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Extraído de Educação Alimentar e Nutricional - Da Teoria à Prática 21 Educação Alimentar e Nutricional na Atenção Básica em Saúde 21 Educação Alimentar e Nutricional na Atenção Básica em Saú de Neila Maria Viçosa Machado Janaina das Neves Patrícia Maria de Oliveira Machado IntroduçãoCC Neste capítulo, a intenção é rea li zar o en- contro entre a teoria e a prática da educação alimentar e nutricional (EAN), que se vol- tam para a atuação na atenção básica. No entanto, antes de desenvolver esta discussão, queremos passar a ideia de que os tópicos apresentados aqui não devem ser entendi- dos como propostas acabadas. Isso porque acreditamos que as construções sociais são produzidas a partir do partilhamento dos conhecimentos dos envolvidos com a ação educativa. Assim, não podería mos nunca defender nossas construções como acaba- das, mas como indicações para um possí- vel caminho rumo à rea li zação da proposta educativa em alimentação e nutrição no âm- bito da atenção básica. O objetivo aqui é compreender que a construção da EAN, enquanto prática vol- tada para a consolidação do direito humano ao alimento e à alimentação adequada, é um processo. Segundo Freire (1992), interessa- nos sempre muito mais que esta construção seja percebida e entendida como um pro- cesso que se constrói conforme a ação se faz. Para dar se quência, a educação alimentar e nutricional é uma possibilidade de conso- lidar os espaços de construção e efetivação do direito humano à alimentação adequada (DHAA) nas comunidades. Para isso, faz-se necessário situar historicamente a prática educativa exercida pelo nutricionista no Brasil. Desse modo, vamos detalhar alguns fatos desde o início do século 20 até os dias atuais, com o intuito de elucidar as tramas que levam à compreensão dos limites e das possibilidades dessa prática. Vale lembrar que a leitura histórica de uma prática requer sua contextualização não como algo estático. Além disso, os fatos, os feitos e as elaborações sociais projetadas a partir de tal prática se encontram movidos pela dinâmica que o conflito, elemento en- contrado a todo momento nas relações entre in di ví duo e sociedade, concede à construção educativa – transmutações orientadas pelas relações sociais e econômicas que a influen- ciam (Morin, 2002). Galisa 21.indd 259 1/5/2014 17:39:32 260 Parte 3 | Metodologias Ativas O segundo momento de discussão terá como cenário a questão da educação, que, ao não ser considerada no processo forma- tivo do nutricionista, acarreta falsa compre- ensão de que métodos e técnicas pautados por normas e prescrições são, de fato, prática educativa e pedagógica. Uma vez que a dis- cussão efetiva do papel e do significado da concepção educativa não se faz real no pro- cesso de formação do nutricionista, o pro- fissional tende a projetar uma prática edu- cativa descontextualizada e desvinculada do entendimento do papel histórico que a edu- cação exerce na manutenção e na reprodu- ção de determinada sociedade. Desse modo, impede que os sujeitos que participam da ação como educandos consigam partilhar com ele, educador neste processo, sua com- preensão sobre o alimento e a alimentação. Isso implica uma ação educativa tradicio- nal, na qual o nutricionista apenas repassa orientações muitas vezes difíceis de serem colocadas em prática Nossa proposta é que seja considerado • o conceito amplo de saú de, que envolve, em sua concretização, a compreensão da saú de, da educação e da alimentação como direitos humanos a serem assegurados e garantidos aos in di ví duos em toda a sua extensão. Desse modo, ao projetar a pro- posta de EAN tendo como cenário a aten- ção básica entendida enquanto porta de entrada preferencial para o Sistema Único de Saú de (SUS), os anseios e necessidades que existem nas comunidades precisam ser contemplados. Isso requer avançar rumo à consolidação e à concretização dos princípios norteadores do SUS como a integralidade, a universalidade e a equi- dade nos espaços e processos de trabalho da atenção básica. Isto significa também constituir uma prática calcada no efetivo controle social sobre o SUS, a fim de ga- rantir a cidadania dos sujeitos sociais. Por fim, será apresentado um conceito com base nas defesas oriundas de Paulo Freire (1984). O educador defende a ideia de que a leitura do texto implica sua compreen- são. Esta só seria alcançada por sua leitura crítica, o que implicaria a percepção das re- lações entre texto e contexto. Caminhos históricos CC da educação alimentar e nutricional É importante pensar sobre a seguinte pergunta: qual foi a primeira vez que você escutou falar de EAN? Provavelmente, sua resposta será: só muito recentemente. Para nós, também foi assim, principalmente quando pensamos que alguns conceitos que hoje fazem parte da discussão desta prática foram formulados nas duas últimas décadas. E quais são estes conceitos? Você os identi- fica? Identificamos três conceitos principais relacionados com a educação alimentar e nutricional, o da saú de, o da educação e o da alimentação. Saú de. CC Trata-se de um conceito amplo, de- fendido durante a 8a Conferência Nacional de Saú de de 1986, que, em 1988, foi incluí do na Constituição Brasileira, no artigo 196: Saú de é a resultante das condições de ali- mentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, la- zer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saú de. É assim, antes de tudo, o resultado dos modos de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida. Educação. CC É a concepção educativa en- quanto prática social. É um tipo especí- fico de socialização, pois é uma resposta à consciên cia de que somos seres inacaba- dos, chamados a sermos mais. A educação deve envolver-se com a ideia de que exis- tem pessoas se relacionando, partilhando, reformulando e praticando para construir conhecimentos e projetar propostas e ações que nos possibilitem o aprofundamento das características de humanidade conforme Galisa 21.indd 260 1/5/2014 17:39:32 Capítulo 21 | Educação Alimentar e Nutricional na Atenção Básica em Saú de 261 convivemos com outros humanos e, nessa convivência, partilhamos conhecimentos e saberes, educando-nos (Andrade, 2008). Alimentação. CC Pauta-se pelas defesas e pelos entendimentos presentes na discussão sobre o direito humano à alimentação adequada e saudável (DHAA), associado à compreensão de que alimento e alimentação são palavras “mundo”.1 Estas envolvem os significados e as significâncias que se apresentam, com- pondo a relação entre os seres humanos e a sua alimentação e concedendo ao processo de construção do conhecimento olhares mais amplos. Era uma vez a educação alimentar e C■ nutricional Entre 1900 e 1940 Como já afirmamos, nada acontece por acaso ou desconectado de relação, sendo que o que nos parece à primeira vista algo sem vínculo pode, conforme nos aproxima- mos e olhamos contextualizadamente, levar à visua lização das “teias” que envolvem e co- nectam os fatos. Desse modo, ao situarmos a existência de um quadro sanitário caó tico nas grandes cidades consideradas polos in- dustriais, como o Rio de Janeiro, percebe- mos que o que determinava a ocorrência de diversas doen ças de cunho higiênico-sanitá- rio, tais como varío la, malária e febre ama- rela, acabou causando sérias conse quências para a saú de coletiva. Entretanto, não será novidade pensar que a proposta educativa em saú de, alimentação e nutrição se envolveu neste perío do, a fim de repassar à população conhecimento sobre regras de higiene e de hábito sanitário, tanto na saú de quanto na alimentação e nutrição. Assim, podemos dizer que, para esse pe- río do, inaugurou-se uma prática educativa em alimentação voltada para a ausência de doen ças, principalmente