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Tese 159- Márcio Luís Alves Paiva

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1 
2 
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO 
DE GEOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA 
CIDADE E “DRAMAS”: ENTRE A FESTA E O FESTIVAL – JAZZ E BLUES EM 
GUARAMIRANGA – CEARÁ. 
MÁRCIO LUÍS ALVES PAIVA 
Tese apresentada ao Programa de Pós- 
Graduação em Geografia da Universidade 
Federal Fluminense como requisito parcial à 
obtenção do título de Doutor em Geografia. 
Orientador: Prof. Dr. Márcio Piñon 
de Oliveira 
Niterói, RJ 
2017 
3 
4 
5 
“As festas conservam a unidade e a coerência entre os usos 
do tempo e do espaço; elas celebram um tempo 
manifestado no espaço. Ainda nesse período, os códigos do 
espaço coincidiam com os códigos do tempo (LEFEBVRE, 
2006, p. 279) 
6 
Aos meus filhos Max, Bárbara e Daniel, receptáculos 
do que de melhor há em mim; À Ana, Martha, e aos 
meus pais Francisco e Maria. 
7 
AGRADECIMENTOS 
Agradecer é um ato difícil por um único aspecto: o esquecimento da última hora. 
Escrever essa parte no final é injusto pelo calor da pressa e as brigas com o tempo 
para finalizar, mas vamos lá, pedindo perdão a quem se julgar esquecido. 
Ao Professor Márcio Píñon, pela paciência, abnegação e tranquilidade com a 
as quais conduz sua prática profissional, figura ímpar! Ao amigo Márcio Piñon, um ser 
humano de luz, que transmite paz, muito obrigado! 
Aos amigos da turma de doutorado, especialmente aqueles que ficaram para 
a vida: Ari e Luciano; 
À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico 
- FUNCAP pelo custeio nos primeiros meses da pesquisa e em seguida a 
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES que 
fomentou os demais períodos de realização do estudo; 
Á Secretaria de Educação do Estado do Ceará pela possibilidade de estar 
afastado durante grande parte do curso; 
À coordenação do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFF e ao 
corpo docente do programa nas pessoas do Professor Jorge Luiz Barbosa e do nosso 
conterrâneo Professor Flávio Rodrigues do Nascimento; 
À Professora Amélia Cristina pelas contribuições e atenção no 
acompanhamento da pesquisa; 
Aos queridos amigos de toda hora e que apesar de seus afazeres acadêmicos 
sempre estiveram dispostos a ajudar nas discussões: Neide Santana, José Arilson, 
João Correia Saraiva, ao amigo Alex Alves por ter me apresentado o objeto dessa 
pesquisa, e em especial a irmã que Deus me presenteou para todos os momentos da 
vida: Martha Maria Junior e, ao querido Ériko Carneiro pelo ânimo, ajuda, e exemplo 
de estudante; 
8 
Ao Doro e família pela acolhida durante o curso e também ao amigo Plínio e 
Ernita Brasileiro pelo empenho com os trâmites de liberação das funções junto à 
Secretaria de Educação; 
Aos meus queridos alunos da Banda de Música Sons de Clara que 
pacientemente esperam meu retorno à regência: Thyago, Lukas, João, Hugo, Robson, 
Carlinhos, Tonhão, Matheus, Neudo, Augusto, Neto, Luana, e aos meus amores: Max 
e Bárbara e o mascote, meu pequeno Daniel; 
Aos meus alunos e colegas professores da Escola de Ensino Médio Professor 
Luis Felipe, nas pessoas do Francinaldo, Jaido, Marly, Paulo, Flávio, Ana Paula Feijão, 
François pela ajuda e compreensão; 
Aos companheiros da Secretaria de Educação de Sobral, inicialmente pela 
possibilidade do afastamento. Agradeço a Herbert Lima, Edna, Carolina, Magnum e 
especialmente a amiga Isabelle que me salva nos momentos de sufoco me 
substituindo onde é possível; 
Ao povo de Guaramiranga, gentil, hospitaleiro e atencioso pelas entrevistas, 
pelos afagos e generosidades, em especial D. Zilda Eduardo; 
Aos estudiosos que contribuíram com suas impressões este trabalho, em 
especial à Cláudia Leitão e Rejane Reinaldo; 
E por fim, não querendo esquecer ninguém, aos companheiros de jornada junto 
ao trabalho da ordem Franciscana, amigos-irmãos do Gefa – Grupo Espírita Francisco 
de Assis nas pessoas da Ana, Pedro Henrique, meu compadre, amigo e que sempre 
está comigo, Arlete Melo, a coluna mestre de todos nós e ao meu irmão de toda hora, 
Adriano Melo. 
Aos todos ditos aqui e aqueles que a memória de um doutorando na última hora 
resolveu esquecer momentaneamente durante este escrito: Muito obrigado! 
9 
RESUMO 
O trabalho objetiva analisar a relação entre o festival Jazz e Blues e a pequena cidade 
de Guaramiranga, localizada na região do Maciço do Baturité, distante cerca de 100 
quilômetros da capital do Estado, Fortaleza. A realização de eventos espetaculares, 
como expressão local da vigente fase de mercantilização da cultura, tem valorizado a 
pequena cidade enquanto centro de irradiação cultural, disseminando imagens e 
discursos que enaltecem as características naturais da cidade, aliadas à justificativa de 
seu passado vigoroso de intensa atividade econômica e desenvolvimento cultural, 
propiciado pelo cultivo de café na região onde está situada. Com isso, a pequena 
cidade tornou-se um destino turístico contumaz, porém distante de soluções de seus 
problemas urbanos mais imediatos, dentre eles, a perda de população, a poluição e a 
intensa especulação imobiliária, que produziu uma supervalorização da terra. A 
instalação de serviços por parte de não moradores parece estabelecer na cidade ritmos 
de vida diversos: uma cidade para a festa e uma cidade que se expressa num cotidiano 
simplório em dias não festivos. A pesquisa visa, então, analisar os aspectos que 
propiciam avanços e impactos no espaço urbano de Guaramiranga a partir desses 
eventos espetaculares, em especial o Festival Jazz e Blues, massivamente reconhecido 
como o promovente do lugar e um dos motores de desenvolvimento, à revelia das 
manifestações populares que o enaltecem, como os Dramas Cantados, expressão 
maior dos atores sociais de Guaramiranga. A análise se move na verificação dos 
discursos que visam validar as contribuições advindas do evento na produção do 
espaço em questão, bem como aferir a partir de dados oficiais que venham a comprovar 
tais benefícios. Buscamos, ainda, escutar agentes produtores da cultura, estudiosos do 
lugar e, principalmente, a população nativa acerca dos aspectos estudados. O 
fundamento teórico encontra-se balizado pela teoria do Materialismo Cultural de 
Raymond Williams, que elucida o fenômeno de mercantilização da arte e, 
consequentemente, de vendas dos lugares, e na teoria da produção espacial de Henri 
Lefebvre, quanto à abordagem analítica do espaço enquanto espaço percebido, 
concebido e vivido. 
Palavras-chave: Cidade. Cultura. Festa. Festival. Guaramiranga 
10 
ABSTRACT 
The present work aims at analyzing the relation between the Jazz and Blues Festival 
and the city where it takes place, Guaramiranga, located in the hill region Baturité, 100 
km away from the capital city of Ceará estate, Fortaleza. The realization of 
entertainment events as expression of the current phase of commodification of culture 
has valued the small city and deemed it as a center of cultural irradiation, disseminating 
images and discourses that praise the city’s natural characteristics, along with the 
justification of its vigorous past of intense economical activity and cultural development 
provided by the coffee farming present in the region. Therefore, the small city has 
become a common touristic destination, but it is still far from the solutions to its 
immediate urban problems. Among them, we may cite the loss of population, the 
pollution and the intense realestate speculation that produced an overvaluation of the 
land. The presence of services offered by non-residents of the city seems to stablish 
different paces of living: a city for partying and another one that express itself in a simple 
everyday life when festive days are not present. Thus, this work seeks to analyze the 
aspects that provide advances and impacts – resulting from these entertainment events 
- in the urban space of Guramiranga, in special the Jazz and Blues Festival, massively 
recognized as the promoting source of the place and one of the engines of development 
despite the popular demonstrations that praise the city, as the Sung Dramas, the most 
relevant social actor of Guaramiranga. The analysis follows the path of verifying the 
discourses that aim at validating the contributions that arise from the event in the 
production of the space at issue, as well as validating them based on official data that 
may come to ascertain such benefits. Moreover, we seek to listen the agents that 
promote culture, scholars from the place and, mainly, the native population about the 
studied aspects. The theoretical basis used is the Cultural Materialism of Raymon 
Williams, which elucidates the commercialization of art and, consequently, the sale of 
places; and the Henri Lefebvre’s production of space theory regarding the space analytic 
approach as perceived and lived space. 
Keywords: City. Culture. Party. Festival. Guaramiranga. 
11 
LISTA DE FIGURAS 
Figura 1 - Gravura representando as lavouras de café na Fazenda Guaramiranga ....... 42 
Figura 2 - Importantes sítios Produtores de Café na Serra de Baturité ............................ 46 
Figura 3 - As moedas do Sítio Bom Sucesso e o rodeiro de pilagem do Café ................. 50 
Figura 4 - Locomotiva utilizada na Estrada de Ferro de Baturité ...................................... 57 
Figura 5 - Trabalhadores Flagelados utilizados pela RVC – 1920 .................................... 58 
Figura 6 - Trabalhadores Flagelados utilizados pela RVC – 1920 .................................... 58 
Figura 7 - Sitio Monte Grappa, de propriedade de Giovani Barsi ..................................... 59 
Figura 8 - Casarão do Sítio Pau d’Alho (Destruído) .......................................................... 61 
Figura 9 - Fazenda Venezuela .......................................................................................... 61 
Figura 10 - ​Destino Preferido pelos turistas – 2016 ............................................................ ​77 
Figura 11 - Esquema demonstrativo de Canclini ................................................................ 82 
Figura 12 - ​Reisado do Mestre Vicente Chagas (Mestre da Cultura de Guaramiranga) ... ​86 
Figura 13 - Encenação de Dramas no 22o Festival de teatro de Guaramiranga ................ 90 
Figura 14 - Transcrição do Drama “As Mentirinhas” 92 
Figura 15 - ​Grupo de Dramas Tradição. Festa do Riso e da Flor - IV Mostra dos Dramas de 
Guaramiranga, 2008 .................................................................................... 
