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[8559 - 27941]criminologia_politicas_criminais

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UnisulVirtual
Palhoça, 2015
Universidade do Sul de Santa Catarina
Criminologia 
e Políticas 
Criminais
Créditos
Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul
Reitor
Sebastião Salésio Herdt
Vice-Reitor
Mauri Luiz Heerdt
Pró-Reitor de Ensino, de Pesquisa e de Extensão
Mauri Luiz Heerdt
Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional
Luciano Rodrigues Marcelino
Pró-Reitor de Operações e Serviços Acadêmicos
Valter Alves Schmitz Neto
Diretor do Campus Universitário de Tubarão
Heitor Wensing Júnior
Diretor do Campus Universitário da Grande Florianópolis
Hércules Nunes de Araújo
Diretor do Campus Universitário UnisulVirtual
Fabiano Ceretta
Campus Universitário UnisulVirtual
Diretor
Fabiano Ceretta
Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Ciências Sociais, Direito, Negócios e Serviços
Amanda Pizzolo (coordenadora)
Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Educação, Humanidades e Artes
Felipe Felisbino (coordenador)
Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Produção, Construção e Agroindústria
Anelise Leal Vieira Cubas (coordenadora)
Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Saúde e Bem-estar Social
Aureo dos Santos (coordenador)
Gerente de Operações e Serviços Acadêmicos 
Moacir Heerdt
Gerente de Ensino, Pesquisa e Extensão
Roberto Iunskovski
Gerente de Desenho, Desenvolvimento e Produção de Recursos Didáticos 
Márcia Loch
Gerente de Prospecção Mercadológica 
Eliza Bianchini Dallanhol
Livro didático
UnisulVirtual
Palhoça, 2015
Designer instrucional
Delma Cristiane Morari
Criminologia 
e Políticas 
Criminais
Giovani de Paula
Priscila de Azambuja Tagliari
Livro Didático
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul
Copyright © 
UnisulVirtual 2015
Professor conteudista
Giovani de Paula 
Priscila de Azambuja Tagliari 
Designer instrucional
Delma Cristiane Morari
Projeto gráfico e capa
Equipe UnisulVirtual
Diagramador(a)
Edison Valim
Revisor(a)
Diane Dal Mago
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por 
qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.
341.59
P34 Paula, Giovani de
Criminologia e políticas criminais : livro didático / Giovani de 
Paula, Priscila de Azambuja Tagliari ; design instrucional Delma 
Cristiane Morari. – Palhoça : UnisulVirtual, 2015.
158 p. : il. ; 28 cm.
Inclui bibliografia.
 
 
 
 1. Criminologia. 2. Violência. 3. Segurança pública. I. Tagliari, 
Priscila de Azambuja. II. Morari, Delma Cristiane. III. Título.
Sumário
Introdução | 7
Capítulo 1
Ciências criminais e criminologia: conceito e campo 
de atuação1 | 9
Capítulo 2
Violência, controle social e sistema 
penitenciário1 | 35
Capítulo 3
Sistema de Justiça Criminal1 | 63
Capítulo 4
Segurança Pública: atuação do Estado e da 
sociedade na promoção da pacificação social1 | 93
Capítulo 5
Políticas criminais1 | 113
Considerações Finais | 141
Referências | 143
Sobre o Professor Conteudista | 153
Respostas e Comentários das Atividades de Autoavaliação | 155
Introdução
Prezados alunos!!
Estamos iniciando os estudos diretamente relacionada às Ciências Criminais, à 
UA Criminologia e Políticas Criminais, sendo muito importante para o exame e 
avaliação das principais causas da violência, da criminalidade, dos processos de 
exclusão e criminalização, das atribuições dos órgãos integrantes do sistema de 
justiça criminal, (com destaque para o sistema de segurança pública e sistema 
penitenciário), das formas e métodos de reinserção social dos apenados. Além 
disso, estabelece um olhar para as reais funções do sistema penal nas sociedades 
contemporâneas, que se atêm à questão do controle social como medida visando à 
ordem pública e à convivência pacífica e cidadã entre as pessoas. 
Nesse sentido, os indicativos e algumas experiências sobre o enfrentamento à 
violência e à criminalidade têm demonstrado que programas e estratégias de 
segurança baseados numa articulação que envolva várias organizações - estado, 
sociedade, entidades privadas e cidadãos – têm sido muito mais efetivos como 
resposta ao problema. Isso porque a questão não está restrita à segurança 
pública, mas compreende a necessidade de atuação em outras áreas, como a 
saúde, educação, assistência social, planejamento urbano e questões sistêmicas, 
como o problema da desigualdade, acessibilidade e da má distribuição de renda.
Ao longo da UA pretende-se construir uma percepção crítica sobre o fenômeno da 
violência, que aponte para novas políticas de controle e de prevenção e que não 
estejam restritas apenas ao crime e às penas, pois o novo desafio que aparece 
frente às instituições que atuam na promoção de segurança e de manutenção 
da ordem pública não é o de trabalhar mais somente com situações definidas 
como “fato crime”, mas sim com problemas e conflitos no sentido de diminuir as 
taxas da criminalização, impulsionar ações de (re)inserção social e promover um 
realinhamento com a sociedade na promoção incessante da paz social.
Por fim, espera-se que esses estudos e saberes possibilitem novas reflexões 
sobre a importância do sistema de justiça criminal numa sociedade democrática 
e baseada em valores de solidariedade e de cooperação na resolução dos 
problemas - dos individuais aos comunitários - minimizando a necessidade de 
uma intervenção repressiva, e caso essa seja necessária, que ocorra na medida 
exata do restabelecimento dos vínculos para uma convivência segura e cidadã!
Bons estudos!
9
Capítulo 1
Ciências criminais e 
criminologia: conceito e campo 
de atuação1
Seção 1 
A ciência criminal
As ciências criminais abrangem estudos que visam à compreensão da violência - 
com destaque para o fenômeno do crime e sua complexidade - e das respostas 
que a sociedade e o Estado vêm buscando no sentido de preveni-la ou reduzir 
seus efeitos, para a convivência pacífica e cidadã entre as pessoas.
Possui um caráter interdisciplinar e multifacetado, na medida em que recorre 
e interage com as ciências, destacadamente a criminologia, envolvendo ainda 
o direito penal e processual penal, a psiquiatria, a antropologia, a sociologia, a 
ciência política e a filosofia, cujas problemáticas convergem para o interesse 
comum de compreensão dos conflitos em nossa sociedade.
O desenvolvimento nas mais variadas áreas das ciências - com novas 
formas de “pensar”, de “conhecer”, e de “agir” - aliado às novas 
tecnologias, incorporam-se ao cotidiano das pessoas e ensejam a 
 