aquelas originadas pelas más condições higiênicas e sanitárias. Nesta concepção, a atuaçãoeducativa do nu- tricionista voltava-se à resolução de doen- ças ocasionadas pelo consumo inadequado dos alimentos. Assim, orientava-se quanto à composição alimentar da dieta e à condi- ção higiênica sanitária dos alimentos. Para contextualizar este momento, a seguir estão alguns acontecimentos que orientaram tal maneira de entender e praticar os três con- ceitos que marcam este nosso caminho. Saú de. CC Neste momento específico, encon- tramos a saú de norteada pelo modelo da monocausalidade, que seguia a lógica da compreensão biológica. Esta era voltada para o medicamento e centrada nos conhe- cimentos científicos e técnicos para enten- der a doen ça e responder a seus sintomas. Em nossa área, por exemplo, a desnutrição era o resultado da ausência de nutrientes (no caso, a proteí na) na dieta dos in di ví duos (Neves, 2003). Esse conceito envolvia a com- preensão de que a saú de só existia na ausên- cia de doen ça, e que a obtenção da resposta positiva se concentrava na atuação médica hospitalar pautada pela cura e pela reabili- tação. Educação. CC Esta realidade orientou-se neste pe río do para uma prática educativa envol- vendo o repasse de informações sobre saú de, alimento e nutrição, a fim de constituir ali- mentação adequada em termos nutricionais e higiênico-sanitários, desconhecidos pela maioria da população. Nessa linha, emer- giram práticas educativas na área de saú de com o objetivo de promover dados sobre higiene, para impedir o processo de trans- missão de doen ças de origem bacteriológica (Mohr e Schall, 1992). 1 O conceito de palavras “mundo” surgiu pela primeira vez com Paulo Freire, quando iniciou sua proposta de educação problematizadora no processo de alfabetização de adultos (Freire, 1977). O alimento e a alimentação pas- saram a ser compreendidos enquanto palavras “mundo”, por se constituí rem enquanto termos geradores e palavras “povos”, que, na concepção de Paulo Freire, possibilitam a problematização de diferentes temas ligados à questão alimentar, levando os sujeitos sociais a promoverem aná- lises da realidade que se desvela quando da superação dos conhecimentos científicos puramente interpretativos dos fatos. Galisa 21.indd 261 1/5/2014 17:39:32 262 Parte 3 | Metodologias Ativas Alimentação. CC É importante ressaltar o papel fundamental exercido por Josué de Castro, que alertava para o fato de que as condições alimentares e nutricionais da população não eram afetadas simplesmente pela sua igno- rância. De acordo com seus estudos, rea li- zados em 1932, sobre as condições de vida de famílias operárias de Recife, o consumo alimentar à base de açúcar, café, charque, fa- rinha, feijão e pão fornecia apenas cerca de 1.645 calorias. Além disso, custava 71,6% do valor do salário, era pobre em vitaminas e sais minerais e ocasionava alta mortalidade e baixa esperança de vida. Os resultados des- ses estudos tiveram ampla divulgação na- cional, dando origem a pesquisas similares, inclusive a que serviu de base para a regula- mentação da lei do salário-mínimo. Entre 1950 e 1970 A metade do século 20 foi o perío do em que o Brasil começou a viver momentos im- portantes de grupos e propostas, atuando quase à margem da política dominante. Foram implementadas maneiras anti-he- gemônicas de pensar e praticar a saú de e a educação em tempos de forte repressão, devido ao Golpe Militar de 1964. Assim, o que se pode discorrer sobre os três conceitos orientadores deste resgate é: Saú de. CC Ainda encontramos as práticas ori- en tadas pelo modelo da monocausalidade, teoria unicausal que, posando de moderna, vestia-se, aos poucos, de novos matizes en- volvidos pela teoria da multicausalidade. Segundo Ros (2006), nessa época também cresceu com força o complexo médico-in- dustrial privado, e surgiram políticos que direcionaram as políticas públicas de saú de com a intenção de satisfazer seus interesses eleitorais. Mesmo assim, não houve mu- danças significativas na prática de saú de até 1973. A partir de desse ano, as precárias condi- ções materiais de vida e saú de apresentadas pela maioria da população brasileira oca- sionaram, no cenário nacional, notícias de movimentos anti-hegemônicos, que pas- saram a se caracterizar pelo chamado Movimento pela Reforma Sanitária, ou sim- plesmente Movimento Sanitário. Este lutou pela consolidação de um sistema único de saú de brasileiro. A epidemiologia social agregou aos con- ceitos de saú de e doen ça fatores biológicos, econômicos, culturais e sociais. Isso trouxe para a discussão que o fato de estar ou não saudável tinha in fluên cia real na organiza- ção estrutural da sociedade. Educação. CC A proposta educativa pautada na educação popular de Paulo Freire orien- tou muitos profissionais da saú de insatisfei- tos com a prática mercantilizada dos servi- ços de saú de. Eles passaram a elaborar ações e propostas com enfoque na dinâmica de luta e resistência das classes populares. Isso possibilitou iniciar um caminho que, em 1973, deu luz a construção do Movimento da Reforma Sanitária. No entanto, como profissional da saú de, o nutricionista não se incorporava à constru- ção vigente. Sua prática educativa seguia os moldes anteriores e, embora, na aparência de suas ações e propostas, informasse que não se voltava para combater a ignorância da população, em sua essência, ao se basear nos conhecimentos científicos e técnicos relacionados com os alimentos e nutrien- tes, seguia tradicionalismos. Nesta linha, o alimento ainda não se inscrevia enquanto direito humano. Assim, a educação popu- lar era um modo de participação de agentes eruditos (professores, padres, cientistas so- ciais, profissionais de saú de e outros) neste trabalho político. Ela buscava trabalhar pe- dagogicamente o homem e os grupos envol- vidos no processo de participação popular, fomentando modos coletivos de aprendi- zado e investigação, a fim de promover a ca- pacidade de análise crítica sobre a realidade e o aperfeiçoamento das estratégias de luta e enfrentamento. Era uma estratégia de cons- trução da participação popular no redirecio- namento da vida social. Galisa 21.indd 262 1/5/2014 17:39:32 Capítulo 21 | Educação Alimentar e Nutricional na Atenção Básica em Saú de 263 Alimentação. CC O reflexo da concepção edu- cativa do nutricionista da época fazia com que a orientação dos in di ví duos ocorresse por meio de proibição e restrição de con- sumo. Isso reforçava a compreensão de que o analfabetismo da população representava um vazio de conhecimento que deveria ser preenchido pelo saber do correto e do adequado com relação às opções e hábitos alimentares. Não houve avanços, portanto, para a educação popular. Entre 1980 e 2000 Inicialmente, no perío do entre 1980 e 1990, o que caracterizava as políticas públicas de saú de era a configuração do contexto social, marcado, por um lado, pela crise econômica e, por outro, pelo processo de redemocrati- zação do paí s. A partir dos anos 1990, man- teve-se a crise econômica, e ocorreu a con- solidação da política neoliberalista. Mesmo assim, houve pequenos grupos isolados que conseguiram rea li zar avanços significativos nos diferentes segmentos sociais, principal- mente com relação à promoção dos direitos humanos (Mendes, 1995). Nesse cenário, os conceitos de saú de, educação e alimentação se estruturaram da seguinte maneira: Saú de. CC O ano de 1986 foi fundamental pa ra a discussão do conceito amplo de saú de. A rea li zação da 8a Conferência Nacional de Saú de (8a CNS), em março de 1986, resultou na formalização das propostas oriundas do Movimento da Reforma Sanitária Brasileira, que ensejavam mudanças fundamentadas no direito universal à saú de, ao acesso igua- litário, à descentralização