94 
Figura 16 - ​Visão hodierna da principal via de Guaramiranga (Rua Joaquim Alves ​Nogueira) – 
Praça do Teatro Rachel de Queiroz ......................................
96 
Figura 17 - AGUA – Associação Amigos da Arte de Guaramiranga ................................... 97 
Figura 18 - Arte do Festival Nordestino de Teatro – TFN – 2017 ....................................... 114 
Figura 19 - Comércio informal nas praças de Guaramiranga (2016) .................................. 117 
Figura 20 - Comércio Informal na Praça do Teatro – Guaramiranga (2016) ...................... 118 
Figura 21 - Vista aérea de um dos condomínios de alto padrão em Guaramiranga .......... 119 
Figura 22 - População de Guaramiranga ano a ano (2006 – 2016) .................................... 120 
Figura 23 - Placas de anúncio imobiliária ........................................................................... 122 
Figura 24 - Calendário de Eventos de Guaramiranga ......................................................... 129 
Figura 25 - Artes das Edições do Festival Jazz e Blues ..................................................... 131 
12 
Figura 26 - Matéria do Jornal El País sobre o Festival Jazz e Blues – 13/02/2015 142 
Figura 27 - Chamada no Jornal Diário do Nordeste – 18/02/2017 ...................................... 144 
Figura 28 - Detalhe da chegada de turista à cidade ........................................................... 159 
Figura 29 - Detalhes da Cidade Jazz e Blues ..................................................................... 160 
Figura 30 - Guia de Hospedagem da Rota do Café Verde ............................................... 163 
13 
LISTA DE MAPAS 
Mapa 1 - ​Localização da Região do Maciço do Baturité no Ceará ............................ ​35 
Mapa 2 - ​Destaque dos sítios pertencentes à família de Ignácio Lopes - 1820 ....... ​38 
Mapa 3 - ​Rede de Viação Cearense – 1924 ............................................................... ​56 
Mapa 4 - ​Localização de Importantes Equipamentos Urbanos em Guaramiranga ...... ​130 
14 
LISTA DE TABELAS 
Tabela 1 - Dados Censitários de 1890, 1900 e 1920 ....................................... ​60 
Tabela 2 - Exportação do Café pelo Porto de Fortaleza .................................. ​64 
Tabela 3 - Tipologia de Eventos segundo Donald Getz ................................... ​106 
Tabela 4 - Saldo de empregos formais em Guaramiranga – 2015 .................. ​124 
Tabela 5 - Quadro demonstrativo dos Repasses do ICMS a Guaramiranga 
(2007-2016) ..................................................................................... 
126 
Tabela 6 - Número de empregos Formais Admissões e Desligamentos por 
setor de atividade – Janeiro de 2017...............
148 
Tabela 7 - Admissões e Desligamento por Tipo de Ocupação – 2016 ............ ​149 
15 
LISTA DE GRÁFICOS 
Gráfico 1 - ​Estoque de empregos por faixa etária em Guaramiranga – 2015 ​125 
Gráfico 2 - ​Idade dos Entrevistados ............................................................... ​157 
Gráfico 3 - ​Sexo dos Entrevistados ................................................................ ​157 
Gráfico 4 - ​Procedência dos Entrevistados .................................................... ​157 
16 
LISTA DE SIGLAS 
IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro 
RVC – Rede Viação Cearense 
EFB – Estrada de Ferro de Baturité 
APA – Área de Proteção Ambiental 
SEMACE – ​Superintendência Estadual do Meio Ambiente do Ceará 
SEFAZ – Secretaria da Fazenda do Ceará 
IPECE – Instituto de Pesquisas e Estratégia Econômica do Ceará 
IBC – Instituto Brasileiro do Café 
SETUR – Secretaria do Turismo do Ceará 
FEQUAJUCE – Federação das Quadrilhas Juninas do Ceará 
PRODETUR – Programa de Desenvolvimento do Turismo 
AGUA – Associação Amigos da Arte de Guaramiranga 
SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas 
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 
FNT – Festival Nordestino de Teatro 
17 
SUMÁRIO 
INTRODUÇÃO 19 
CAPÍTULO 1 
GUARAMIRANGA: APONTAMENTOS DE SUA HISTÓRIA ..................... ​31 
1.1. A Ocupação e povoamento do Maciço do Baturité ..................... 31 
1.2. A Economia Cafeeira do Maciço do Baturité ............................... 42 
1.3. A Estrada de Ferro de Baturité e o desenvolvimento das cidades 
........................................................................................ 51 
1.4. A derrocada da cultura do café e o declínio das economias na 
Serra de Baturité .........................................................................62 
CAPÍTULO 2 
DA FESTA NO SÍTIO DE CAFÉ AOS FESTIVAIS NA CIDADE DE 
GUARAMIRANGA ...................................................................................... ​68 
2.1. Breves considerações sobre o estudo da festa ............................... ​68 
2.2. Guaramiranga: de Produtora de Café à cidade das Festas .......... ​75 
2.3. Refletindo brevemente sobre festas e tradições populares no 
Nordeste brasileiro ................................................................................ ​79 
2.4. ​Dramas cantados de Guaramiranga: Festa e tradição ................... 86 
CAPÍTULO 3 
A CIDADE E A FESTA: DA TRADIÇÃO DO IMPROVISO NO DRAMA 
CANTADO AO IMPROVISO NO FESTIVAL JAZZ E BLUES ................... ​100 
3.1. ​Aproximações sobre a Origem dos Festivais ................................. 100 
3.2. ​O século XX e a celebração de festivais pelo mundo e no Brasil ... 105 
3.3. ​Os Festivais de Música: algumas de suas especificidades ............. 109 
3.4. ​O Festival Jazz e Blues de Guaramiranga: avanços e impactos na 
pequena cidade ..................................................................................... 112 
18 
CAPÍTULO 4 
O PROCESSO DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO DE GUARAMIRANGA: DO 
JAZZ ÀS (RE)IVENÇÕES DO CAFÉ COMO NOVAS SOCIABILIDADES 
NO LUGAR ................................................................. ​133 
4.1. ​A Produção do espaço em Guaramiranga: inserções necessárias . ​133 
4.2. ​O discurso da retomada do desenvolvimento pela mercantilização 
cultural: entre o espaço concebido e o vivido em Guaramiranga ........... 138 
CONCLUSÃO ............................................................................................... 166 
REFERÊNCIAS 
ANEXOS 
19 
INTRODUÇÃO 
A primeira impressão, como afirma o jargão popular, é a que fica. Essa é a 
sensação inicial que experimentamos ao chegar à Guaramiranga. A beleza 
esverdeada da serra, combinada com o colorido de suas flores, além da forma 
aconchegante da pequena cidade que parece nos receber com abraço -expresso pelo 
olhar atencioso de sua gente pacata e hospitaleira - assinalando um “seja bem-vindo, 
sinta-se como na sua casa”, leva-nos à promessa de tê-la como um destino a ser 
visitado muitas vezes. 
A pequena cidade, em si, carrega o estigma de um conjunto de adjetivos que a 
fazem ser um lugar desejado para se visitar, ou até mesmo para morar, conforme 
dizem aqueles que vivem sob a rigidez dos grandes centros urbanos. Assim acontece 
com a pequena cidade de Guaramiranga, situada no Maciço do Baturité, distante 
cerca de 110 km da capital Fortaleza, que se insere como um dos destinos mais 
praticados da população fortalezense e tem, por isso, hodiernamente seu cotidiano 
marcado pela visitação, incisivamente aos finais de semanas e feriados, motivando a 
manutenção de um calendário de atrações para agradar aos que chegam a exemplo 
de uma lógica global de inserção da cultura enquanto mercadoria e igualmente da 
cidade nesse mesmo processo. 
A escritora Rachel de Queiróz, que guardava estreitas relações com 
Guaramiranga, chegando a residir em dado momento na infância, tratou de acentuar 
as belezas da pequena cidade em sua obra. Em um dos estudos sobre a escritora 
encontramos o trecho que diz: era em Guaramiranga que ela sentia “[...] o frio doce, 
com cheiro de jasmim e de laranjal!” (QUEIROZ, 1994 apud CAVALCANTE 2016). 
Lugar que, por sua geografia particular, parece não fazer parte do semiárido cearense. 
Geografia telúrica percebida pelos sentidos e tecida por lembranças, saudades, 
convivências e imaginação da escritora. 
Além de ser um refúgio para os períodos mais secos do sertão, Guaramiranga, 
reunia vários parentes da literata, convivências das quais podemos colher algumas 
impressões da menina Rachel em relação à serra: “Guaramiranga era assim uma 
espécie de paraíso para quem morava em Fortaleza – as flores, as rosas, os amores- 
20 
perfeitos, o clima”. [...] Saudades de Guaramiranga; saudades da igreja de Lourdes, 
erguida no seu morro particular, sozinha lá encima com a flecha apontando entre 
palmeiras, o seu jardim e o seu patamar sombreado. (CAVALCANTE, op.cit). 
As ternuras do lugar e daquilo que representou no passado, através do período 
áureo do café na região, que propiciou o desenvolvimento na cidade de outrora, foram 
descritos por Rachel de Queiróz em muitos outros escritos, como em sua coluna no 
jornal a Folha de São Paulo de 17 de outubro de 1997, na qual disse: [...] 
