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GT I - Direitos Humanos e Criminalização da questão social na América Latina Uma análise da criminalização da juventude brasileira Natan Aguilar Duek, graduando (5º período) na Faculdade de Direito da UERJ. Professora Orientadora: Vera Malaguti Batista, Professora Adjunta de Criminologia da Faculdade de Direito da UERJ Resumo: Este artigo pretende estabelecer uma análise sobre as principais teorias acerca do comportamento desviante na infância e juventude, assim como uma crítica à política criminal sócio-juvenil brasileira, que administra um aparato punitivo seletivo, criminogênico e produtor de reincidência, resultando em uma acentuação da marginalização sócio-econômica dos criminalizados. Palavras-chave: Crime, comportamento desviante, juventude, aparato punitivo, marginalização sócio-econômica. Abstract: This article aims to analyze the main studies about deviant behavior on childhood and youth, as well as establishing a critical analysis of the Brazilian socio-juvenile criminal policy, which manages a selective criminal system that leads to a raise of social and economic marginalization on those who suffer from the criminalization process. Keywords: Crime, Deviant Behavior, youth, marginalization, criminal system, social and economic marginalization. 1 1. Introdução No presente estudo, busca-se expor a fragilidade teórica e prática que sustenta a atuação do sistema penal juvenil brasileiro, determinando a criminalização dos pobres e a acentuação de sua exclusão social e atuando como verdadeiro instrumento de controle social, visando enquadrar os marginalizados pelo capitalismo. Passados 26 anos da implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente, observa-se, a partir da ótica do poder punitivo, uma completa subversão dos ideais que motivaram sua elaboração – a tutela e a proteção da criança e do adolescente. A ofensiva punitivista trazida pelos aparelhos ideológicos dominantes e sua consequente demanda por instrumentos de punição e neutralização do comportamento desviante na infância e da juventude resultaram em uma reprodução microcósmica do direito penal convencional: um instrumento encarcerador que provoca dor, sofrimento e estimula a reincidência. Contrariamente à proposta isonômica trazida pelo ECA, o direito penal juvenil tem como principais alvos os jovens pobres, negros, do sexo masculino e moradores de áreas periféricas. 2. Do Processo de Criminalização O Direito Penal, como um todo, encontra sua justificativa na pretensão de proteção de bens jurídicos essenciais, a ideologia da defesa social, que nasce contemporaneamente à revolução burguesa, assumindo o predomínio ideológico dentro do específico setor penal. Daí resulta a problemática principal: o juízo sobre a essencialidade do bem jurídico e a forma adequada para protegê-lo é uma valoração política, realizada por aqueles que detém o poder – as classes dominantes detentoras dos meios de produção. Seu sistema repressivo terá como principal função a manutenção do status quo e a tutela da propriedade, de modo a garantir a perpetuação de seu domínio. Portanto, o crime não é resultado de uma realidade ontológica pré-constituida, sendo um processo de construção social por juízos atributivos do 2 sistema de controle, determinados pelos mecanismos atuantes no psiquismo do operador jurídico, como estereótipos e preconceitos que decidem sobre a aplicação das normas jurídicas. Essa visão pressupõe que a opção legislativa de desvaloração e da tutela penal das condutas desviantes implica na escolha política da criminalização de determinadas classes sociais. O sistema penal, como produção social, carregará os pressupostos das classes dominantes, tendo em sua raiz a seletividade e um público alvo pré-definido: os marginalizados pelo sistema. Se o capitalismo forma as desigualdades sociais, a função do sistema penal é empurrar as vítimas dessa desigualdade para a criminalização. Por isso, é essencial compreender a “clientela” do direito penal como sujeito passivo nestas relações de poder. Não existem, portanto, marginais, e sim marginalizados. Nesse sentido, Augusto Thompson aponta quatro fatores para explicar o fenômeno da cifra oculta da criminalidade e da seletividade penal: a visibilidade da infração (enquanto pessoas de classes altas passam mais tempo em locais autossegregados os marginalizados passam mais tempo a céu aberto, e, portanto, mais exposos à ação policial), a adequação do autor ao estereótipo criminoso trazido pela ideologia dominante; a incapacidade do agente em beneficiar-se da corrupção; e a vulnerabilidade a violência, sendo que os dois primeiros são especialmente influenciáveis pelos canais de comunicação. A forte influência trazida pela campanha ideológica midiática resulta no fator do ‘labelling approach’: a adequação ao estereótipo do criminoso, de modo a fazer com que pobreza e crime pareçam estar intrinsecamente relacionados. Fato é que o estereótipo de criminoso é retroalimentado pela atuação das agências punitivas e entranhando nas “everyday theories”. Nesse contexto, três teorias ajudam a entender melhor a questão criminal do menor na realidade brasileira. 