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UNIDADE 02 As práticas abusivas no mercado de consumo. A proteção contratual no Código de Defesa do Consumidor. O acesso à justiça e o Código de Defesa do Consumidor. Desconsideração da Personalidade Jurídica. Inversão do ônus da prova. Sanções administrativas. 1. As práticas comerciais É no Capítulo V que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) cuida das práticas comerciais abusivas e se inicia trazendo um dos conceitos de consumidor por equiparação, já estudados no módulo anterior: todos aqueles, determináveis ou não, expostos a quaisquer das práticas comerciais indicadas no referido Capítulo, bem como aos tipos legais indicados à proteção contratual do Capítulo seguinte do CDC (art. 29, CDC). Este não é tema novo: já foi considerado na aula 01. (v. tópico As relações de consumo no texto da aula 01). A seção seguinte trata da Oferta. Nota-se que há inicial preocupação na lei em preservar o acesso e o direito básico da informação ao consumidor, modulado, agora, especificamente para a publicidade. Assim, os arts. 30 e 31, CDC apresentam-se, permitindo ampla garantia de conhecimento pelo consumidor de todos os dados que compõe qualquer oferta consumerista de produto ou serviço. Estende sua proteção também para os casos de oferta não presencial ao consumidor, garantindo, pelo art. 33, CDC, que haja a identificação do fornecedor e dos elementos da oferta proposta (todos do produto ou serviço), não podendo ser onerosa ao consumidor a mera oferta remota. Este tema merece atenção, dada a expansão das relações não presenciais, com franca compra de bens pela rede mundial de computadores e outros meios (como telefone e TV). Atente-se e guarde esta primeira abordagem para o tema, pois trataremos dela mais acuradamente adiante, quando do estudo do direito de arrependimento e a menção às novas e bastante recentes regras para o comércio eletrônico. É meio deslocada nessa Seção (II - da Oferta) que surge a previsão da garantia de produção de peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto e, após, isto, por período razoável de tempo (art. 32, CDC). Note que a tutela sobre garantia aparece na seção de práticas comerciais e não como direito básico do consumidor. Considerou-se a proteção ampla à oferta. A grande questão aqui é o que deve se entender por período razoável de tempo, já que é termo que a lei não cuida de definir. Com o entendimento do tema e o passar do aprimoramento do CDC, passou-se a integrar a fonte legal com a jurisprudencial, à medida em que entendeu-se como período razoável de tempo o tempo médio de vida útil do produto. Para esta definição, se houver norma técnica indicativa, um tanto melhor! Além de conceituar e dar o norte para a proteção à oferta, essa Seção do CDC ainda indica modelos de responsabilidade civil: o fornecedor é solidariamente responsável pelos atos de prepostos ou representantes comerciais (art. 34, CDC) e também pelo descumprimento de oferta (art.35, CDC). Neste caso, conferindo ao consumidor, a opção imediata de solução do conflito por uma de três hipóteses: (i) exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; (ii) aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; (iii) rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos. Estas mesmas opções aplicam-se aos casos de ocorrência de publicidade enganosa e abusiva, cuja proibição de ocorrência e conceitos estão descritos no art. 37, caput, §1° e §3° e §2°, CDC, respectivamente. Diferencia-se a publicidade enganosa da abusiva A publicidade é enganosa quando, por ação ou omissão do fornecedor, é inteira ou parcialmente falsa, sendo capaz de induzir em erro o consumidor, impedindo-o de exercer adequadamente seu direito de escolha sobre os mais diversos produtos ou serviços. No que se refere à proibição à publicidade abusiva, o CDC buscou proteger a sociedade como um todo, buscando proteger valores sociais básicos (igualdade, por meio da proibição da publicidade discriminatória, por exemplo; a proteção do meio ambiente) e preservar os consumidores, especialmente aqueles em estado especial de vulnerabilidade, como as crianças. Assim, nenhuma publicidade poderá incitar o medo ou a superstição ou induzir o consumidor a se comportar de forma perigosa ou prejudicial à sua saúde ou segurança. Sendo a publicidade instrumento de grande importância para que os fornecedores possam se apresentar e atrair no mercado de consumo, a lei preocupa-se em estabelecer parâmetros de adequação, inclusive com tipificação criminal (art. 67, CDC). Bem por isso, é garantia que o consumidor