Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Mentalidades e estruturas sociais no Brasil colonial: uma resenha coletiva Não faz muito tempo desde que a historiografia brasileira tratava com certa preferência de assuntos pertinentes de estrutura econômica, classe e raça de acordo com o Schwartz (1999, p. 1) Historiadores de linhas radicalmente diferentes, tanto política quanto metodologicamente falando, chegaram a um consenso quanto à idéia do Brasil como uma colônia mercantilista cuja economia se estruturava no latifúndio escravista orientado para exportação, liderada por uma aristocracia de fazendeiros que determinava de várias formas sua vida social, mesmo nas regiões não dedicadas a produtos de exportação. Esse consenso passa hoje por uma séria revisão, visto que o ataque é bilateral, tanto pelos historiadores que acreditam que os tradicionais ainda são apropriados para análise quanto aos de uma nova geração de estudiosos; e é assim que o artigo de resenha do Schwartz pretende trazer a luz buscando redefinir e redirecionar esse estudo do passo colonial brasileiro. Segundo Schwartz (1999, p. 2) começa-se aqui um relato sobre Fragoso em que ele demonstra que “em inícios do século XIX, o mercado interno de gêneros de subsistência não só era bastante grande como estava em crescimento [...]”. Assim chega-se a uma conclusão de que não eram as propriedades, mas sim os negócios que eram a chave do sucesso nessa região. Assim, é relatado que embora impressionante essa pesquisa de Fragoso, sua leitura acaba por não ser uma leitura fácil, visto que, apresenta umas 79 tabelas além de ter extensos capítulos. Schwartz (1999, p. 2) Fragoso expressa sua tese por meio da tradicional linguagem marxista. Argumenta que era o capital mercantil e não propriamente um sistema capitalista que caracterizava o Brasil colonial, já que muito do lucro obtido era investido em atividades honoríficas não econômicas como a compra de títulos, a aquisição de grandes propriedades territoriais ou mesmo a manutenção de grandes casas senhoriais. Acima de tudo, enfatiza a natureza endógena da formação do capital, colocando, assim, a relação colonial como um fator bem menos crucial para a formação social do Brasil do que até então se costumava pensar. É dito posteriormente que Fragoso embora enfatize a importância do mercado interno, demonstra ligações com o setor de exportação, criando-se assim uma certa tensão em seu argumento. Onde a sua inovação está justamente em argumentar que o mercado interno havia passado a impulsionar a economia como um todo. Mostra-se um ponto no qual havia sido criada uma política por Marquês de Pombal destinada a gerar uma classe nacional poderosa de comerciantes que não teve destaque por parte de Fragoso que, segundo Schwartz acaba deixando implícito a noção de que seriam características estruturais do Brasil colonial. Assim se faz uma análise sobre os comerciantes que continuavam a investir em terras e escravos mesmo esses não sendo os mais lucrativos para o comércio, pois segundo Schwartz essa situação de argumento como se eles quisessem adquirir status em um Brasil colonial que não havia se inserido no sistema capitalista era um tanto quanto relativo. Com isso ele dá um exemplo de um fato que aconteceu na Inglaterra demonstrado por Lawrence Stone e Robert Brenner no qual mesmo não havendo uma mentalidade capitalista, ainda assim, não deixou de enfraquecer o seu crescimento. Segundo Schwartz (1999, p. 4) “para os comerciantes brasileiros, investir em terras e escravos representava a aquisição de uma relativa segurança e a limitação de seus riscos, ao mesmo tempo em que lhes fornecia status e imagem, uma série de vantagens que lhes deviam ser perceptíveis. ” Coloca-se aqui então de que o que permitiu a rotina das práticas agrícolas, assim como o domínio das relações e práticas sociais foi devido ao acesso barato ao tráfico de escravo, dito por Fragoso em sua obra Arcaísmo como projeto: Mercado Atlântico; onde também o tema havia sido trabalhado por Florentino. Diz Schwartz (1999, p. 4- 5) Portugal era beneficiado pela cobrança de taxas e pela reexportação dos produtos coloniais. Assim, o Brasil e sua hierarquia social teriam sido criados para preservar o ancien regime em Portugal, não para transformá-lo. Tratava- se do “projeto arcaizante” de uma metrópole, controlada por sua aristocracia, aliada aos comerciantes aristocratizados, residentes na terra natal ou no exterior, enquanto a nova burguesia não ameaçasse a ordem estabelecida. O argumento apresentado parece uma espécie de variação “das idéias fora do lugar” de Roberto Schwarz. Enquanto na Europa as fortunas comerciais permitiam que a classe mercantil desafiasse a nobreza que lhe precedia no poder, no Brasil (que não possuía um passado aristocrático), o capital mercantil servia para consolidar o antigo regime. Aproveitando-se