3. As Principais Teorias Sobre os Desvios no contexto Sócio-Juvenil A teoria criminológica da normalidade do desvio tende a analisar o comportamento desviante da criança e do adolescente como fenômeno social 3 normal (excepcionando-se a violência pessoal, patrimonial e sexual) que tende a desaparecer com o amadurecimento. Sendo assim, as infrações de mínima ofensividade penal cometida por esta faixa etária estariam longe de indicar um “potencial criminoso”. Uma série de pesquisas nesse âmbito demonstrou que todo jovem comete pelo menos um ato infracional, mas que a maioria comete vários: um exemplo é aquela trazida por KIRCHHOFF com 976 estudantes de 2º grau, que constatou a prática de 9.677 infrações penais não-registradas, como lesão corporal, rixa, dano, furto e outros. Outra pesquisa trazida por SCHUMANN atesta que de 690 adolescentes, 89,4% teria cometido um ou mais delitos nos anos de 1981-2. Essas pesquisas trouxeram a conclusão de que o cometimento de delitos é um ato normal da adolescência: seja para mostrar coragem, testar os limites e a aplicação das normas ou manifestar repúdio as autoridades. Juntamente com o conceito da normalidade do desvio, surge a tese da “construção social do comportamento desviante”. Se todo adolescente pratica infrações, as categorias de Thompson deixam claro porque somente aquelas realizadas pelos mais pobres são punidas. Por outro lado, a teoria da necessidade do desvio e a produção social da crimininalidade parte do pressuposto da construção social do crime: LAMNECK adota o termo produção social da criminalização. Uma série de registros policiais demonstra que os adolescentes primários costumam ter escolarização superior e profissão fixa, em oposição aos reincidentes, com escolaridade menor e maiores índices de desemprego, sendo válido admitir que a falta de escolaridade e o desemprego são fatores que influenciam na formação do desvio. Contudo, seria inocente desconsiderar o processo de marginalização que antecede e resulta na questão do desemprego e da falta de escolaridade. Os resultantes da desigualdade social não seriam variáveis independentes no sentido de causas da criminalidade atuantes sobre o indivíduo, mas a própria origem da filtragem do processo de criminalização que produz a clientela do sistema de controle social. 4 No caso brasileiro, a marginalização da juventude se apresenta como clara conseqüência das relações opressivas e desiguais mantidas pelo capitalismo: a desumanização da juventude marginalizada a partir da negação de seus direitos fundamentais. Relações sociais desumanas apenas podem resultar em indivíduos desumanos e violentos como resposta evolutiva do ser-humano às condições vigentes. Assim, milhões de adolescentes são empurrados para os meios ilegítimosde vida em razão da falta de opções diversas. Sobre eles, recairá o poder punitivo estatal, encarcerando-os dentro de unidades de internação, onde verão sua chance de reincidência crescer. Segundo Juarez Cirino dos Santos, cada uma dessas teorias explicaria metade do processo de criminalização da juventude brasileira. Em busca de explicações mais precisas, o sociólogo Diogo Lyra promoveu uma verdadeira experiência genealógica foucaultiana. Passou alguns meses no CRIAM, centro de internação de jovens criminalizados localizado na baixada fluminense, onde teve a oportunidade de entrevistar todos os internados e entender o processo de criminalização que culminou na retirada de sua liberdade. Em sua pesquisa, conseguiu ouvir 29 meninos, com idade entre 14 e 18 anos e, majoritariamente, encarcerados em virtude do tráfico e crimes contra o patrimônio.Sua pesquisa nos possibilita a abordagem de uma teoria mista sobre o processo de criminalização da infância e juventude brasileira. Ao longo de sua pesquisa, constatou que os adolescentes começam a se envolver nos desvios na fase da “autonomia”, quando o adolescente começa a buscar independência em relação à autoridade dos pais e