acelerada e à am- pla participação da sociedade. No relatório final dessa conferência, o conceito amplo de saú de foi explicitado da seguinte maneira: A saú de não é um conceito abstrato. De- fine-se no contextohistórico de determinada sociedade e em um dado momento de seu desenvolvimento, devendo ser conquistada pela população em suas lutas cotidianas. Em seu sentido mais abrangente, a saú de é a resultante das condições de alimentação, ha- bitação, educação, renda, meio ambiente, tra- balho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saú de. É assim, antes de tudo, o resultado dos modos de organização social da produção, os quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida. Na década 1990, o governo e represen- tantes do movimento da Reforma Sanitária ocuparam cargos políticos. Eles passaram a implementar esse conceito amplo de saú de por meio de leis, diretrizes e normas ope- racionais, além de promoverem propostas como o Programa de Saú de da Família (PSF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saú de (PACS). Ambos foram criados em 1994 para orientar a concretização do mo- delo de saú de do Sistema Único de Saú de. Em 1988, as decisões promovidas durante a 8a CNS se transformaram no instrumento político-ideológico que concedeu nova forma à saú de no Brasil, estabelecendo-a como direito universal. Segundo Paulus Júnior e Cordoni Júnior (2006), a saú de, ao ser incluí da como item constitucional, passou a ser dever constitu- cional de todas as esferas de governo, tendo seu conceito ampliado e vinculado às políti- cas sociais e econômicas. Educação. CC Na década de 1980, com a de- mocratização do estado, a educação popu- lar tornou-se um instrumento para a cons- trução e a ampliação da participação das pessoas nas políticas públicas. Também no início dos anos de 1980, houve intensa mo- bilização dos profissionais de saú de e edu- cadores, principalmente aqueles envolvidos com experiências em trabalhos comunitá- rios. Estes utilizaram a educação crítica a serviço das transformações sociais, econô- micas e políticas. Já na década de 1990, as primeiras expe- riências de educação popular em saú de uni- ram claramente o trabalho profissional de saú de com o trabalho cultural de educação popular, construindo uma atuação em saú de Galisa 21.indd 263 1/5/2014 17:39:32 264 Parte 3 | Metodologias Ativas que não se limitou ao modelo assistencia- lista. Assim, ao lado das denominadas teo- rias críticas da educação, firmou-se no meio da prática de educação em saú de a pedago- gia libertadora orientada pelos princípios de Paulo Freire. Alimentação. CC Na década de 1980, aconte- ceu a ar ticulação clara das duas dimensões envolvidas no conceito de alimentação. Uma foi a dimensão alimentar, que se envolve com os processos de produção, comercialização e acesso ao alimento; e a outra, a dimensão nutricional, que se relaciona com a questão dos alimentos e nutrientes. Assim, estavam dadas as condições para que o conceito de alimento e alimentação envolvesse outros matizes. Tal processo se instalou durante a rea li zação, em 1986, da 1a Conferência Nacional de Alimentação e Nutrição, com a presença do conceito de segurança alimen- tar, entendido como: A garantia, a todos, de condições de acesso a alimentos básicos de qualidade, em quanti- dade suficiente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades básicas, com base em práticas alimentares que possibilitem a saudável reprodução do orga- nismo humano, contribuindo, assim, para uma existência digna. No entanto, foi apenas em julho de 1994, com a rea li zação da 1a Conferência Nacional de Segurança Alimentar, que este conceito se consolidou. Nos anos 1990, ampliou-se a noção de se- gurança alimentar, que passou a referenciar as políticas nos vários níveis da administra- ção pública no Brasil, com a participação e o controle social das ações governamentais. Século 21 O novo que sempre se apresenta como promessa de dias melhores, no acender das luzes do século 21, chegou trazendo o resul- tado histórico das lutas e construções ante- riores. Assim, desenhou novas possibilida- des de entender e praticar saú de, educação e alimentação: Saú de. CC Neste novo século, é o conceito amplo de saú de, aprovado durante a 8a CNS, acrescido do entendimento de que ela é o resultado de um processo que se produz na sociedade, que orienta sua concepção. Esta é uma construção que se rea li za de modo com- partilhado, com o envolvimento de todos os sujeitos sociais e não somente dos profis- sionais de saú de. Nesta perspectiva, nasce o entendimento de positividade, que envolve o conceito amplo de saú de e a promoção e garantia do saudável. Estes surgem para além de ações voltadas para a cura. Desse modo, a atenção em saú de passa a incorpo- rar em sua concepção propostas que tentam superar aspectos técnicos e organizacionais. Nessa direção, surgem propostas para a me- lhoria da qualidade e da humanização do atendimento, que se qualificam, principal- mente, por meio do acolhimento e do esta- belecimento do vínculo entre os usuá rios e os profissionais da saú de; da implementação de ações de promoção da saú de de caráter intersetorial; e de atividades de educação e comunicação social voltadas para o fortale- cimento da consciên cia acerca dos direitos sanitários e das formas de proteção da saú de e prevenção de riscos, entre tantas outras ações. Tais propostas possibilitam também a constituição efetiva do conceito amplo de saú de. Educação. CC Com a publicação do Caderno de Educação Popular e Saú de pelo Ministério da Saú de em 2007, foi dado o caminho para que esta prática, no âmbito do Sistema Único de Saú de (SUS), constitua-se em uma ação na perspectiva dialógica, emancipató- ria, participativa, criativa e contribuidora para a autonomia dos sujeitos enquanto sua condição de sujeitos de direito e autores de sua trajetória de saú de e doen ça, aparecendo a educação popular em saú de como a porta- dora desta possibilidade (Brasil, 2007). A partir de 2003, passou a fazer parte da estrutura do Ministério da Saú de uma área técnica que transformou os princípios teó- ricos, políticos e metodológicos acumu lados Galisa 21.indd 264 1/5/2014 17:39:32 Capítulo 21 | Educação Alimentar e Nutricional na Atenção Básica em Saú de 265 e ainda a construção da educação popular em saú de em orientadores de suas ações e de seu projeto político (Brasil, 2007). Alimentação. CC Em 2003, foi recriado o Con- selho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), com o lançamento da estratégia Fome Zero. Ocorreu, ainda, o retorno e a rea li zação de conferências de segurança alimentar e nutricional. São algu- mas das tantas iniciativas que aprofundam a reflexão sobre a existência de um problema alimentar determinado pelo modelo de de- senvolvimento existente no Brasil. Nesta direção, os profissionais de saú de, inclusive o nutricionista, devem pautar suas ações em direção a enfrentar o problema ali- mentar de maneira estratégica e integrada, para compreender o alimento e a alimentação enquanto direito à vida. Por isso, tal direito sobrepõe-se a qualquer outra razão que justi- fique sua negação, seja de ordem econômica ou política. Negá-lo é, antes de mais nada, ne- gar a primeira condição para a cidadania, que é a própria vida (Maluf et al., 1996). O que é importante ao rea li zar a C■ contextualização histórica O primeiro ponto importante tem relação com o movimento de ação-reflexão-ação, que pode ser rea li zado com os educandos, envolvendo-os no processo da contextuali- zação histórica com relação ao modelo so- cial, político e econômico que a cada perío do se desenha no Brasil. Este movimento leva os educandos a acreditarem que a transfor- mação é algo difícil de se rea li zar quando