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EAN na atenção basica

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Extraído de
Educação Alimentar e Nutricional - Da Teoria à
Prática
21 Educação Alimentar e Nutricional na Atenção Básica em Saúde
21 Educação Alimentar 
e Nutricional na 
Atenção Básica em 
Saú de
Neila Maria Viçosa Machado 
Janaina das Neves 
Patrícia Maria de Oliveira Machado
IntroduçãoCC
Neste capítulo, a intenção é rea li zar o en-
contro entre a teoria e a prática da educação 
alimentar e nutricional (EAN), que se vol-
tam para a atuação na atenção básica. No 
entanto, antes de desenvolver esta discussão, 
queremos passar a ideia de que os tópicos 
apresentados aqui não devem ser entendi-
dos como propostas acabadas. Isso porque 
acreditamos que as construções sociais são 
produzidas a partir do partilhamento dos 
conhecimentos dos envolvidos com a ação 
educativa. Assim, não podería mos nunca 
defender nossas construções como acaba-
das, mas como indicações para um possí-
vel caminho rumo à rea li zação da proposta 
educativa em alimentação e nutrição no âm-
bito da atenção básica.
O objetivo aqui é compreender que a 
construção da EAN, enquanto prática vol-
tada para a consolidação do direito humano 
ao alimento e à alimentação adequada, é um 
processo. Segundo Freire (1992), interessa-
nos sempre muito mais que esta construção 
seja percebida e entendida como um pro-
cesso que se constrói conforme a ação se 
faz.
Para dar se quência, a educação alimentar 
e nutricional é uma possibilidade de conso-
lidar os espaços de construção e efetivação 
do direito humano à alimentação adequada 
(DHAA) nas comunidades. Para isso, faz-se 
necessário situar historicamente a prática 
educativa exercida pelo nutricionista no 
Brasil. Desse modo, vamos detalhar alguns 
fatos desde o início do século 20 até os dias 
atuais, com o intuito de elucidar as tramas 
que levam à compreensão dos limites e das 
possibilidades dessa prática.
Vale lembrar que a leitura histórica de 
uma prática requer sua contextualização 
não como algo estático. Além disso, os fatos, 
os feitos e as elaborações sociais projetadas 
a partir de tal prática se encontram movidos 
pela dinâmica que o conflito, elemento en-
contrado a todo momento nas relações entre 
in di ví duo e sociedade, concede à construção 
educativa – transmutações orientadas pelas 
relações sociais e econômicas que a influen-
ciam (Morin, 2002).
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260 Parte 3 | Metodologias Ativas
O segundo momento de discussão terá 
como cenário a questão da educação, que, 
ao não ser considerada no processo forma-
tivo do nutricionista, acarreta falsa compre-
ensão de que métodos e técnicas pautados 
por normas e prescrições são, de fato, prática 
educativa e pedagógica. Uma vez que a dis-
cussão efetiva do papel e do significado da 
concepção educativa não se faz real no pro-
cesso de formação do nutricionista, o pro-
fissional tende a projetar uma prática edu-
cativa descontextualizada e desvinculada do 
entendimento do papel histórico que a edu-
cação exerce na manutenção e na reprodu-
ção de determinada sociedade. Desse modo, 
impede que os sujeitos que participam da 
ação como educandos consigam partilhar 
com ele, educador neste processo, sua com-
preensão sobre o alimento e a alimentação. 
Isso implica uma ação educativa tradicio-
nal, na qual o nutricionista apenas repassa 
orientações muitas vezes difíceis de serem 
colocadas em prática
Nossa proposta é que seja considerado •
o conceito amplo de saú de, que envolve, 
em sua concretização, a compreensão da 
saú de, da educação e da alimentação como 
direitos humanos a serem assegurados e 
garantidos aos in di ví duos em toda a sua 
extensão. Desse modo, ao projetar a pro-
posta de EAN tendo como cenário a aten-
ção básica entendida enquanto porta de 
entrada preferencial para o Sistema Único 
de Saú de (SUS), os anseios e necessidades 
que existem nas comunidades precisam 
ser contemplados. Isso requer avançar 
rumo à consolidação e à concretização 
dos princípios norteadores do SUS como 
a integralidade, a universalidade e a equi-
dade nos espaços e processos de trabalho 
da atenção básica. Isto significa também 
constituir uma prática calcada no efetivo 
controle social sobre o SUS, a fim de ga-
rantir a cidadania dos sujeitos sociais.