meios para sobreviver materialmente de modo autônomo, a formação do sujeito-homem. Em seguida, aborda dois conceitos trazidos pelos menores: as palavras “necessidade” e “farra”. Enquanto a primeira estaria mais relacionada à teoria da necessidade do desvio, a segunda definiria o jovem que incorre nos desvios para ostentar e se destacar em seu meio social. No contexto das zonas favelizadas e marginalizadas, a escola, para todos os jovens, desempenha um papel mediador entre o mundo da favela e da cidade, e seu abandono adquire um verdadeiro peso simbólico, podendo derivar de fatores externos, como a necessidade de ganhar uma renda extra, nos 5 contrastes sociais trazidos pelo ambiente escolar, pela precária infra-estrutura ou pela insegurança do jovem no ambiente escolar. A grande maioria dos meninos gostava do ambiente escolar e freqüentava cursos profissionalizantes, mas em determinado momento viu-se obrigado a abandoná-lo para empreender ganhos materiais mais rapidamente, de modo que a adesão ao crime não representa um repúdio às instituições da escola e do trabalho, mas tão somente a substituição dos mecanismos sociais de ascensão disponíveis por outros compatíveis com a realidade exclusiva da favela na qual foi condenado a viver. O pequeno sujeito-homem do morro não recusa o mundo do trabalho, nem o desqualifica, apenas o aloca em outra esfera existencial, o que se torna mais claro a partir da leitura de um dos diálogos trazidos pelo autor com um dos menores internados: P: Você acha que trabalhador tira onda? R: Trabalhador tira, mas tira onda no asfalto, né? Na favela (...) as mulher gosta dos cara que anda de peça, se tiver na mão (...) as mulher vai dar preferência a quem é da boca. P: E por que trabalhador tira onda no asfalto? R: Ah, tira onda com as mulher do trabalho, as mulher certinha. Tira onda.. aí casa, tem filho, aí tem um futuro. Na favela não, tem gente que tem futuro também, namora, pá, mas é pouco. O diálogo transparece uma visão que coloca o trabalhador e o desviante em mundos diferenciados - do asfalto e da favela - cada um com o devido prestígio em seu universo. O juízo moral que ele produzirá não se fundamenta na dicotomia legal x ilegal, mas sim no que é legal e ilegal dentro de cada uma das categorias mentais pelas quais transitam. Dessa forma, o autor divide os desvios em duas grandes categorias: os autônomos do 157 e os assalariados do 12, explicitando as raízes e a dinâmica de cada uma delas. Os autônomos do 157 são os jovens que decidem por praticar roubos e furtos para gerar renda, prezando pela autonomia profissional, oposta à jornada de trabalho fixa trazida pelo mercado de trabalho 6 formal e pelo tráfico, podendo representar apenas um desvio extraordinário na vida do jovem pobre. Para outros, contudo, é possível apreciar e experimentar uma adrenalina aliada ao retorno financeiro. Por tratar-se de atividade autônoma, a prática costuma assumir o significado de um complemento salarial ao qual mesmo aqueles inseridos no mercado de trabalho formal podem vir a recorrer quando necessitarem. Os assalariados do 12, por outro lado, consideram o trabalho no tráfico, assalariado e com jornada de trabalho regular como um outro qualquer. Isolando-se o contexto de violência, deparamo-nos com trabalhadores que acordam cedo, dirigem-se ao local de trabalho, folgam na hora do almoço e recebem um rendimento mensal que gira entre um a três salários mínimos. Com seus módicos ganhos, sustentam a casa, os filhos, reforçam a renda familiar e compram pequenos bens. A atividade costuma atrair os jovens em função da proximidade do local de trabalho com a moradia e pelo fato de admitir menores de idade, o que o mercado formal de trabalho não faz. Da leitura da pesquisa trazida por Diogo Lyra, é possível inferir uma tentativa de juntar as teorias da necessidade e da normalidade, de modo a compreender melhor o mundo laboral desviante protagonizado pelo jovem pobre, a partir da visão trazida por eles próprios. 