disso Schwartz cita Iraci del Nero Costa, onde ao contrário de Fragoso e Florentino, apresentava uma interpretação diferente sobre o desenvolvimento econômico brasileiro, ao menos em termos de setor escravista de exportação. Assim, ele aborda que Costa havia enfatizado que grande parte da área era povoada por inúmeros não-proprietários de escravos. Sendo em São Paulo com ¾ que não possuíam escravos e Minas que já em 40% das residências existiam cativos. Assim diz Schwartz (1999, p. 5) “O fato de 50 a 65% da população colonial não possuir escravos pode, num primeiro momento, sugerir que a escravidão tenha sido supervalorizada como fator de entendimento da sociedade brasileira. Tal visão me parece, no entanto, errônea. ” Nesse ponto Schwartz demonstra-se um pouco desconfortável com a ideia que nega a posição do setor escravista exportador da economia como motor da vida colonial como melhor caminho para o entendimento do seu desenvolvimento histórico nessa parte do artigo, Schwartz (1999, p. 6) Grande parte das pesquisas sobre o comércio interno e os nele envolvidos – estudo sobre o chamado “pequeno Brasil” –, imbuídas da tarefa de desviar o foco das grandes plantações, da escravidão e do setor de exportação, acabam criando uma falsa dicotomia e terminam por perder o significado da relação entre o setor escravista agroexportador e o desenvolvimento de um campesinato alijado da propriedade escrava [...] A escravidão, segundo Schwartz, se mostrava adaptável às condições relativas aos trabalhos recentes sobre Minas Gerais. Sendo que aqui deveria ter um reconhecimento maior quanto a posição das grandes propriedades e do setor exportador para assim ter o entendimento da formação socioeconômica do Brasil. Assim há um entendimento que a historiografia tradicional separou o seu foco das questões socioeconômicas indo ao estudo das ideias e atitudes dentro daquela sociedade escravista multirracial. Tornando-se assim uma tendência em examinar as estruturas mentais, a cultura popular e a esfera doméstica tendo um impacto profundo na maneira como os estudiosos do passado brasileiro agora pensam a história colonial. Schwartz (1999, p. 7) Esta mudança revigorou a história colonial e lançou-a por caminhos antes inexplorados. À medida que tais trabalhos começam a se acumular colocam- se, no entanto, duas questões acerca desta nova tendência. Primeiramente, teriam os estudos de mentalidades simplesmente substituído o importante pelo que exerce fascinação, produzindo uma espécie de gabinete de curiosidades (wunderkammer) históricas, dedicando-se ao bizarro, curioso e devasso e perdendo o sentido de um objetivo maior concernente à compreensão do funcionamento da sociedade, política e cultura? Em segundo lugar, seria possível localizar um ponto de cruzamento entre a vida privada e o pensamento dos habitantes do Brasil e as estruturas político- econômicas da colônia de forma a viabilizar a percepção de como as esferas do público e do privado estavam ligadas? Schwartz comenta aqui que estudiosos partidários podem acabarargumentando em um esforço de demonstrar que esse exercício seja fútil e errôneo, ele também fala que essa linha de abordagem permitiria que a história das mentalidades pudesse esclarecer e enriquecer a história da formação do Brasil como colônia. Assim ele completa dizendo (Schwartz, 1999, p. 8) Grande parte dos novos estudos de mentalidade foram escritos à sombra de Michel Foucault, partindo do entendimento de que a era moderna – de finais do século XV até a Revolução Francesa – corresponde a um período de fortalecimento do estado absolutista, muitas vezes ajudado por seu braço ideológico, a Igreja, com a crescente imposição de mecanismos repressivos de controle sobre toda a gama de atividades e idéias humanas. Ele ainda diz que outros autores também subentendem que as estruturas imperiais e as colônias do além-mar tinham, de fato, um papel central no fortalecimento do poder do Estado. Como ele diz considerar, no entanto, o poder do Estado como um dado ou como o lugar por excelência da repressão da esfera privada mostra-se mais problemático do que os historiadores das mentalidades estão dispostos a admitir. A Hespanha acaba não dando a devida importância às formas que a expansão ultramarina foi responsável pelo fortalecimento do poder da Coroa ao se concentrar nas fontes de renda de Portugal. Logo após, ele cita alguns acontecimentos entre a combinação de história jurídico-institucional alemã e italiana com um estudo quantitativo de fontes relativas às rendas de vários setores da sociedade portuguesa. Schwartz (1999, p. 9) “Vida cotidiana” é um campo histórico popular há muitos anos, como bem demonstram as contínuas publicações da série La vie quotidienne da editora Hachette. Os atrativos e a fascinação da história cultural ou das mentalidades são bastante evidentes no