Por fim, será apresentado um conceito 
com base nas defesas oriundas de Paulo 
Freire (1984). O educador defende a ideia de 
que a leitura do texto implica sua compreen-
são. Esta só seria alcançada por sua leitura 
crítica, o que implicaria a percepção das re-
lações entre texto e contexto.
Caminhos históricos CC
da educação alimentar 
e nutricional
É importante pensar sobre a seguinte 
pergunta: qual foi a primeira vez que você 
escutou falar de EAN? Provavelmente, sua 
resposta será: só muito recentemente. Para 
nós, também foi assim, principalmente 
quando pensamos que alguns conceitos que 
hoje fazem parte da discussão desta prática 
foram formulados nas duas últimas décadas. 
E quais são estes conceitos? Você os identi-
fica? Identificamos três conceitos principais 
relacionados com a educação alimentar e 
nutricional, o da saú de, o da educação e o da 
alimentação.
Saú de. CC Trata-se de um conceito amplo, de-
fendido durante a 8a Conferência Nacional 
de Saú de de 1986, que, em 1988, foi incluí do 
na Constituição Brasileira, no artigo 196:
Saú de é a resultante das condições de ali-
mentação, habitação, educação, renda, meio 
ambiente, trabalho, transporte, emprego, la-
zer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso 
a serviços de saú de. É assim, antes de tudo, 
o resultado dos modos de organização social 
da produção, as quais podem gerar grandes 
desigualdades nos níveis de vida.
Educação. CC É a concepção educativa en-
quanto prática social. É um tipo especí-
fico de socialização, pois é uma resposta à 
consciên cia de que somos seres inacaba-
dos, chamados a sermos mais. A educação 
deve envolver-se com a ideia de que exis-
tem pessoas se relacionando, partilhando, 
reformulando e praticando para construir 
conhecimentos e projetar propostas e ações 
que nos possibilitem o aprofundamento das 
características de humanidade conforme 
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Capítulo 21 | Educação Alimentar e Nutricional na Atenção Básica em Saú de 261
convivemos com outros humanos e, nessa 
convivência, partilhamos conhecimentos e 
saberes, educando-nos (Andrade, 2008).
Alimentação. CC Pauta-se pelas defesas e pelos 
entendimentos presentes na discussão sobre 
o direito humano à alimentação adequada e 
saudável (DHAA), associado à compreensão 
de que alimento e alimentação são palavras 
“mundo”.1 Estas envolvem os significados e 
as significâncias que se apresentam, com-
pondo a relação entre os seres humanos e a 
sua alimentação e concedendo ao processo 
de construção do conhecimento olhares mais 
amplos.
Era uma vez a educação alimentar e C■
nutricional
Entre 1900 e 1940
Como já afirmamos, nada acontece por 
acaso ou desconectado de relação, sendo 
que o que nos parece à primeira vista algo 
sem vínculo pode, conforme nos aproxima-
mos e olhamos contextualizadamente, levar 
à visua lização das “teias” que envolvem e co-
nectam os fatos. Desse modo, ao situarmos 
a existência de um quadro sanitário caó tico 
nas grandes cidades consideradas polos in-
dustriais, como o Rio de Janeiro, percebe-
mos que o que determinava a ocorrência de 
diversas doen ças de cunho higiênico-sanitá-
rio, tais como varío la, malária e febre ama-
rela, acabou causando sérias conse quências 
para a saú de coletiva. Entretanto, não será 
novidade pensar que a proposta educativa 
em saú de, alimentação e nutrição se envolveu 
neste perío do, a fim de repassar à população 
conhecimento sobre regras de higiene e de 
hábito sanitário, tanto na saú de quanto na 
alimentação e nutrição.
Assim, podemos dizer que, para esse pe-
río do, inaugurou-se uma prática educativa 
em alimentação voltada para a ausência de 
doen ças, principalmente aquelas originadas 
pelas más condições higiênicas e sanitárias. 
Nesta concepção, a atuaçãoeducativa do nu-
tricionista voltava-se à resolução de doen-
ças ocasionadas pelo consumo inadequado 
dos alimentos. Assim, orientava-se quanto 
à composição alimentar da dieta e à condi-
ção higiênica sanitária dos alimentos. Para 
contextualizar este momento, a seguir estão 
alguns acontecimentos que orientaram tal 
maneira de entender e praticar os três con-
ceitos que marcam este nosso caminho.
Saú de. CC Neste momento específico, encon-
tramos a saú de norteada pelo modelo da 
monocausalidade, que seguia a lógica da 
compreensão biológica. Esta era voltada 
para o medicamento e centrada nos conhe-
cimentos científicos e técnicos para enten-
der a doen ça e responder a seus sintomas. 