3. O Sistema Penal Juvenil: Especificidades e Efetividade 3.1. Especificidades A promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente foi acompanhada de uma série de institutos jurídicos que visavam tutelar a questão do comportamento anti-social do jovem, trazendo consigo uma nomenclatura específica. Por exemplo, o crime, em sentido dogmático, a lesão ao bem jurídico tutelado, chamar-se-ia ato infracional, a pena seria apelidada de medica sócio-educativa, o encarceramento de internação, dentre outros. A política de proteção integral da juventude trazida pelo ECA propõe dois gêneros de medidas sócio educativas: as medidas não privativas (arts 116 a 7 118 do ECA) de liberdade e as privativas de liberdade (arts. 120 e 121). Estas podem ser uma advertência, a reparação do dano, a prestação de serviços a comunidade ou a liberdade assistida, por exemplo. Aquelas correspondem às medidas de semiliberdade ou de internação total. Evidentemente, no contexto brasileiro, a justiça juvenil não conseguiria escapar à perversa lógica vingativo-punitivista. Na prática judicial, os princípios da brevidade, da excepcionalidade e do respeito ao adolescente como pessoa em desenvolvimento (art. 121), com raras exceções, são ignorados: as penas privativas de liberdade são as mais utilizadas, apesar de serem as mais custosas e comprovadamente menos efetivas, como será visto em seguida. 3.2. Efetividade: uma máquina de produção da reincidência Em um primeiro plano, é valido destacar que os delitos realizados por menores entre 6 e 21 anos correspondem apenas à 3,5% do total dos delitos computados. Qualitativamente, 2/3 são infrações de mínima ofensividade penal e 1/3 para delitos com violência, como homicídio, lesão grave ou roubo. Conforme a ideologia da defesa social, a função do sistema penal é a tutela dos bens jurídicos essenciais. Sendo assim, seguindo a ideologia padrão, seria lógico esperar que o jovem que sofresse a intervenção do sistema penal se afastasse dos chamados desvios, devido ao seu suposto potencial ressocializador. Todavia, a criminologia crítica é quase unânime na constatação de que as sanções aplicadas para reduzir a criminalidade, na verdade, aumentam as chances de reincidência, por acentuar o processo de marginalização ao qual este indivíduo sofre. Conforme o preconizado modelo americano do labeling approach, cria-se um rótulo de criminoso, no qual estão potencialmente inseridos uma série de invidíduos pré selecionados. Estes criminalizados terão tendência a se enquadrar no rótulo após sofrer a sanção penal derivada do processo de criminalização. Comparemos então os índices de reincidência entre os internados e a chamada cifra negra, à luz de trecho do professor Juarez Cirino: 8 No Brasil, areincidência infracional registrada de adolescentes com passagem por entidades de internação como a FEBEM do Tatuapé é de 38%, ou seja, superior a 1/3 dos casos; se a criminalidade registrada, comparada à cifra negra, é o componente menor da criminalidade real, então o índice de reincidência em atos infracionais da juventude criminalizada deve ser alarmante, porque pesquisas mostram que a cifra negra abrange de 80 a 90% das ações puníveis – portanto, a reincidência real de jovens estigmatizados pela institucionalização é mais do que o dobro da reincidência registrada. Esses resultados derivam dos efeitos danosos que as penas privativas de liberdade exercem sobre o ser-humano, produzindo um sofrimento inexplicável, resultante em sentimentos raivosos, de culpa ou impotência, trazidos pela inexplicável idéia de que é possível ensinar um indivíduo a viver em sociedade retirando-o dela e impondo-lhe um contexto autoritário, desumanizador e adestrador. A conclusão inevitável é, portanto, que as instituições de internação de cumprimento de medidas sócio-educativas são verdadeiras produtoras de reincidência, transformando o Estado em verdadeiro coculpado - como preconiza o ex-ministro argentino Raúl Zaffaroni - por toda esta situação de criminalização e marginalização que ele mesmo acentua. Ficou claro, portanto, o prejuízo trazido pela atuação do sistema penal capitalista a todos os envolvidos, a despeito do que vêm pregando os aparatos ideológicos midiáticos sedentos por sangue e punição. A sanção privativa de liberdade vem, ao longo de toda sua história, provando sua eficácia invertida, como pontuou Michel Foucault em seu clássico Vigiar e Punir: “qual é a utilidade desses fenômenos que a crítica, continuamente, denuncia: manutenção da delinqüência, indução da reincidência, transformação do infrator ocasional em delinquente. Talvez devamos procurar o que se esconde sob o aparente cinismo da instituição penal (...) deveríamos então 9 supor que a prisão e de uma maneira mais geral, sem dúvida, os castigos, não se destinam a suprir as infrações, mas antes a distingui-las, a utilizá-las; que visam, não tanto tornar dóceis os que estão prontos para transgredir as leis, mas que tendem a organizar a transgressão das leis numa tática geral de sujeições” 4. Conclusão Por tudo que foi exposto, é possível atestar claramente o caráter classista, excludente e seletivo que se mostra enraizado no sistema