estudo de Luis Weckmann acerca do que ele chama de “a herança medieval do Brasil”, um livro semelhante àquele que escreveu sobre o México.14 La herencia medieval del Brasil é um caldeirão de informações recolhidas num extenso processo de releitura das principais fontes primárias já editadas e da bibliografia escrita a respeito (parte dela já ultrapassada), enfatizando a matriz cultural européia da vida colonial brasileira. Este livro poderia se chamar “O velho mundo nos trópicos” (parafraseando Gilberto Freyre). Tratando do assunto do livro no qual se refere essencialmente da transferência de práticas, hábitos, vida material e costumes portugueses para o Brasil. Os que acabaram por ler sua obra poderiam perceber que os debates exercidos ali não exercem um papel importantes em suas considerações (Weckman) sobre herança medieval brasileira, permitindo assim com que ele trate de vários assuntos interessantes e agradáveis como o nome Brasil, Virgem Maria, sem que houvesse limitações ao tema. Agora referindo-se ao Foster, o autor cita que Foster (1960) dizia que existia uma variante colonial na qual ocorria uma seleção nos dois lados do processo. Assim, Schwartz (1999, p. 10) “o livro de Weckmann é sobre transferência e não transformação e, sendo assim, limita-se a descrever e catalogar. Schwartz aproveita para falar um pouco mais sobre a obra de Emanuel Araújo, no qual diz que essa perspectiva acaba por colocar o Estado como algo à parte da sociedade e não como um representante de interesses de classe ou parte deles, pois por se basear fundamentalmente em viajantes ele acaba por misturar indiscriminadamente observações de três séculos em apenas um relato. Mostrando assim mais algumas obras como os poemas de Gregório de Mattos que eram escandalosos, mas críticos; ou os sermões do Padre Vieira e os seus anais impressos das visitas inquisitórias à Bahia e Pernambuco. Assim, Schwartz faz uma observação ao se tratar com essas fontes, dizendo (Schwartz, 1999, p. 11) Quando a história das mentalidades trabalha neste nível, ela pode servir de fonte de informação e entretenimento, mas não permite nenhum tipo de entendimento da formação da sociedade e de suas transformações. Nenhuma outra fonte forneceu mais material para a história das mentalidades no Brasil, em suas várias dimensões, do que os arquivos da Inquisição portuguesa. Os antigos historiadores estavam limitados com as suas fontes como as denúncias e confissões das visitas inquisitórias de 1591/93 e 1618 que ainda podem ser aproveitadas com é demonstrado nos livros de Weckmann e Araújo, porém recentemente alguns historiadores tem trazido à luz uma nova visão do desvio e da repressão da colônia. Sendo a Anita Novinsky, a principal historiadora brasileira que escreve sobre os cristãos-novos, fornecendo um guia que irá ajudar muito as futuras pesquisas sobre cristãos-novos nascidos ou morando no Brasil. (Schwartz, 1999, p. 12) Deve-se, no entanto, questionar a natureza de uma historiografia determinada pelos crimes de que eram acusados certos grupos, já que para a compreensão dos mecanismos da Inquisição parece fundamental o estudo conjunto de todos os tipos de crimes e acusações Já com uma demonstração do problema a esse tipo de abordagem, foi descrita no livro de José Gonçalves Salvador intitulado de Os cristãos-novos em Minas Gerais durante o ciclo do ouro (1695/1755). Tendo seu foco fundamental na economia e não no social, sendo o seu objetivo aqui descobrir quem era ou não um cristão-novo para demonstrar sua disseminação e importância entre a população. Salvador sugere a possibilidade de que o crescimento da produção aurífera tenha aumentado junto com a caça aos judeus pela inquisição. Assim, sem que haja uma ligação entre as perseguições, quando se estuda cristãos-novos, homossexuais, bruxas etc, acaba causando uma realidade que dificulta a síntese e tornar ainda mais difícil a compreensão desses grupos. Segundo Schwartz (1999, p. 13) Uma nova geração de estudiosos brasileiros provocou uma reavaliação do passado colonial, levando a um questionamento da antiga ênfase em estruturas econômicas e no poder do Estado. No entanto, permanece ainda sem definição a relação problemática entre estruturas, os poderes em jogo e as atitudes e idéias individuais Buscando preencher esse vazio, releva-se um estudo chamado Inferno Atlântico: demonologia e colonização, séculos XVI-XVIII, no qual Laura de Mello e Souza descreve sobre o diabo no Brasil colocando o país no contexto maior da expansão europeia. Assim como ela, Sabine MacCormack, contribuem com as preconcepções europeias de bruxaria e o demônio, moldando assim as práticas americanas que foram percebidas, registradas e arrancadas pela raiz. Como diz Schwartz (1999, p. 13) Mello e Souza sugere caminhos que permitem compreensões e percepções ligadas a outros aspectos da vida. Ao tratar