1 DE PAULA, Giovani; TAGLIARI, Priscila de Azambuja. Criminologia e políticas criminais. Palhoça: UnisulVirtual, 2015.
10
Capítulo 1 
necessidade de adequação dos instrumentos do Estado, no sentido 
de que novas formas de governança possam assegurar o exercício da 
liberdade, da igualdade e da cidadania, num cenário do local ao global de 
integração e paz social. 
A ciência criminal tem um papel relevante nesse contexto de análise, pesquisas 
e estudos sobre a violência, pois se trata de um problema mundial e que vem 
acompanhando a trajetória histórica da humanidade em busca da “civilização” e 
do ideário utópico da “paz social” - razão pela qual auxilia na compreensão da 
vida em sociedade e dos conflitos em seus aspectos mais fundamentais.
As exigências por mais segurança têm dominado os debates, num momento 
em que os instrumentos jurídicos de regulação social no âmbito penal não 
têm surtido os necessários efeitos de manutenção da ordem pública, levando 
à necessidade de revisão das políticas criminais, para não ficarem somente 
no plano punitivo, mas permitirem outras formas de intervenção nos conflitos, 
predominando valores constitucionais na proteção dos bens jurídicos individuais 
e supraindividuais.
Cabe elucidar que “ordem pública” compreende o seguinte, de acordo com Art. 
2°, inciso 21 do Decreto Federal nº 88.777/83: 
[...] conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento 
jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais 
de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima 
de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado peloPoder de 
Polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao 
bem comum. (BRASIL, 1983).
Estudos apontam que a insuficiência da atuação 
do Estado em outras áreas de atendimento às 
necessidades humanas (como educação, saúde, lazer, 
promoção social, infraestrutura urbana) tem levado à 
busca de mediação pela judicialização dos conflitos, 
em que a ciência criminal e a via punitiva têm servido 
como maior esteio. 
O campo de atuação da ciência criminal abrange a 
dogmática penal, a política criminal e a criminologia, 
que tem como objetivo a defesa do Estado, da 
sociedade e do cidadão, visando a prevenir a prática 
de atos que impliquem violência.
Por mediação entende-se 
toda a intervenção que vise à 
composição de conflitos entre 
partes as quais possuem 
interesses antagônicos, 
buscando soluções possíveis 
construídas pelos envolvidos, 
de maneira que ocorra um 
acordo consensual e pacífico. 
Na judicialização, o Estado se 
apropria dos conflitos e dita 
as regras, havendo, via de 
regra, sempre um ganhador 
e um perdedor, sendo que na 
esfera criminal a resposta tem 
sido a criminalização.
11
Criminologia e Políticas Criminais 
A Dogmática Penal compreende o Direito Penal e o Direito Processual Pena, que 
apresentam limitações ao exercício das liberdades individuais e coletivas, em 
nome da convivência pacífica e manutenção da ordem pública.
O Direito Penal, segundo Capez, 
É o segmento do ordenamento jurídico que detém a função 
de selecionar os comportamentos humanos mais graves 
e perniciosos à coletividade, capazes de colocar em risco 
valores fundamentais para a convivência social, e descrevê-
los como infrações penais, cominando-lhes, em consequência, 
as respectivas sanções, além de estabelecer todas as regras 
complementares e gerais necessárias à sua correta e justa 
aplicação. (CAPEZ, 2008, p. 19).
Assim, sempre que houver um ato atentatório contra os bens mais importantes da 
vida em sociedade, o Direito Penal se apresenta como o instrumento do Estado 
para a segurança das relações sociais pela via da aplicação de sanções, em que 
a pena é o meio de satisfação da justiça para aquele que transgride, visando 
não apenas à punição pelo mal causado, mas sua recuperação social. 
Ocorre que, muito embora haja a necessidade do Direito Penal como recurso para 
a preservação do bem comum, atualmente, o sistema de direito penal está em 
crise. Conforme Fragoso:
Põe-se em dúvida o efeito preventivo do sistema punitivo, e 
sabe-se que não é possível emendar o criminoso através da 
pena. Verifica-se que a prisão necessariamente avilta, deforma 
a personalidade e corrompe o condenado. O exame da 
administração da justiça criminal revelou que o sistema funciona 
de forma seletiva, profundamente injusta e opressiva. Há evidente 
incongruência entre as aparências do magistério punitivo e suas 
dramáticas realidades. (FRAGOSO, 2006, p. 5).
Muito embora o sistema penal esteja em crise, ainda assim ele se apresenta 
como um meio de justiça em razão de sua função ético-social de não apenas 
punir quem transgride, mas também de proteger os bens e valores necessários 
à vida em sociedade (tais como a vida, a saúde, a propriedade, a liberdade, a 
dignidade e o meio ambiente). O Código Penal e as leis penais esparsas, como 
a Lei de Tóxicos, Lei de Proteção Ambiental, Lei Maria da Penha, Estatuto da 
Criança e do Adolescente, entre outras, dão os contornos do Direito Penal em 
nosso país.
12
Capítulo 1 
Desse modo, o Direito Penal deve refletir os anseios sociais em torno do que 
é justo, refreando condutas que apresentem perigo ao convívio e não um 
instrumento opressor em defesa do Estado, razão pela qual ampara-se em alguns 
princípios:
1. Legalidade – só é crime o que previamente for concebido como tal.
2. Insignificância – tutela de bens jurídicos relevantes e que merecem proteção. 
3. Alteridade – leva em consideração a especificidade da pessoa humana.
4. Confiança – instrumento capaz de fazer frente à violência.
5. Adequação social – regular condutas que comprometam realmente o convívio 
social.
6. Intervenção mínima – aplicação somente em casos em que não se tenha outra 
medida possível.
7. Fragmentariedade – concorre com outras medidas.
8. Proporcionalidade – a pena deve ser aplicada na justa medida, sem excessos.
9. Humanidade – o sistema penal deve possuir um ambiente que permita a 
reinserção social do apenado.
10. Necessidade – a pena deve ser medida extrema a ser aplicada a quem 
transgride.
11. Ofensividade – a violação ao direito deve ser relevante. 
Deve-se perceber que muito embora o Direito Penal ainda seja uma estrutura 
necessária ao Estado e à sociedade, o crime não é apenas fenômeno 
jurídico, mas sociopolítico, em que a estrutura social e outros fatores como o 
econômico favorecem sua intercorrência, devendo-se ter a consciência de que a 
judicialização penal dos conflitos não basta para se evitá-los. 
O Processo Penal nasce no contexto histórico e social como forma de 
composição e solução de conflitos, visando a eliminar a força e a autodefesa, em 
que o Estado interfere visando à conciliação entre os envolvidos.
13
Criminologia e Políticas Criminais 
Nesse sentido, cabe destacar que:
[...] nos seus primeiros anos, todos os poderes se enfeixavam nas 
mãos de uma só pessoa, como no regime tribal, ou na família de 
tipo patriarcal. Depois, com o crescimento do agrupamento 
humano, por certo houve necessidade de distribuição de funções, 
e, finalmente, num estágio mais avançado, os órgãos que 
desempenhavam as funções mais importantes, as funções 
básicas, atingiram a posição de Poderes. [...] Para atingir a seus 
fins, as funções básicas do Estado – legislativa, administrativa e 
jurisdicional – foram entregues a órgãos distintos: Legislativo, 
Executivo e Judiciário. Três, pois, os órgãos que se altearam a 
Poderes. (TOURINHO FILHO, 2009, p.1). 
Ao Estado atribuiu-se a função de intervir nos conflitos e intermediar a 
composição por meio do Poder Judiciário. No âmbito penal, somente o Estado 
poderá responsabilizar alguém pela prática de um fato crime, ou seja, punir, 
impingindo ao infrator a pena após confirmar-se sua responsabilidade, o que 
se fará mediante um processo, o “processo penal”. Conforme Lopes Junior, “o 
processo penal é um caminho para se chegar, legitimamente, à pena” (LOPES 
JÚNIOR, 2008, p. 9).
Desse modo, quando alguém comete um fato que 
é considerado crime, as estruturas do Estado se 
mobilizam. Inicialmente, o Poder Executivo, com a 
ação de suas polícias, realiza a prisão do infrator (se 
couber) e apura, mediante uma investigação criminal, 
a comprovação da autoria do ilícito, examinando as 
provas necessárias para a responsabilização do autor 
do fato. A seguir, o Ministério Público promove a 
ação penal e esclarece sua pretensão, com base nas 
provas obtidas pela polícia. Feito isso, o processo 
é encaminhado para o Juiz que ouve as partes – 
Ministério Público e acusado (MP) - e analisa o material 
produzido para aplicar, se for o caso, a pena ou então 
absolver o acusado. Em síntese, este é o processo.
Órgão independente, 
essencial à função 
jurisdicional incumbido 
da “defesa da 
ordem jurídica, do 
regime democrático 
e dos interesses 
sociais e individuais 
indisponíveis”.
14
Capítulo 1 
Cabe observar que existem também outras situações como, por exemplo, a 
prevista na Lei nº 8.099/95 (que trata dos crimes de menor gravidade), em que se 
dá a opção ao particular a legitimidade para demonstrar o interesse na execução 
penal, podendo o ofendido conceder o perdão a quem o agrediu ou violou 
um direito seu tutelado penalmente. Pode-se citar, também, alguns exemplos 
do Código Penal, como o caso de estupro, previsto no artigo 225, em que o 
Ministério Público somente atua se houver representação da vítima (salvo se 
for menor de 18 anos, em que a ação será pública incondicionada, ou seja, não 
exigirá representação). Não obstante, manifestado o interesse do particular em 