Guaramiranga cresceu, de vila passou a cidade; não perdeu os seus encantos, nem 
a sua magia. Com a queda do café, ficou nos alambiques ("Sou a cana jovial, do café 
a doce irmã..." cantava a deusa no drama) e vai se mantendo com a exportação de 
flores e frutas. [...] Creio que a serra, e especialmente Guaramiranga, continua a ser 
o resort privilegiado para os veranistas urbanos. Não deve ter crescido muito, pois a 
sua riqueza principal, o café, entrou em decadência. Dizem que os grandes sítios são 
hoje propriedade de gente rica, que os usa como local de repouso e veraneio. Mas a 
alma da serra, o cheiro da serra, a água da serra, as crianças de faces cor de maçã, 
tudo isso ainda deve permanecer. 
A alma da serra a que se refere Rachel de Queiróz tem sua transcrição na mais 
rica manifestação cultural de Guaramiranga que são os seus “Dramas Cantados”. 
Esse “teatro rural” resumia a dimensão do mundo vivido nas fazendas de café, através 
de sujeitos sociais concretos desse contexto histórico do Maciço do Baturité que eram 
os trabalhadores desses empreendimentos agrícolas. No final do dia de labuta, 
reconhecidamente, de trabalho pesado, era comum a reunião dessa gente nos 
terreiros das fazendas e sítios cafeeiros, e ali criaram suas encenações sobre fatos 
corriqueiros do cotidiano, com textos poéticos, “relaxos”, “mentirinhas”, 
acompanhados de composições musicais. Os sítios e fazendas de café viviam a festa 
como celebração à plantação, à boa colheita através do drama, o momento do 
encantamento. 
Mas o encanto, muitas vezes, é incompatível com a inquietação da pesquisa, 
ou pelo menos, a inicia para depois objetiva-lo. Assim, aconteceu comigo quando fui 
convidado pela primeira vez há quase uma década a conhecer Guaramiranga por 
ocasião do período carnavalesco, onde no qual acontece o Festival Jazz e Blues, 
objeto dessa investigação. O deslumbre com o quadro natural ímpar e a possibilidade 
da boa música me fizeram programar outras ocasiões na cidade. No entanto, 
21 
experimentá-la em outros momentos que não os festivos musicais, me encheram de 
inquietações. 
Rachel de Queiróz parecia antever os rumos que a cidadezinha tomaria e as 
transformações pelas quais passaria sua dinâmica socioespacial. O veranista 
transformou-se em turista que não só se encanta, mas consome a cidade. As fazendas 
de café transformaram-se em hotéis, muitos não mais pertencentes às famílias do 
lugar, mas aos empreendedores do setor turístico. Os seus dramas que promoviam o 
encontro festivo depois da labuta, servem agora para justificar a natureza cultural do 
lugar, apregoada nos discursos que vendem a cidade enquanto um produto e embora 
sejam eles, a dimensão concreta da festa da/na cidade, não têm a expressão devida 
nos momentos dos festivais espetaculares vividos contemporaneamente na cidade. 
A parte da minha trajetória que cruzou com Guaramiranga como o turista- 
músico inicialmente, ávido pelas dissonâncias do Jazz foram aos poucos sendo 
substituídas pelas inquietações de quem passou a confrontar empiricamente, uma 
pequena cidade concebida para o evento-festival, e de outro lado, um cotidiano 
marcado pelos caracteres de uma vida simples, desafiadora, própria do modo de viver 
interiorano e em síntese, um espaço vivido ao modo sertanejo, tão bem transcrito na 
criação artística dos dramascantados. 
A dimensão espetacular que a cidade adquire em certos momentos, contrasta 
com o tempo fluido, largo da vida em dias de semana. A cidade parece esperar pela 
sexta-feira para acender suas luzes ornamentais, abrir seus estabelecimentos de 
gastronomia internacional e sua variante gama de serviços para receber bem a quem 
chega, sejam estes ocupantes de suas casas em condomínio de alto padrão, aqueles 
detentores de segundas residências na cidade ou simplesmente os que chegam 
dispostos a locar um dos mais de 600 leitos disponíveis na rede de hotéis (que variam 
dos mais arrojados aos mais simples, visto que muitos moradores disponibilizam leitos 
em suas residências para locação como um reforço na renda familiar). 
O fato é que as estratégias de revigoramento da cidade após o declínio do café 
na região, ora como políticas públicas, ora iniciativa do setor privado a partir da década 
de 1990, promoveram transformações substanciais na dinâmica espacial do lugar. A 
tônica da promoção de eventos denominados festivais tem se tornado banal no 
calendário de atrações da cidade. A partir de festivais de música, de vinhos, 
gastronômico, e muitos outros, a cidade se reinventou ao longo do tempo, com vistas 
22 
à atração de visitantes, não primando nesses momentos pela valorização devida às 
manifestações naturais de sua gente que são os dramas, reisados, entre outras. 
Esse misto de observações e inquietações sobre os espectros da realidade 
desenhada, projetada para a cidade e a expressão da vida marcada no cotidiano, no 
lugar, nos levaram a vários encontros com e na cidade de Guaramiranga e com sua 
gente criativa, atores por excelência. A curiosidade se aguçou no sentido de buscar 
entendermos o significado desses festivais, e em especifico, o festival Jazz e Blues 
para a cidade. Passamos a questionar qual o papel desses eventos na sua produção 
espacial? Quem são os entes que pensam e executam essas estratégias? Qual a 
natureza dessas representações festivas? Para que e para quem os festivais 
tornaram-se uma grande atração? As manifestações culturais próprias do lugar sofrem 
impactos ou tornam-se híbridas com os festivais? A busca por essas respostas, ou 
mesmo uma centelha de interpretação dos fatos postos, nos encaminhou à pesquisa 
sobre o quadro teórico e metodológico que nos permitisse trilhar rumos de 
investigação. 
Inicialmente, o exercício da construção teórica do objeto da pesquisa estava 
baseado muito na experiência do músico que sou, e por isso a abrangência de 
conceitos escolhidos foi um dos pecados que não percebemos está no nosso 
caminho. Nisto, a colaboração dos Professores Valter do Carmo Cruz e Amélia 
Cristina foi essencial como avaliadores na disciplina de Campos Temáticos III do 
doutorado, apontando caminhos para a definição das mediações teóricas da pesquisa, 
inclusive pela assertiva indicação de que o materialismo cultural fosse um caminho 
seguro a seguir e assim o fizemos. 
Encontramos em Raymond Williams “um chão possível” para produzir a 
investigação sobre um produto cultural e sua intercomunicação com a sociedade, ou 
como apregoa o autor, a também entender a produção cultural como materialização 
de valores de uma sociedade. Deste modo, seria entender um festival, analisando 
dentre muitos aspectos, sua capacidade de produção e reprodução de significados e 
valores numa pequena cidade, inclusive no contraponto que se estabelece entre eles 
(festivais) e os dramas cantados, que se inscrevem na história de Guaramiranga como 
essenciais elementos de significação e produtos artísticos expressivos dos valores de 
seus sujeitos sociais. Eis o desafio. 
A partir do materialismo cultural tem-se a possibilidade de se pensar a cultura 
como um processo de produção material e social das práticas específicas, e artes em 
23 
específico como usos sociais dos meios materiais de produção, visto que para 
Raymond Williams, a cultura além de construtora de subjetividade é uma forma de 
construção da hegemonia, ou seja, é a construção de um tipo de pensamento que 
serve a um tipo específico de interesses. 
Como coloca Glaser (2008), o materialismo cultural, como formulação de uma 
nova teoria da cultura inscrita no materialismo histórico, centra-se em um dos debates 
mais polêmicos e fecundos da tradição marxista que é a determinação econômica da 
cultura e das artes, porém, assinala uma atualização de conceitos, partindo-se 
incialmente do de cultura, que não pode ser entendida como explicação de um todo 
modo de vida, mas de particularidades, exigindo nestes termos, uma reavaliação 
desse novo modelo de análise cultural marxista. Diz o autor que, 
[...] temos de reavaliar ‘determinação’ para a fixação de limites e o exercício de 
pressões, afastando-a de um conteúdo previsto, prefigurado e controlado. 
Temos de avaliar a ‘superestrutura’ em direção a uma gama de práticas 
culturais relacionadas, afastando-a de um conteúdo refletido, reproduzido ou 
especificamente dependente. E, fundamentalmente, temos de reavaliar ‘a 
base’, afastando-a da noção de uma abstração econômica e tecnológica fixa e 
aproximando-a das atividades específicas de homens em relações sociais e 
econômicas reais, atividades que contêm contradições e variações 
fundamentais e, portanto, encontram-se sempre num estado de processo 
dinâmico (WILLIAMS, 2011, p. 47). 
Deste modo, Williams propõe que o materialismo cultural seja tomado como um 
esforço para se compreender e dar forma teórica ao novo momento do capitalismo 
pós-guerras, com seus avanços sem precedentes em todas as áreas ditas culturais. 
A produção cultural deve ser vista como uma inter-relação entre obra e sociedade que 
se dá na forma da produção e por isso, material. Para Williams sempre fomos 
conduzidos a ver a arte enquanto reprodução da sociedade, traduzido na máxima “a 
arte imita a sociedade”, porém é plenamente possível concebê-la não somente 
enquanto reprodução, mas também como produção social. 
A cultura, nos moldes atuais e vista partir da análise do materialismo cultural é 
aquela que ensina o que devemos desejar, e para isto, os meios de comunicação 
exercem um papel preponderante na disseminação de imagens. A publicidade invade 
o nosso subconsciente com imagens sobre o ato de consumir cultura. A cultura sob 
os ditames do econômico, produto. Sobre os meios de comunicação, Williams 
enfatiza: 
24 
[...] os meios de comunicação, das formas mais simples da linguagem às 
formas mais avançadas da tecnologia da comunicação, são sempre social e 
materialmente produzidos e, obviamente, reproduzidos. Contudo, eles não são 
apenas formas, mas meios de produção, uma vez que a comunicação e os 
seus meios materiais são intrínsecos a todas as formas distintamente humanas 
de trabalho e de organização social, constituindo-se assim em elementos 
indispensáveis tanto para as forças produtivas quanto para as relações sociais 
de produção (WILLIAMS, 2011, p. 69). 