deve identificar qualquer inserção publicitária como tal (art. 36, CDC). E por inserção publicitária entende-se qualquer modalidade de peça publicitária: a direta, a indireta, televisiva, falada, escrita, nas redes sociais, o spam, o marketing viral, o teaser...Para conhecer um pouco desses conceitos, recomenda-se a leitura do site do CONAR (Conselho de Autorregulamentação Publicitária), com a ressalva de que qualquer conceito ou normativo lá indicado pelo princípio da hierarquia das normas, deve estar adequado ao Código de Defesa do Consumidor e à Constituição Federal para que seja válido, aplicável e legal. TODA OFERTA VINCULA O CONTRATO EM VIRTUDE DA INFORMAÇÃO QUE DISPONIBILIZA E ATRAI O CONSUMIDOR A ADQUIRIR DETERMINADO PRODUTO OU SERVIÇO. O Código passa, então, a elencar, num rol exemplificativo, as espécies de práticas comerciais abusivas, cuja prática é vedada pelos fornecedores: (i) venda casada – art. 39, I, CDC – condicionar ao consumidor a aquisição de um produto ou serviço mediante a obrigatória aquisição de outro produto ou serviço, quando aquele bem que deseja adquirir pode ser comprado individualmente; (ii) limitação de quantidade – art. 39, I, in fine, CDC – abusiva desde que não justificada, como, p.ex., em prol da coletividade ou quando um produto não puder ser vendido separadamente, sem que se altere sua qualidade ou substância. Embora muito comum, não se deve entender o inciso I do art. 39, CDC como a descrição de apenas uma prática abusiva. Como se pode notar, ele se desmembra nessas duas, aqui indicadas; (iii) recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, de conformidade com os usos e costumes (art. 39, II, CDC), bem como recusar-se a fornecer produtos/serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento (art. 39, IX, CDC) – a proteção aqui é a de equilíbrio no mercado de consumo, não se permitindo a decisão do fornecedor relativamente à venda de produto ou prestação de serviço com base em qualquer caráter subjetivo, que pode, inclusive, constituir-se discriminatório. Para o termo pronto pagamento vale ressaltar que no Brasil o único meio compulsório de aceitação de circulação de valores é o papel moeda real (Lei do Real). Todavia, pelos usos e costumes hoje já se pode admitir que outros meios de pagamentos imediatos (ou com reserva e garantia imediata de recebimento), como cartões de débito e crédito podem ser admitidos como modalidades de pronto pagamento, nos termos da lei; (iv) enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço (art. 39, III, CDC) – situação em o envio, entrega ou fornecimento será considerado amostra grátis (art. 39, par.ún, CDC); (v) prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, considerando idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impor-lhe aquisição de produtos/serviços (art. 39, IV, CDC) – em franca proteção ao equilíbrio (enquanto princípio da isonomia) do mercado de consumo e do princípio da vulnerabilidade, protegendo uma espécie de consumidores hipervulneráveis em virtude de suas condições ou características (idade, condição social, saúde...); (vi)exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva (art. 39, V, CDC) – tipo mais aberto de prática abusiva e que deve ser avaliado caso a caso; (vii) executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor (art. 39, VI, CDC) – prática comercial abusiva materializada mais à frente, no art. 40, CDC, que impõe a entrega de orçamento, com discriminação do serviço a ser executado, inclusive quanto à forma de pagamento e data de início e finalização. O orçamento vale por dez dias (art.40, §1°, CDC) e uma vez aprovado só pode ser alterado por livre negociação entre as partes (art.40, §2°, CDC), não havendo qualquer ônus ao consumidor por contratação de terceiros não previstos no orçamento prévio (art.40, §3°, CDC) (viii) repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos (art. 39, VII, CDC); (ix) colocar no mercado qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela ABNT ou outra entidade credenciada pelo Conmetro (art.39, VIII, CDC) – indica perfeita integração das fontes do direito e do Sistema Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor (v. art. 5°, CDC); (x) elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços (art.39, XI, CDC) ou aplicar fórmula ou índice diverso do legal ou contratualmente estabelecido (art.39, XIII, CDC) – do contrário estar-se-ia permitindo a variação unilateral do avençado e a majoração do desequilíbrio da relação de consumo. (xi) o fornecedor deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério (art. 