começara ação, o Ministério Público dará seguimento ao processo, mas o direito 
de punir, em qualquer caso, sempre caberá ao Estado.
Outra situação de excepcionalidade é aquela em que a pessoa pode decidir ou 
não pela proposta da ação penal, conforme seu juízo e avaliação, nos crimes 
chamados de ação privada, em que pesam outros interesses do ofendido, como, 
por exemplo, nos seguintes casos:
 • Crimes contra a honra: calúnia, injúria e difamação previstos nos 
artigos 138 a 140 do Código Penal;
 • Violação de direito autoral - artigo 184 do Código Penal;
 • Induzimento a erro essencial e ocultação de impedimento – artigo 
236 do Código Penal.
Nos crimes de ação penal privada, a peça inicial se chama de “queixa”, e 
na ação penal pública, quando o MP a impulsiona, se chama “denúncia”. 
Por fim, tem-se o caso em que o particular pode também entrar com a ação 
penal quando houver incapacidade do MP, ou seja, quando ele não começa a 
ação nos prazos fixados em lei. Nesse caso o particular, pode oferecer a queixa 
substitutiva da denúncia, muito embora o MP deva tomar ciência dos autos e 
retomar a titularidade da ação.
O processo penal é garantidor não apenas das medidas necessárias por parte 
do Estado, como apurar, prevenir, reprimir e, eventualmente, responsabilizar 
quem tenha praticado uma conduta criminosa, mas também das garantias 
formais aos acusados pela prática desses atos definidos como crimes em nosso 
ordenamento jurídico. 
Cabe destacar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 
(CRFB/1988), no seu título II, artigo 5°, que trata dos “Direitos e Garantias 
Fundamentais”, prevê algumas regras que visam a preservar o respeito à 
15
Criminologia e Políticas Criminais 
dignidade da pessoa humana e o direito à liberdade dos acusados, conforme se 
depreende dos seguintes enunciados:
• não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação 
legal;
• a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
• a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
• ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;
• ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo 
legal;
• aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral 
são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela 
inerentes;
• são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;
• ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal 
condenatória. (BRASIL, 1988).
A persecução penal é uma obrigação do Estado e visa, portanto, a investigar 
e apurar o ato considerado criminoso e imputar, ou isentar, alguém de 
responsabilidade - observadas as formalidades legais - a fim de que a segurança 
e o respeito ao Estado de Direito sejam preservados. 
A política criminal se insere no contexto das ciências criminais, tendo como 
objeto de estudo a questão dos meios e recursos para fazer frente à criminalidade, 
buscando suporte teórico nos estudos criminológicos e fazendo análises sobre os 
sistemas punitivos vigentes.
Para Zaffaroni,
a Política Criminal é a ciência ou a arte de selecionar os bens (ou 
direitos) que devem ser tutelados jurídica e penalmente e escolher 
os caminhos para efetivar tal tutela, o que iniludivelmente implica 
a crítica dos valores e caminhos já eleitos. (ZAFFARONI, 1999, p. 
132).
16
Capítulo 1 
Ocorre que o sistema de justiça criminal tem se apresentado como um 
instrumento de exclusão, em que, de forma recorrente, a mediação dá lugar à 
judicialização dos conflitos pela criminalização e pela crescente geração de novos 
estereótipos de “criminosos”. 
A política criminal tem um importante papel no sentido de proposição de 
alternativas ao que “está posto” como verdade, pois a concepção pautada 
apenas no controle social pela via da punição tem reproduzido a violência, ao 
invés de preveni-la. Adorno nos elucida essa questão ao afirmar que: 
Não são poucos os estudos que reconhecem a incapacidade do 
sistema de justiça criminal, no Brasil – agências policiais, ministério 
público, tribunais de Justiça e sistema penitenciário–, em conter o 
crime e a violência respeitados os marcos do Estado democrático 
de Direito. O crime cresceu e mudou de qualidade, porém, o 
sistema de Justiça permaneceu operando como há três ou quatro 
décadas. Em outras palavras, aumentou sobremodo o fosso entre 
a evolução da criminalidade e da violência e a capacidade do 
Estado de impor lei e ordem. (ADORNO, 2002, p. 50). 
Com base em Silveira Filho, cabe destacar ainda que: 
A política criminal, enquanto programa de controle do crime 
e da criminalidade, no Brasil, influenciada pelo modelo norte-
americano, se configura como mera política penal, pois ”exclui 
políticas públicas de emprego, salário, escolarização, moradia, 
saúde e outras medidas complementares, como programas 
oficiais capazes de alterar ou reduzir as condições sociais 
adversas da população marginalizada do mercado de trabalho 
e dos direitos de cidadania, definíveis como determinações 
estruturais do crime e da criminalidade“. (SILVEIRA FILHO, 2007, 
p. 346).
Desse modo, a política criminal, enquanto ciência, precisa promover a revisão 
dos paradigmas vigentes que permeiam as ações do sistema de justiça criminal, 
em que predomina a expansão do controle punitivo e o aumento dos índices 
de encarceramento, o que tem redundado na reprodução das violências, quer 
no plano macrossocial como resultante de um modelo de sociedade desigual, 
como na esfera das individualidades, o que traz também como consequência a 
deslegitimação e desestruturação do chamado “Estado Democrático de Direito”. 
A Criminologia, enquanto ciência criminal, é a ciência surgida no século 
XIX, segundo alguns autores, pela fusão da Antropologia com o pensamento 
sociológico, e se ocupa do estudo das teorias do direito criminal, das causas do 
17
Criminologia e Políticas Criminais 
fenômeno criminal (e de suas características), da sua prevenção e do controle 
de sua incidência, tendo um caráter interdisciplinar e abrangente de outras 
disciplinas e ciências, tais como o Direito, a Psicologia, a Psiquiatria, a Medicina, 
a Sociologia e a Antropologia.
O campo de estudo e atuação da criminologia tem tido definições que, apesar de 
convergirem para um mesmo objeto – o homem, o crime, o criminoso, os fatores 
criminógenos e os mecanismos de controle social – conceitualmente, apresentam 
suas variáveis, como se percebe nos conceitos apontados por Vieira, tais como: 
Amaral Fontoura: a Criminologia estuda todos os fenômenos referentes ao crime 
- causas, efeitos, constituição mórbida dos criminosos, estatística de crimes etc., 
sendo a Sociologia Criminal parte integrante dela.
Paulo Dourado Gusmão: entende que a Criminologia estuda o homem criminoso, 
o delinquente e o crime em seu aspecto psíquico-social, fundada exclusivamente 
em métodos científicos, alheada das definições e das categorias jurídico-penais.
Basileu Garcia: a Criminologia engloba o objeto da Biologia Criminal 
(compreendidas a Antropologia Criminal propriamente dita, a Psicologia Criminal 
e a Psiquiatria Criminal) e a Sociologia Criminal. ‘Estudando a incidência da 
fenomenologia psíquica da criminalidade; o elemento subjetivo do delito, que decide 
da culpabilidade, os motivos que dirigem o comportamento antissocial etc., a 
Psicologia marca os necessários rumos à avaliação da personalidade, indagação 
culminante no Direito Penal do nosso tempo. O material das suas conclusões 
alargou-se com a Psicanálise, que tenta penetrar nos mistérios do inconsciente. 
Magalhães Noronha: entende a Criminologia como ciência causal-explicativa que 
estuda as leis e fatores da criminalidade e abrange as áreas da Antropologia e da 
Sociologia Criminal.
Augusto Thomson: a Criminologia é uma ciência natural que não dispõe de um 
objeto de estudo precisamente definido; o crime não é um fenômeno natural;a Criminologia considera como objeto específico de seu estudo o criminoso 
designado como tal pela máquina da repressão. 
Pablos de Molina: Cabe definir a Criminologia como ciência empírica e 
interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima 
e do controle social do comportamento delitivo, e que trata de subministrar uma 
informação válida, contrastada, sobre a gênese, dinâmica e variáveis principais do 
crime – contemplado este como problema individual e como problema social –, 
assim como sobre os programas de prevenção eficaz dele e técnicas de intervenção 
positiva no homem delinquente. (VIEIRA, 1997, p. 33-37) 
18
Capítulo 1 
A Criminologia, enquanto ciência do âmbito criminal, contribui para a percepção 
do fenômeno da violência e da criminalidade de forma multifacetada, indo 
das expressões criminológicas típicas do Estado Absolutista até a concepção 
crítica que aponta para a necessidade de reformulação do paradigma punitivo, 
sob bases que considerem a realidade da estrutura social e de novas ações 
necessárias para a incessante resolução de conflitos e promoção da paz social. 
Seção 2
A criminologia
O significado do vocábulo criminologia é derivado do latim crimino (crime) e 
do grego logos (tratado ou estudo), assim, de uma forma simplista, temos 
por criminologia o estudo do crime. No entanto, Edwin H. Sutherland define 
a criminologia de uma forma mais completa e abrangente: “criminologia é 
um conjunto de conhecimentos que estudam o fenômeno e as causas da 
criminalidade, a personalidade do delinquente, sua conduta delituosa e a maneira 
de ressocializá-lo” (apud FERNANDES; FERNANDES, 2002, p.26).
A criminologia é uma ciência, pois satisfaz os requisitos da Epistemologia, ou 
seja:
- Tem um objeto específico – o homem criminoso e a 
criminalidade; 
 
