemos perceber aspectos mentais e concretos do mundo social, as subjetividades e as concretudes que compõem as relações culturais de que fazemos parte. Para compreender uma imagem, devemos levar em conta: o contexto cultural do indiví- duo ou do grupo que a produziu e as tecnologias disponíveis no momento de sua criação. 26 Linguagem Visual na Historiografi a Convido-o, então, a passarmos ao próximo capítulo, no qual discutiremos as refl exões que os historiadores fi zeram sobre as imagens, enquanto fonte histórica. ReferÊnCias AUMONT, Jacques. A imagem. 6. ed. Campinas, SP : Papirus, 1993. BURKE, Peter. Testemunha Ocular: história e imagem. Bauru, SP: EDUSC, 2004. CHAUÍ, Marilena. Convite à fi losofi a. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003. GOMBRICH, E. H. A história da arte. 16. ed. Rio de Janeiro: LCT, 1999. HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002. Versão 1.0.5a, 1 CD – ROM. JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. 7. ed. Campinas, SP: Papirus, 1996. KNAUSS, Paulo. O desafi o de fazer História com imagens: arte e cultura visual. ArtCultura. Uberlândia, v. 8, n. 12, p. 97-115, jan.-jun. 2000. MANGUEL, Alberto. Lendo imagens: uma história de amor e ódio. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. PERSICHETTI, Simonetta (org.). Imagens da fotografi a brasileira 2. São Paulo: SENAC, 2000. PESAVENTO, Sandra J. História e História Cultural. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. CAPÍTULO 2 Historiografia e Imagem A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Apresentar as diferenças entre história tradicional e nova história. Examinar o tratamento conferido à imagem na historiografi a. Identifi car as teorias de análise das imagens. 28 Linguagem Visual na Historiografi a 29 HISTORIOGRAFIA E IMAGEM Capítulo 2 ConteXtuaLiZaçÃo Certamente você deve ter uma noção do que é história, mas você já parou para se perguntar como a história é construída? Esta questão é importante para repensarmos a noção que temos desta disciplina. Normalmente ouvimos que a História é uma ciência que estuda o desenvolvimento, a evolução das sociedades humanas, e que tem como objetivo o estudo do passado para a compreensão do presente. Estas afi rmações, no entanto, estão ancoradas em teorias da história do século XIX, de base positivista, que concebe a história como um movimento linear, contínuo e evolutivo. Sob a perspectiva cientifi cista do positivismo não existe margem para a subjetividade, na história, tampouco noutro tipode fonte, senão o documento escrito. Atualmente, esta noção positivista, que privilegia o documento escrito e concebe a história como uma ciência objetiva, não se sustenta. Hoje a história, ou melhor, a historiografi a tem sido pensada sob as perspectivas do relativismo e do construtivismo. Neste sentido, a história é tratada como um discurso fabricado, que se fundamenta nas questões lançadas pelo historiador, e nas teorias e fontes utilizadas para responder problemas de pesquisa. Assim, quando pensamos a história hoje, devemos considerar as complexas relações que envolvem o trabalho do historiador; isto é: o contexto social e cultural em que ele está inserido. Em síntese, a questão não está mais em entender o que é a história, mas em compreender como as histórias (narrativas historiográfi cas) estão sendo construídas. Conceber a história como texto abre caminho para pensarmos o processo de trabalho do historiador, que se resume na interpretação do passado a partir das fontes coletadas e estudadas por ele. O documento não é mais visto como testemunho fi el da realidade. Ele não fala por si mesmo. É o historiador que constrói uma narrativa verossímil, a partir da confrontação de diferentes documentos. O documento, neste sentido, não é mais o lugar seguro onde a verdade histórica se esconde, mas sim, um indício cultural do passado. A importância de se compreender a história como uma construção e de problematizar os documentos históricos, faz parte da crítica à história tradicional, a qual privilegia a narrativa factual, as personalidades políticas e os documentos ofi ciais. É no contexto da crítica à historiografi a tradicional que situaremos os estudos da nova história e da história cultural, que passam a tratar a imagem como uma fonte de conhecimento. A imagem, na visão da A questão não está mais em entender o que é a história, mas em compreender como as histórias (narrativas histo- riográfi cas) estão sendo construí- das. A imagem, na visão da nova história, é um documento como outro qualquer, indício cultural do tempo passado, que desafi a o pes- quisador, ou edu- cador, ao trabalho de interpretação. 