39, XII, CDC) – igualmente consistiria permissão de alteração unilateral das condições oferecidas e aderidas. Ainda no Capítulo das Práticas Comerciais o CDC indica mais duas proteções específicas para: cobrança de dívida e para bancos de dados de consumo. Quando à proteção à cobrança de dívidas, o CDC indica que o consumidor não poderá ser exposto a nenhum constrangimento ou ameaça (art. 42, caput, CDC) e nem incomodado em suas horas de descanso e lazer, sob pena de imputação penal (art.71, CDC). Deve, também, conhecer aquele que lhe está cobrando a dívida, com identificação nominal, documental (CPF ou CNPJ) e geográfica (art. 42-A, CDC). Ainda há o direito do consumidor receber em dobro devolução do indevidamente pago (art. 42, par.ún., CDC). Esta regra, no entanto, prevalece desde que não tenha havido dano justificável pelo fornecedor, a ser avaliado na casuística. 2. A Proteção Contratual no Código de Defesa do Consumidor A proteção contratual no CDC está no Capítulo VI e subdivide-se para tratar os seguintes temas: das disposições gerais, das cláusulas abusivas e do contrato de adesão. Por uma opção didática, entender-se-á dos contratos de adesão e das disposições gerais inicialmente, para depois estudar-se as espécies de cláusulas abusivas vedadas pelo sistema do CDC. A maior parte dos contratos de consumo é de adesão, ou seja, nos contratos aprovados por autoridades competentes (casos de serviços públicos regulados, p.ex.) ou aqueles formulados unilateralmente pelo fornecedor, ao consumidor não é dada a oportunidade de negociação: ou aceita ou não (art. 54, caput, CDC). Em raras situações possui muito pouca margem para inserir, retirar ou alterar alguma disposição e, ainda assim, não fica desaparece a característica de contrato de adesão (art. 54, §1°, CDC). E é assim que a proteção legal aparece. Em primeiro plano, como se vê presente e concretizado em todo o Código, a informação (sua preservação e oportunização) ao consumidor aparece resguardada como pilar chave. Dessa forma, por força do art. 46, CDC, o contrato não obrigará o consumidor, se ele não conhecer seu conteúdo previamente ou se sua redação dificultar que conheça o seu alcance. Ademais, as cláusulas contratuais devem ser redigidas de maneira clara, ostensiva, em língua portuguesa e em fonte não menor que o tamanho 12 (art. 54, §3°, CDC). Não obstante a essas regras, qualquer cláusula que implique limitação ao direito do consumidor deve vir em destaque (art. 54, §4°, CDC). Por destaque entende-se qualquer forma, negrito, sublinhado, em caixa alta... Se houver qualquer conjunto de disposições contraditórias entre si, elas serão consideradas sempre em favor do consumidor (art. 47, CDC), de modo que qualquer escrito particular, pré-contrato ou recibo integrará o instrumento final do contrato (porque muitas vezes chamariz para o consumidor), obrigando o fornecedor, inclusive, se for o caso, à sua execução específica. Diante dessas regras gerais, o Código, então, apresenta um rol exemplificativo de normas que se constituem uma vedação padrão em termos de abusividade (art. 51, CDC): (i) impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos (art.51, I, CDC) ou que impliquem na renúncia de indenização para os casos indicados no CDC (art. 51, II, CDC) – tratam-se de direitos indisponíveis, portanto, não pode ser jamais indicada a sua renúncia; (ii) transferência da responsabilidades a terceiros (art. 51, II, CDC) – de maneira inserida e não expressamente autorizada pelo consumidor; (iii) estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade (art. 51, IV, CDC) – nítida preservação expressa dos princípios da isonomia e da boa- fé. Equivale, no tocante à proteção contratual, à vedação, nas práticas comerciais, de imposição de situação manifestamente excessiva ao consumidor. Veda-se que o fornecedor, especialmente em se tratando de um contrato de adesão, impinja ao consumidor um ônus maior do que aquele que ordinária e regularmente deveria suportar com sua contraprestação contratual. O par.