Em nossa área, por exemplo, a desnutrição 
era o resultado da ausência de nutrientes 
(no caso, a proteí na) na dieta dos in di ví duos 
(Neves, 2003). Esse conceito envolvia a com-
preensão de que a saú de só existia na ausên-
cia de doen ça, e que a obtenção da resposta 
positiva se concentrava na atuação médica 
hospitalar pautada pela cura e pela reabili-
tação.
Educação. CC Esta realidade orientou-se neste 
pe río do para uma prática educativa envol-
vendo o repasse de informações sobre saú de, 
alimento e nutrição, a fim de constituir ali-
mentação adequada em termos nutricionais 
e higiênico-sanitários, desconhecidos pela 
maioria da população. Nessa linha, emer-
giram práticas educativas na área de saú de 
com o objetivo de promover dados sobre 
higiene, para impedir o processo de trans-
missão de doen ças de origem bacteriológica 
(Mohr e Schall, 1992).
1 O conceito de palavras “mundo” surgiu pela primeira 
vez com Paulo Freire, quando iniciou sua proposta de 
educação problematizadora no processo de alfabetização 
de adultos (Freire, 1977). O alimento e a alimentação pas-
saram a ser compreendidos enquanto palavras “mundo”, 
por se constituí rem enquanto termos geradores e palavras 
“povos”, que, na concepção de Paulo Freire, possibilitam 
a problematização de diferentes temas ligados à questão 
alimentar, levando os sujeitos sociais a promoverem aná-
lises da realidade que se desvela quando da superação dos 
conhecimentos científicos puramente interpretativos dos 
fatos.
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262 Parte 3 | Metodologias Ativas
Alimentação. CC É importante ressaltar o papel 
fundamental exercido por Josué de Castro, 
que alertava para o fato de que as condições 
alimentares e nutricionais da população não 
eram afetadas simplesmente pela sua igno-
rância. De acordo com seus estudos, rea li-
zados em 1932, sobre as condições de vida 
de famílias operárias de Recife, o consumo 
alimentar à base de açúcar, café, charque, fa-
rinha, feijão e pão fornecia apenas cerca de 
1.645 calorias. Além disso, custava 71,6% do 
valor do salário, era pobre em vitaminas e 
sais minerais e ocasionava alta mortalidade 
e baixa esperança de vida. Os resultados des-
ses estudos tiveram ampla divulgação na-
cional, dando origem a pesquisas similares, 
inclusive a que serviu de base para a regula-
mentação da lei do salário-mínimo.
Entre 1950 e 1970
A metade do século 20 foi o perío do em 
que o Brasil começou a viver momentos im-
portantes de grupos e propostas, atuando 
quase à margem da política dominante. 
Foram implementadas maneiras anti-he-
gemônicas de pensar e praticar a saú de e 
a educação em tempos de forte repressão, 
devido ao Golpe Militar de 1964. Assim, o 
que se pode discorrer sobre os três conceitos 
orientadores deste resgate é:
Saú de. CC Ainda encontramos as práticas ori-
en tadas pelo modelo da monocausalidade, 
teoria unicausal que, posando de moderna, 
vestia-se, aos poucos, de novos matizes en-
volvidos pela teoria da multicausalidade. 
Segundo Ros (2006), nessa época também 
cresceu com força o complexo médico-in-
dustrial privado, e surgiram políticos que 
direcionaram as políticas públicas de saú de 
com a intenção de satisfazer seus interesses 
eleitorais. Mesmo assim, não houve mu-
danças significativas na prática de saú de até 
1973.
A partir de desse ano, as precárias condi-
ções materiais de vida e saú de apresentadas 
pela maioria da população brasileira oca-
sionaram, no cenário nacional, notícias de 
movimentos anti-hegemônicos, que pas-
saram a se caracterizar pelo chamado 
Movimento pela Reforma Sanitária, ou sim-
plesmente Movimento Sanitário. Este lutou 
pela consolidação de um sistema único de 
saú de brasileiro.
A epidemiologia social agregou aos con-
ceitos de saú de e doen ça fatores biológicos, 
econômicos, culturais e sociais. Isso trouxe 
para a discussão que o fato de estar ou não 
saudável tinha in fluên cia real na organiza-
ção estrutural da sociedade.