30 Linguagem Visual na Historiografi a nova história, é um documento como outro qualquer, indício cultural do tempo passado, que desafi a o pesquisador, ou educador, ao trabalho de interpretação. Este trabalho, no entanto, requer decodifi cação, associação e confrontação das imagens com outras fontes. Exige leituras, dedicação e sensibilidade por parte do analista. Isto torna a leitura de imagem um trabalho extremamente instigante. Veremos, neste capítulo, que existem diferentes enfoques de tratamento da imagem: a iconografi a, que valoriza os detalhes; os estudos da história social da arte, que valorizam as formas de recepção da imagem; as leituras psicanalíticas, que destacam os aspectos inconscientes das imagens; e o estruturalismo, que lê os elementos visuais como um sistema de signifi cados. História TradiCionaL e NoVa História No século XIX, a história ocupava o lugar de honra entre as ciências humanas; não apenas pela erudição dos historiadores, ou pelo fato da história ser uma das mais antigas disciplinas dentre suas “irmãs” (sociologia, antropologia, linguística, fi losofi a etc), mas, sobretudo, pelo fato do texto histórico ter o poder de revelar o passado através de métodos de análise dos documentos. Por outro lado, a história tinha a nobre função de narrar a trajetória política dos Estados Nacionais modernos. A história era, enfi m, o meio legítimo de conhecer o passado. Entre os historiadores cientifi cistas do século XIX que mais se destacaram está o alemão Leopold Von Ranke, que, imbuido do espírito científi co, desejava transformar a história em uma área do conhecimento que mostrasse como realmente se desenrolaram os acontecimentos. Ele, juntamente com o fi lósofo e linguista Wilhelm Von Humboldt, priorizou a história política para conhecer o passado. Segundo Jacques Le Goff , Ranke “empobreceu o pensamento histórico, atribuindo excessiva importância à história política e diplomática” (1996, p. 90). Resumidamente podemos dizer que o historicismo de Humboldt e Ranke pensava a história como uma sucessão de acontecimentos no tempo, e caberia ao historiador o registro desses acontecimentos, a fi m de se conhecer a verdadeira face do passado, ou simplesmente, conhecer como se deram realmente as coisas. Historicismo: 1. “Conjunto de doutrinas fi losófi cas que buscam fazer da história o grande princípio explicativo da conduta, dos valores e de todos 31 HISTORIOGRAFIA E IMAGEM Capítulo 2 os elementos (artes, fi losofi a, religião etc.) da cultura humana.” (HOUAISS, 2002). 2. O seu fundamento é o reconhecimento de que os acontecimentos históricos devem ser estudados, não como anteriormente se fazia, como ilustrações da moral e da política, mas como fenômenos históricos. Na prática, manifestou-se pelo aparecimento da história como disciplina universitária independente, no nome e na realidade. Na teoria, expressou-se através de duas proposições: 1) o que aconteceu deve ser explicado em função do momento em que aconteceu; 2) para o explicar existe uma ciência específi ca, usando processos lógicos, a ciência da história. Nenhuma destas proposições era nova, mas nova era a insistência nelas colocada, e que levou a exagerar, em termos doutrinais, as duas proposições: Da primeira, tirou-se a ideia de que fazer história de algo é dar uma explicação sufi ciente, e, os que viam uma ordem lógica na ordem cronológica dos acontecimentos consideraram a ciência histórica capaz de predizer o futuro. (NADEL apud LE GOFF, 1996, p. 88). A partir da defi nição de Nadel, percebemos o historicismo como uma teoria que legitima a história como disciplina científi ca que tem como eixo central a noção de progresso histórico. Leopold von Ranke fazia parte de uma geração infl