penal juvenil. Tendo sua incidência limitada dentro das classes sociais mais pobres, fica clara a tentativa de manutenção da lógica de marginalização espacial e exclusão social a partir do controle e encarceramento dos jovens criminalizados nessa faixa de renda. Se a definição do crime é um juízo político e o Direito Penal Juvenil atua somente perante os mais pobres, vulneráveis e marginalizados, é mais do que seguro afirmar que a criminalização, neutralização e o extermínio da juventude pobre é parte da Política Criminal do Estado Brasileiro. É necessário, todavia, fazer uma ressalva quanto ao ECA e suas intenções. O legislador, ciente das particularidades que envolvem a deliquência juvenil, possibilitou uma série de medidas diversas da internação, que deveria ser apenas a ultima ratio, enquanto que os aplicadores da lei subverteram toda a lógica que justifica a existência de um sistema punitivo próprio para os penalmente protegidos, aplicando as medidas de encarceramento de modo prioritário e inconseqüente. Isso porque, quaisquer que sejam os motivos que levem o jovem criminalizado a realizar desvios, colocá-lo em um cárcere, para posteriormente retorná-lo à mesma situação de miserabilidade e vulnerabilidade social, acreditando cegamente em uma possibilidade remota de ressocializacão não parece lógico. Como afirmou Baratta, a prisão dessocializa o indívíduo através da desaprendizagem dos valores da vida social e da aprendizagem das regras do mundo artificial da prisão, que, é, por si só, autoritário e violento. Ficou claro, ainda, que a inércia do sistema punitivo, no contexto juvenil, resultou em menores índices de reincidência do que sua atuação. Nas palavras de Sérgio Salomão Sheicaira: 10 “o sistema penal é anômico, uma vez que suas normas não cumprem as funções esperadas, eis que não protegem a vida, a propriedade, as relações sociais, sequer conseguem evitar o cometimento de novos delitos; o sistema é seletivo e estigmatizante, cria e reforça desigualdades, sendo o maior exemplo disso quem hoje compõe a massa carcerária brasileira, aliás, os últimos dados dizem com jovens, pobres e negros; o sistema é burocrata, não por menos é banalizador; o sistema concebe o homem como um inimigo de guerra, o qual deve ser caçado pelo exército da repressão; a prisão é ilegítima, dados os efeitos da prisionização e a violência em que se constitui; tratando-se o sistema penal, nesse breve contexto, portanto, numa máquina para produzir dor inutilmente”. Se, na atualidade, a ideologia do confinamento, de modo devido, perdeu seu prestígio na academia, as soluções apontam para a minimização do aparato punitivo, como a descriminalização, ou, por ora, a despenalização dos crimes de bagatela, responsáveis por 40% dos fatos puníveis do adolescente, segundo pesquisa trazida por J. Brusten e R. Hoppe. Mais ainda, esta análise não se presta a trazer soluções para um problema tão complexo, mas atestar que esta definitivamente não se encontra no caráter autoritário e proporcionador de sofrimento que é o Direito Penal, e qualquer solução que não preconize a redução deste aparato punitivo seletivo e criminogênico, da maneira como é hoje, fracassará. 5. Bibliografia BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: Introdução à sociologia do Direito Penal. DOS SANTOS, Juarez Cirino. O Adolescente Infrator e os Direitos Humanos. E. LEMERT. Human Deviance, Social Problems, and Social Control. 972, p. 62s. 11 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 38 ed. Petrópolis: Rio de Janeiro. 2010, p. 251 e 256. G.F. KIRCHHOFF. Selbstberichtete Delinquenz – Eine empirische Untersuchung. 1975, p. 74. H.S. BECKER. Outsiders: Studies in the Sociology of Deviance. 1963, p. 8-14 e 31-3; J. BRUSTEN e R. HOPPE, Greifen unsere Theorien noch? Entwicklung und Struktur der Kriminalität als Folge “betriebswirtschaftlicher Entscheidungen”am Beispiel von Ladendiebstahl und “Schwarzfahren. in Kriminologisches Journal (1. caderno) 1986, p. 59. K.F. SCHUMANN. Jugendkriminalität und die Grenzen der Generalprävention, 1985, p. 120. LYRA, Diogo. A República dos Meninos. p 100. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. S.L. LAMNECK. Die Soziale Produktion und Reproduktion von Kriminalisierung, in H. Schüler-Springorum, Jugend und Kriminalität, 1983, p. 32 s. SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. THOMPSON, Augusto. Quem são os criminosos? O crime e o criminoso – entes políticos. ZAFFARONI. Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p.613.
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