Assim, as proposições de examinarmos o festival como produto cultural 
suplanta a possibilidade de concebê-lo como lócus de arte subjetiva, mas a partir do 
imperativo do mercado, um produto a ser consumido, difundido através de imagens, 
que nesse processo divulga cidades e cria sobre elas o imaginário de centralidade 
cultural, de uma força “natural” em produzir cultura artificializada em detrimentos às 
manifestações de cunho histórico do lugar. Assim se constitui Guaramiranga e seu 
Festival de Jazz nessa pesquisa. 
Os caminhos que foram se desenhando na construção da pesquisa para o 
entendimento de uma produção cultural (Festival) e sua relação com a cidade, nos 
encaminharam, de início, ao conhecimento do percurso humano do próprio atode 
festejar, ou seja, o que seria a festa em si, em seus diferentes sentidos e expressões 
históricas para enfim entendermos o que chamamos de festival na sua forma atual, 
guardando similaridades e principalmente as discrepâncias e contradições entre os 
conceitos: festa (objetos ritualísticos, celebrações, emanações do espírito) e festivais 
(objeto cultural mercantilizado na sua forma mais atual). 
No âmbito da pesquisa, as discrepâncias e contradições mostram-se reveladas 
na oposição: dramas cantados (como expressão do trabalho criativo dos sujeitos), 
uma festa de participação, conforme assevera Duvignaud (1983) como sendo aquela 
que congrega a comunidade, reavivando a memória social, aquela que traz o cotidiano 
em si, versus Festival de Jazz e Blues, que pode ser pensada também como uma 
festa de representação, entendida como aquela em que atores e espectadores se 
dividem, atribuindo significações diversas à festa. 
Desse modo autores como Dumazedier (1962); Bakhtin (1987), Duvignaud 
(1983) e Durkheim (1962), além de geógrafos como Claval (1981;1992; 2011), Di Meo 
(2001), Fremont (1984), e os brasileiros Bezerra (2006), Fernandes (2204), Cardoso 
(2000), Silva (1992) e Corrêa (2013). 
A necessidade de entendermos a construção do espaço da cidade de 
Guaramiranga desde seus primórdios, e de enveredarmos na historicidade que 
25 
assinala os momentos de apogeu da economia cafeeira cearense a partir da região 
do Maciço do Baturité, bem como ao conhecimento das narrativas que asseveram as 
origens da “vocação” cultural do lugar, vivificadas nos dramas (enaltecida como 
justificativa ao “reflorescimento” da cidade pelo viés cultural nas últimas décadas), nos 
encaminhou a um profícuo recorte bibliográfico, composto pela historiografia de 
autores como Studart Filho (1965), Thomaz Pompeu (1909), Bastos (2011), Ribeiro 
(1972), Farias (2001), Lima (2009), Assis e Sampaio (2010), Alcântaras (2009) e 
historiadores locais como Jucá (2013), Xico Luiz (2010) e Leal (1981). 
A imersão no contexto histórico das manifestações culturais locais se mostrava 
como um aspecto relevante a ser considerado, visto que a intenção basilar de 
investigar a cultura e suas imbricações atuais na pequena cidade de Guaramiranga 
exigiu, ao nosso olhar, um entendimento sobre o que compôs e ainda compõe a 
dimensão festiva do lugar ao longo do tempo, através dos dramas cantados, os 
reisados, entre outros. Autores como Holanda (2015), Ferreira (s/d) e Santana (2011) 
se mostraram de grande valia nesse momento. 
No que se refere às reflexões que assentam os festivais como o objeto deste 
estudo e da sua afirmação como o tipo específico de “festa artificializada” descrito, 
mergulhamos novamente na pesquisa histórica desse tipo de evento, suas tipologias, 
intentando inclusive, caracterizá-lo como evento espetacular que demonstra ser na 
atualidade, para enfim culminarmos no surgimento e configuração do evento Festival 
Jazz e Blues de Guaramiranga em seus desdobramentos socioespaciais na cidade. 
Foram relevantes as reflexões de autores como Getz (2001), Maciel (2011), Petitinga 
(s/d), Ruas (2013), Mello (2013), bem como em autores locais como Reis (2007), 
Lopes (2016), Almeida (2015), Mamede (2003), bem como a pesquisa em inúmeras 
fontes confiáveis extraídas de páginas eletrônicas de jornais e empresas instaladas 
localmente. 
As perspectivas de leituras que subscrevem o papel central ocupado pelas 
imagens e discursos e suas imbricações com o conceito de cultura enquanto recurso, 
entendida como uma nova ferramenta de desenvolvimento social, político e 
econômico foram substanciais na investigação. Deste modo os encaminhamentos 
teóricos de Yúdice (2004), Harvey (2005; 2001) e Debord (1997) e se mostraram 
igualmente valiosos. 
A construção da reflexão primaz na pesquisa, circunscrita enfaticamente no 
quarto capítulo que trata sobre o papel desempenhado pelo Festival Jazz e Blues no 
26 
processo de produção espacial da cidade tem em Henri Lefebvre (1997; 2001 e 2008) 
sua sustentação fundamental. Partimos da necessária imersão nas dimensões 
elencadas pelo pensador francês para a teoria da produção espacial, constituída de 
forma tripartite, ou seja, composta pelas práticas espaciais (Espaço Percebido), a 
representação do espaço (Espaço concebido) e o espaço das representações 
(Espaço vivido), para entendermos a complexidade socioespacial que envolve a 
cidade em questão, a partir da relação estabelecida com os eventos artísticos 
espetaculares, em especial o Festival citado. 
Para Lefebvre (1994), a cidade deveria ser percebida como uma relação 
superadora dessa tríade, pois adverte o autor que ao mesmo tempo em que o espaço 
carrega consigo simbolismos explícitos ou clandestinos – representações das 
relações de produção – próprios do cotidiano, do particular, do vivido, transmite, 
também, as mensagens hegemônicas do poder e da dominação – representações das 
relações sociais de produção –, expressões do geral, do concebido. 
Deste modo, ao nos apropriarmos da teoria Lefebvriana como viés 
interpretativo de Guaramiranga, incide pensar sobre como os locais na cidade vão 
sendo constituídos por meio da lógica dos espaços percebidos, concebidos e vividos. 
Considera-se a priori, que não existe um espaço organizado por uma lógica específica, 
pois essas três dimensões (percebido, concebido e vivido) não são dados isolados, 
mundos separados. A força da análise a partir das contribuições teóricas de Lefebvre 
reside justamente no fato de negar o privilégio particular de uma das partes sobre a 
outra. A produção do espaço não se dá apenas no econômico, no material, como 
acúmulo de objetos. Ela se processa na relação indissociável entre essas dimensões 
apresentadas. 
Exposto o quadro teórico basilar que constitui a sustentação deste estudo, 
lembramos a advertência de Bezerra (2006) na qual afirma que o arcabouço teórico 
embora ofereça muitas elucidações e caminhos não consegue sozinho responder às 
perguntas que fazemos sobre as dinâmicas específicas dos lugares, são os trabalhos 
de campo vistos como pontos de partida e de chegada que nos ajudam a pensar sobre 
as perguntas antes formuladas como formular outras. 
Deste modo, dirigimos-nos a brevemente elencar os caminhos trilhados na 
dinâmica espacial estudada. Certamente, as inquietações suplantam em duração o 
curso de doutorado, elas nasceram antes nas minhas vivências de músico que passou 
a ter Guaramiranga como ponto de visitação em face do Festival. A separação dos 
27 
olhares do músico para o pesquisador não foi tarefa fácil e nem se converge numa 
ruptura na forma de conceber o evento em estudo. As visões se complementam e não 
culminam num caráter maniqueísta acerca do objeto estudado, mas numa 
necessidade de discutir as contradições inerentes na relação deste (Festival) com a 
cidade e sua força criativa original. 
A polarização entre os segmentos festa e festival não é o intuito nesta pesquisa, 
embora possa parecer em alguns momentos no texto que segue, mas buscamos o 
entendimento e reflexão da fricção que ocorre entre ambos. O aspecto da resistência 
das manifestações que trazem o cotidiano e a memória da cidade, transcritos nos 
dramas cantados, denota que não estamos diante de uma superação destes nestes 
novos arranjos festivos na cidade com os festivais, pelo contrário, percebemos e 
reiteramos o caráter de convivência dos dois segmentos. 
Toda festa é inventada, não nasce naturalmente. Desta forma, intentamos 
refletir para que elas existem, como também para quem. O Jazz e Blues em 
Guaramiranga poderia facilmente ser rotulado de artificial, estrangeiro à cultura do 
lugar, mas não é simples assim. Após quase duas décadas de chegar à cidade, vai 
aos poucos se incorporando e participando do cotidiano, deixando marcase 
significando lugares, espaços citadinos. Neste fato, se compõe a fricção daquilo que 
“já era” com o “que chegou”, produzindo contradições que intentamos ressaltar. 
Assim, a trajetória do trabalho de campo, enquanto caminhos metodológicos 
serviu para nos aproximarmos da realidade, mais rica que a própria teoria, segundo o 
pensamento marxiano. As entrevistas semi-estruturadas, combinadas com a técnica 
de grupos focais (técnica de pesquisa que coleta dados por meio das interações 
grupais ao se discutir um tópico especial sugerido pelo pesquisador. “Como técnica, 
ocupa uma posição intermediária entre a observação participante e as entrevistas em 
profundidade. Pode ser caracterizada também como um recurso para compreender o 
processo de construção das percepções, atitudes e representações, segundo 
Gondim, 2003), porém nem sempre se mostrou viável, pois quem estava na festa, às 
vezes não estava disposto a compor esse tipo de interação com um pesquisador), 
além das ricas conversas informais com as pessoas moradoras ou não de 
Guaramiranga. 