- Usa de métodos próprios – indutivo, partindo dos influxos 
exógenos e endógenos e se vale da história, estatística, 
sociologia, biologia e demais ciências humanas e sociais a fim 
de chegar a conclusões sobre as razões da personalidade do 
criminoso e das circunstancias do crime; 
 
- Tem caráter universal – todo o mundo estuda a criminologia 
pelos mesmos critérios; 
 
- Ser finalística – visa à solução do problema da criminalidade 
através da prevenção. (FARIAS JÚNIOR, 2006, p. 22). 
 
19
Criminologia e Políticas Criminais 
Quanto à história da criminologia, essa se faz presente desde a mais remota 
antiguidade. Resultado da evolução natural, ou fruto de Adão e Eva, o homem 
sempre foi o centro de pesquisa de outro homem, pois é ele que conduz o 
destino do próprio mundo. No entanto, a natureza da inteligência do homem faz 
com que seu pensamento seja incompreensível e, por vezes, seu procedimento 
se torna inexplicável, fazendo com que inúmeros atos humanos não sejam 
esclarecidos. Assim, por meio dos tempos, a criminologia sempre se fez ávida a 
perquirir as manifestações comportamentais do homem que, estudadas pelos 
doutores no assunto, por períodos ou fases, objetiva a sistematização científica 
de sua evolução. 
O crime e a violência são temas que sempre fizeram parte dos diferentes 
estágios de civilização das sociedades, desde os tempos primitivos ou 
arcaicos, com registros obtidos das inscrições rupestres sugestivas das 
formas de interação humana daquela época, passando 
pela Antiguidade Clássica; pela Idade Média, com 
o Estado Absolutista, que passou a ser chamado por 
alguns historiadores e criminólogos também de “Estado 
de terror penal”; a Idade Moderna com o positivismo 
jurídico irradiante de dogmas e postulados (que, com 
base principalmente na razão, contribuíram para elaborar 
instrumentos jurídicos de controle social que também 
desaguaram em expressões de violência); e a época 
Contemporânea, que nos confronta com um modelo 
político, econômico e social que tem contribuído para 
fomentar a cultura do medo e da violência. 
Portanto, é importante compreender que a história da humanidade esteve sempre 
atravessada pela violência. Muitos são os registros de guerras, perseguições, 
disputas, questões de gênero, preconceitos, desigualdades, terrorismos, 
explorações e por aquela modalidade de violência que muitas vezes é entendida 
e definida por valores de determinados grupos sociais organizados: os fatos 
considerados criminosos, da criminalidade e dos processos de criminalização.
Os saberes produzidos sobre essas “violências”, as relações dessas violências 
com as estruturas de poder e as instituições, notadamente as da segurança 
pública, apontando as contradições do sistema penal (entre as funções 
declaradas, simbólicas e as reais), são contribuições que a Criminologia, 
enquanto ciência, nos oferece, permitindo que se perceba um modelo de política 
criminal equivocado, pois a reação e a punição sustentam e legitimam o discurso 
repressivo e do controle como única forma de proteção social e manutenção da 
ordem pública. 
Em que as obras 
poéticas da época 
como a Ilíada e a 
Odisseia retratavam a 
forma de organização 
social e seus problemas 
ou ainda a obra 
“Antígona”, conhecida 
tragédia de Sófocles 
(494-496 a.C.), que 
demonstra a crise 
histórica estabelecida 
entre o Direito Natural e 
o Direito Positivo.
20
Capítulo 1 
A Criminologia busca a compreensão das múltiplas dimensões dos atos de 
violência, principalmente os que são considerados de transgressão humana 
e porque o são assim considerados, tendo como premissa os mecanismos 
de controle social e os processos de criminalização, e não o “fato-crime” 
como uma realidade ontológica. 
Os saberes teóricos no campo da criminologia servem de base e tornam mais 
elucidativos alguns aspectos sobre os conceitos e dogmas equivocadamente 
construídos sobre o sistema penal e a chamada “criminalidade” na sociedade 
contemporânea, permitindo uma análise mais detalhada sobre as características 
dessa “criminalidade” no Brasil (a questão das drogas, da violência de gênero, 
da criança e do adolescente, a análise de dados estatísticos e do Plano Nacional 
de Combate à Violência), e as relações de interligação que essas questões 
estabelecem com as instituições integrantes do sistema de justiça criminal. 
A base teórica do pensamento criminológico permite que se questione o discurso 
de fortalecimento do sistema penal e as crenças equivocadas de que isso 
representa o interesse geral, ou seja, a erradicação dos problemas sociais com 
a articulação e operacionalização do sistema punitivo - “braço armado do 
Estado” compreendendo a Polícia, o Ministério Público, o Judiciário e o Sistema 
Penitenciário.
Desse modo, o pensamento criminológico auxilia na desconstrução da visão 
estigmatizante sobre a realidade social, de concepção maniqueísta e excludente. 
E contrapondo ao discurso oficial com novas possibilidades de resolução pacífica 
dos conflitos, possibilitando a substituição das políticas criminais pelas políticas 
públicas. 
A preocupação com o crime, o castigo, a punição fazem 
parte do processo civilizatório, desde o Código de 
Hammurabi na região mesopotâmica, passando pela 
legislação Mosaica constante nos livros da Bíblia; as 
reflexões de Confúcio (551 – 478) - “tem cuidado de evitar 
os crimes para depois não ver-te obrigado a castigá-los”; os 
gregos que com Esopo asseveraram que os crimes são 
proporcionais à capacidade dos que os cometem , entre 
outros pensadores da antiguidade clássica, como Isócrates 
(436 – 38 a. C) – ocultar o crime é tomar parte nele -, 
Protágoras (485 – 415 a.C.) que sustentou o caráter 
preventivo da pena; Sócrates, (470 – 399 a. C.) por meio de 
Platão, afirmando “que se devia ensinar aos indivíduos que se tornavam criminosos 
como não reincidirem no crime, dando a eles a instrução e a formação de caráter 
de que precisavam”; Platão (427 – 347) dizendo que o ouro do homem sempre foi 
Monumento jurídico 
mais importante da 
Antiguidade antes de 
Roma. Continha 282 
artigos, sendo muito 
desenvolvido para a 
época, sobretudo, 
no domínio do DireitoPrivado. Hammurabi 
foi rei da Babilônia, 
provavelmente entre 
1726 – 1686 a.C. 
(GILISSEN, 2001). 
21
Criminologia e Políticas Criminais 
motivo de seus males (A República); Aristóteles (384 – 322), sugerindo que a 
miséria engendra rebelião e delito e Sêneca, em Roma (4 a.C. – 65 d. C), com sua 
análise sobre a ira, que considerava a mola propulsora do crime, argumentando ser 
a razão da sociedade viver em constante luta fraticida (FERNANDES; FERNANDES, 
2002, p. 62).
Muito embora a preocupação com a questão da violência 
tenha origem em tempos remotos, em que os que 
exerciam o poder tendiam a manter a ordem e buscar a 
paz pelo controle e o desenvolvimento da sua polícia e 
da sua justiça, é no marco histórico do Iluminismo que 
ocorrem transformações que conduzem a uma verdadeira 
revolução na concepção jurídica e também política, 
econômica e social, com reflexos diretos no campo do 
direito penal.
Na base das inquietações do marco histórico do 
Iluminismo, surge uma corrente do pensamento chamada 
Escola Clássica, com uma unidade ideológica comum, 
com um significado político, liberal e humanitário e se 
contrapondo ao estado da legislação penal vigente à época, e do excesso no 
ato de “punir” com castigos corporais e penas de morte, também uma arbitrária 
e desigual aplicação da lei, conforme a condição social do acusado (ANDRADE, 
2003).
O pensamento e a obra do italiano Cesare Beccaria (1738 – 1794) o torna 
percussor desse momento. Conforme Gilissen:
Beccaria teve uma grande influência na modernização do direito 
penal. Escreveu o seu livro Dei delitti e delle pene (Dos delitos e 
das penas, 1764) com a idade de 25 anos e publicou-o como um 
panfleto anônimo. Novamente publicado pouco depois com um 
comentário de Voltaire, a obra rapidamente conheceu o sucesso 
e foi traduzida na maior parte das línguas europeias. Sob a 
influência do Contrat Social de Rousseau, Beccaria imagina um 
sistema jurídico no qual cada um deve ceder uma parcela da sua 
liberdade – tão mínima quanto possível – ao soberano, em troca 
da manutenção da ordem por este último. O soberano não pode 
abusar do seu direito de punir; os fatos são apenas puníveis se a 
lei os considerar como infração; é a proclamação da legalidade 
dos delitos e das penas; é o adágio nullun crimen, nulla poena 
sine lege que, embora expresso em latim, nada tem de romano. A 
pena deve ser proporcional ao mal a reprimir; a tortura e a pena 
de morte não podem ser toleradas. (GILISSEN, 2001, p. 368).
Esse movimento surgiu 
na França do século 
XVII e defendia o 
domínio da razão sobre 
a visão teocêntrica que 
dominava a Europa 
desde a Idade Média. 
Segundo os filósofos 
iluministas, essa 
forma de pensamento 
tinha o propósito de 
iluminar as trevas em 
que se encontrava a 
sociedade. 
22
Capítulo 1 
Não obstante a importância de Beccaria, é com Cesare Lombroso que se tem o 
marco histórico da fundação da criminologia com sua obra “L’Uomo delinqüente”, 
em 1876, que acaba criando a Antropologia Criminal. Essa obra estabeleceu uma 
relação entre o homem que pratica crimes e as suas características biopsíquicas.
De acordo com Andrade, a primeira e célebre resposta sobre as causas do crime
foi dada pelo médico italiano Lombroso, que sustenta, 
inicialmente, a tese do criminoso nato: a causa do crime é 
identificada no próprio criminoso. Partindo do determinismo 
biológico (anatômico-fisiológico) e psíquico do crime e valendo-
se do método de investigação e análise próprio das ciências 
naturais (observação e experimentação), procurou comprovar 
sua hipótese através da confrontação de grupos não-criminosos 
com criminosos dos hospitais psiquiátricos e prisões sobretudo 
do sul da Itália, pesquisa na qual contou com o auxílio de 
Ferri, quem sugeriu, inclusive, a denominação “criminoso nato”. 
Procurou desta forma individualizar nos criminosos e doentes 
apenados anomalias sobretudo anatômicas e fisiológicas 
vistas como constantes naturalísticas que denunciavam, a seu 
ver, o tipo antropológico delinquente, uma espécie à parte do 
gênero humano, predestinada, por seu tipo, a cometer crimes. 
(ANDRADE, 2003, p. 35-36). 
Portanto, foi Lombroso quem iniciou os primeiros estudos em Criminologia, 
colocando no centro da discussão sobre a questão da criminalidade a pessoa 
humana “incomum”, cujo objeto central da discussão é o “homem criminoso” 
(aquele ser antropologicamente diferente das demais pessoas). Lombroso, 
prosseguindo em suas pesquisas, acrescentou como causas da criminalidade, ao 
lado do atavismo, a epilepsia e a loucura moral, ou seja, “o atavismo, epilepsia e 
loucura moral constituem o que Vonnacke denominou de tríptico lombrosiano”. 
(ANDRADE, 2003, p. 36).
O chamado “criminoso nato”, para Lombroso, além de identificar um ladrão ou 
um assassino somente pelas suas feições faciais ou pela configuração de seu 
crânio, ou seja, dos estigmas físicos, conforme retratado nas Figuras 1.1 e 1.2, 
possuía sintomas psíquicos - como insensibilidade à dor, preguiça, crueldade, 
instabilidade emocional, superstição, precocidade sexual - sobre o qual a 
sociedade teria o direito de defender-se, condenando-o à prisão perpétua e 
excepcionalmente à morte, mas sem expiações morais ou punições infamantes 
(FERNANDES; FERNANDES, 2002).
23
Criminologia e Políticas Criminais 
Figura 1.1 - Tipos lombrosianos
 
