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O feio na arte

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Seria o feio o indiferente esteticamente, ou a antítese do belo, em cujo caso se poderia pensar que fica fora do universo e do comportamento estéticos?
Não. O feio não é sinônimo de não estético ou de indiferente a partir do ponto de vista estético (como é nas relações teórico-cognoscitiva, moral ou prático-utilitária). 
Que tipo de objetos são esses que em determinadas condições consideramos feios, e que características assumem ao se exibirem como tais? 
Esses objetos podem ser tanto da natureza em si (como animais mortos, frutas podres, campos áridos, os próprios seres humanos em vida) quanto da natureza trabalhada pelo homem (paisagens destruídas pelo homem, construções erguidas pelo mesmo, máquinas, objetos técnicos). 
Em que sentido a experiência que vive o sujeito ao entrar na relação com eles pode ser classificada exatamente de estética? 
O feio, diferente do que muitas pessoas pensam, ocorre na esfera da estética, e não da anestesia. Como toda experiência estética, ocorre em um objeto concreto-sensível e na experiência de um sujeito ao percebê-lo sensivelmente.
O feio e as relações do homem com o mundo
Uma teoria não é verdadeira por ser bela, nem, por outro lado, é falsa por ser feia. 
O feio não tem lugar, ou pelo menos não necessariamente, na relação teórico-cognoscitiva com o objeto real nem com o objeto teórico que se constrói nela para conhecê-lo. Tampouco pode-se admitir essa identificação se o feio é entendido como o não-autêntico que oculta a verdadeira origem e a natureza do objeto. 
Historicamente, e não só na Antiguidade grega, o feio foi associado frequentemente com o mal, e o belo com o bem, em sentido moral. 
A dimensão estética do feio
O feio tem uma dimensão estética que não se identifica com outras dimensões ou valores negativos (o falso, o mau, o inútil, o ineficiente) com os quais costuma ser associado por sua negatividade. Classificar de feio um ser real não significa negá-lo esteticamente. O feio ocorre em um objeto que por sua forma é percebido esteticamente. Mas, como acontece com outras categorias estéticas, mesmo que se trate da experiência singular que vive um sujeito em determinada situação estética, o feio só ocorre historicamente e, com o fluir histórico, muda o seu conteúdo. Nem sempre o que foi considerado feio em uma época sobrevive como tal em outras. 
O feio não é sinônimo de não estético ou de indiferente a partir do ponto de vista estético, como é nas relações teórico-cognoscitiva, moral ou prático-utilitária. O feio ocorre na esfera da sensibilidade, não da anestesia. Como todo o estético, ocorre em um objeto concreto-sensível e na experiência de um sujeito ao percebê-lo sensivelmente. 
Durante os primórdios do capitalismo, não se levava em conta a bela apresentação de um objeto, já que isso elevaria o custo de sua produção. Sendo assim, o feio ganhava espaço em sua fabricação. Porém, com o passar do tempo surge a necessidade de embelezar o produto para que sua comercialização seja mais vantajosa. Considerando o produto a partir do seu ângulo prioritário do valor de troca, o industrial conclui que o feio não vende e que, portanto, não é lucrativo. Daí a importância do desenho industrial. 
Já nos séculos que precederam o desenho industrial, a conjunção de utilidade e beleza foi procurada no artesanato. Mesmo que nele tenha havido a tendência a descartar o feio do útil, nem sempre isso foi conseguido. A dependência dos produtos artesanais em relação a sua utilidade, assim como a tosca e repetitiva produção tradicional conforme m modelo conduzem com frequência a que seus produtos, por sua apresentação, sejam feios. 
Em nossos dias o artesanato tende a dividir-se em um artesanato corrente, que, competindo em desvantagem com a indústria, atende a um consumo popular, e um artesanato fino, destinado a uma clientela mais elitista. O primeiro se preocupa antes de tudo com a utilidade e baixo preço dos artigos, deixando a bela apresentação em segundo plano; o segundo desinteressa-se pela sua utilidade e procura satisfazer principalmente o consumo estético. 