As entrevistas foram elaboradas com o intuito de colhermos informações 
acerca das contribuições e impactos do festival, como também aferir sobre 
infraestrutura, apoio local e governamental para o setor formal: comerciantes (bares e 
28 
restaurante majoritariamente), hoteleiros (principais hotéis) e o setor informal: 
vendedores ambulantes e artesãos. 
A coleta de dados se deu em várias visitas a instituições públicas da esfera 
estadual e local (registro aqui a pouca ou quase inexistente disposição de dados junto 
aos órgãos da esfera de poder local), bem como apoiamo-nos nas facilidades de 
obtenção de dados alocados nos sites dessas várias instituições, a utilização da 
ferramenta Skipe foi de grande valia para a realização de entrevistas remotamente. 
Quanto à estrutura, este trabalho compõe-se de quatro capítulos, sendo que: 
No primeiro capítulo intitulado: ​Guaramiranga: Apontamentos de sua história​, 
que tem como subitens ​A Ocupação e povoamento do Maciço do Baturité​; ​A Economia 
Cafeeira do Maciço do Baturité; Estrada de Ferro de Baturité e o desenvolvimento das 
cidades e, A derrocada da cultura do café e o declínio das economias na Serra de 
Baturité​, intentamos tomar ciência do processo histórico de formação da região de 
Baturité na qual se insere Guaramiranga. A expressão do cultivo de café foi a 
ferramenta essencial para desenvolvimento das cidades e de suas expressões 
culturais, como os dramas cantados. 
O poder oligárquico dos fazendeiros do café incrementou a região de um 
conjunto de transformações próprias do sistema cafeeiro do século XIX no Brasil, 
operando um período de grande expressão econômica do maciço do Baturité, refletido 
no enriquecimento dos donos de sítios que deste modo, constituíram verdadeira 
aristocracia rural. Esse fato se mostrou de grande relevância para o entendimento das 
questões futuras analisadas na pesquisa. 
O segundo capítulo, de título: ​da festa no sítio de café aos festivais na cidade 
de Guaramiranga​, composto dos subitens: ​Breves considerações sobre o estudo da 
festa; Guaramiranga: De Produtora de Café à cidade das Festivais; Refletindo 
brevemente sobre festas e tradições populares no Nordeste brasileiro ​e, ​Dramas 
cantados de Guaramiranga: Festa e tradição​, objetiva fazer um esboço sobre a teoria 
da festa, buscando analisar as primeiras aproximações destas com a cidade. 
Partimos de um levantamento das manifestações culturais do lugar desde o 
tempo dos sítios de café, reconhecendo-as dentro de um quadro mais geral em níveis 
regional e nacional para assim, traçarmos as aproximações dessas manifestações de 
cunho tradicional com o atual período de espetacularização de eventos em 
Guaramiranga, especificamente com os festivais, aqui objetivados. 
29 
O terceiro capítulo, nomeado de ​A cidade e o festival: da tradição do improviso 
no Drama cantado ao improviso Festival Jazz e Blues​, referendamos especificamente 
o momento urbano da festa em sua feição espetacular, diferenciando-o do caráter 
festivo tradicional, exemplificado pelos Dramas Cantados, (expressão da cultura 
popular guaramiranguense, que subsidiam as narrativas que visam orientar a 
identidade de centralidade cultural da cidade). 
Para tanto, enfatizamos o conceito de festival enquanto expressão de festa nos 
seus moldes atuais, como formas espetacularizadas de eventos dentro da lógica de 
mercadificação da cultura e das cidades. Para a análise do festival, procuramos 
fomentar a sua descrição através do material produzidos em jornais, pelos “donos” do 
festival, narrando seus desdobramentos no espaço da cidade. 
O quarto e último capítulo: O processo de produção do espaço de 
Guaramiranga: do jazz às reinvenções do café como novas sociabilidades no lugar, 
desempenha papel central na investigação, uma vez que incide sobre as relações do 
festival com a produção do espaço social de Guaramiranga. Investiga os simulacros 
que envolvem a produção de eventos como a guisa de desenvolvimento para o lugar, 
expondo as ambiguidades e contradições que constam no processo de cultura 
enquanto recurso para os pequenos aglomerados urbanos. 
Isso permitiu o contraste da cidade de Guaramiranga ao universo da 
fragmentação dos lugares, que instituiu o mundo da mercadoria e a exibição da 
multiplicidade de formas e espaços. Deste modo, as representações do espaço da 
cidade mostraram-se como um território do artificial em acentuando discrepâncias 
com a cidade enquanto espaço de representação, transcrita no cotidiano. 
A reinvenção de sociabilidades que se voltam para os espaços originais da 
cidade, suas fazendas de café, antes cenários da arte criativa dos dramas, 
transformadas agora em equipamentos turísticos indiciam o esgotamento da política 
de (re)criação de eventos, sob o signo dos festivais, apostando numa “volta” ao 
passado do lugar, e desse modo a valorização da arte enquanto uma matriz de 
Guaramiranga deveria ter lugar, o que infelizmente não se verifica. 
30 
31 
CAPÍTULO 1 GUARAMIRANGA: APONTAMENTOS DE SUA 
HISTÓRIA 
1.1. A Ocupação e povoamento do Maciço do Baturité 
A reconstrução de uma narrativa sobre um lugar nos incumbe da necessidade 
de nos distanciarmos dos afetos a ele dirigidos a fim de torná-lo um objeto a ser 
desvendado. Dentro da geografia não seria diferente quando estabelecemos a tarefa 
de pensar uma cidade e suas mediações culturais, como pretende-se neste estudo. 
Tem-se aqui o esforço de enveredamos num entendimento da cidade de 
Guaramiranga, chamada originalmente de Conceição da Serra, situada na região 
serrana do Maciço do Baturité​1​, distante cerca de cem quilômetros da capital 
Fortaleza, no Estado do Ceará. Sobre essa cidade dirigem-se inúmeros adjetivos, 
encarecendo-a de títulos variados, confeccionando um imaginário sobre esta que é a 
menor sede municipal cearense, mas que converge-se num dos pontos de maior 
atração turística, dada a efervescência da produção cultural nela difundida, vivificando 
sua feição de lócus de irradiação artística. 
Sua história além de não poder ser desmembrada do conjunto regional da 
qual é componente, ou seja, da própria narrativa sobre a região do Maciço de Baturité, 
constitui-se de peculiaridades e, porque não dizer, numa exceção, desde suas 
características ambientais, visto está encravada num dos pontos de maior altitude do 
Estado, até mesmo ao ​modus vivendi ​que ali se constituiu, atraindo populações 
oriundas das regiões circunvizinhas, buscando contornar os cáusticos períodos de 
seca que comumente assolam o semiárido nordestino, ou ainda imigrantes de outras 
partes do mundo como da Europa, que viram na região do Maciço do Baturité, as 
condições similares às experienciadas em seus locais de origem, agregando valores 
1 ​O Maciçodo Baturité é uma formação geológica encravada no sertão central cearense e abrange os 
municípios de Pacoti, Palmácia, Mulungu, Guaramiranga, Aratuba, Capistrano, Itapiúna, Aracoiaba, 
Baturité, Acarape, Redenção, Barreira e Ocara e corresponde a uma área ​com uma largura média de 
22km e uma área total aproximada de 1300 quilômetros quadrados. 
32 
e padrões sociais até hoje largamente exaltados por seus descendentes que vivem 
no Ceará. ​As terras serranas que se situam no Maciço do Baturité eram originalmente 
ocupadas por grupos indígenas, provenientes da região do Jaguaribe, destacando-se 
com as principais etnias os Canindés, Jaguaribaras e Apuiarés, além dos Tapuias e 
os Paiacus. Os primeiros colonizadores portugueses que chegaram ao sopés da serra 
eram provenientes das regiões de Beberibe e Aquiraz, utilizando como acesso os 
vales dos rios, principalmente o Choró. Tem-se registro que os Jesuítas já haviam 
alcançado a serra por volta de 1655, constituintes de uma missão destinada a 
catequizar os índios da região (especialmente os Tapuias e os Paiacus). Tal missão 
foi instalada na área do lugar chamado Comum, atualmente denominado Tijuca, mas 
que devido à sinuosidade daqueles terrenos e a estreiteza do platô, foi ordenado pelo 
ouvidor responsável, a sua transferência para a o lugar onde se situa a cidade de 
Baturité​2 ​(STUDART FILHO, 1965). 
As terras foram sendo ocupadas a partir do sopé, através do regime de 
sesmarias doadas aos pioneiros que subiam pelos vales dos rios, sendo inacessível 
ainda a ocupação das abas da serra, dadas as muitas dificuldades das áreas mais 
elevadas, de mata fechadas e espessas (constituídas de tipos florísticos como o Pau 
D’Arco, Jacarandá, Maçaranduba, Algelis, dentre inúmeros tipos de arbustos e 
trepadeiras) e por estas constituírem verdadeiros esconderijos de índios que 
ferozmente reagiam à perda de suas terras, sendo os Paiacus os mais ostensivos e 
por isso, fora o grupo mais perseguido. Por volta de 1713, aliados ao grupo indígena 
dos Jaguaribaras, os Paiacus invadiram e saquearam Aquiraz, o que por ordem real, 
culminou no extermínio de grande maioria da população indígena ali residente 
(STUDART FILHO, op. cit). 