uenciada pelo positivismo, que combatia a história moralizante e idealista. Ele estava, neste sentido, imbuído da ideia de um fazer historiográfi co científi co, comprometido com um método que valorizava o documento, a fi m de recriar, verdadeiramente, o acontecido. Daí o grande interesse que os historiadores cientifi cistas nutriam pelos documentos escritos ofi ciais, considerados as únicas fontes válidas para recriar os fatos passados. Vejamos o que Edward Carr diz sobre a relação quase sagrada entre os historiadores oitocentistas e seus documentos. O fetichismo dos fatos do século XIX era completado e justifi cado por um fetichismo de documentos. Os documentos eram sacrário do templo dos fatos. O historiador respeitoso aproximava-se deles de cabeça inclinada e deles falava em tom reverente. Se está nos documentos é porque é verdade. (2006, p. 52-53). Por sua vez, são justamente os documentos ofi ciais (decretos, tratados, correspondências, memorandos, etc) que serviram como principais fontes para a construção da história tradicional da nação. Este tipo de história é legitimada 32 Linguagem Visual na Historiografi a pelo discurso positivista, que enfatiza o progresso dos estados nacionais modernos. A história nacional, que nasceu com o próprio Estado Nacional, prestigiou a narrativa da evolução histórica da nação. Entre os personagens deste tipo de história constam especialmente os povos primitivos (através de suas heranças culturais) e os heróis nacionais – aqueles que teriam dedicado suas próprias vidas à construção e ao desenvolvimento da nação. A história nacional ou tradicional nasceu, assim, no contexto de consolidação do Estado Nacional moderno, quando se buscou enaltecer certos valores políticos e culturais que interessavam às classes sociais dominantes. De modo didático, Peter Burke (1992) caracteriza a história nacional tradicional a partir de seis pontos: 1. Ênfase ao modelo de escrita que privilegia a história política estatal. 2. Escritabaseada na narrativa dos acontecimentos; feita pelo encadeamento de fatos históricos. 3. Visão “de cima”, ou seja, privilegia o “feito dos grandes homens, estadistas, generais, ou ocasionalmente, eclesiásticos” (BURKE, 1992, p.12). 4. Fundamentação em documentos ofi ciais. 5. Valorização das ações dos grandes homens. 6. Objetividade, ou seja, busca apresentar o que realmente aconteceu. Por outro lado, a nova história deve ser compreendida como um conjunto historiográfi co heterogêneo, que tem em comum os paradigmas historiográfi cos que se opõem à história tradicional. Assim, não devemos compreender a nova história como um movimento fi losófi co ou político fechado e articulado, mas sim como uma reação generalizada ao historicismo. Peter Burke mostra que a expressão “nova história” surgiu em 1912, no título do livro do historiador norte- americano James Robinson (The New History), e tinha como objetivo construir uma história utilizando diferentes fontes. (A reação à história rankeana também apareceu na Alemanha, em 1900, com Karl Lamprech; na frança, na década de 1920, com a Escola dos Annales.; na Inglaterra, nos anos 1930, com Lewis Namier). Porém, foi a partir da década de 1970 que houve uma reação mundial contra o modelo de história tradicional. Para cada uma das seis características da história tradicional apontadas anteriormente, Peter Burke apresenta seis contrapontos, que dão a ver a amplitude do movimento historiográfi co que estamos chamando de nova história. A nova história deve ser com- preendida como um conjunto historiográfi co heterogêneo, que tem em comum os paradigmas histo- riográfi cos que se opõem à história tradicional. 33 HISTORIOGRAFIA E IMAGEM Capítulo 2 Vejamos as principais características da nova história: 1. Coloca ênfase na noção de cultura, entendida como um sistema de representações que age sobre o real. 2. Está centrada na análise do contexto (estrutura) e não em algum acontecimento isolado; e nas mudanças que se realizam a longo prazo. Está presente a noção de diferentes temporalidades históricas. 3. A história é vista “de baixo”. Problematiza a cultura popular e o cotidiano na história. 4. Utiliza diferentes fontes históricas, como os artefatos visuais e os depoimentos orais. 