trabalhamos a partir do método expositivo. As construções dos grupos de educandos se associam às construções do educador, a fim de montar uma “espiral do tempo”, uma teia de relações entre história e contexto. O segundo diz respeito à angústia que um resgate histórico provoca, principal- mentepara seus proponentes. Não devemos permitir que a aflição e o medo de não ter tempo e espaço pedagógico prejudique o co nhecimento necessário para formar pro- fissionais competentes técnica e cientifica- mente, limitando-nos a rea li zar outros mo- vimentos. Estamos lidando com humanos, que não apenas se inscrevem na história da humanidade, mas participam dela enquanto protagonistas de suas ações. Isso, além de outros aspectos, dá a certeza de que o co- nhecimento técnico e científico deve sempre estar conectado com a realidade social para fazer sentido e promover mudanças. O terceiro aborda os referenciais que efe- tivamente devem fazer parte desta discus- são. Aqui, contamos a história da constru- ção e da rea li zação das políticas públicas de saú de no Brasil, principalmente a partir do Movimento da Reforma Sanitária, e falamos sobre a importância de apresentar e discutir as decisões finais da 8a Conferência Nacional de Saú de, rea li zada em 1986. Isso porque aparecem o conceito amplo de saú de, a dis- cussão e a proposta de constituição de um sistema único de saú de, além de ser anun- ciada e consolidada nessa conferência a par- ticipação social. Também apontamos como ponto fundamental trazer para tal discussão Josué de Castro e suas construções, par- ticular mente por ser este autor o primeiro a lançar para todos nós a questão da fome e do direito humano à alimentação. De qual educação se fala CC quando exercemos nossa prática em educação alimentar e nutricional? Se perguntássemos agora qual a concep- ção de educação que se percebe nas práticas educativas em alimentação e nutrição de- senvolvidas pelo nutricionista, você conse- guiria rea li zar esta leitura? Tanto para você quanto para nós, esta resposta entraria em um limbo de conjecturas que impediriam a definição clara de uma concepção educativa orientando as práticas de educação alimen- tar e nutricional (EAN). Galisa 21.indd 265 1/5/2014 17:39:32 266 Parte 3 | Metodologias Ativas Podería mos, no momento em que lança- mos esta discussão, dizer que isso é fruto da prática específica exercida pelo nutricionista e que ele deve resolver o problema. No en- tanto, se fizéssemos tal afirmação, estaría mos imputando levianamente a um profissional uma situação que tem sua determinação envolvida por amplos e intrincados fatores relacionados com o modelo social, político e econômico assumido em nosso paí s, em diferentes momentos históricos. Do mesmo modo, estaría mos negando a percepção de que o currículo que orienta o processo formativo, reconhecido aqui como um destes fatores, é uma construção e uma invenção social. Esta nos informa para per- ceber que será o modo de organização cur- ricular e a distribuição de seus elementos formativos (disciplinas, conteú dos, relação teoria e prática etc.) que darão ao processo de ensino-aprendizagem a possibilidade, ou não, de se adequar à ideologia dominante na sociedade. Além disso, a compreensão de educação, saú de e alimentação adotada por uma população em determinado mo- mento, quando não contextualizada a par- tir de suas relações com o modelo social, político e econômico, pode levar a “ima- gens” distorcidas, com a ideia de que esses são conceitos isentos de in fluên cias sócias. Quando assumimos tais imagens distorci- das, que viram fetiches escondendo a reali- dade, passamos a achar natural que direitos humanos se efetivem como mercadorias com valor de troca. Dessa maneira, podemos promover um processo de formação desligado de leitu- ras que situem os problemas no cerne dos processos sociais, políticos e econômicos e que coloquem o conhecimento científico como uma “ilha” neutra, sem ligações com o espaço social. A percepção da existência de pensamentos antagônicos na sociedade, que se relacionam por meio do conflito e do consenso, indica a importância de res- gatarmos um desenho educacional que dê conta de responder a essa questão (Morin, 2002). Agora, com olhar mais aprofundado en- volvendo a relação entre concepção educa- tiva e prática de educação alimentar e nu- tricional, este movimento nos possibilita analisar, com olhares mais sensíveis, a cons- tituição desta enquanto campo disciplinar restrito à transmissão de preceitos relativos a alimentos e adequação nutricional. Isso ocorre, principalmente, se projetarmos a discussão da concepção educativa orientada por dois campos, um relacionado com a re- produção de conhecimento e outro ligado ao rompimento da “contradição” entre edu- cador e educando. Repasse e reprodução de C■ conhecimento Neste campo, o saber necessário à socie- dade está centrado no professor, que detém um conhecimento científico sobre o tema que deseja trabalhar em determinado momento. Segundo Freire (1987), esse profissional exerce a função de sujeito real, cuja função indeclinável é repassar seus conteú dos nar- rativos e que julga necessários. Assim, cabe aos demais participantes, aqui promovidos a objeto da ação educativa, o papel de rece- ber os conhecimentos que lhe estão sendo repassados. A partir daí , tais participantes passam a ser os sujeitos principais da ação. Aqui, o educador/profissional aparece como seu irrefutável agente, como o real respon- sável pela tarefa de efetivamente “encher” os educandos de conteú dos provenientes de seus conhecimentos, que aparecem como fragmentos da realidade desconectados da totalidade em que se engendram (Freire, 1970). Esta concepção educativa, contextuali- zada por Paulo Freire como “educação bancária”, tem sua força demarcada pela mera narração, que envolve muito mais a sonoridade das palavras do que sua força transformadora. Nesta visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber (Freire, 1987). Galisa 21.indd 266 1/5/2014 17:39:32 Capítulo 21 | Educação Alimentar e Nutricional na Atenção Básica em Saú de 267 Conceito de educação ligado ao C■ rompimento do distanciamento entre educador e educando Nesta perspectiva, aparece a assertiva de que “ningué m educa ningué m, ningué m educa a si mesmo; os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (Freire, 1987). Desse modo, a prática educativa que se rea li za envolvida pelo movimento da ação-reflexão-ação não distingue os mo- mentos entre educando e educador, pois se promove a partir da ação dialógica entre os sujeitos protagonistas desta ação. De acordo com esse método, educandos rompem o pa- pel de meros espectadores que a educação bancária lhes imputa, passando a ser inves- tigadores críticos do processo de construção do conhecimento. Este, agora, transforma-se em objeto de reflexão da ação educativa, em constante diá logo com o educador, também um investigador crítico. Esta concepção educativa, contextua- lizada por Paulo Freire como “educação problematizadora” e atualmente conhecida também como educação popular, tem seu ponto de partida no ser humano e em sua relação com o mundo. Humanos pensam sobre o mundo e sobre si mesmos simulta- neamente, sem separar isso da ação (Freire, 1987). Logicamente, a não clareza na distin- ção entre esses dois campos envolvidos no entendimento da prática educativa pode sig- nificar o limite entre o desenvolvimento de uma prática e de outra. O que é importante na discussão C■ sobre as concepções educativas Levantamos apenas uma discussão que envolve o rompimento, enquanto profissio- nais comprometidos com uma sociedade ci- dadã e asseguradora dos direitos humanos plenos, dessa “cultura” que se instalou na nutrição e que “nega” a concepção educativa que compõe nossa prática. Não