ún. do art. 51, CDC indica que manifestamente excessiva é a vantagem que: (a) ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; (b) restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; (c) - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso; (iv) estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor (art. 51, VI, CDC) – como se verá no tópico do acesso à Justiça, a inversão do ônus da prova é instrumento de reequilíbrio da relação de consumo e pertinente apenas ao consumidor. Daí a abusividade de aproveitá-la em favor do fornecedor. Seria patente inobervância e afronta aos princípios da isonomia e da vulnerabilidade que norteiam as relações de consumo; (v) determinem a utilização compulsória de arbitragem (artigo 51, VII, CDC) – aspecto controverso, mas bastante pertinente. Não se pode, para a maioria das relações de consumo, posto que cuidam de direitos indisponíveis, permitir a utilização compulsória (por cláusula aposta em contrato de adesão) em uma relação de consumo. A disponibilidade dos direitos é uma das inafastáveis condições à realização da arbitragem (v. Lei n° 9.307/96, conhecida como Lei de Arbitragem); (vi) imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor (art. 51, VIII, CDC) – é o caso das famosas cláusulas mandato. Atribuição de poderes para representação em qualquer ato ou fato jurídico é faculdade que deve ser exercida de maneira livre e consciente, sobretudo em uma relação de consumo; (vii) deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor (art. 51, IX, CDC), ou permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral (art. 51, X, CDC) ou, autorizemo fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor (art.51, XI, CDC) ou, ainda, autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração (art. 51, XIII, CDC) – todas as hipóteses indicadas caracterizam-se pela vedação à permissão ao fornecedor de alterar os termos avençados de maneira unilateral, desequilibrando ainda mais a relação e não permitindo ao consumidor o acesso prévio a essa alteração, bem como sua anuência posterior; (viii) obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor (art. 51, XII, CDC) – veda-se aqui a transferência da teoria do risco ao consumdior; (ix) infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais (art. 51, XV, CDC) – trata-se da promoção da integração do Direito do Consumidor com o Direito Ambiental, duas espécies de interesses que têm características diferenciadas e pertencem à terceira geração de direitos; (x) estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor (art. 51, XVI, CDC) – permite-se aqui que haja de maneira bem ampla a proteção a qualquer cláusula abusiva que possa ser aposta em um contrato de consumo, especialmente os de adesão, e que venha a infringir qualquer espécie de direito protegido pelo CDC ou norma complementar à defesa das relações de consumo e integrada (não contrária) ao CDC; (xi) possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias (art. 51, XVII, CDC) – especialmente aplicáveis aos contatos de aquisição de imóveis. Como se disse acima, esse rol é exemplificativo pode ser complementado, como historicamente já aconteceu com Portarias do Departamento Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), que traziam um rol mais minudente e específico de práticas comuns no mercado como, p.ex., a limitação dos dias de internação em contratos de planos de saúde. A existência e posterior afastamento de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, em consonância com o princípio da teoria geral dos contatos de preservação da avença. Todavia, se disser respeito à essência do contrato, não há como preservá-lo e ele será invalidado (art. 51, §2°, CDC). A defesa das cláusulas contratuais pode ser feita de maneira individual ou coletiva (art. 51, §4°, CDC). A proteção contratual no CDC também trata, ainda que de maneira mais geral, de algumas espécies contratuais. A primeira proteção contratual específica é a preservação do direito de arrependimento para as compras feitas de maneira remota. O art. 49, CDC indica que o consumidor pode desistir do contrato firmado fora do estabelecimento comercial, de maneira imotivada e sem ônus, no prazo de sete dias contados da assinatura do contrato ou do recebimento do produto ou prestação do serviço. A mens legis é de preservar o direito do consumidor desistir de um contrato para o qual não teve condições pessoais de avaliar o produto, de ter contato com o serviço. Por isso a indicação do termo “fora do estabelecimento comercial”. O prazo é contado sempre da maneira mais favorável ao consumidor. O valor pago pelo produto ou serviço, então, será imediatamente restituído ao consumidor e monetariamente corrigido. O direito de arrependimento e as relações contratuais remotas são temas por demais atuais, com a realidade e o crescimento do comércio eletrônico. Eletrônico, remoto não é só aquele feito por meio da rede mundial de computadores, para fins da proteção do artigo em comento. É todo aquele que não permitir o contato do consumidor com o produto ou serviço, podendo ser por catálogo, stand de vendas, internet, telefone...Este tema tem sido alvo de propostas legislativas