 
Fonte: Chermontlopolis, 2008.
Figura 1.2 - Ambiente/local de estudos de Lombroso 
 
Fonte: Museounito [20-].
24
Capítulo 1 
Jerônimo Neto diz que Lombroso teve muita influência na sua época e enfatiza 
que
inclusive no Brasil- a teoria de Lombroso atribuía o crime a um 
atavismo, uma decorrência de tendências primitivas que os seres 
humanos ‘normais’ teriam superado no curso da evolução. Por 
esse raciocínio, o criminoso estaria mais próximo dos animais do 
que o restante dos homens. E teriam marcas físicas diferenciadas. 
Se o formato das orelhas ou da mandíbula fosse mesmo 
indicador de comportamento criminoso, o trabalho da polícia 
seria bem mais fácil. (JERÔNIMO NETO, 2007, p. 83).
Alguns textos da época confirmam que houve uma certa comoção quando 
da chegada do positivismo criminológico. Em 1928, Aragão traz um fato que 
demonstra essa euforia, ao comentar a trajetória de Lombroso.
Por isso Van Hamel, fazendo o paralelo entre Cesar Beccaria e 
Cesar Lombroso, na festa solene com que glorificaram o nome 
do eminente professor de Turin, por ocasião do 6º congresso 
de antropologia criminal, pronunciou as seguintes palavras, 
recebidas por entre aplausos unanimes: nos dias de arbítrio, 
disse ao homem: conhece a justiça; Cesare Lombroso, na época 
em que se está aferrado às fórmulas clássicas do Direito Penal, 
disse à justiça: conhece o homem. (ARAGÃO, 1928, p. 37).
Esse momento histórico propiciou discussões que deram origem ao surgimento 
do paradigma conceitual em Criminologia, sofrendo também influências de 
correntes do pensamento chamadas Escolas Penais. Dessas, iremos destacar as 
duas que consideramos mais importantes.
As discussões sobre a questão do Direito Penal, do crime e da criminalidade 
- com suas respectivas teorias sobre o assunto - passaram a ser designadas 
Escolas Penais. Essas “escolas” passaram a (re)analisar os fundamentos do 
Sistema Penal, buscando ampliar a compreensão da chamada “criminalidade” e 
de suas teorias. 
Veja, a seguir, as principais escolas de criminologia:
Escola Clássica
A Escola Clássica surge no contexto do movimento Iluminista, tendo como 
consequência os postulados da humanização da pena. Beccaria foi o expoente 
e representante máximo da Escola Clássica em decorrência de sua valiosa 
contribuição.
25
Criminologia e Políticas Criminais 
Para Andrade, a Escola Clássica teve sua origem no
no marco histórico do Iluminismo e de uma transformação estrutural 
da sociedade e do Estado, inserindo-se, em seus momentos 
fundacionais, na transição da ordem feudal e o Estado absolutista 
(o “Antigo Regime”) para a ordem capitalista e o Estado de Direitoliberal na Europa, e se desenvolveu ao longo do processo de 
consolidação desta nova ordem. (ANDRADE, 2003, p. 45-46).
Teve a preocupação em estabelecer as bases do Sistema Penal com fundamentos 
inspirados na humanização dos meios punitivos, legalidade do Direito Penal e 
Processual Penal - garantia e segurança jurídica - e finalidade da pena, opondo-
se aos arbítrios e lutando pela segurança individual em contraposição à Justiça 
Penal vigente da época, cujas penas, estabelecidas “no duplo pilar da expiação 
moral e da intimidação coletiva, eram excessivamente arbitrárias e bárbaras, 
prodigando os castigos corporais e a pena de morte” (ANDRADE, 2003, p. 49).
Sustentou-se num sistema dogmático e se baseou em conceitos racionalistas, 
considerando a imputabilidade penal diretamente vinculada ao livre arbítrio e à 
culpabilidade moral, tratando o delito como algo de natureza jurídica e a pena 
como um mal necessário à segurança jurídica. (OLIVEIRA, 1996). Deixou como 
herança um legado que, baseado em concepções liberais, contribuiu para 
a consolidação da dogmática jurídico-penal, na produção de uma ideologia 
especificamente penal, a “ideologia da `defesa social´, que sintetiza a sua 
percepção básica sobre a problemática da criminalidade e da reação social” 
(ANDRADE, 2003).
Escola Penal Positiva
A Escola Positiva, na base do pensamento positivista de Ciência, incorpora em 
suas análises um novo método: o indutivo e de observação dos fatos, em 
substituição ao Método dedutivo e de lógica abstrata da Escola Clássica, 
“deslocando-se da investigação racional para a factual – e do fato para o homem 
delinquente – deslocarão o território classicamente colonizado pelos juristas” 
(ANDRADE, 2003, p. 63).
A obra “O homem delinquente”, de Lombroso, é outro 
item que contribuiu com o paradigma conceitual da 
criminologia, constituindo junto com a Sociologia 
Criminal de Ferri, é uma das matrizes fundamentais 
desse paradigma, que interpretava o delito como 
uma realidade biológico-social, constituída de fatores 
antropológicos e materiais, realçando como objeto do 
seu estudo o homem “criminoso” e suas características 
anatômico-fisiológicas.
Distendeu o 
entendimento 
lombrosiano sobre a 
criminalidade, admitindo 
uma tríplice série de 
causas ligadas à etiologia 
do crime – individuais 
(orgânicas e psíquicas), 
físicas (ambiente telúrico) 
e sociais (ambiente 
social).
26
Capítulo 1 
Essa Escola Penal, a Positiva, teve como característica a questão da 
responsabilidade social baseada no determinismo e na “periculosidade” do 
delinquente, bem como na sua compleição física e biotipo, considerando o 
crime como um fenômeno natural e social produzido pelo homem e a pena não 
mais apenas como um meio de castigo, mas de defesa social, negando o livre 
arbítrio e a liberdade social (OLIVEIRA,1996).
Ser criminoso passou a ser um fato, um atributo, uma vez que a pessoa passa 
a ter estigmas determinantes que a compelem a cometer crimes e assim a 
necessidade de proteção da sociedade. 
Nas palavras de Andrade, a violência é “identificada com violência individual (de 
uma minoria), a qual se encontra, por sua vez, no centro do conceito dogmático 
de crime, imunizando a relação entre criminalidade e a violência institucional e 
estrutural” (ANDRADE, 2003 B, p. 37).
Os seguidores da Escola Positiva defendiam as teorias relativas, ou da prevenção, 
em que a pena tinha um fim prático e imediato, o da prevenção geral ou especial 
do crime, ou seja, servia como um instrumento de “defesa social”, com o 
objetivo de “reajustar” ou tornar sem efeito o “homem delinquente”.
As medidas de segurança, como a de internação em hospital de custódia, 
tratamento psiquiátrico e os institutos jurídicos (o livramento condicional e a 
suspensão condicional da pena) têm sua origem nesse período.
2.1 A mudança do paradigma conceitual para o Labelling 
Aproach (abordagem por etiquetamento) ou Paradigma da 
Reação Social
O paradigma conceitual, de base positivista e derivado das ciências naturais, 
considerava que algumas características distinguiam o homem normal do homem 
criminoso.
Daí a tese fundamental de que ser delinquente constituía uma propriedade 
da pessoa que a distinguia por completo dos indivíduos normais, sem que 
se fizesse uma análise crítica do Direito Penal Positivo enquanto definidor 
do crime e das penas (ANDRADE, 2003).
É nesse contexto que os pressupostos e postulados das Escolas Penais e do 
paradigma conceitual passam a ser questionados, que o surgimento de novos 
saberes criminológicos começam a se contrapor à ideologia da defesa social, 
indagando sobre outras causas para o crime e a criminalidade, voltadas para além 
daquelas obtidas pela Antropologia, Sociologia e outras ciências e teorias da época.
27
Criminologia e Políticas Criminais 
O labelling aproach e o paradigma da reação social representam essa 
mudança de paradigma em criminologia, passando-se a conceber o crime, a 
criminalidade e o sistema penal segundo novos pressupostos, fundados, 
principalmente, nos processos de criminalização, o que ensejará um 
caminho para a construção de uma nova criminologia, a criminologia crítica. 
O labelling tem como fundamento e tese central 
[...] de que o desvio e a criminalidade não são uma qualidade 
intrínseca da conduta ou uma entidade ontológica pré-constituída 
à reação social e penal, mas uma qualidade (etiqueta) atribuída 
a determinados sujeitos através de complexos processos de 
interação social, isto é, de processos formais e informais de 
definição e seleção. (ANDRADE, 2003, p. 41). 
Muda-se o foco, indo-se além do estudo do crime e do criminoso para a questão 
dos processos de criminalização, para os que são criminalizados e para a reação 
social da conduta desviada, passando-se a questionar a legitimação do sistema 
penal (ANDRADE, 2003).
Conforme essa corrente do pensamento, os processos de criminalização têm 
início não apenas no aparato político-jurídico do Estado, encarregado pelo 
controle social formal, que engloba a Poder Legislativo (criminalização primária), 
Polícia, Ministério Público, Judiciário (criminalização secundária), mas também os 
mecanismos de controle social informal, como a escola, a família, a religião ou a 
mídia (ANDRADE, 2003, p. 43).
A mesma parcela social sobre a qual recai a mobilização do aparato do 
Sistema Penal, também acaba sendo a mais atingida pelos efeitos da violência, 
distribuindo-se de forma desigual os riscos reais de vitimização. E isso é atual e 
muito presente na sociedade brasileira, conforme Beato, “o risco de vitimização 
por homicídio nas grandes cidades, hoje, é cerca de 300 vezes maior para um 
jovem de periferia, se comparado com o risco para o mesmo crime que corre um 
senhor de meia idade de um bairro típico de classe média”. (BEATO, 2004). 
Dessas inquietações decorrem necessidades de novas discussões, surgindo um 
movimento criminológico intitulado “Criminologia Crítica”, cujas teorias, segundo 
Taylor, Walton e Young, são caracterizadas
[...] pela orientação questionadora da ordem social que produz 
o fenômeno do crime (definição do comportamento criminoso 
e dos métodos de controle e de repressão da criminalidade) 
e pelo compromisso com uma prática social transformadora 
das condições estruturais da desigualdade material e da 
marginalidade econômica, nas sociedades fundadas na 
28
Capítulo 1 
divisão e na exploração de classes. O esquema teórico desse 
questionamento é definido pelas categorias fundamentais do 
pensamento marxista (modo de produção, classes sociais, 
luta de classes, hegemonia ideológica etc.). E por isso, está 
comprometido com o processo histórico de emancipação das 
massas, exploradas como força de trabalho e oprimidas pelos 
mecanismos de poder da ordem social, que seleciona não só 
os comportamentos, os sujeitos que devem ser incriminados. 
(TAYLOR; WALTON; YOUNG, 1980 p. 7).
A Criminologia Crítica se apresenta, assim, com um discurso que passa 
a se concentrar em desconstruiro discurso da guerra contra o crime, 
do combate à criminalidade, tentando evidenciar que os processos de 
criminalização e a inflação jurídico-penal nada mais fazem do que agravar 
os problemas sociais, destacando-se a superlotação das prisões e outras 
formas de violência institucional, como a pobreza, o desemprego, o estado 
de abandono, a fome, o estado de terror penal em que se desconhece todo o 
entrelaçamento de leis e armadilhas do sistema, mas tudo, enfim, buscando criar 
no imaginário coletivo uma falsa sensação de segurança jurídica.
Figura 1.3 - Falsa sensação de segurança jurídica
 