podemos lu- tar por uma sociedade em que o alimento e a alimentação sejam direitos assegurados e garantidos a todos, servindo-nos de con- cepções “bancárias”. Estas não acreditam nos humanos como sujeitos históricos e, por isso, inconclusos; in di ví duos conscientes de sua inconclusão e em permanente busca do aperfeiçoamento. Princípios estruturais daCC educação alimentar e nutricional na atenção básica em saú de Neste espaço, buscaremos destrinchar os elementos que, para nós, devem servir de princípios estruturantes para a construção de projetos e propostas de EAN na prática de atenção básica. Salientamos que estes são princípios que devem nortear a proposta de educação alimentar e nutricional (EAN), mas nunca funcionar como camisas de força. Primeiro princípio | Toda proposta C■ educativa tem uma concepção educativa Ao iniciar essa discussão, afirmamos ser um erro acreditar que não existe uma con- cepção educativa orientando nossa prática. Isso porque repassar conhecimento para os in di ví duos com vistas à construção da saú de já é, por si só, assumir uma prática educa- tiva. No entanto, embora não pareça clara sua concepção educativa, ela está se desen- volvendo e contribuindo na projeção de mo- vimentos que reforçam o imobilismo. Para evitar isso, devemos buscar ter claro qual é a concepção de educação que imple- mentaremos usando nossa prática de EAN. Defendemos aqui a educação popular como base da concepção educativa orientadora da prática em EAN, hoje e sempre, principal- mente por percebermos nela a possibilidade Galisa 21.indd 267 1/5/2014 17:39:32 268 Parte 3 | Metodologias Ativas de promover, por meio de suas construções dialógicas, humanos que caminhem para frente, percebendo e projetando espaços de superação e construção. Só assim, com essa maneira de conceber a educação na prática de EAN, conseguiremos rea li zar propostas que avancem rumo à construção e à garantia do alimento como direito humano, mesmo em uma sociedade em que a comida é, prin- cipalmente, mercadoria. Isso não significa que não respeitamos opções educativas que se pautem pela edu- cação bancária. Contudo, por sabermos os limites que esta concepção impõe ao cres- cimento humano e às possibilidades de concretizar o alimento enquanto direito humano, nos posicionamos contra ela. Defendemos que os educadores envolvi- dos com ela tenham evidentes os limites e as possibilidades nesta concepção, que não a defendam com os mesmos preceitos da educação popular. É importante também saber as diferenças das construções que re- sultarão da implementação da concepção educativa orientada pela educação popular ou da educação bancária. No momento em que o educador “bancá- rio” vivesse a superação da prática inconciliá- vel educador-educando, já não seria mais “bancário”. Já não faria depósitos. Já não ten- taria domesticar. Já não prescreveria. Saber com os educandos, enquanto estes soubessem com ele, seria sua tarefa. Já não estaria a ser- viço da desumanização, da opressão, mas da libertação (Freire, 1987). Contextualização de uma visão de educação alimentar e nutricional sem definição clara de concepção educativa Em meados de 1989, mais precisamente em agosto daquele ano, em uma atividade ligada à Universidade Popular, um grupo de professores, estudantes e pós-graduandos de diferentes cursos da Universidade Federal de Santa Catarina desenvolveu trabalhos de educação com grupos populares. Era um acampamento do Movimento dos Sem Terra, localizado na cidade de Abelardo Luz, região oeste de Santa Catarina. Para a nu- trição, foi a primeira vez que professores e estudantes participaram e planejaram, com semanas de antecedência, uma proposta para implementar a alimentação saudável e adequada naquele acampamento. Chegando ao espaço, o primeiro impacto ficou por conta do pernoite em barracas de lona preta que “pareciam feitas com sacos de lixo”, conforme o depoimento de um dos es- tudantes. Como seria dormir em camas sem colchão feitas de estrados de bambus, duras e sem conforto? “Como podem viver assim?”, disse outro aluno. No dia seguinte, nas ofi- cinas, inclusive nas de nutrição, houve um novo impacto. Os moradores do acampa- mento não tinham um refeitório, mas uma tenda denominada refeitório, em que a rea- lidade era igual à tenda onde dormia m. Os alimentos que ali chegavam eram doações e muitos deles chegavam vencidos – situação que, para a atuação prática do nutricionista, levava à indicação do não consumo. A conclusão da experiência foi que al- guns dos professores e estudantes da nu- trição e de outros cursos retornaram para Florianópolis, pois não viam “como agir naquela situação”. Outros ficaram, pararam suas atividades e passaram a conviver com aqueles agricultores sem terra e suas famí- lias, buscando saber como aquela realidade poderia servir para fazer a transformação. A partir deste processo de reconhecimento, foi construí da uma proposta em que educan- dos e educadores se movimentaram a fim de problematizar em conjunto a modificação daquela realidade. Segundo princípio | Compreensão C■ do humano como orientador da proposta educativa Partimos da compreensão histórica que envolve os humanos como seres presen- tes no mundo e em conexão com ele. Do mesmo modo, negamos a ideia de um ser humano abstrato, isolado, solto e desligado Galisa 21.indd 268 1/5/2014 17:39:32 Capítulo 21 | Educação Alimentar e Nutricional na Atenção Básica em Saú de 269 do mundo, assim como rechaçamos a ideia de mundo como uma realidade ausente de seres humanos. Esta compreensão de situar os humanos enquanto sujeitos do mundo, que se cons- troem a partir das relações que estabelecem entre si, possibilita à ação educativa mobi- lizar reflexões críticas. Assim, educandos e educadores refletem, ao mesmo tempo, so- bre si e sobre o mundo e aumentam o campo de sua percepção de situações que antes, embora existentes, não estavam visíveis e que agora se destacam. Por isso, a compreensão de humano que deve envolver a ação educativa em alimen- tação e nutrição é a mesma para toda e qual- quer ação educativa: a que compreende os humanos como seres históricos em movi- mento constante e permanente que os leva para frente e tem seu ponto de partida na relação dialógica entre os seres humanos e entre estes com o mundo (Freire, 1987). Quanto à concepção bancária, por primar pelos conteú dos imobilistas, fixos, inibindo a criatividade, domesticando a consciên cia e negando às pessoas sua vocação ontológica e histórica de humanizar-se, não consegue em seus espaços defender esta compreensão. Contextualização de uma percepção do ser humano no mundo Por isso é que, certa vez, em um dos “cír- culos de cultura” do trabalho que se rea li za no Chile, um camponês, a quem a concepção bancária classificaria de “ignorante absoluto”, declarou, enquanto discutia, por meio de uma “codificação”, o conceito antropológico de cultura: “Descubro agora que não há mundo sem homem.” E quando o educador lhe disse: “Admitamos, absolutamente, que, se todos os homens do mundo morressem, mas ficasse a terra, ficassem as árvores, os pássaros, os animais, os rios, o mar, as estrelas, não seria tudo isso mundo? “Não!”, respondeu enfático, “faltaria quem dissesse Isto é mundo”. O cam- ponês quis dizer, exatamente, que faltaria a consciên cia do mundo que, necessariamente, implica o mundo da consciên cia, que se refere aos homens em suas relações com o mundo (Freire, 1987). Terceiro princípio | Compreensão C■ histórica do alimento Iniciamos esta discussão reforçando que o alimento e a alimentação humana não de- vem ter sua compreensão envolvida somente como meros fornecedores de nutrientes. Esta nossa defesa se estrutura a partir do enten- dimento de que o alimento, ao se constituir como parte efetiva da história de vida