5. Preocupa-se com os movimentos coletivos. 6. A história é vista como uma construção discursiva. Não pretendo me deter em cada um dos pontos apresentados, mas simplesmente mostrar como podem ser diferentes as vertentes historiográfi cas, que estamos denominando de nova história. Fazem parte da nova história: a história econômica, a história das mentalidades, a micro-história, história das mulheres, história da infância e história do meio ambiente. Para se aprofundar nas características da Nova História indicadas anteriormente, sugiro a leitura do seguinte artigo: BURKE, Peter. Abertura: a nova história, seu passado e seu futuro. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Ed. da UNESP, 1992. p. 7-37. Esta breve apresentação da nova história nos serve, todavia, para percebermos o cenário geral de difusão do uso das imagens como indícios históricos. A partir do que foi exposto, podemos dizer que as imagens começaram a ser tratadas como fontes históricas no processo de renovação da escrita da história, que inclui o questionamento da própria noção de documento. Contudo, apesar da renovação historiográfi ca ter vindo com força nas décadas de 1970 e 1980, veremos que, desde o começo do século XX, a história cultural propunha novas formas de escrever a história, a partir da leitura de imagens. As imagens começaram a ser tratadas como fontes históricas no processo de renovação da escrita da história, que inclui o questionamento da própria noção de documento. 34 Linguagem Visual na Historiografi a A História CuLturaL e o Estudo da Imagem Uma das obras precursoras da história cultural é “Outono da Idade Média”, do historiador Johan Huizinga (1872-1945). Além de ser um marco para a história cultural, o livro também se apresenta como um dos precursores no tratamento da imagem como fonte histórica. Segundo Peter Burke, “a prosa [do livro] é sensual, atenta a sons, como o dos sinos e tambores, e às imagens visuais” (2005, p. 20). Huizinga utilizou, por exemplo, quadros do pintor holandês Jan van Eyck para compor o clima cultural do período do renascimento. Da mesma maneira, Jakob Burckhardt (1818-1897), antes mesmo de Huizinga, utilizou obras de arte para compor o ambiente cultural renascentista. Em “A cultura do renascimento na Itália” (1860), Burckhardt procurou pensar a sociedade, que inclui as relações políticas, em termos culturais, numa articulação profícua entre arte e cultura. É importante notar que, em ambos os livros, a obra de arte é dessacralizada, ou seja, ela deixa de ser vista em sua individualidade, ou como resultado da genialidade do artista, para ser tratada como um indício cultural do tempo. Aliás, este é um dos grandes méritos dos estudos culturais, que consideram a obra de arte como uma imagem elaborada a partir de sistema de valores socialmente constituídos. Neste sentido, a obra de Burckhardt é uma das precursoras dos estudos culturais da imagem, justamente por considerar as imagens como objetos “através dos quais é possível ler as estruturas de pensamento e representação de uma época”. (BURKE, 2004, p.13). A história cultural teve, assim, decisiva infl uência nos estudos históricos sobre imagem, pois ampliou a noção de fonte histórica ao incorporar a linguagem visual no rol de representações analisadas pelo historiador. Isto equivale a considerar a imagem como indício cultural de um período histórico. O historiador passa a contar, então, com mais um conjunto de fontes para ler o passado. Para tal, as fontes visuais devem ser tratadas com desconfi ança e estranhamento pelo historiador. Elas não devem ser vistas como uma simples ilustração do passado (por mais realistas que sejam), pois a imagem é uma composição, e como tal mescla elementos concretos e imaginários. Ou seja, as representações visuais integram objetos concretos, que estão explícitos, mas também concepções mentais implícitas. Ao leitor das imagens cabe, então, interpretar os diferentes aspectos das imagens, a fi m de tornar compreensíveis ideias (ou ideologia) presentes na composição. A história cultural teve, assim, deci- siva infl uência nos estudos históricos sobre imagem, pois ampliou a noção de fonte histórica ao incor- porar a linguagem visual no rol de representações analisadas pelo historiador. 