2 ​De acordo com Leal (1981) antes de ser transformada em ​Vil​a de Monte-Mor, por ordenação do 
ouvidor Vitorino Soares Barbosa, em 14 de abril de 1764, Baturité existia como missão indígena dirigida 
por padres jesuítas, abrigando etnias como os índios Canindé e Jenipapo. MONTE-MOR, O NOVO 
D’AMÉRICA, permaneceu mais de 94 anos como Vila, e por meio da Lei Provincial N 844 foi elevada à 
categoria de cidade com o nome de Baturité. A pequena cidade foi construída ao pé da serra, 
organizando-se em torno da Igreja de Nossa Senhora da Palma, existente até hoje, embora não 
conserve mais seus traços originais. Atualmente representa a cidade de maior dinamismo econômico do 
maciço, tendo o comércio com atividade principal. 
33 
Jucá (2013) colabora relatando que o povoamento da Serra de Baturité 
intensificou-se ao longo da primeira parte do século XIX, quando diversos sítios se 
formaram pela produção de frutas, legumes, cana-de-açúcar e em especial o café. O 
mesmo autor enfatiza ainda acerca da forma de ocupação dessas terras, 
referendando noutro ponto de vista que, 
Quase a totalidade das terras sobre a serra não foi tomada por sesmarias, mas 
por posses, e a sua divisão era feita por riachos. Foram para a serra muitos 
sertanejos, em levas migratórias, que buscavam melhores condições de vida, 
estabelecendo-se proprietários ou simplesmente moradores desses sítios, 
aonde o trabalho acontecia nos roçados, engenhocas (engenhos) aviamentos 
de farinha...(JUCÁ, 2013, p. 21). 
Nas terras que compõem os atuais municípios de Guaramiranga, Pacoti e 
Mulungu, a chegada do colonizador branco se deu de maneira mais lenta. Foi em 
Conceição (atual Guaramiranga​3​) que se tem registro da primeira ocupação no sítio 
denominado Macapá de propriedade do Capitão João Rodrigues de Freitas, no século 
XVIII, nos anos finais de setecentos (LEAL, 1981). 
Inicialmente, dadas às más condições de penetrabilidade de suas terras, por 
vias inadequadas, escorregadias e onduladas, ou ainda pela animosidade do contato 
entre índios rebelados e os brancos colonos, fizeram com que a ideia de inutilidade e 
desvalorização das serras do Maciço perdurasse por muito tempo. Somente com as 
adversidades trazidas pelas crises climáticas de grande impacto no Ceará vividas 
entre os anos de 1777-1778 e 1790 e 1793, conhecidas, respectivamente, como a 
3 ​Segundo Lima (2010), A história de Guaramiranga é marcada por mudanças significativas na sua 
organização política, administrativa e territorial. Seu primeiro nome foi Conceição até que a Lei no 1.580 
de 18 de setembro de 1873 elevou o local à categoria de freguesia, e toda sua área territorial passou a 
se chamar Freguesia de Nossa Senhora da Conceição. Anos depois, em 01/09/1890, passou a ser Vila 
de Nossa Senhora da Conceição através do Decreto no 55. Em seguida, no dia 4 de setembro do 
mesmo ano, o Decreto no 59 mudou o nome do povoado para Vila de Guaramiranga. Em 25/08/1899, o 
Decreto no 550 anexou Guaramiranga, Mulungu, Pacoti e Coité (hoje Aratuba) a Baturité. Guaramiranga 
perdeu a condição de Vila, passou a ser simples povoado e denominar-se Conceição, seu antigo nome. 
Em 1921, através da Lei no 1.887, foi criado o município de Guaramiranga e a ele ficou anexo Mulungu; 
o distrito de Pernambuquinho continuou pertencendo a Baturité. Em 1931, através do decreto no 193, 
houve a reforma administrativa que extinguiu os municípios criados anteriormente na serra de Baturité e 
suas áreas passaram a pertencer ao município de Baturité. Em uma nova revisão territorial, o município 
de Pacoti passou a constituir os seguintes distritos: Pacoti, Guaramiranga, Mulungu e Coité (atual 
Aratuba). O Decreto-lei no 169, de 31/03/1938, retificado pelo de no 378, de 20/10/1938, anexa Pacoti a 
Comarca de Baturité. A emancipação política definitiva só foi conquistada em 1957, quando a Lei no 
3.679 de 11 de julho do mesmo ano restaura o município de Guaramiranga e fixa os seus limites 
territoriais. 
34 
seca dos três setes e seca grande (esta última foi tão severa que dizimou quase todo 
o rebanho de gado em quatro anos), é que esta ideia de não serventia destas áreas 
serranas começa a se demover (THOMAZ POMPEU, 1909). 
35 ​Mapa 1: Localização da Região do Maciço do Baturité no Ceará 
Fonte: IPECE, 2015. 
36 
Em face das dificuldades vividas no ambiente sertanejo nesses períodos 
citados, contingentes de fazendeiros, reuniram o que lhes restavam em posses e 
escravos e seguiram para promover as primeiras ocupações da serra, levando muitas 
vezes apenas animais de transportes e as poucas vacas leiteiras que lhes sobravam. 
Compravam porções de terras devolutas aos primeiros exploradores que iam à frente 
abrindo picadas na mata virgem e assinalando as posses de terras juntos as 
autoridades fiscais, fazendo assim negócios rentáveis junto aos fazendeiros ávidos 
por garantir fortuna. 
Submetidos a viagens severas em direção à serra, principalmente para os 
idosos e crianças, as expedições foram aos poucos instalando as fazendas serranas, 
muitas delas ainda conservam o aspecto material que denota a história pujante vivida 
outrora. Como afirma Bastos (2011), a serra passava a ser refúgio de sertanejos e 
fazendeiros que, em tempos difíceis de seca e fome, levavam suas famílias, escravos 
e rebanhos para se refugiarem naquelas regiões úmidas. Várias famílias se 
estabeleceram na serra, enfrentando muitas dificuldades como sol intenso, mosquitos 
e falta de transporte. 
Ao tratar do processode constituição da cidade de Pacoti​4 ​(antigo Sítio 
Pendência), Jucá (2013), incide também acerca das dificuldades iniciais de ocupação 
da serra, colocando em destaque que no período chuvoso do ano, muitos lugares do 
maciço eram praticamente abandonados por diversos fatores como o frio que 
alcançava mínimas de 14° C, os caminhos quase que intransitáveis pelas cheias dos 
cursos d’água e uma enorme quantidade de moscas que punham a gente e animais 
em desespero. O autor destaca ainda um peculiar processo de migração sazonal 
dessas famílias sertanejas que ocuparam a serra, mas que não se desfaziam de suas 
propriedades no sertão. Diz ele que, 
Daí, as famílias proprietárias de sítios na serra e fazendas no sertão 
permaneciam na serra durante o verão, onde não passavam as privações da 
seca e no inverno retornavam para a fazenda levando seu gado. Essa tradicional 
migração interna perdurou até meados do século XX. [...] A Serra de Baturité, 
como “zona de refrigério”, era permanentemente uma ilha verde no 
4 ​É comum também o relato da fixação de diversos outros grupos de migrantes na serra de Baturité, 
oriundos de outros países inclusive, principalmente depois dos relatos que vislumbravam sobre o seu 
clima, vegetação e potencialidades dos seus solos, relatos esses espalhados pelo Velho Mundo através 
da qualidade do café exportado para lá. Muitos desses estrangeiros passaram a investir em pequenos 
estabelecimentos comerciais, como o suíço Theodoro Nadler, proprietário de uma casa que 
comercializava artigos advindos da capital e da Europa e do boticário francês Victor Saillard, que 
manipulava o fabrico de medicamentos, no sítio Pendência, atual Pacoti (JUCÁ, 2013). 
37 
meio do sertão. Os responsáveis pela ocupação e formação desses primeiros 
núcleos urbanos no alto da serra eram especialmente vindo do sertão, pois 
muitos flagelados das grandes secas tinham a serra como verdadeiro “oásis”. 
Ribeiras do Quixeramobim e Jaguaribe, Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba e 
Pernambuco eram os principais lugares dos que chegavam (JUCÁ, 2013, p. 26). 
Farias (2001) relata uma dessas típicas expedições oriundas do sertão rumo 
à Guaramiranga, por volta de 1820, da família de Ignácio Lopes Barreira que 
estabeleceu-se da seguinte forma: 
Coronel Antônio Francisco de Queiroz Jucá (seu filho), comprou o sítio Macapá; 
José de Holanda Lima (casado com sua filha Francisca Barreira) comprou o sítio 
Abreu e seus filhos José Raimundo (Zuza) comprou o Sítio Arábia, Baltazar (Dadá) 
o Sítio Uruguaiana, Pedro, o Sítio São Pedro e Clementino o Sítio Monte- Flor. 
A chegada da cultura do café no Ceará mudará substancialmente a história 
do Maciço do Baturité. Com as secas que se sucederam ainda nos anos de mil e 
oitocentos, assolando os sertões, milhares de cearenses buscam a sobrevivência nas 
serras úmidas, servindo, a posteriori, como mão-de-obra na incipiente lavoura 
cafeeira. ​Studart (1928) assevera que o café adentra o Ceará por mãos de José de 
Xerez Furna Uchoa (Juiz da Ribeira do Acaraú em 1758) que em visita à França em 
1743, obteve duas mudas de café das existentes no Jardim das Plantas, em Paris. 
Uma das mudas não resistiu à viagem de volta ao Brasil e a restante foi plantada no 
Sítio Santa Úrsula, na Serra da Meruoca, passando em seguida a ser cultivado nas 
demais serras úmidas do Estado.​5 
Na região de Baturité, o café entra em 1824, por obra de Antonio Pereira de 
Queiroz, que o cultiva inicialmente no Sítio “Mucahype” ou “Munguaipe”. As mudas 
eram advindas de cafeeiros do Cariri, originários de Pernambuco. Assinala Studart 
5 ​Segundo LIMA (2000) o café foi cultivado nas Serras de Baturité, Serra da Aratanha, Serra de 
Maranguape, Serra de Uruburetama, Serra da Meruoca, Serra Grande e Serra do Araripe. 