ime- diata dos humanos e ao se concretizar a par- tir das relações que estes estabelecem entre si, com sua vida e com seu viver, concede às nossas propostas e ações educativas outras possibilidades. Assim, elas se movimentam rumo a construções integradas, unindo os componentes científicos e técnicos que qua- lificam a alimentação a partir de sua quali- dade nutricional, resgatando a historicidade que assume o alimento quando garante a re- produção da vida e daespécie humana. Nesta direção, também apontamos o ali- mento como palavra “mundo”, geradora, que, ao se apresentar na prática educativa, possibilita a problematização de diferen- tes temas ligados à questão alimentar. Isso propicia que os sujeitos sociais promovam análises da realidade, que se desvela quando da superação dos conhecimentos científicos puramente interpretativos dos fatos (Freire, 1977). Realizar tal movimento para colocar no cerne dos problemas a questão alimentar promove nos sujeitos sociais um entendi- mento lúcido de sua relação com os alimen- tos e sua alimentação. A proteção dos recursos naturais e seu uso sustentável para assegurar maior e me- lhor produção de alimentos exigem que se impeça a contaminação das águas, proteja-se a fertilidade dos solos e se promova o orde- namento da pesca e conservação das florestas (Abrandh, 2005). Quando a qualidade ali- mentar aparece, o modelo agrícola de traba- lhar a terra e de produção de alimentos pelo uso, ou não, de agrotóxicos, o acesso aos re- cursos produtivos como terra, água, semen- tes e a questão da monocultura, entre outros, tendem a ficar à margem da discussão sobre Galisa 21.indd 269 1/5/2014 17:39:32 270 Parte 3 | Metodologias Ativas adequação alimentar, que traduz apenas o valor nutricional dos alimentos presentes no cardápio e adequação nutricional do mesmo (Valente, 2002). Contextualização da compreensão histórica do alimento De acordo com o Ministério da Saú de, to- dos têm direito à alimentação adequada no contexto do SUS. Veja a seguir: É importante reforçar que o Brasil não en- frenta limitações de recursos para assegurar o DHAA. O País possui recursos suficientes para garantir os direitos humanos de maneira progressiva. O que temos é um sério pro- blema de acesso aos alimentos por aqueles que não têm renda suficiente para aquisição ou não tem acesso à terra para sua produção. Na prática, existem ainda uma série de obstá- culos para a rea li zação efetiva dos direitos hu- manos para uma grande parcela da popula- ção. O Brasil é um país de contrastes com alto grau de desigualdade que se expressa na alta concentração da riqueza, da terra e da renda. Isso se reflete na estrutura política do país, determinando que pequena elite econômica detenha a maior fatia da renda nacional e, de outro lado, parcela considerável da população vive em extrema pobreza e totalmente sem acesso às riquezas existentes (Brasil, 2010). Outros princípiosC■ Desenhados os três princípios reconhe- cidos por nós como estruturantes de toda a proposta educativa em alimentação e nu- trição, independentemente do espaço onde ela se desenvolva, outros princípios a ela se somam que devem ser compreendidos. Conceito amplo de saú de Esta deve ser a defesa principal de nossas ações em EAN na atenção básica, pois parti- cipar e acreditar na construção e na garantia deste conceito implica, para o nutricionista e demais profissionais da saú de, romper com a compreensão de que a saú de tem uma relação efetiva com a doen ça. Desse modo, tal compreensão nos faz esquecer, como profissionais, que estamos diante de in di- ví duos, cidadãos que estabelecem a todo o momento relações históricas, sentimentais, afetivas, familiares, culturais e prazerosas com sua saú de, sua vida e sua alimentação. Assim, passa-se a conhecê-los não por suas identidades, mas pelas enfermidades que carregam, transformando-os em cidadãos de papel que têm apagadas suas possibilida- des de construção e responsabilização por sua vida, sua saú de, sua alimentação e sua luta por direitos. Acreditamos que somente reconhecendo que a saú de é um processo produzido na sociedade, resultado das cons- truções compartilhadas entre todos, pode- remos avançar na garantia do DHAA para o conjunto da população. Daí, teremos acesso físico ao alimento adequado, a boas condi- ções de moradia e de saneamento básico e a serviços de saú de resolutivos. Integralidade promotora da C■ educação alimentar e nutricional Antes de rea li zarmos esta discussão, gos- taría mos de apontar que os princípios nor- teadores do SUS devem sempre se trans- formar naqueles que também orientam a prática educativa em EAN. No entanto, consideramos que o princípio da integrali- dade deve, necessariamente, orientar uma compreensão e uma visão de ação integral. Consideramos aqui integralidade como “um termo plural, ético e democrático, sendo o dialogismo um de seus elementos constitu- tivos, pois sua prática resulta do embate de muitas vozes sociais e, quando eficaz, a in- tegralidade pode produzir efeitos de polifo- nia – ou seja, quando estas vozes se deixam escutar” (Fiorin e Barros, 2003). Assim, ao incorporarmos o princípio da integralidade como norteador da prática educativa em EAN e acreditarmos que esta deve ser a qualificação necessária em toda e qualquer atividade desenvolvida nos espaços do SUS, promovemos tal ação como prática política; afinal, toda educação é também um ato político. Além disso, nossa prática deve Galisa 21.indd 270 1/5/2014 17:39:32 Capítulo 21 | Educação Alimentar e Nutricional na Atenção Básica em Saú de 271 engendrar novos espaços e arranjos sociais com as vozes dos sujeitos que se deixam es- cutar em defesa da saú de como direito de ci- dadania de todos e não apenas de alguns. Construção da intersetorialidadeC■ Esta aparece como a possibilidade de compor novos espaços e arranjos sociais, de- vendo ser encorajada a partir da ar ticulação de ações que avancem em direção à integra- ção dos diferentes setores, tanto os públicos quanto os da sociedade civil e da iniciativa privada, que muitas vezes desenvolvem ações voltadas para a garantia dos direitos huma- nos, de modo isolado e fragmentado. A pro- posta aqui é para que a EAN desenvolvida tenha sempre por princípio, também, a inter- setorialidade para ar ticular ações nos âmbitos de saú de, educação e assistência social, con- forme apontado pela 4a Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, em seu relatório final (Brasil, 2011). O conceito de intersetorialidade também é envolvido no entendimento de que não ape- nas os espaços vistos como “de saú de” rea- li zam sua promoção. Ao contrário, nossos serviços estão voltados para prevenção, re- abilitação e cura, sendo a promoção, muitas vezes, deixada de lado pelo tempo e pelo ex- cesso de responsabilidades da atenção básica. No território, outros espaços estão desenvol- vendo ações de promoção à saú de que podem se ar ticular com a alimentação e a nutrição, como grupos de idosos, recicladores de lixo, espaços religiosos diversos, organizações não governamentais. Todos estes, em algum mo- mento, produzem, distribuem ou compar- tilham alimentos, tornando-se primordiais para o desenvolvimento de ações de EAN. Nas experiências práticas relatadas a se- guir, tentaremos abordar todos os conceitos defendidos. Tais experiências são relatos reais no âmbito do processo formativo da graduação em Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina e no Programa de Residência Multiprofissional em Saú de da Família desta mesma universidade. Experiências práticasCC Em um grupo de promoção da saú de, em uma reunião com a presença de nutricionis- tas que atuam na atenção básica e supervi- sores de estágio obrigatório de nutrição em saú de pública de uma universidade federal, discutiu-se a