há alguns anos, culminando com duas importantes iniciativas: os Projetos de Lei do Senado de atualização do Código de Defesa do Consumidor (em especial, para o comércio eletrônico o PL n° 282/12) e o Decreto n° 7.962/13. Este dispõe e determina medidas bastante diretas para o comércio eletrônico, peculiarmente pela internet. Em seguida, o CDC trata da garantia contratual. Primeiro há que se fazer uma distinção entre as espécies de garantia existentes no ordenamento jurídico brasileiro. A garantia legal, definida pelos prazos decadenciais indicados no art.26, CDC, ou seja: 30 dias para produtos não duráveis e 90 dias para produtos duráveis. (OBS: ESTE É TAMBÉM CONSIDERADO O PRAZO PARA RECLAMAÇÃO EM CASO DE VÍCIO, COMO VISTO NA AULA 01). A garantia contratual, disposta no art. 50, CDC. E, ainda, a garantia estendida, que é contratual, tem status de seguro e é para termos e prazos específicos, com prazo complementar à legal e à contratual e é regulada pela Superintendência e Seguros Privados (SUSEP). Para a garantia contratual, tem-se que se soma à legal e deve ser entregue ao consumidor por escrito (art. 50, caput, CDC) e que deve ser bastante detalhada e clara, indicando a proteção conferida, a forma, entregue junto com o manual e instruções (art. 50, par.ún., CDC). Lembre-se que por se tratar de um contrato, qualquer limitação ou restrição de direitos deve vir em destaque (art. 54, §4°, CDC). Deixar de entregar ou de termo de garantia dequadamente preenchido ou com informações claras sobre seu conteúdo é crime contra o consumidor, nos moldes do art. 74, CDC. A terceira espécie de contratos tratada mais detalhadamente pelo CDC é a que envolva outorga de crédito ou financiamento para a aquisição de produtos ou serviços (art. 52, CDC). Neste, a informação sobre o preço (em moeda corrente nacional), juros de mora e taxa efetiva anual de juros, todos os acréscimos legalmente previstos, número e peridiocidade das prestações e soma total a pagar com e sem financiamento devem estar adequadamente indicadas (art. 52, I a V, CDC). É também garantida ao consumidor a liquidação antecipada das parcelas vincendas, com o desconto proporcional dos juros da parcela mais distante para a mais recente (art. 52, §2°, CDC). Há também regra do Banco Central do Brasil (BACEN) para essa informação, que é então denominada de Custo Efetivo Total (CET). Confira as Resoluções n°s 3.517/07, 3.909/10, 4.917/13 do BACEN. O art.52, §1°, CDC também traz uma regra que é aplicável a qualquer cobrança de valor em mora em uma relação de consumo, embora inserta em um dispositivo sobre outorga de crédito. Trata-se da multa de mora. Ela só pode ser cobrada se existente em contrato e não pode ser superior a 2% (dois por cento) do valor devido, aplicando-se sobre a soma do débito sem juros e não se aplicando mensalmente, portanto, ao contrário dos juros de mora. A última disposição mais específica sobre contratos está no art. 53, CDC e trata dos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis em prestações ou em caso de alienação fiduciária. O caput do dispositivo indica que são nulas as cláusulas que estabeleçam perda total das prestações pagas em caso de inadimplemento. Para os contratos de consórcio, no entanto, podem ser descontados a vantagem econômica auferida com a fruição do bem (o que mais tarde, após a publicação do CDC, acabou tornando-se parâmetro para os contratos que envolviam inadimplemento de bens imóveis), bem como prejuízos que o desistente ou inadimplente causar ao grupo (art. 53, §2°, CDC). 3. O Acesso à Justiça no Código de Defesa do Consumidor. Desconsideração da personalidade jurídica. O CDC é uma das normas mais elaboradas e complexas do Brasil e do mundo, inspirando, inclusive outros países. Contempla ao mesmo tempo, normas materiais civis, administrativas e penais e, ainda, a tutela jurisdicional que norteia todos as espécies de interesses transindividuais, não só os consumeristas. Possui, dessa forma, meios de acesso à Justiça – coletivos e individuais – muito peculiares. O Título III – Da Defesa do Consumidor em Juízo inaugura-se com uma disposição de direito processual coletivo, definindo o que sãointeresses difusos, coletivos e individuais homogêneos (art. 81, CDC), seguindo-se do rol de colegitimados ativos ad causam para a propositura da ação coletiva (art. 82, CDC que deve ser lido com o art. 5° da Lei de Ação Civil Pública) e garantindo ao Ministério Público, ao menos, a função de fiscal da lei na demanda coletiva (art. 92, CDC), bem como indica expressamente de que são admitidas todas as formas de defesa judiciais existentes