38 
(1928) que no mesmo ano, Felippe Castelo Branco​6​, trouxe mudas ou sementes do 
Pará, cultivando-as no Sítio Bagaço (na época pertencente às terras de 
Guaramiranga), de propriedade de Pedro Pires da Rocha. O café inicialmente 
cultivado era da variedade “Bourbon”, de ótimos resultados no cultivo e produção e 
seu plantio se restringia, no começo, a pequenas áreas, nos quintais, apenas para 
consumo dos estabelecimentos familiares, porém, não demorou sua expansão. 
Mapa 2: Destaque dos sítios pertencentes à família de Ignácio Lopes - 1820 
Disponível em: http://www.angelfire.com/linux/genealogiacearense/holanda_index.html 
Acesso: 12 set 2015. 
6 ​Aos nomes de Queiroz e Castello Branco, juntam-se os de José Hollanda, Themoteo Ferreira Lima e 
das famílias Queiroz, Hollanda, Linhares e Caracas, como pioneiros e incentivadores da lavoura cafeeira 
em Baturité (STUDART, 1928). 
39 
A partir de então ocorreu uma verdadeira corrida pela aquisição das terras 
serranas, e para lá se deslocaram muitos dos ricos fazendeiros e seus 
descendentes, principalmente dos sertões de Quixadá e Canindé. Subiram a 
serra em busca de fortuna as famílias Queiroz, Holanda, Pimentel, Caracas, 
entre tantas outras. [...] Em pouco tempo, a área serrana apresentava notável 
influência no cenário estadual, produzindo frutas e legumes para a capital, 
cana-de-açúcar (transformada em rapadura), para os sertões arredores, além 
do algodão arbóreo cultivado nos pés da serra e principalmente café, que já em 
1846, juntamente com o de Maranguape, era exportado em toneladas do porto 
de Fortaleza para a Europa (Farias, 2001, p. 13). 
O período compreendido entre 1845 e 1877, configurou-se numa exceção no 
regime hídrico cearense, visto que as estiagens tão marcantes aliviam e os períodos 
de quadras chuvosas passam a apresentar certa regularidade, marcando um tempo 
de expressiva expansão cafeeira na região do maciço, destacando-se o desempenho 
dos municípios de Guaramiranga, Coité e Pacoti. Calcula-se que na época, dos nove 
milhões de pés de café botadores no Ceará, metade situava-se na região da serra de 
Baturité, distribuídos em 725 sítios, no valor de 7.060 contos, produzindo cada pé, 
uma média de 300 gramas de café, dados esses obtidos no censo agrícola de 1920 
(STUDART, 1928). 
Farias (2001) afirma que em função do café, as terras serranas haviam sido 
ocupadas. O deslocamento de populações para a região se dava em face da 
abundante oferta de postos de trabalho na lavoura cafeeira, sendo a mão-de-obra 
composta basicamente de mestiços, índios nativos, negros recém-libertos e de 
brancos sertanejos refugiados das severas secas que passavam a viver dependentes 
dos ricos donos de terra. Assinala ainda Lima (2009) que as pessoas que trabalhavam 
nas grandes fazendas e sítios eram submetidas a um regime árduo com muitas horas 
de trabalho fiscalizadas por um feitor. Os coronéis, como eram chamados, exigiam 
respeito de todos e quando acumulavam fortuna também eram poderosos a ponto de 
comandar a política local e influenciar na estadual. 
É bastante comum encontrar na escassa literatura sobre Guaramiranga, a 
escrita romântica que transforma a serra num paraíso, porém, na contramão desse 
tipo de discurso, o Historiador Xico Luiz (2010), natural da região, narra os primeiros 
momentos da expansão cafeeira, reiterando que não haviam muitas regalias e 
40 
confortos. As condições de trabalho eram de uma vida árdua. O regime de trabalho 
das moagens iniciava-se por volta das duas da manhã, trabalho no eito de sol a sol, e 
sempre, como regra, com a participação física do dono do sítio. “A serra nunca foi uma 
Califórnia”, afirma o historiador. 
A cultura do café na serra, nos seus primórdios, ao contrário do que aconteceuno centro e sul do Brasil, no geral, não estava nas mãos dos ricos nem dos 
grandes proprietários, até mesmo porque ricos e grandes na serra eram 
poucos. Boa parte da produção cafeeira da serra provinha das plantações de 
pequenos proprietários, ou melhor, de parceiros ou agregados que faziam seus 
roçados de café em propriedades rurais o mais das vezes pertencentes a 
terceiros. Alguns donos de sítio, com o passar do tempo, para regularizar suas 
terras, tiveram que comprar cafeeiros plantados em suas próprias terras. 
Quando falo que ricos e grandes na serra eram poucos, sei que espanto a 
muitos “românticos”(LUIZ, 2010). 
Ainda sobre os aspectos que relacionavam à composição e à dinâmica 
sociocultural dos habitantes da Serra de Baturité, o botânico fluminense Francisco 
Freire Alemão, integrante da Comissão Científica de Exploração​7​, organizada pelo 
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro - IHGB, que visitou o Ceará entre 1859 e 
1861, registra que, 
São em grande parte brancos ou mamelucos; geralmente pobres; há porém já 
bastante sujeitos, que possuem uma fortuna boa para este lugar; mas 
acumulada principalmente à custa dos lavradores, a quem emprestam dinheiro 
com juros, e condições pesadíssimas. Este estado é sem dúvida devido, da 
parte do que dá, à pouca confiança, que lhe inspira o que toma; e da deste, à 
sua ignorância, e imprevidência. Tem a gente de Baturité adquirido má fama; 
foram sempre considerados como homens trampolinas, de má fé, maus 
pagadores e jogadores; mas ajunta-se, não são matadores. Não sei o que há 
nisso de verdadeiro, mas a usura dos comerciantes é devido como já disse à 
besteza dos lavradores. O vício do jogo que com efeito existe, é vício comum 
do sertão, como o é entre os gaúchos do Sul. A vida pastoril ou do criador tem 
sempre grande parte do ano desocupada, e na falta de distrações, se torna 
depois em hábito, e em modo de vida. O que sei é que 
7 ​As sessões que constituíram a expedição e seus respectivos responsáveis foram a saber: Botânica 
(Francisco Freire Alemão), Geológica e mineralógica (Guilherme Capanema), zoológica (Manuel Ferreira 
Lagos), geográfica e astronômica (Giacomo Raja Gabaglia), etnográfica e narrativa de viagem 
(Gonçalves Dias e José dos Reis Carvalho). Dado o desconhecimento pretérito acerca do Nordeste por 
parte desses estudiosos, ao qual genericamente chamavam de “Norte do Brasil” que mandaram vir da 
Argélia, através do porto de Fortaleza, alguns dromedários para servirem como meio de transporte dos 
membros da comissão, ao supor o ambiente com algo próximo ao deserto do Saara. Numa incursão 
rumo a Baturité por Gonçalves Dias e Guilherme Capanema, e dada as grandes chuvas daquele ano, 
um desses animais atolou vindo a quebrar a pata, obrigando a equipe a aderir logo aos jumentos, que 
são por excelência os transportadores dos sertões. Tal episódio motivou em 1995 o samba-enredo da 
escola campeã Imperatriz Leopoldinense do carnaval carioca, denominado: “Mais vale um jegue que me 
carregue que um camelo que me derrube lá no Ceará!” (JUCÁ, 2013). 
41 
achamos a gente de Baturité boa, amável, hospitaleira, como no resto do 
Ceará ( ANAIS DA BIBLIOTECA NACIONAL - MANUSCRITOS DE 
FRANCISCO FREIRE ALEMÃO apud JUCÁ, 2013, p. 33-34). 
Segundo os manuscritos do diário de viagem de Freire Alemão, que chefiava 
a equipe, citados por Jucá (2013), os membros da comissão raramente se 
encontravam e eram comuns alguns desentendimentos e discussões com Gonçalves 
Dias, considerado pelo chefe, um poeta boêmio, desleixado e relapso com os registros 
etnográficos sob sua responsabilidade. Consta nos manuscritos que Gonçalves Dias, 
aproveitando o período no Ceará foi para o Maranhão, sua terra natal, e de lá enviou 
o material produzido por meio de um paquete (embarcação de passageiros) que veio 
a naufragar no trajeto para o Ceará, dando fim a tudo o que supostamente produziu 
na seção etnográfica (relatos de costumes, desenhos, fotografias, etc). 
Consta ainda nas notas manuscritas o relato de Freire Alemão quando de sua 
estadia em Conceição da Serra (atual Guaramiranga), especificamente no sítio do 
Coronel Batista Alves de Lima (propriedade que também levava o nome 
Guaramiranga​8​), no qual nota-se a opinião altiva, própria de um intelectual vindo da 
Corte, intolerante a certas “grosserias das classes inferiores”, fazendo menção ao 
povo “cabra”, de sangue índio, indolentes e preguiçosos. 
O Sr. José Fortunato está sempre queixoso da vida que leva na serra, do 
pouco proveito que tira e da má gente que a povoa, bem entendido da gente 
cabra. Diz que são indolentes e preguiçosos, e muito altanados, isto é, tratam 
toda a gente qualquer que seja como de iguala igual, e é necessário viver com 
eles como muito cuidado, sendo muito ciosos de liberdade. Custa a ter aqui um 
escravo, pois entre eles não há quem queira servir, e se se traz de fora um 
criado esse é logo aconselhado por eles que não sirva, porque não é escravo 
(ALEMÃO apud JUCÁ, 2013, p. 38). 
1.2. A Economia Cafeeira do Maciço do Baturité 
8 ​Citação de Hugo Varela Matos Brito, que a primeira escritura dessa propriedade data de 1810 e já 
trazia o nome Guaramiranga. Em 1842, foi comprada por seus antepassados da família Matos Brito, ao 
custo de 200 mil réis, pagos com cinco vacas paridas (valendo 12 mil cada e o restante em dinheiro). A 
fazenda foi no apogeu do café uma das maiores produtoras da serra, cerca de 2000 sacas, extraídas de 
75 hectares de plantação. (Depoimento constante no documentário “Guaramiranga: ontem,hoje e 
sempre” (2004), dirigido pela jornalista Marcy Barsi, descendente da tradicional família Barsi da região 
da serra). 