importância de implementar um grupo de alimentação saudável (GAS) em todos os Centros de Saú de da Família (CSF) do município de Florianópolis. Nessa reunião, ficou acordado que: O GAS teria dois encontros abertos e um • fechado, nos quais haveria a discussão sobre alimentação saudável utilizando os dez passos da alimentação saudável, de- senvolvidos pelo Ministério da Saú de Aquele seria um momento para rea li zar • educação alimentar e nutricional Nesses encontros, os profissionais pode- • riam encaminhar os usuá rios que neces- sitassem de atendimento in di vi dua lizadopara o ambulatório da nutrição Cada GAS seria planejado respeitando-se • as características de cada CSF. Em outra reunião, foram relatadas expe- riências bem-sucedidas. São elas: Em um CSF, a nutricionista no primeiro • encontro apresentava a proposta do GAS e planejava com os participantes os temas que seriam discutidos no último encon- tro. Dessa maneira, a adesão ao grupo aumentou Outra nutricionista relatou que trabalhou • as porções de alimentos apresentados pelo Guia Alimentar da População Brasileira com cada participante elaborando com ela seu plano alimentar. Depois, em outro encontro, eles relatavam as facilidades e as dificuldades encontradas para colocá-lo em prática. Como todos os integrantes do grupo presenciavam essas etapas, esse foi um rico momento de partilhar expe- riências Em uma comunidade mais retirada e bu- • cólica, os participantes do GAS discuti- ram os dez passos para uma alimentação Galisa 21.indd 271 1/5/2014 17:39:32 272 Parte 3 | Metodologias Ativas saudável em caminhadas rea li zadas em trilhas ou à beira-mar, sempre acompa- nhados da nutricionista e do profissional de educação física do CSF. Assim, com a união de mudanças de hábitos e ativi- dade física, todos os integrantes do grupo conseguiram reduzir peso no perío do de 3 meses. Em um grupo terapêutico, ao assumirem a coordenação de reuniões educativas de um programa de suplementação alimentar em um centro de saú de da família (CSF), residentes em Nutrição e profissionais de serviço social rea li zaram um planejamento das ações. A ação visou aumentar a adesão das famílias nas reuniões educativas e me- lhorar o vínculo das famílias com as equi- pes de saú de da família (Moscon e Miranda, 2010). O programa assistiu crianças de 6 meses a 5 anos em situação de risco nutricional e baixo peso por meio de ações interdiscipli- nares e intersetoriais, sendo que uma das três etapas consistia na participação de um responsável pela criança em reuniões educa- tivas. Perceber que crianças eram desligadas do Programa em função da desistência da família, por alcançarem o limite de idade ou por não obterem peso adequado para idade fez as residentes pautarem suas ações na educação popular em saú de. Após 16 meses, observou-se mudança de comportamento das famílias nas reuniões educativas, em virtude da implementação do protocolo do Programa e mudança na metodologia de condução das atividades. Os temas trabalhados passaram a abordar a realidade diá ria das famílias, com assuntos sugeridos pelos responsáveis das crianças. Além disso, houve participação mais ativa, assiduidade, receptividade e maior interesse dos responsáveis pelas crianças nas discus- sões, com relatos de suas experiências pes- soais relacionadas com os temas. Outro resultado positivo observado foi a criação de vínculo entre as famílias e a equipe de saú de da família (ESF). Isso porque membros da ESF passaram a reco- nhecer as crianças participantes e a discutir o Protocolo do Programa. Além disso, foram iniciadas buscas ativas de crianças e novas metodologias para atendimento destas. Por fim, com a formatura das residentes, os pro- fissionais das ESF demonstraram interesse em dar continuidade à atividade educativa com as famílias. Ao final da experiência, as residentes per- ceberam que: A intersetorialidade deve ser o caminho • para que a integralidade do atendimento seja possível, o que ainda é desafio para a maioria dos serviços de saú de A experiência sinaliza a possibilidade de • enfrentamento à desnutrição infantil, mas sua superação requer mudança de estrutura, uma vez que transcende as ma- nifestações clínicas e depende também da situação de pobreza da família Os profissionais de saú de devem con- • siderar problemas multidimensionais envolvidos na determinação da desnu- trição e procurar assistir integralmente as famílias, por meio de investigação da realidade, da criação de vínculo e da ar- ticulação intersetorial para a proteção so- cial delas. Em um ambulatório de nutrição, o esta- giá rio de nutrição partilhou na disciplina Educação Alimentar e Nutricional a con- cepção educativa de Paulo Freire. Ele con- templou a educação popular em saú de e quis rea li zar um atendimento nesta perspectiva, sendo prontamente aceito por seu professor supervisor. Ambos os envolvidos planeja- ram essas iniciativas de educação popular em saú de para o espaço do consultório dias antes do atendimento. Tal planejamento in- dicava a escuta qualificada do usuá rio sobre seu entendimento do processo de saú de, autocuidado, alimentação e nutrição, bus- cando a clareza de todo o contexto em que o sujeito estava inserido na comunidade (con- dições de moradia, renda, acesso à alimenta- ção, relações com as pessoas no domicílio e Galisa 21.indd 272 1/5/2014 17:39:32 Capítulo 21 | Educação Alimentar e Nutricional na Atenção Básica em Saú de 273 historicidade). Além disso, foram coletados indicadores antropométricos e registros ali- mentares. Na consulta, foi atendida uma pessoa analfabeta, desempregada e com diabetes. Em um primeiro momento, realizou-se a es- cuta sensível da usuá ria com tais considera- ções. Nessa escuta, foi importante perceber que o entendimento sobre seu processo de saú de limitava-se ao que podia ou não podia comer em função do diabetes, porém sem possibilidades de construir tais restrições em seu processo de viver. Sobre seu contexto de vida, ficou claro que a renda familiar era de R$ 150,00, proveniente da coleta de lixo se- letivo, sendo esta dividida entre cinco mem- bros no domicílio. O alimento vinha de uma cesta básica de doação mensal de uma insti- tuição do bairro, desprovida de leite, carnes e ovos. A família coletava restos de frutas e verduras da feira do bairro às quartas-feiras e rea li zava compras esporádicas no mercado vizinho à sua casa, na forma de crédito. O diagnóstico que se estabelece foge aos pa- drões biomédicos. Assim, além do diabetes melito descompensado e excesso de peso, havia a situação de insegurança alimentar e nutricional, o analfabetismo, a baixa renda e a ausência de cuidado familiar. Em um primeiro momento, pode-se en- tender que tal situação não deve ser respon- sabilidade do nutricionista, pois este vê a si mesmo de mãos atadas quanto às condutas dietoterápicas que, corriqueiramente, iriam estabelecer-se ali. Tendo em vista a educa- ção popular e a EAN na atenção básica, ini- ciaram-se as primeiras orientações nutricio- nais ilustradas em um papel, mas trazendo nelas não só o fato do não entendimento das letras, e sim como os alimentos indicados por ela poderiam compor seu dia, nos horá- rios compatíveis com sua atividade de coleta seletiva. Além disso, foram sugeridas a troca de alguns alimentos da cesta básica com vizinhos próximos que tinham criação de frangos e a participação da pessoa no grupo de mudas de alimentos desenvolvido pela secretaria de agricultura da comunidade. Nota-se que, aqui, o processo de territoriali- zação em alimentação e nutrição já havia se tornado capaz de identificar tais sugestões para os espaços de ambulatório. Agendou-se um retorno, mas foi solici- tado à pessoa permissão para a discussão de seu caso na reunião da equipe de saú de da família de sua área