Se compararmos o lugar do feio na realidade com aquele que ocupam outras categorias estéticas, e especialmente o do belo, veremos que preenche uma ampla faixa tanto na natureza quantos nas concentrações urbanas. Mas advertimos, mesmo assim, que quando se trata de produtos humanos – como os da indústria ou as cidades – a presença do feio não pode ser dissociada da realidade social em que é gerada e se expande. 
O feio na antiguidade grega
Já Aristóteles é o primeiro a atribuir caráter estético ao feio. Ele acreditava que a fealdade na arte, longe de provocar desagrado, pode nos suscitar prazer se representada por uma técnica realista. Essa sua concepção de que não só as coisas belas na realidade, mas também as feias, podem ser representadas na arte, desde que o sejam de forma artisticamente criadora leva séculos para ser aceita. 
Em seguida, Plutarco complementa a visão de Platão, alegando que o feio não se converte em belo na arte, mas é admirado pela capacidade do artista de representa-lo com semelhança. 
O feio na Idade Média
Aqui retorna o dualismo platônico de belo como divino e feio como terreno. O feio existe na vida real e entra na arte para mostrar que o belo é apenas relativo, precário, já que só a beleza divina é absoluta, plena e eterna. Em suma, o feio, ao ser representado adequadamente, também não se converte em belo, mas permite compreender, a partir da limitação que a beleza terrena impõe nesse mundo, onde está a verdadeira beleza: em Deus. Ao acolher o feio, a arte mostra o rosto enganoso do belo mundano. 
O feio no Renascimento
Com o antropocentrismo vigente, homem passa a ser o centro do mundo, Deus se torna mais humano e o homem mais divino. A beleza se desdiviniza e é procurada no homem, e a arte só se justifica como arte bela. A busca da beleza, tanto na realidade quanto na arte, desloca o feio do lugar que a Idade Média lhe reconhecera e fixa com isso seu destino na consciência estética que dominará no Ocidente até o século XIX. 
O feio é a falta de ordem e proporção, e na arte não há espaço para ele. Ao aplicar a imitação, o artista renascentista só vê a beleza no que imita: a natureza ou o corpo humano – não como se apresentam em sua aparência sensível, mas sim idealizados. Imitar é representar o real segundo a ideia de beleza. Portanto, para a consciência estética ocidental que acolhe, até bem entrado o século XIX, o paradigma renascentista do belo, a natureza ou o homem devem ser representados segundo a beleza ideal, que é incompatível com a presença do desarmônico, desproporcional ou disforme; quer dizer, com o feio. 
O feio nos tempos modernos
Ocorrem tentativas de abarcar a fealdade na arte, mas o modo de estar nela não deixa de apresentar problemas ao pensamento estético, principalmente se tratando das artes que, por sua própria natureza, são ou hão de ser belas. No século XVIII, Lessing afirma que a beleza é o fim da arte, portanto, o feio não cabe nele. Como na realidade, o feio desagrada na arte. Contudo, Kant, no fim do mesmo século, diz que o feio pode ocorrer na arte quando é belamente representado.
Na verdade, nenhum dos dois filósofos de fato aceitam o feio, pois o primeiro exclui a fealdade da arte, e o segundo só a aceita se for belamente representada (convertendo o feio no seu oposto). Ambos ficam na retaguarda do que Aristóteles admitia anteriormente. 
A entrada do feio na arte
Assim, já se abrira um caminho – o que a Estética do século XVIII, ainda presa no paradigma renascentista do belo, não podia admitir – na pratica artística do século anterior. O feio como tal, com sua realidade própria, está na pintura para expressar certa relação do homem com o mundo: uma relação tensa, purulenta ou desagarrada que não pode ser expressa com a serenidade e o equilíbrio emocional do belo. 
O feio não pode negar-se ou embelezar-se. Sendo assim, não pode ocorrer como belamente representado, mas sim como o artisticamente criado, como afirmava Aristóteles 23 séculos atrás.Após o feio conquistar seu espaço como categoria estética no século XVII, o império do belo resiste por um tempo, até que Goya e o romantismo retomam ao feio com força, que não diminuirá seu ímpeto até adquirir seu status de cidadania estética com a arte contemporânea.

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