Fonte: Revista Consulex, 2002 e 2004.
Assim, a criminologia sofreu um processo de evolução em sua concepção, 
influenciado pelas correntes do pensamento das Escolas Penais, culminando na 
Criminologia Crítica, que redefine seus conceitos e aponta para a necessidade 
de um sistema de justiça o qual leve em consideração todos os valores e 
necessidades dos seres humanos, premissa maior para o enfrentamento de todas 
as formas de violência.
29
Criminologia e Políticas Criminais 
Seção 3
Criminologia e Segurança Pública
A criminologia nos permite compreender a questão da segurança pública 
sob novas bases e fundamentos teóricos.
As estruturas de segurança pública no país são as responsáveis pela intervenção 
mais direta e imediata nos problemas que dizem respeito à criminalidade e à 
criminalização - muito embora se saiba que uma atuação efetuada de forma 
cooperativa, envolvendo não apenas o poder público, mas também ações do 
empresariado, da sociedade civil organizada e de comunidades locais, tenha 
efeitos bem mais úteis sob o aspecto da solução integrada dos conflitos sociais. 
Ocorre que o Estado e a Sociedade têm demonstrado insuficiência na 
compreensão e no trato das questões que envolvem a ordem social, percebendo-
se que as amostragens estatísticas oficiais apontam para um crescimento 
desproporcional da incidência criminal no país, isso sem falar nas cifras 
ocultas, daqueles crimes que não são contabilizados, os quais, para Zafarroni, 
correspondem a maioria das práticas delitivas. Conforme esse autor, 
praticamente não existe conduta - nem mesmo as ações mais 
privadas – que não seja objeto de vigilância por parte dos 
órgãos do sistema penal ou daqueles que se valem de sua 
executividade para realizar ou reforçar seu controle, embora 
se mostrem mais vulneráveis as ações realizadas em público, o 
que acentua a seletividade da vigilância em razão da divisão 
do espaço urbano que confere menores oportunidades de 
privacidade aos segmentos mais carentes.[...] Se todos os furtos, 
todos os adultérios, todos os abortos, todas as defraudações, 
todas as falsidades, todos os subornos, todas as lesões, 
todas as ameaças etc. fossem concretamente criminalizados, 
praticamente não haveria habitante que não fosse, por diversas 
vezes, criminalizado. (ZAFFARONI, 1991, p. 25-26).
As estruturas de polícia, assim como as demais instâncias de poder, 
historicamente acabaram servindo às elites de nosso país como mecanismo 
de controle social, e até há pouco tempo foram extensão dos Estados, de uma 
ideologia voltada para a segurança nacional. Não obstante, com a abertura 
política e a democratização, nosso país tem procurado se adequar às novas 
realidades e contingências sociais, muito embora a incorporação de novos 
postulados inerentes aos direitos de cidadania encontre resistências individuais e 
institucionais. 
30
Capítulo 1 
Aliado a esse problema de “função das polícias”, percebe-se que, muito embora 
haja uma tentativa de articulação e mobilização no sentido de proporcionar 
segurança à sociedade e às pessoas, seus esforços têm sido muitas vezes em 
vão, decorrente também dos problemas crônicos de nossa sociedade, que é 
atravessada pelas desigualdades sociais (falta de saúde pública, infraestrutura 
urbana deficiente, desvalorização da educação e do sistema de ensino) e pelas 
mais variadas expressões de violência já citadas, como a pobreza, o desemprego, 
os preconceitos, o tráfico de drogas, a exploração sexual, a exploração do 
trabalho infantil (e adulto), a falta de assistência familiar, a 
falta de acesso aos meios de cultura, a violência 
(intrafamiliar, contra a mulher, contra os animais), entre 
outras questões para as quais não estão plenamente 
preparadas para agir. Tanto é assim que o chamado Guia 
para a Prevenção do Crime e da Violência nos 
Municípios, elaborado pelo Governo Federal, catalisa e 
prioriza ações nesses aspectos. 
Some-se a isso a cultura punitiva disseminada no contexto social e com terreno fértil na 
esfera policial, que dificultam os espaços para a mediação preventiva dos conflitos, e, 
ao contrário, pune-se e violenta-se como resposta da macroestrutura social. 
Assim, sob a proteção da função declarada do Direito Penal, a da prevenção 
“da violência e da criminalidade”, as polícias acabam contribuindo para o 
agravamento desse quadro, auxiliando na construção dos chamados “processos 
de criminalização”, exercendo influência significativa com a mobilização de seu 
aparato, principalmente quando vira moda falar-se em “movimentos de lei e 
ordem” como solução para os problemas de natureza social em momentos de 
crise. 
Na realidade, é preciso evitar, cada vez mais, que as polícias sejam órgãos a 
serviço de um poder (principalmente o poder econômico e o poder político) e 
sobre isso a afirmação de Jean-Claude Monet, estudioso de polícia, em seu livro 
“Polícias e Sociedades na Europa” é esclarecedora:
[...] é certo que o desenvolvimento das formas modernas de polícia 
na Europa resultou de uma demanda crescente em matéria de 
segurança, emanada, no essencial, das camadas dominantes 
urbanas. Mas nas modalidades de sua organização, tanto quanto 
nas prioridades operacionais que são as suas, transparece, no 
mais das vezes, mais a vontade dos governantes de se dotar de 
instrumentos politicamente confiáveis, do que uma verdadeira 
preocupação de responder à demanda social de segurança. É, 
pelo menos, o que sugere uma observação atenta das formas 
e dos ritmos que escandiram o desenvolvimento dos aparelhos 
policiais desde sua emergência histórica. É igualmente o que 
revela a análise de suas estruturas atuais. (MONET, 2001, p. 100).
Para mais informações 
veja: MINISTÉRIO DA 
JUSTIÇA. Secretaria 
Nacional de Segurança 
Pública. Guia para a 
Prevenção do Crime 
e da Violência nos 
Municípios. Brasília: 
SENASP, 2006. 
31
Criminologia e Políticas Criminais 
Entende-se que se deve instrumentalizar as polícias segundo políticas públicas 
que lhe permitam atuar também num cenário político - o que é diferente de 
ser “usada” politicamente - ou seja, lutar por uma atuação voltada para o 
atendimento às demandas sociais, legitimando suas ações mediante processos 
de interação e participação popular, em sintonia com o que prescreve a 
nossa Constituição em seu artigo 144, ao afirmar que Segurança Pública é 
responsabilidade de todos, não podendo ainda se esquecer que segurança, 
desde os tempos remotos, é preocupação dos povos e trata-se de uma 
necessidade básica, de bem viver, ter tranquilidade, de buscar a felicidade! 
Alguns autores chegam a afirmar que há sociedade sem “justiça”, mas não há 
sociedade sem polícia!
Segundo Lazzarini: 
Atribui-se a Honoré de Balzac a afirmação de que `os governos 
passam, as sociedades morrem, a polícia é eterna´. Ela o é 
porque, na realidade, as nações podem deixar de ter as suas 
forças armadas. Nunca, porém, podem prescindir de suas 
polícias, da sua força pública. (LAZZARINI, 1999. p. 49).
Obviamente que não se pode esquecer as muitas vezes em que a atuação das 
estruturas policiais exigem uma atuação eminentemente repressiva, como, por 
exemplo, naqueles casos em que ocorrem inevitáveis enfrentamentos diretos, 
contato físico, troca de tiros, situações essas em que não 
se torna possível o exercício de práticas de mediação, ao 
menos num primeiro momento, devido aos riscos e 
situação de perigoeminente. Ressalta-se também que 
essas situações constituem uma pequena parte dentro das 
múltiplas possibilidades da atuação policial, e ainda assim 
um eficiente serviço de inteligência policial poderia 
minimizar em muito a condição de enfrentamentos.
Por outro lado, é importante também perceber que o papel da polícia muitas 
vezes apresenta algumas ambiguidades, como, por exemplo, as citadas por 
Loche et all, ao apontar que na ação da polícia revela-se uma das faces de nossa 
sociedade, a saber:
Entrar no cotidiano da polícia descortina uma outra sociedade, 
funcionando sob regras e valores diferentes dos preceitos 
fundamentados no direito. Pode-se falar de uma lógica 
ocupacional, mas também de uma lógica societária que 
interferem no julgamento e na prática que os policiais têm 
de suas funções. Lógicas que exigem soluções rápidas e 
proporcionais aos crimes; que colocam o criminoso como 
Por eficiente serviço 
de inteligência, 
entenda-se aquele 
voltado à produção 
de informações e 
dados para a proteção 
social e dos direitos 
inerentes ao exercício 
de cidadania. 
32
Capítulo 1 
estando fora do pacto social, portanto, sem poder beneficiar-se 
das garantias constitucionais que foram feitas para pessoas de 
bem; que separam o universo em categorias polarizadas de bom 
x mau, delinquente x pessoa de bem etc. Mas, ao mesmo tempo, 
lógicas que permitem uma flexibilidade enorme no tratamento 
das pessoas em função de suas relações. Assim, alguns 
indivíduos teriam mais direitos que os demais porque, afinal, são 
parentes, amigos, protegidos, bem–vestidos, estudados tem 
conhecimento etc. que aqueles outros que não teriam. (LOCHE et 
al. 1999, p. 172).
Essa realidade precisa ser percebida, pois trata-se de ponto de partida para 
delimitação dos espaços de atuação das polícias numa sociedade de classes e 
em que as estruturas policiais têm se mobilizado amparadas por uma ideologia 
liberal (burguesa), a qual insiste em hierarquizar suas ações, desconsiderando os 
mais vulneráveis socialmente, atuando de forma, muitas vezes, pouco isenta. O 
sistema penitenciário brasileiro, onde a maioria dos presos são pessoas pobres, 
retrata a realidade dessa situação. 
Tal reflexão serve para demonstrar a necessidade de construção de uma nova 
filosofia com relação à forma de atuação policial, rompendo com o senso comum 
e com a hegemonia do pensamento (ideologias dominantes), no sentido de 
rever “velhos” paradigmas inadequados para uma sociedade que se deseja livre 
e igualitária, permitindo o controle social não autoritário do desvio e que abra 
espaço à diversidade, garantida pela “igualdade” e expressão da individualidade 
do homem, como portador de capacidades e de necessidades positivas 
(BARATTA, 1999).
A amplitude das políticas públicas necessárias para fazer frente ao problema 
da (in)segurança pública pressupõe o rompimento de paradigmas, em que se 
perceba não apenas a necessidade de novas tecnologias e modalidades de 
gestão, mas também a mudança de concepção sobre o papel da polícia; em que 
se inclua tanto na dimensão da prevenção como na repressão, a participação 
democrática nas ações de segurança pública. 
Isso porque os indicativos, e algumas experiências sobre o enfrentamento à 
violência e à criminalidade, têm demonstrado que programas e estratégias de 
segurança baseados numa articulação que envolva várias organizações - ou 
seja, entre estado, sociedade e cidadão - têm sido muito mais efetivos como 
resposta ao problema. Há que se ter a consciência de que a questão não está 
restrita à segurança pública, mas compreende a necessidade de atuação em 
outras áreas, como saúde, lazer, educação, assistência social, planejamento 
urbano e questões sistêmicas, como o problema da desigualdade e da má 
distribuição de renda.
33
Criminologia e Políticas Criminais 
Atividades de autoavaliação
Ao final de cada unidade, você realizará atividades de autoavaliação. O gabarito 
está disponível no final do livro didático. Mas esforce-se para resolver as 
atividades sem ajuda do gabarito, pois, assim, você estará estimulando a sua 
aprendizagem.
1. Conforme Carvalho (2008), o projeto político da Modernidade, no qual se 
insere o discurso das ciências criminais, tem como objetivo a busca da felicidade 
pela negação da barbárie e da afirmação da civilização. 
 