de abrangência, o que ela autorizou. Em reunião de equipe, o caso foi prepa- rado para a discussão com o foco em ali- mentação e nutrição. Além do repasse do caso com a rea li zação de orientação nutri- cional ilustrada por conta do analfabetismo e da cultura alimentar, discutiu-se com a equipe qual foi o processo de vínculo da usuá ria com a equipe de saú de da família (ESF). Também, propôs-se a construção de um projeto terapêutico integrado, vincu- lando ao cuidado os saberes com relação a alimentação, nutrição e diabetes que pre- cisavam ser reafirmados nas consultas da enfermagem e medicina, e a necessidade de inclusão do assistente social no processo de cuidado em saú de. Nasegunda consulta com a nutrição, após os encaminhamentos com a equipe de saú de, a usuá ria voltou mais comunicativa e com o diabetes compensado. Ela afirmou, ainda, que estava conseguindo adquirir ali- mentos saudáveis com sua renda mensal e que trocou com a vizinha alimentos que vi- nham na cesta doada, como goiabada e açú- car, por arroz e feijão. Referências bibliográficas CC comentadas Algumas referências usadas para com- por este capítulo foram associadas a outras que não aparecem nomeadas, mas que nos acompanham há muito tempo na constru- ção desta jornada em busca de uma educa- ção alimentar e nutricional humana, solidá- ria e ética. Estes autores serão citados aqui com o objetivo de aguçar a curiosidade do Galisa 21.indd 273 1/5/2014 17:39:33 274 Parte 3 | Metodologias Ativas leitor e levá-lo a outras reflexões. Iniciamos trazendo dois grandes cidadãos do mundo, Josué de Castro e Paulo Freire, os quais te- mos certeza de que vocês já conhecem, mas, mesmo assim, falaremos sobre eles por en- tendermos que nunca é demais falar sobre esses dois seres humanos especiais. São dois autores que, efetivamente, estavam além de seus tempos e que influenciaram, e ainda influenciam, discussões e pensamentos em diferentes níveis de atuação, mobilizando ações na área de saú de. Em sua obra, Josué de Castro contextua- liza o problema alimentar brasileiro de modo tão atual que, para alguns desavisados, pode parecer que ele está rea li zando seus estudos hoje. No entanto, ele nos deixou em 1973. É dele a seguinte colocação: O acesso à alimentação é um direito hu- mano em si mesmo, na medida em que a ali- mentação constitui-se no próprio direito à vida. Negar este direito é, antes de mais nada, negar a primeira condição de cidadania, que é a própria vida. Para compor propostas de EAN voltadas para a construção e a garantia de DHAA, recomendamos a leitura da obra de Josué de Castro, principalmente o livro Geografia da Fome – O Dilema Brasileiro: Pão ou Aço, publicado em 1946. Nesse livro, Josué de Castro faz o mapeamento do Brasil a partir de suas características alimentares, desta- cando que a situação de fome no país não poderia mais ser atribuí da a fenômenos na- turais, mas à situação econômica e social. Todavia, deixamos claro que a leitura de qualquer um dos livros de Josué de Castro, para nós que trabalhamos com o alimento como direito humano, nunca será algo que cairá no vazio. O segundo autor é Paulo Freire, que, em suas obras, nos apresenta de maneira clara e consciente uma nova concepção de educa- ção. Novamente, estamos diante de um autor além de seu tempo, que sempre esteve aberto ao diá logo e à partilha de conhecimentos en- tre educandos e educador, para a construção de um mundo novo. Freire oferece, por meio de sua obra, inúmeros instrumentos de ação e de intervenção na realidade. Para nós, autores deste capítulo, pen- sar sobre propostas de EAN que, de fato, se voltem para a garantia e a promoção do alimento enquanto direito humano envolve assumir claramente uma concepção educa- tiva que possibilite assegurar a polifonia das diferentes vozes em direção a novas elabo- rações. Além disso, somente a concepção de educação popular de Paulo Freire, por se movimentar rumo à leitura problematizada e contextualizada da realidade, é a indicada. Com relação a esse autor, recomendamos a leitura de toda a sua obra. No entanto, para compreender de modo mais claro o que apontamos quando discutimos educa- ção bancária e educação popular, sugerimos a leitura do livro Pedagogia do Oprimido, constante no referencial bibliográfico deste capítulo. Aqui, falamos também de duas publica- ções originadas no Ministério da Saú de, mas que contam com contribuições de nomes importantes no cenário de saú de, alimen- tação e nutrição nacional. A publicação do livro Dialogando sobre o Direito Humano à Alimentação Adequada no Contexto do SUS, de 2010, ao buscar construir os caminhos de diá logo entre os conceitos e discussões en- volvendo DHAA e o SUS, propõe avanço em um espaço que, atualmente, para nós que atuamos junto à atenção básica, ainda está por construir. A outra publicação diz respeito ao Ca derno de Educação Popular e Saú de, igual- mente produzido pelo Ministério da Saú de. É uma publicação mais antiga, de 2006, mas que traça diversas possibilidades para a saú de pautada pela concepção da educação popular. Queremos indicar, ainda, uma leitura que pode parecer estranha, mas que prima pelo entendimento de que a construção e a garan- tia de DHAA envolve avançarmos em ou- tras discussões relacionadas com o respeito à vida, inclusive a ecologia. Nesta direção, Galisa 21.indd 274 1/5/2014 17:39:33 Capítulo 21 | Educação Alimentar e Nutricional na Atenção Básica em Saú de 275 indicamos a leitura da obra de Frijof Capra, que você já deve ter escutado falar, principal- mente no fim dos anos 1990, quando apare- ceram os primeiros escritos deste autor. Dele, recomendamos a leitura de Alfabetização Ecológica: A Educação das Crianças para um Mundo Sustentável. Este livro é um achado, principalmente quando pensamos que o tema ecologia, na sociedade, sempre aparece enquanto defesa do verde. Ecologia é algo bem maior. Assim, a leitura desse livro nos proporciona a possibilidade de trabalharmos a partir, por exemplo, de uma horta, com os princípios de uma concepção de ecologia que se volta a entender esta de acordo com a teoria sistêmica. No dizer de David W. Orr, que assina o prólogo do livro, “o fato é que raramente sabemos como as ações humanas afetam os ecossistemas ou a biosfera”. Por isso, ao nos darmos conta destas questões, passamos a implementar uma educação que leva à construção de um pensamento de res- peito e de agir com precaução com relação aos impactos que as nossas atitudes “huma- nas” podem promover. Outra recomendação de leitura envolve o aprofundamento da discussão sobre a cultura alimentar. Nesta linha, sugerimos Em Defesa da Comida, Um Manifesto, de Michael Pollan. Esse livro apresenta uma discussão situ- ando o direito humano à alimentação ade- quada. O autor constrói um argumento con- vincente, aprofundando a relação de amor e cuidado em que alimentos não industriali- zados e saú de se consolidam e andam juntos e os alimentos industrializados são dispostos como soberanos nas prateleiras dos super- mercados. Pollan aponta possibilidades para as pessoas efetuarem escolhas alimentares adequadas e saudáveis. Referências bibliográficasCC ABRANDH. Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos. Diretrizes Voluntárias para o Direito Humano à Alimentação Adequada. Brasília: Minis- tério da saú de; 2005. ANDRADE M. É a educação um direito humano? Por quê? In: SCAVINO S., CANDAU V. M. (org). Educação em direitos humanos: temas, questões e pro postas. Petrópolis: Rio de Janeiro, DP et al. Editora; 2008, p. 52-62. BRASIL. Gabinete da Presidência. Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. Relatório Final da 4a Conferência Nacional de Alimentação e Nutrição. Salvador; 2011. BRASIL. Ministério da Saú de. 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