35 HISTORIOGRAFIA E IMAGEM Capítulo 2 Sabemos, no entanto, que as imagens vêm servindo para os mais diferentes usos. Enquanto documentos “ilustrativos”, elas serviram para o estudo da história da vestimenta, das mobílias e dos espaços urbanos. Os cenógrafos, arquitetos e restauradores, por exemplo, utilizam as pinturas e as fotografi as para recompor a forma das fachadas de prédios antigos. Neste sentido, a imagem tem simplesmente valor de evidência, por mostrar a aparência verdadeira de determinados objetos que não existem mais. Para este tipo de trabalho a fotografi a é um documento perfeito. Neste caso, o caráter subjetivo da imagem não tem importância, e sim os elementos concretos que aparecem na representação. Considerar a imagem como uma cópia do real é acreditar que ela seja uma janela para o mundo, tal como ele era, porém, como apontamos anteriormente, devemos tomar cuidado com esta concepção e desconfi ar das leituras que consideram a imagem espelhos visuais do passado – quer dizer, refl exo exato do acontecimento. A imagem deve ser considerada, antes de tudo, como resultado de uma composição que, por sua vez, sofreu as infl uências do contexto cultural em que foi gestada. Nem a imagem que pretendeu ser a mais fi el das cópias de uma realidade qualquer jamaiso será, assim como acontece com qualquer interpretação historiográfi ca. Há sempre a arbitrariedade, a parcialidade e as escolhas do observador e do historiador, o que garante, sempre, olhares e versões diferentes sobre um mesmo objeto. (PAIVA, 2006, p. 55). O historiador Eduardo França Paiva compara o trabalho do produtor de imagens (seja um artista ou técnico) com o trabalho do historiador. Ambos, o artista e o historiador, não retratam a realidade tal qual ela é, mas sim um fragmento do real, visto sob determinado ponto de vista (que inclui a formação escolar e a experiência de vida). Assim, a pintura, tal qual o texto histórico, não passa de uma construção específi ca, que é resultado de escolhas pessoais, mas também das circunstâncias sócioculturais que cercaram seu autor. Portanto, a relação entre história cultural e imagem não pode ser compreendida sem considerarmos a noção de representação e de imaginário, uma vez que a imagem envolve tanto elementos concretos quanto simbólicos. Neste sentido, a imagem apresenta-se como uma fonte de estudo valiosa para o historiador, pois é um artefato que permite analisar aspectos ideológicos, sociais, econômicos e políticos da época em que foi construída. A relação entre história cultural e imagem não pode ser compreendida sem considerar- mos a noção de representação e de imaginário, uma vez que a imagem envolve tanto elementos concretos quanto simbólicos. 36 Linguagem Visual na Historiografi a Atividade de Estudos: A partir daquilo que estudamos nesta seção, responda a seguinte questão: 1) Em que sentido o estudo da imagem contribui para a História Cultural? ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ IConografia: Notas e Comentários A imagem importa ao historiador na medida em que é considerada uma fi guração prenhe de memória. Isto é: a imagem é tida como uma representação que incorpora fi guras carregadas de sentidos historicamente construídos. É neste sentido que a iconografi a é um método importante para a interpretação de imagens e compreensão do passado. Iconografi a: “Estudo das representações fi guradas; repertório dessas representações. Estudo descritivo da representação visual de símbolos e imagens, tal como se apresentam nos quadros, gravuras, estampas, medalhas, efígies, retratos, estátuas e monumentos de qualquer espécie, sem levar em conta o valor estético que possam ter”. (HOUAISS, 2002). Ler o passado através dos elementos simbólicos da imagem é um exercício que remonta à década de 1930, quando houve uma reação contra as leituras tradicionais da história da arte. De maneira geral, a história da arte considerava apenas os seus aspectos estéticos, deixando de lado a análise do seu conteúdo. Por outro lado, segundo Peter Burke (2004, p. 44), houve a reação também àqueles 37 