Com base no enunciado acima, é correto afirmar sobre as ciências criminais e a 
criminologia: 
a) ( ) As ciências criminais abrangem estudos que visam à compreensão da 
violência - com destaque para o fenômeno do crime e sua complexidade.
b) ( ) A Criminologia se ocupa do estudo do homem delinquente e das causas 
que o levam a praticar atos de violência.
c) ( ) As ciências criminais são integradas pelas normas penais e processuais 
penais, bem como pela criminologia e pelos postulados da política 
criminal, tendo por objetivo controlar a violência e assegurar os ideais de 
paz social, muito embora isso incorra na realidade social, pois ao invés de 
contê-la, o Estado acaba por reproduzi-la.
d) ( ) Historicamente, o campo de investigação da criminologia esteve reduzido 
à concepção voltada à intervenção punitiva, no espaço da pena e dos 
cárceres e só recentemente se ampliou a perspectiva multifacetada do 
fenômeno criminal. 
e) ( ) A Política Criminal é a ciência ou a arte de selecionar os bens (ou direitos) 
que devem ser tutelados jurídica e penalmente e escolher os caminhos 
para efetivar tal tutela.
2. “A história das penas é seguramente mais horrenda e infame para a 
humanidade que a própria história dos delitos” (Ferrajoli,1998, p. 382).
Escreva, entre 10 e 15 linhas, com uma perspectiva criminológica, sobre os 
fundamentos do Direito Penal em nossa sociedade e seus objetivos, dos 
declarados aos reais! 
34
Capítulo 1 
3. Um governo comprometido com a justiça e o exercício da ética na política, 
determinado a aprofundar a democracia, incorporando os brasileiros mais pobres 
à cidadania plena, estendendo a todos os homens e mulheres de nosso país os 
direitos civis e os benefícios do Estado de Direito Democrático, terá de dedicar-
se com prioridade ao combate à violência, em todas as suas formas. Da fome 
à tortura, do desemprego à corrupção, da desigualdade injusta à criminalidade. 
(Plano Nacional de Segurança Pública)
Com base no enunciado acima, aponte os principais aspectos do Plano Nacional 
de Segurança Pública, que se alinham com uma política criminal de base 
criminológica! 
4. Apresente uma charge que tenha alguma relação com o perfil do “homem 
delinquente” descrito por Cesare Lombroso! Faça uma pesquisa na internet, 
revistas, livros ou jornais.
35
Capítulo 2
Violência, controle social e 
sistema penitenciário1
Seção 1 
Violência, criminalidade, criminalização e 
vitimologia
Simplificando, pode-se afirmar que ao nascer, a violência se expressa 
em decorrência dos traumas do ato em si (parto e dor); na morte, pelo 
desaparecimento e sofrimento que gera; e no viver, decorrente do exercício 
conflituoso da vida e da necessidade de sobrevivência.
Portanto, parte-se do pressuposto de que a história da humanidade esteve 
envolvida pela violência, pelos conflitos, inerentes à vida em sociedade. Muitos 
são os registros de guerras, perseguições, disputas, questões de gênero, 
preconceitos, desigualdades, terrorismos, explorações, e pela modalidade de 
violência que, muitas vezes, é entendida e definida por valores de determinados 
grupos sociais organizados: os fatos considerados criminosos, da criminalidade e 
dos processos de criminalização.
 
1 DE PAULA, Giovani; TAGLIARI, Priscila de Azambuja. Criminologia e políticas criminais. Palhoça: UnisulVirtual, 2015.
36
Capítulo 2 
Historicamente, o ser humano é falível no que se refere aos seus sentimentos, 
reações, impulsos, comportamentos, enfim, como ser político por natureza, 
o homem nasce, vive e morre num contexto das mais variadas condições 
e possibilidades de situações de poder e conflitos, tendo estabelecidoconsensualmente nas sociedades uma estrutura de poder superior para sua 
resolução (a que denominamos “Estado”), fazendo com que as sociedades 
transitem entre a autorregulação e o controle formal.
Essas estruturas evocavam, inicialmente, forças metafísicas, religiosas, presentes 
nos relatos históricos das figuras dos pajens, chefes de tribo, feiticeiros, enfim, 
cuja autoridade definia a figura do proibido, do pecado, do castigo. Na realidade, 
consistia numa das manifestações de poder e cooptação sobre o grupo. 
Hans Kelsen nos dá uma dimensão aproximada da natureza das normas dos 
povos antigos: 
[...] na consciência dos homens que vivem em sociedade, 
existe a representação de normas que regulam a conduta entre 
eles e vinculam os indivíduos. [...] As normas mais antigas da 
humanidade são provavelmente aquelas que visam frenar e 
limitar os impulsos sexuais e agressivos. O incesto e o homicídio 
são deveras os crimes mais antigos, e a perda da paz (isto é 
a exclusão do grupo) e a vingança de sangue as mais antigas 
sanções socialmente organizadas. Está-lhes na base uma regra 
que determina toda a vida social dos primitivos, a regra da 
retribuição (retaliação). (KELSEN, 2003, p. 92).
A violência, na sua característica estrutural, institucional ou individual, manifesta-
se das mais variadas formas sobre a(s) pessoa(s), direta ou indiretamente, de 
forma ostensiva ou oculta, de maneira instrumental ou simbólica, gerando uma 
série de consequências.
Entre as várias maneiras e formas de compreender a violência enquanto 
fenômeno social, vamos recorrer a uma definição ampla do termo, baseada em 
Michaud:
Há violência quando, numa situação de interação, um ou vários 
autores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, 
causando danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, 
seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em 
suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais. 
(MICHAUD, 2001, p. 11).
37
Criminologia e Políticas Criminais 
Não se pode esquecer que, com a estatização dos aparatos político-jurídicos e 
com a modernização da burocracia estatal e seus instrumentos, emergiu uma 
nova figura simbólica: o chamado “Estado de Direito”, que, para ter legitimidade, 
teve que se estabelecer sobre bases democráticas. Mas isso não foi suficiente 
para parar os impulsos geradores das violências em suas diferentes formas de 
expressão e “distribuição”. E o sistema penal, surgido exatamente para conter a 
violência, tem sido historicamente um dos (re)produtores mais eficientes dessas 
violências. Exemplo disso são as legislações penais da Grécia e da Roma Antiga, 
onde a construção de uma teoria da pena tinha suas bases no excesso punitivo 
(sendo comuns o emprego da pena de morte, o desterro, a imposição da Lei 
de Talião – “olho por olho, dente por dente”) e outras formas de retaliação para 
questões de pouca gravidade.
Na Europa, no século XVIII, essa crueldade também teve muita visibilidade, a 
ponto de na França, até que a Revolução de 1789 igualasse todo mundo na hora 
de prestar contas ao carrasco, aos nobres era reservado o método indolor da 
decapitação, enquanto para as pessoas de baixa extração sobravam geralmente 
a forca, a fogueira e o terrível suplício da roda, no qual o carrasco, depois de 
amarrar a vítima na horizontal com o rosto virado para o céu, braços e pernas 
bem abertos fazendo um grande “xis”, quebrava-lhe as articulações dos 
membros com uma barra de ferro, depois aplicava-lhe alguns golpes violentos 
no estômago (LECHERBONNIER, 1989). Era chamado o suplício da roda porque, 
finda essa primeira parte, o carrasco dobrava os braços e pernas do suplicado 
para trás, de modo que os calcanhares tocassem a cabeça do infeliz, e amarrava 
o sinistro “embrulho” numa roda, também na horizontal, que ficava exposta ao 
público (OLIVEIRA, 1994). 
No Brasil, a história da violência se destaca pelas injustiças históricas e 
processos de marginalização que vão da esfera penal à social, sempre com 
dificuldades de reconhecimento dos direitos mais elementares da pessoa humana. 
Os índios foram as primeiras vítimas desse processo. 
Dallari relata que:
desde o início da colonização do território brasileiro pelos 
portugueses, no ano de 1500, foi estabelecida no Brasil uma 
sociedade profundamente marcada pela diferenciação entre os 
novos senhores da terra e os outros. As primeiras vítimas dessa 
nova sociedade foram os índios, primitivos habitantes da terra 
brasileira, que o colonizador explorou de várias formas, tentando 
escravizá-lo e roubando suas terras. Acostumado a viver em 
liberdade, em relação íntima com a natureza, o índio tentou 
resistir, mas a superioridade de armas e a ambição de riqueza 
dos colonizadores foram mais fortes.
38
Capítulo 2 
Calculam os historiadores que existiriam no Brasil, no ano de 
1500, entre quatro e cinco milhões de índios. Mas eles foram 
sendo dizimados, ou pelas armas ou por falta do ambiente 
natural que garantia sua sobrevivência, conseguindo sobreviver 
apenas as comunidades mais protegidas pela floresta e poucos 
grupos isolados em alguns pontos do litoral. Hoje restam menos 
de trezentos mil índios, muitos deles sendo vítimas da espoliação 
e das pressões da sociedade circundante. Empresários e 
agentes do governo se mostram impacientes e procuram 
apressar a eliminação dos grupos tribais remanescentes, 
considerados obstáculos à plena ocupação do território e 
à exploração das riquezas do solo e do subsolo. [...] É um 
genocídio mais ou menos disfarçado, que necessita de algum 
tempo para se consumar, mas é absolutamente certo. Os 
“civilizados” estão assassinando os “selvagens”. (DALLARI, 1995, 
p. 19-20).
Com os afrodescendentes, a história não foi diferente: diante da resistência dos 
índios em serem escravizados (os colonizadores interpretavam como “pouca 
aptidão para o trabalho”), eles foram “importados” por Portugal de suas colônias 
africanas, implantadas por volta do século XV. Os negros eram trazidos nos 
chamados “navios negreiros”, em condições desumanas, sendo que muitos 
morriam mesmo antes de chegar ao Brasil. 
A escravidão consistiu na apropriação sobre o outro – o escravo – por meio da 
coerção e da força, em que um “senhor”, “dono” ou “comerciante” tinha direitos 
sobre ele, podendo explorar sua força produtiva, comprar ou vendê-lo e puni-
lo, no Brasil, pelo chamado “castigo exemplar”, aplicado em público e visando 
a intimidar os demais escravos. A escravidão ocorreu desde a antiguidade e foi 
utilizada por diversos povos e civilizações. 
No Brasil, a violência da escravidão esteve muito presente e faz parte da 
construção da nação brasileira. Segundo Bueno:
No porão dos navios negreiros que por mais de trezentos anos 
cruzaram o Atlântico, desde a costa oeste da África até a costa 
nordeste do Brasil, mais de três milhões de africanos fizeram uma 
viagem sem volta, cujos horrores geraram fortunas fabulosas, 
ergueram impérios familiares e construiram uma nação. O bojo 
dos navios da danação e da morte era o ventre da besta 
mercantilista: uma máquina de moer carne humana, funcionando 
incessantemente para alimentar as plantações e os engenhos, as 
minas e as mesas, a casa e a cama dos senhores – e, mais do 
que tudo, os cofres dos traficantes de homens. A cena foi 
minuciosamente descrita por centenas de obervadores. Quanto 
mais são os depoimentos cotejados, mais dificil é crer que tantos 
sobrenomes famosos tenham seu fausto e suas glórias 
39
Criminologia e Políticas Criminais 
vinculados a tantas desgraças. Mas assim foi, e assim teria sido 
por mais tempo se, por circunstâncias meramente econômicas, a 
escravidão não deixasse de ser um negócio tão lucrativo.(BUENO, 
2003, p. 124). 
Conforme retratado a baixo, na pintura de Jean-
Baptiste Debret, um escravo sendo castigado por 
seu capataz, é a representação de cotidiano da 
escravidão no período do Brasil Imperial, época em 
que a violência era uma das formas usadas paracontrolar os escravos.
Figura 2.1- Feitor castigando o escravo
 