do desenvolvimento paralelo da demonologia e da centralização do Estado, ela destaca que a demonização de crenças e práticas heterodoxas estava de alguma forma relacionada à crescente autoridade e ao monopólio do poder tanto do Estado em si quanto da Igreja Católica. Schwartz aproveita para dizer que ela perdeu algumas oportunidades por não deixar mais clara a relação entre mentalidade e o Estado. Já que ao apresentar em um de seus capítulos fontes pesquisadas do Giovanni Botero, ela poderia ter aproveitado para analisar como seu conhecimento do Brasil teria influenciado sua visão do Estado, possibilitando assim um exame mais cuidadoso que havia nas relações entre doutrina católica, controle das mentalidades populares e o crescimento do poder do Estado. (Schwartz, 1999, p. 14) Da mesma forma que os conflitos criam as classes, não sendo o inverso válido, os grupos devem ser estudados de maneira relacional pois de sua interação nasce a sociedade. Ao se concentrarem em bruxas, cristãos-novos, homossexuais ou pecadores – identidades formadas a partir das acusações e atribuídas por pesquisadores modernos ou contemporâneos – tais estudos tendem a obscurecer o programa da Inquisiçãoe sua aplicação geral de poder. Aqui também se faz um levantamento de questões teóricas centrais história das mentalidades feito pela abordagem de Priore de um problema identificado por Mikhail Bakhtin no qual visa em responder qual é relação entre cultura erudita e cultura popular? Onde é feita novamente uma pergunta na qual manifestações populares são sempre filtradas por fontes escritas e assim corrompidas? Schwartz diz que estudos semelhantes para outras regiões no início da era moderna revelam que mantinham um entendimento de seus corpos e era um discurso bastante diferente daqueles dos eruditos. Eles não eram totalmente complementares. Assim, acaba que Priore não responde o motivo do crescimento do controle sobre o corpo das mulheres em relação ao Estado ou meio colonial acabou tornando o Brasil diferente daquele em Portugal. Schwartz (1999, p. 17) A esse respeito, Bakhtin poderia ter sido novamente utilizado como ponto de referência devido à sua ênfase no fato de que a falta de controle sobre os carnavais populares indicava o aumento do poder da autoridade central e suas crescentes tentativas de controlar os corpos de seus súditos.32 Ao sul do corpo toma a direção oposta, trabalhando com a história particular das mulheres ao invés de tomar o rumo de uma história mais abrangente, ligando a história do corpo, especificamente o corpo feminino, ao seu uso como símbolo político e “transmissor de intenções e ações políticas” justamente em um período em que a imagem de um corpo político orgânico estava sendo cada vez menos utilizada Uma das maneiras da mulher conseguir reconhecimento público e serem ouvidas era como místicas e visionárias, já que a igreja não negava esse papel a elas, apesar de haver uma cautela. Aqui já é apresentada uma biografia chamada de Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil, por Luiz Mott; onde é um estudo sobre isso. Mott narra com detalhes essa biografia através de registros inquisitoriais e cartas juntamente a arquivos de seus perseguidores. Como diz Schwartz (1999, p. 18) De certa maneira, o livro trata tanto da odisséia de Mott quanto de Rosa. As descrições e digressões, baseando-se em viajantes do século XIX como em relatos da empregada de Mott, trazem cor, charme e detalhes fascinantes. O produto final, no entanto, foi um livro rico, porém longo e algo difuso Assim Mott descreve com proeza as ferramentas do catolicismo popular brasileiro que era a fundação do convento, a história de Santa Egipcíaca, a popularidade do culto de Santana etc... Schwartz aponta aqui que Mott deixa de enfatizar que o aumento no controle das autoridades eclesiásticas sobre religião popular voltada o êxtase não era apenas um fenômeno exclusivo as colônias, mas também como uma tendência do catolicismo pós-Concílio de Trento. (Schwartz, 1999, p. 19) O estudo de Mott, bem como o de Priore e Mello e Souza, colocam as estruturas mentais no centro das atenções, colocando o que era visto então como comportamento desviante no foco de suas análises. Tais trabalhos, no entanto, não rejeitam ou questionam a historiografia mais tradicional que descreve o Brasil como uma sociedade colonial escravista voltada para a produção de exportação. Conclui-se então que a grande contribuição desses historiadores das mentalidades no Brasil foi sua expansão dos temas de pesquisa e por seguida o enriquecimento que havia nas antigas abordagens socioeconômicas, terminando assim com Schwartz dizendo-nos que todo esse debate, embora não seja facilmente explicável, acaba por tornar a história das mentalidades um aspecto de suma importância da história social tanto no Brasil quanto no resto do mundo.
Compartilhar