HISTORIOGRAFIA E IMAGEM Capítulo 2 que consideravam a pintura uma cópia da realidade. A principal característica da iconografi a é a ideia de leitura de imagem. Isto quer dizer que a imagem, assim como o texto, deve ser interpretada em seus componentes visíveis, como também em seu aspecto subjetivo. Aby Warburg (1866-1929) e Erwin Panofsky (1890-1948) estão entre os principais intelectuais difusores da iconografi a, que tinham como foco de estudo as formas simbólicas nas imagens. Por sua vez, do estudo iconográfi co criado por Warburg, Panofsky criou seu próprio método, que foi publicado no livro: Studies in Iconology (1939). Este método consiste basicamente na leitura da imagem em três etapas: 1ª – pré-iconográfi ca; 2ª – iconográfi ca; 3ª – iconológica. A primeira etapa consiste na descrição e identifi cação dos elementos visíveis em uma imagem; é a mais simples e superfi cial. Na segunda etapa deve-se levar em conta os signifi cados convencionais da imagem, ou seja, o reconhecimento dos elementos como integrantes de determinado evento histórico – para isso o leitor deve ser uma pessoa erudita, deve conhecer os textos clássicos de literatura e história. Por fi m, a iconologia consiste em estudar as características intrínsecas da imagem. “Panofsky insistia na ideia de que imagens são parte de toda uma cultura e não podem ser compreendidas sem um conhecimento daquela cultura”. Assim, “para interpretar a mensagem, é necessário familiarizar-se com os códigos culturais” (BURKE, 2004, p. 46). Portanto, a descrição de uma imagem, segundo Panofsky, nos coloca no nível da análise iconográfi ca da imagem: a etapa inicial de uma leitura imagética. Para o mesmo autor, esta descrição (análise superfi cial ou intuitiva) deve ser seguida por uma análise mais aprofundada, a iconológica, que pretende encontrar a “essência” da imagem ou reconstituir o “espírito de uma época”. Podemos considerar, assim, que a análise simbólica, ou interpretativa, tem como proposta inscrever a imagem em um contexto mais amplo, relacionando-a a outros documentos que tenham sido produzidos no mesmo período. A iconologia, por sua vez, ganhou outros sentidos ao longo do tempo. “Para Gombrich, por exemplo, o termo refere-se à reconstrução de um programa pictórico [...]”. (BURKE, 2004, p.46). Portanto, Gombrich contestou a função única da imagem como refl exo do “espírito da época”, pensando a interpretação da imagem em uma relação íntima com valores subjetivos de quem a analisa. Neste sentido, a leitura de uma imagem depende dos conhecimentos do intérprete sobre determinado período histórico e da “escola pictórica” a que pertence a imagem. A leitura da imagem resulta tanto da erudição quanto das questões levantadas pelo estudioso. Em outras palavras, a imagem não fala por si, é preciso estudá-la, entendendo as condições específi cas e o contexto histórico em que foi produzida. A análise simbó- lica, ou interpre- tativa, tem como proposta inscrever a imagem em um contexto mais amplo, relacio- nando-a a outros documentos que tenham sido produzidos no mesmo período. 38 Linguagem Visual na Historiografi a Segundo o holandês Eddy de Jongh, “iconologia é uma tentativa de explicar representações no seu contexto histórico, em relação a outros fenômenos culturais” (Ibid). Aproximamos-nos da imagem, enquanto fonte histórica particular, não menos ou mais importante que outro documento escrito. Panofsky e Gombrich, por sua vez, são herdeiros da “Escola de Warburg” que, na década de 1920, dinamizou os debates em torno da interpretação de imagens. A iconografi a (ou o estudo das representações imagéticas do grupo ligado a Aby Warbug) deu um novo status à obra de arte e, por sua vez, à própria noção de imagem, que passou a ser percebida como documento suscetível de uma análise sociocultural. A imagem ultrapassou, assim, a fronteira da história da arte, dos estilos artísticos, e passou a ser “testemunho” de certos ideais e práticas do tempo passado. Warburg chama atenção para os elementos internos da imagem artística. Fala da necessidade de uma “descrição densa” (que se assemelha à descrição que os antropólogos fazem das culturas primitivas) e chama a atenção para a análise