para a tutela consumerista (art. 83, CDC). O dispositivo seguinte (art. 84, CDC) cuida da possibilidade de tutela antecipada do pedido, recepcionando a obrigação de fazer ou não fazer nessa esfera e inspirando o Código de Processo Civil/1973 para a posterior criação do art. 461 e da reforma do art. 273. A regra para a tutela antecipada é a execução de uma obrigação de fazer ou não fazer, que, excepcionalmente, poderá ser convertida em perdas e danos somente se o autor aceitar ou se for impossível a tutela específica ou o resultado prático correspondente pela execução da obrigação (art. 84, §1°, CDC). Admite-se a imposição de multa pelo descumprimento, a chamada ASTREINTE, que pode ser fixada pelo juízo em diária e que, mesmo na hipótese da indenização, não se afasta (art. 84, §2°, CDC). A medida antecipatória, inclusive, pode ser concedida inaudita altera pars (art. 84, §3°, CDC), ressalvando-se o caso da Fazenda Pública, o que, contudo, é alvo de discussão judicial ainda. Para o cumprimento da tutela específica, pode o juiz determinar as medidas necessárias, como a busca e apreensão, desfazimento de obras, entre outras, elencadas exemplificativamente no art. 84, §5°, CDC. Disposições acerca de tutela coletiva, são tratadas em disciplina específica e não serão objeto de estudos neste tema. Como mecanismo de defesa do consumidor, o CDC permite que, no polo passivo, em situações expressas em lei, haja a desconsideração da personalidade jurídica (art. 28, CDC). A intenção é preservar a facilitação de acesso e defesa do consumidor, afastando-se a ficção jurídica da pessoa jurídica sempre que, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração à lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos sociais, insolvência ou falência em virtude de má administração ou quando for mero obstáculo para ressarcimento de danos ao consumidor (art. 28, caput e §5°, CDC). Atinge-se tanto a pessoa dos sócios como as sociedades coligadas (que só respondem por culpa – art. 28, §4°, CDC), controladoras ou consorciadas (art. 28, §2° e §3°, CDC). Outro instrumento de facilitação de defesa atinge o conteúdo probatório da ação judicial e pode ser invocado tanto na tutela jurisdicional individual como na coletiva. Trata- se da inversão do ônus da prova, um direito básico, prescrito no art. 6°, VIII, CDC. Permite ao consumidor a inversão da regra ordinária probatória de que aquele que formula a alegação, é quem deve provar. Dada a vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor na relação que o envolve, ao fornecedor é a quem cabe provar que não se sustenta a alegação formulada pelo consumidor. Assim, como medida excepcional e jurisdicional (somente no curso de um processo) sempre que presente um dos requisitos na lei, a saber: a verossimilhança das alegações do consumidor e sua hipossuficiência, será invertido o ônus da prova. Embora a lei se utilize do termo “e” para os indicados requisitos, a leitura deve ser alternativa, como se houvesse a conjunção “ou”, sendo necessária a presença de apenas alguns deles, conforme bom acervo jurisprudencial. Em provas, é mais recomendável que se opte pela alternativa indicada na lei, ou seja, a presença dos dois requisitos hipossuficiência E verossimilhança. A verossimilhança das alegações do consumidor indica a necessária “aparência da verdade” das alegações formuladas pelo consumidor. A hipossuficiência está relacionada ao agravamento da condição de vulnerabilidade que caracteriza todos os consumidores (art. 4º, I, CDC), tornando-os mais frágeis e impossibilitados de realizar a prova dos fatos constitutivos dos seus direitos. Pode ser técnica, jurídica, fática ou econômica. Discute-se sobre o momento da inversão do ônus da prova no curso do processo, se no despacho saneador ou como regra de julgamento, ao final, na sentença. Parece mais adequado que seja no despacho saneador, sob pena de perda dos atos processuais e ofensa ao princípio da economia processual e das diretrizes mais recentes do Conselho nacional de Justiça. 