Fonte: Monteiro, 2013.
No ciclo do ouro no Brasil, os escravos eram submetidos, além das punições, a 
exaustivos e árduos trabalhos; a condições de risco, pois muitos se feriam ou 
morriam em acidentes, como os provocados pelos gases que alimentavam as 
lamparinas e carburetos; à má alimentação e a péssimas condições de higiene 
que deterioravam suas condições de saúde, sendo que a maioria, iniciando suas 
atividades na mineração, ainda como crianças, acabavam morrendo após cinco/
dez anos de trabalho. 
Há relatos de que se escolhiam escravos em fase púbere com determinado 
tipo físico (estatura baixa para o trabalho apertado nas minas), para serem 
“reprodutores” e muitos deles eram “castrados” de forma rudimentar (marretada 
em cima do escroto sobre pedra) para não terem desenvolvimento físico que 
inviabilizasse seu trabalho nas minas de ouro. Um poder que se mantinha no 
controle tendo como base a violência.
Artista francês a serviço da 
corte portuguesa no Brasil 
entre 1816 e 1831. Em suas 
telas retratou a paisagem, 
a sociedade brasileira, e 
destacou a forte presença dos 
escravos. 
40
Capítulo 2 
Figura 2.2 - Trabalho escravo em mina de ouro – pintura de Johann Moritz Rugendas de 1770 
 
 
Fonte: Museu do Ipiriranga, 2009.
Com a abolição da escravatura no ano de 1888, começou a migração, para o 
Brasil, de um grande contingente de trabalhadores europeus, o que gerou um 
novo problema. Dallari relata que:
Os negros libertados, sem dinheiro e sem preparação profissional, 
foram abandonados à sua própria sorte e passaram a constituir 
um segmento marginal da sociedade. Vivendo na miséria e, além 
disso, vítimas de um tratamento preconceituoso, passaram 
a trabalhar nas atividades mais rudimentares e com menor 
remuneração, o que arrastou muitos deles para a criminalidade, 
agravando ainda mais os preconceitos, embora estes sejam 
sempre negados. (DALLARI, 1995, p. 31).
A classe dominante brasileira da época se encarregou de elaborar leis que 
criminalizassem as classes consideradas “subalternas”, onde os pobres e negros 
em geral foram os principais alvos, além de mobilizar as estruturas de poder 
para exercer o controle pela via punitiva. Tem-se como exemplo, entre outros, a 
previsão de ser crime os atos de capoeira e de vadiagem - pano de fundo para 
justificar os instrumentos de repressão e de controle social e proibir o acesso dos 
indivíduos de camadas sociais mais baixas à participação política e seu melhor 
acesso aos bens materiais. 
O controle da segurança pública nesse cenário de desigualdade social, 
representada principalmente pelo escravagismo, dava-se por meio do emprego, 
para a manutenção da ordem e dos meios de produção da economia, do que 
seriam os embriões das atuais polícias. Não havia interação entre as instituições 
e as comunidades, mas sim um conjunto de constantes intervenções do Estado 
que judicializavam os conflitos visando ao controle e ao domínio. O patronato, 
o paternalismo, o clientelismo e outras formas espúrias de relação de poder e 
autoritarismo se fundamentaram nesse contexto. 
Pintor alemão 
que viajou 
pelo Brasil 
durante o 
período de 
1822 a 1825, 
pintando 
os povos e 
costumes. 
41
Criminologia e Políticas Criminais 
Portanto, ao lado das situações de desigualdade, das injustiças e da 
marginalização social, o problema da violência é decorrente também dos 
fatos considerados crime, sendo delegado a um sistema formal de controle 
chamado de “Sistema Penal” - composto pelo Legislador (criminalização 
primária), Polícia, Ministério Público e Judiciário (criminalização secundária) 
- indo até os mecanismos de controle social informal, como a família, a 
escola, o mercado de trabalho, a mídia. 
Essas estruturas sociais acabam - de forma articulada e seguindo uma 
“orquestração ideológica” proveniente de um modelo sociopolítico que 
incorporou novos padrões de dominação - destacando-se a economia, gerando 
desigualdades, exclusão social e um aumento dos processos de criminalização, 
que tem recaído sobre um alvo preferencial: os pobres, submetidos em nossas 
prisões aos mais vergonhosos aviltamentos de suas garantias e direitos 
fundamentais, além da perda da sua subjetividade como ser humano.
Ao ingressar em um presídio brasileiro, o sentenciado é “despido de sua aparência 
usual”. É despojado de seus pertences pessoais, recebendo um uniforme 
padronizado, o qual é obrigado a utilizar. Seu nome é substituído por um número, 
denominado matrícula. O seu cabelo é raspado. É privado de toda e qualquer 
comodidade material, recebendo tão-somente o necessário a sua higiene pessoal. 
E, por fim, é informado das normas do estabelecimento e das consequências do se 
descumprimento. 
Este processo, denominado perda da subjetividade, consiste na desprogramação 
do indivíduo, na perda de sua identidade, de modo a torná-lo apto a um novo 
mecanismo de reprogramação, agora baseado em regras de enquadramento, 
adestramento e de padronização. Ao determinar ao sentenciado uma rotina diária a 
ser seguida, pretende-se uma renúncia à própria vontade e ao desejo. Este sistema, 
denominado por Goffman pasteurização do indivíduo, consiste na perda e na 
anulação da singularidade.
Os dados empíricos apresentados refletem a ideologia que está por detrás das 
práticas propostas pelo sistema penal: punir os pobres! Daí a distinção entre a 
criminalidade e a criminalização, ambas operadas pelo sistema penal, em que a 
primeira corresponde aos resultados apresentados pela segunda mediante os 
processos de definição, etiquetamento e seleção. 
Essa forma de interpretar e significar o problema da violência e da criminalidade, em 
que o sistema de justiça criminal se limita a sua reprodução encontrando notável 
visibilidade nos cárceres e que se subsume a sofrimento e dor não é algo exclusivo 
da sociedade brasileira, é fenômeno global e que vem sendo repensado e discutido 
por pesquisadores no sentido de se vislumbrar alternativas a um modelo falido há 
algum tempo. 
42
Capítulo 2 
Continuação
Sobre a questão do crime, enquanto conduta, criminalidade enquanto ato de 
violência tipificado como crime e criminalização como ação do Estado sobre quem 
praticou esse ato, Vera Regina Pereira de Andrade nos esclarece que:
Uma conduta não é criminal “em si” (qualidade negativa ou nocividade inerente) nem 
seu autor um criminoso por concretos traços de sua personalidade ou influências 
de seu meio ambiente. A criminalidade se revela, principalmente, como um status 
atribuído a determinados indivíduos mediante um duplo processo: a “definição” 
legal de crime, que atribui à conduta o caráter criminal, e a “seleção” que etiqueta 
e estigmatiza um autor como criminoso entre todos aqueles que praticaram tais 
condutas. 
Consequentemente, não é possível estudar a criminalidade independentemente 
desses processos. Por isso mais apropriado que falar da criminalidade (e do 
criminoso) é falar da criminalização (e do criminalizado), e esta é uma das várias 
maneiras de construir a realidade social. (PORTO, 2009, p. 84).
Dessa maneira, o sistema de justiça criminal tem se apresentado como um 
instrumento de exclusão, onde, de forma recorrente, a mediação dá lugar à 
judicialização dos conflitos pela criminalização e pela crescente geração de novos 
estereótipos de “criminosos”. 
Com isso, reproduz-se a violência, no plano simbólico e no plano real:
A política criminal, enquanto programa de controle do crime 
e da criminalidade, no Brasil, influenciada pelo modelo norte-
americano, se configura como mera política penal, pois ´exclui 
políticas públicas de emprego, salário, escolarização, moradia, 
saúde e outras medidas complementares, como programas oficiais 
capazes de alterar ou reduzir as condições sociais adversas da 
população marginalizada do mercado de trabalho e dos direitos de 
cidadania, definíveis como determinações estruturais do crime e 
da criminalidade´. (SILVEIRA FILHO,

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