42 
Tendo sido introduzido a partir de 1846 na pauta de exportações do Ceará, o 
café produzido na “ilha” de mata atlântica que constitui a região do maciço de Baturité, 
passa pela sua qualidade, a ser considerado um dos melhores do mundo, 
ultrapassando o Atlântico e seu consumo chega às tradicionais cafeterias francesas. 
A região torna-se no período, a área responsável por até 2% da produção nacional de 
grãos (ROMERO & ROMERO, 1997). Curiosamente, a fertilidade das terras do maciço 
permitiram por muitos anos o cultivo do café na modalidade a céu aberto, cultivada 
em consórcio com outras culturas, como o feijão, o milho e a mandioca. 
Figura 1: Gravura representando as lavouras de café na Fazenda Guaramiranga. 
Fonte: http://www.iea.sp.gov.br/out/LerTexto.php?codTexto=261 
As técnicas utilizadas no preparo das terras para os “roçados” de café, no 
entanto, eram bastante rudimentares e desencadearam consideráveis prejuízos ao 
ambiente serrano, que se iniciava com a derrubada de grandes extensões de mata 
atlântica, onde pouco da madeira era aproveitada, dada a dificuldade de transporte de 
toras nos íngremes terrenos, resultando em extensas queimadas para dar fim aos 
restos. Em seguida, dava-se a utilização das cinzas como adubo, que não adiantava 
muito, pois com os períodos de chuva, essa matéria era rapidamente lixiviada serra 
abaixo (BASTOS, 2011). 
A expansão dos cafezais nesse sistema na Serra de Baturité acarretou não 
somente a derrubada da mata nativa como também a exaustão dos solos. Após 
43 
algumas décadas de belas floradas e grandes colheitas, a terra não mais possuía 
humus nem retinha umidade, tornando-se incapaz demanter o vigor produtivo das 
plantas. A solução dessa problemática veio por volta de 1860 através de consórcios 
bem sucedidos do cafezal com leguminosas como o camunzé e a ingazeira que além 
de oferecerem à plantação de café a proteção do sol, estas árvores, especialmente 
os ingás, produzem humus com a queda de suas folhas e têm a vantagem de 
enriquecer o solo com azoto e abrigar inimigos naturais de pragas (SÃO PAULO, 
2001). 
Alcântara (2009) analisando de forma mais geral acerca da configuração 
cafeeira do século XIX no Brasil, atenta que para além de sua importância econômica, 
o café foi formador de uma cultura própria, refletida tanto no luxo dos “barões do café” 
como nas músicas e poesias que ainda desencadeiam nostalgia àqueles que 
vivenciaram em algum momento a rotina de uma fazenda ou sítio cafeeiro. Acrescenta 
a autora que os investimentos no plantio, transporte e comercialização do café, foram 
promotores de importantes transformações na paisagem dos lugares através da 
construção de armazéns, depósitos, instalações portuárias, bem como na instauração 
de uma arquitetura própria. 
A exemplo do conjunto de transformações advindas do sistema cafeeiro do 
século XIX no Brasil, opera-se o período de grande expressão econômica do maciço, 
onde as vilas serranas no Baturité passaram a experimentar surtos de progresso. A 
fase áurea do café na serra, proporcionou à nascente vila de Conceição grande 
impulso, refletido no enriquecimento dos donos de sítios​9 ​que deste modo, 
constituíram verdadeira aristocracia rural, semelhante e inspirada nas que se 
formaram em Pernambuco, oriundas do sistema açucareiro, em similar estágio de 
prosperidade (RIBEIRO, 1972). 
9 ​JUCÁ (2013) pondera acerca da relatividade desse enriquecimento, na mesma linha de pensamento ​do 
Historiador Xico Luiz (citado anteriormente), ao referir-se que não se deve confundir essa “elite serrana” 
com aquela estereotipada como rica e poderosa, como a da Baixada Fluminense ou do Vale do Paraíba. 
O que fortalece a ideia de riqueza é que essa elite, de alguma forma, passou aos seus herdeiros um 
patrimônio que ainda hoje pode ser notado e que é usufruído entre os que trazem os sobrenomes de 
maior expressão na região já citados nesse texto. Atenta ainda o autor, que no passado referido, os 
requintes e os luxos eram ínfimos, se contextualizarmos economicamente a região. As fontes históricas 
expressas nos inventários post-mortem, pesquisados pelo autor dão conta da simplicidade material 
desses “ricos”, nos quais estão presentes nas citações, além dos casarões (sede das fazendas), 
mobiliários simples como baús, canastras, cadeiras e mesas, abotoaduras, algumas jóias, talheres de 
prata, poucos escravos, além dos imóveis simples que compunham os ambientes serranos. 
44 
Para o mesmo autor, nesse período surgiram, as grandes mansões serranas 
mobiliadas com cadeiras austríacas, consolos com tampo de mármore, cômodas com 
lavores, castiçais e espelhos de cristal, candeeiros com quebra luz, pendentes do teto, 
pianos, entre outros artefatos que vieram a compor as sedes de fazendas e sítios da 
surgente aristocracia cafeeira na Serra do Baturité. O transporte se dava por 
trabalhadores braçais, ou em costas de animais, dada as dificuldades oferecidas por 
terrenos íngremes, estreitos e de sinuosas veredas. Tudo levado, inicialmente do 
ponto terminal da estrada de ferro, primeiramente na estação de Canoa (atual 
Aracoiaba) e em seguida, a de Baturité. 
Os costumes e a vida social das famílias cafeeiras na serra requintaram-se. 
Nas partidas (bailes) e saraus, era observada a mesma etiqueta admitida nessas 
ocasiões, nos centros mais adiantados do país, segundo aponta Ribeiro (op. cit). A 
instauração de estabelecimentos educacionais para os mais abastados, assinala a 
formação de uma “elite intelectual” na região. Exemplo disso é a inauguração em 1889 
do primeiro colégio interno feminino em Conceição (Guaramiranga) organizado por 
dona Ana Bilhar, chamado Colégio Nossa Senhora de Lourdes, bem como da 
transferência do Colégio Cearense para a serra, destinado à educação de rapazes 
(LIMA et al, 2011). 
Nesse cenário de prosperidade da lavoura cafeeira e da vida social das 
famílias abastadas, e suas representações de requinte nos bailes, a esfera social que 
conduzia com suas mãos o trabalho árduo típico do cafezal também se manifestava 
festivamente, a nosso ver, a verídica expressão da festa em Guaramiranga: os dramas 
cantados​10​, que segundo uma das mais atuantes personagens dessa manifestação, 
Mestra de Dramas​11 ​Zilda Eduardo (que em 2017 completou 90 anos de idade), 
10 ​Segundo Alves (2011), as dramistas mais antigas de Guaramiranga informaram-na em entrevistas ​que 
os dramas “são peças teatralizadas e musicalizadas por agricultores e donas de casa”. Provavelmente, 
quando as dramistas dizem que os dramas cantados são “peças teatralizadas” querem se referir a peças 
encenadas ou representadas diante de um público. Unanimemente elas concordam que o ofício de 
encenar o drama cantado foi repassado por seus pais, avós, professores ou por pessoas mais antigas 
que viveram ou passaram pela comunidade, caracterizando a oralidade tão comumente presente nas 
culturas populares e ágrafas. Outras, disseram que originalmente os dramas eram praticados nos 
terreiros em comemoração às boas colheitas da agricultura (HOLANDA, 2015, p. 60). 
11 ​A Mestra de Dramas ou Mestra Dramista, é a responsável pela criação e guarda dos textos 
tradicionais que são copiados à mão em cadernos escolares, conhecidos como cadernos de drama, 
transcodificações dos arquivos encapsulados na memória das Mestras mais antigas como saberes 
45 
tiveram origem em Guaramiranga no Sítio Arábia, onde nasceu e foi criada numa 
família de trabalhadores cafeeiros. Sobre os dramas versaremos no capítulo seguinte 
com mais minúcias. 
Num esforço de caracterizar melhor o período do desenvolvimento trazido 
pelo café dentro de um contexto mais amplo, Alcântara (2009), afirma que o perfil dos 
que fizeram fortuna com a cultura cafeeira se aproxima muitos dos ideais de luxo e 
hierarquia da sociedade nobiliárquica. Tomados como exemplo, os barões do café 
brasileiros, tinham perfis que se assemelhavam ao modelo português de senhor 
civilizado, requintado segundo os moldes europeus. 
Emenda ainda a autora, que, apesar de possuir laços com os aspectos 
tradicionais da sociedade, a atividade cafeeira trouxe uma nova configuração aos 
locais onde se desenvolveu. Em São Paulo, por exemplo: 
[...] O café alterou a fisionomia física, humana, social, cultural e econômica do 
Estado, criando paisagens próprias, balisando o povoamento, fazendo nascer 
cidades, desenvolvendo os centros urbanos, propiciando o aparecimento das 
ferrovias, fazendo surgir uma nova unidade socioeconômica bem definida como 
a fazenda de café, gerando um tipo social e humano, como o fazendeiro [...] 
(MATOS, 1990, p. 56 apud ALCÂNTARA, 2009, p. 73). 
Guardados os devidos aspectos regionais e suas singularidades, é possível 
estabelecermos uma analogia ao desenvolvimento econômico advindo através do 
cultivo do café e todo quadro social por ele gestado no sudeste do Brasil e àquele que 
se evidenciou na região do Maciço do Baturité, principalmente no que concerne a 
espacialização de uma arquitetura similar, através dos muitos casarões, comumente 
hoje, explorados como vitrine para o assentamento da imagem de um passado 
glorioso da região. Há todo um conjunto de feições que compõem um rico patrimônio 
material, muito caro ao desenvolvimento

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