dos detalhes em uma pintura. Daí a importância dos elementos que compõem a imagem, pois são potencialmente transmissores de memórias e sensibilidades. Por que memórias? Porque, de acordo com Warburg, cada imagem evoca outras imagens ou representações anteriores. Assim, a imagem – da mesma maneira que um texto – é composta de outras referências, não em forma de palavras, mas de elementos gráfi cos. Segundo Peter Burke, a história cultural das imagens desenvolveu- se a partir dos estudos de Warburg, estudioso que se dedicou à análise das sobrevivências de elementos visuais em determinadas representações pictóricas. “Warburg interessou-se,em particular, pelos elementos da tradição, que chamou de esquemas ou fórmulas, visuais ou verbais, que persistiam com o passar dos séculos, embora seus usos e aplicações variassem”. (BURKE, 2000, p. 239-240). Daí a importância das imagens para a história cultural, uma vez que, através de uma interpretação das mesmas, é possível “a identifi cação de estereótipos, fórmulas, lugares-comuns e temas recorrentes em textos, imagens e apresentações e o estudo de sua transformação, se tornaram parte importante da história cultural [...]”. (Ibid). Se o método iconográfi co de Panofsky é criticado por considerar a existência de uma unidade cultural de uma época – na esteira do pensamento sobre “espírito do tempo” (o Zeitgeist) de Hegel - Warburg, por outro lado, possibilita pensar as ambiguidades das imagens, o que ele percebeu em suas pesquisas sobre o período renascentista. De acordo com Warburg, uma imagem é composta de elementos antigos e novos. A imagem é, pois, uma fonte histórica híbrida, ou seja, ela mescla diferentes elementos simbólicos. O Nascimento da Vênus, de Sandro 39 HISTORIOGRAFIA E IMAGEM Capítulo 2 Botticelli, que foi analisado na tese de doutoramento de Warburg, por exemplo, é composto de símbolos da antiguidade, reelaborados a partir dos problemas específi cos do tempo em que o quadro foi produzido. A iconografi a de Warburg analisa a obra de arte como um verdadeiro testemunho histórico, mais que o resultado de um estilo estético preciso. De maneira geral, este estudioso concebe a imagem como um meio de acesso a ideias e sentimentos de uma época. Portanto, um estudo sobre a iconografi a dá a ver que as imagens não revelam o mundo, muito menos “valem por mil palavras”. Para que uma imagem “diga” algo é necessário que ela passe por um processo de análise, de leitura, em que sejam investigados os meios de produção e o contexto em que foi produzida. A Última Ceia (1495-8), de Leonardo da Vinci, por exemplo, é um quadro que trata de um tema da antiguidade, a partir do olhar humanista do renascimento. Além da simetria e da perspectiva (profundidade e volume), características da pintura renascentista, os personagens comunicam toda sua humanidade através de gestos realistas que denotam emoções. Partindo de uma análise iconográfi ca, podemos dizer que a pintura trata de uma cena da história bíblica, onde estão reunidos Cristo e seus apóstolos, antes da crucifi cação. O aspecto de tensão da Santa Ceia de Leonardo está na relação entre a agitação dos apóstolos e a serenidade de Cristo, após este ter anunciado que havia um traidor entre eles. Figura 2 - A Última Ceia, Leonardo da Vinci Fonte: Disponível em: <http://www.legal.adv.br/img/ shots/ceia.jpg>. Acesso em: 10 jul. 2009. Acompanhe, a seguir, a interpretação da Última Ceia do historiador de arte Ernst Gombrich (1909-2000) que, além de identifi car os personagens da Para que uma imagem “diga” algo é necessário que ela passe por um processo de análise, de leitura, em que sejam investi- gados os meios de produção e o contexto em que foi produzida. 40 Linguagem Visual na Historiografi a cena (análise iconográfi ca), dá a ver os sentimentos que os envolvem (análise iconológica). Leonardo, como Giotto antes dele, revertera ao texto das Escrituras e se esforçara por visualizar como teria sido a cena quando Cristo disse: “‘Em verdade vos digo que um dentre vós me trairá.’ E eles, muitíssimo contristados, começaram um por um a perguntar-lhe: ‘Porventura sou eu, senhor?’” (Mateus XXVI, 21-2). [...]