4. Sanções administrativas e Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC). O art. 5º do Código de Defesa do Consumidor incentiva a criação de órgãos administrativos (do Estado) a comporem o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, para que realizem a Política Nacional de Defesa do Consumidor. O SNDC foi criado pelo Código de Defesa do Consumidor, objetivando possibilitar a articulação dos órgãos públicos e privados, que têm por atribuição e dever de tutelar o consumidor. Dispõem os arts. 105 e 106, CDC: TÍTULO IV Do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor Art. 105. Integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), os órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais e as entidades privadas de defesa do consumidor. Art. 106. O Departamento Nacional de Defesa do Consumidor, da Secretaria Nacional de Direito Econômico (MJ), ou órgão federal que venha substituí-lo, é organismo de coordenação da política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, cabendo-lhe: I - planejar, elaborar, propor, coordenar e executar a política nacional de proteção ao consumidor; II - receber, analisar, avaliar e encaminhar consultas, denúncias ou sugestões apresentadas por entidades representativas ou pessoas jurídicas de direito público ou privado; III - prestar aos consumidores orientação permanente sobre seus direitos e garantias; IV - informar, conscientizar e motivar o consumidor através dos diferentes meios de comunicação; V - solicitar à polícia judiciária a instauração de inquérito policial para a apreciação de delito contra os consumidores, nos termos da legislação vigente; VI - representar ao Ministério Público competente para fins de adoção de medidas processuais no âmbito de suas atribuições; VII - levar ao conhecimento dos órgãos competentes as infrações de ordem administrativa que violarem os interesses difusos, coletivos, ou individuais dos consumidores; VIII - solicitar o concurso de órgãos e entidades da União, Estados, do Distrito Federal e Municípios, bem como auxiliar a fiscalização de preços, abastecimento, quantidade e segurança de bens e serviços; IX - incentivar, inclusive com recursos financeiros e outros programas especiais, a formação de entidades de defesa do consumidor pela população e pelos órgãos públicos estaduais e municipais; X - (Vetado). XI - (Vetado). XII - (Vetado) XIII - desenvolver outras atividades compatíveis com suas finalidades. Parágrafo único. Para a consecução de seus objetivos, o Departamento Nacional de Defesa do Consumidor poderá solicitar o concurso de órgãos e entidades de notória especialização técnico- científica. São estes órgãos e função estatal que promovem os processos administrativos que, ao cabo, podem incidir na aplicação das respectivas sanções administrativas, indicadas no art. 56, CDC: Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas: I - multa; II - apreensão do produto; III - inutilização do produto; IV - cassação do registro do produto junto ao órgão competente; V - proibição de fabricação do produto; VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço; VII - suspensãotemporária de atividade; VIII - revogação de concessão ou permissão de uso; IX - cassação de licença do estabelecimento ou de atividade; X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade; XI - intervenção administrativa; XII - imposição de contrapropaganda. Parágrafo único. As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo. Tais penas podem ser aplicadas de acordo com a gravidade da infração à lei, isolada ou cumulativamente. Como o art. 55 permite, em caráter concorrente entre os diversos órgãos que participam do SNDC a edição de normas, inclusive setoriais, também entende-se que a instauração de processo administrativo em âmbitos diferentes, sendo um deles setorial, não constitui bis in idem, ou seja, dois processos administrativos podem tramitar paralelamente sobre mesmo fato – sendo um setorial. P.ex. um processo no Procon e outro no Banco Central do Brasil por infração de normas consumeristas e setoriais bancárias por uma instituição financeira. QUESTÕES DE FIXAÇÃO 1. Explique a proteção conferida pelo Código de Defesa do Consumidor aos cadastros de consumo. 2. O rol de práticas comerciais abusivas é taxativo ou exemplificativo? Conceitue e explique três práticas comerciais abusivas contidas no Código de Defesa do Consumidor. 3. Qual a importância dos escritos particulares aos contratos sob a ótica das relações de consumo? 4. Quais os efeitos ao contrato quando uma cláusula é considerada nula? 5. Explique o direito de arrependimento. Qual seu prazo? 6. Como se dá a tutela antecipada para as relações de consumo, de acordo com as regras processuais específicas e vigentes do Código de Defesa do Consumidor? 7. Explique a inversão do ônus da prova. 8. Pode mais de um órgão de proteção e defesa do consumidor instaurar processos administrativos sobre mesmo fato? Justifique. BIBLIOGRAFIA ONLINE https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788547217600/cfi/0 https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788547217600/cfi/0
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