. São essas interrogações e esses sinais que trazem movimento à cena. Cristo acabou de pronunciar as palavras trágicas, e os que estão a Seu lado recusam horrorizados ao ouvir a revelação. Alguns parecem protestar seu amor a Jesus e sua inocência, outros discutem gravemente a quem o Senhor poderia se referir, outros ainda parecem aguardar uma explicação para o que ele disse. S. Pedro, o mais impetuoso deles, precipita-se para S. João, que se senta à direita de Jesus. Ao segredar algo ao ouvido de S. João, empurra inadvertidamente Judas para diante e ergue os olhos com desconfi ança ou cólera, um contraste dramático com a fi gura do Cristo, calmo e resignado em meio a esse crescente alvoroço. (GOMBRICH, 1999, p.298). Percebemos, nesta leitura, a sensibilidade de Gombrich, aliada a seus conhecimentos de história da arte. Além disso, este texto nos serve de lição: é possível e interessante reunir em um único texto as descrições e as interpretações acerca da imagem. Atividade de Estudos: 1) Apresente cada uma das etapas do método de análise de imagens, propostas por Erwin Panofsky: pré-iconográfi ca; iconográfi ca e iconológica. ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ ___________________________________________________ Uma Leitura da Primeira Missa no BrasiL Apresentarei uma análise da tela Primeira missa no Brasil (1861), pintada por Victor Meirelles (1832-1903), para mostrar os aspectos simbólicos 41 HISTORIOGRAFIA E IMAGEM Capítulo 2 envolvidos na leitura da imagem. Este famoso quadro ilustra a primeira missa realizada na colônia portuguesa, na América. A tela é uma das mais conhecidas pinturas brasileiras, em função de sua ampla reprodução em livros didáticos de história. Ela é convencionalmente aceita como uma ilustração do primeiro ritual católico realizado em solo brasileiro, feita a partir de elementos da Carta de Pero Vaz de Caminha (1500). Se a Carta de Caminha é considerada a certidão textual do nascimento do Brasil, a pintura de Meirelles é a certidão visual. Proponho, primeiro, a leitura de trechos da Carta, que descrevem a participação dos nativos em duas missas: a primeira teria ocorrido dia 26 de abril, domingo, e a segunda, dia 1º de maio, sexta-feira. A missa de 26 de abril: Enquanto estivemos à missa e à pregação, seria na praia outra tanta gente, pouco mais ou menos como a de ontem, com seus arcos e setas, a qual andava folgando. E olhando-nos, sentaram-se. E, depois de acabada a missa, assentados nós à pregação, levantaram-se muitos deles e tangeram [tocaram] corno ou buzina e começaram a saltar e dançar um pedaço. A missa de 1º de maio: Disse missa o padre frei Henrique, a qual foi cantada e ofi ciada por esses já ditos [religiosos e sacerdotes]. Ali estiveram conosco a ela perto de cinqüenta ou sessenta deles [nativos], assentados todos de joelho assim como nós. E quando se veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco e alçaram as mãos, fi cando assim até ser acabado; e então tornaram-se a assentar como nós. E quando levantaram a Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim todos, como nós estávamos com as mãos levantadas, e em tal maneira sossegados, que, certifi co a Vossa Alteza, nos fez muita devoção. Estiveram assim conosco até acabada a comunhão; depois da qual comungaram esses religiosos e sacerdotes e o Capitão com alguns de nós outros. Alguns deles, por o Sol ser grande [cerca de meio-dia], quando estávamos comungando, levantaram-se, e outros estiveram e ficaram. Um deles, homem de cinqüenta ou cinquenta e cinco anos, continuou ali com aqueles que ficaram. Esse, estando nós assim, ajuntava estes, que ali ficaram, e ainda chamava outros. E andando assim, entre eles falando, lhes acenou com o dedo para o altar e depois apontou o dedo para o Céu, como se lhes dissesse alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos. (CAMINHA, 2002, p.115). 42 Linguagem Visual na Historiografi a As missas, pelo que consta na Carta, foram celebradas com muito prazer e devoção. Na primeira, parece que os nativos fi zeram seu próprio ritual; na segunda, eles já começam a imitar o movimento de se ajoelhar, ensaiando os primeiros movimentos de aculturação.
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