Educação. CC A proposta educativa pautada 
na educação popular de Paulo Freire orien-
tou muitos profissionais da saú de insatisfei-
tos com a prática mercantilizada dos servi-
ços de saú de. Eles passaram a elaborar ações 
e propostas com enfoque na dinâmica de 
luta e resistência das classes populares. Isso 
possibilitou iniciar um caminho que, em 
1973, deu luz a construção do Movimento 
da Reforma Sanitária.
No entanto, como profissional da saú de, o 
nutricionista não se incorporava à constru-
ção vigente. Sua prática educativa seguia os 
moldes anteriores e, embora, na aparência 
de suas ações e propostas, informasse que 
não se voltava para combater a ignorância 
da população, em sua essência, ao se basear 
nos conhecimentos científicos e técnicos 
relacionados com os alimentos e nutrien-
tes, seguia tradicionalismos. Nesta linha, o 
alimento ainda não se inscrevia enquanto 
direito humano. Assim, a educação popu-
lar era um modo de participação de agentes 
eruditos (professores, padres, cientistas so-
ciais, profissionais de saú de e outros) neste 
trabalho político. Ela buscava trabalhar pe-
dagogicamente o homem e os grupos envol-
vidos no processo de participação popular, 
fomentando modos coletivos de aprendi-
zado e investigação, a fim de promover a ca-
pacidade de análise crítica sobre a realidade 
e o aperfeiçoamento das estratégias de luta e 
enfrentamento. Era uma estratégia de cons-
trução da participação popular no redirecio-
namento da vida social.
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Capítulo 21 | Educação Alimentar e Nutricional na Atenção Básica em Saú de 263
Alimentação. CC O reflexo da concepção edu-
cativa do nutricionista da época fazia com 
que a orientação dos in di ví duos ocorresse 
por meio de proibição e restrição de con-
sumo. Isso reforçava a compreensão de que 
o analfabetismo da população representava 
um vazio de conhecimento que deveria 
ser preenchido pelo saber do correto e do 
adequado com relação às opções e hábitos 
alimentares. Não houve avanços, portanto, 
para a educação popular.
Entre 1980 e 2000
Inicialmente, no perío do entre 1980 e 1990, 
o que caracterizava as políticas públicas de 
saú de era a configuração do contexto social, 
marcado, por um lado, pela crise econômica 
e, por outro, pelo processo de redemocrati-
zação do paí s. A partir dos anos 1990, man-
teve-se a crise econômica, e ocorreu a con-
solidação da política neoliberalista. Mesmo 
assim, houve pequenos grupos isolados que 
conseguiram rea li zar avanços significativos 
nos diferentes segmentos sociais, principal-
mente com relação à promoção dos direitos 
humanos (Mendes, 1995). Nesse cenário, os 
conceitos de saú de, educação e alimentação 
se estruturaram da seguinte maneira:
Saú de. CC O ano de 1986 foi fundamental pa ra 
a discussão do conceito amplo de saú de. A 
rea li zação da 8a Conferência Nacional de 
Saú de (8a CNS), em março de 1986, resultou 
na formalização das propostas oriundas do 
Movimento da Reforma Sanitária Brasileira, 
que ensejavam mudanças fundamentadas 
no direito universal à saú de, ao acesso igua-
litário, à descentralização acelerada e à am-
pla participação da sociedade.
No relatório final dessa conferência, o 
conceito amplo de saú de foi explicitado da 
seguinte maneira:
A saú de não é um conceito abstrato. De-
fine-se no contextohistórico de determinada 
sociedade e em um dado momento de seu 
desenvolvimento, devendo ser conquistada 
pela população em suas lutas cotidianas. 
Em seu sentido mais abrangente, a saú de é a 
resultante das condições de alimentação, ha-
bitação, educação, renda, meio ambiente, tra-
balho, transporte, emprego, lazer, liberdade, 
acesso e posse da terra e acesso a serviços de 
saú de. É assim, antes de tudo, o resultado dos 
modos de organização social da produção, os 
quais podem gerar grandes desigualdades nos 
níveis de vida.
Na década 1990, o governo e represen-
tantes do movimento da Reforma Sanitária 
ocuparam cargos políticos. Eles passaram a 
implementar esse conceito amplo de saú de 
por meio de leis, diretrizes e normas ope-
racionais, além de promoverem propostas 
como o Programa de Saú de da Família (PSF) 
e o Programa de Agentes Comunitários de 
Saú de (PACS). Ambos foram criados em 
1994 para orientar a concretização do mo-
delo de saú de do Sistema Único de Saú de. 
Em 1988, as decisões promovidas durante 
a 8a CNS se transformaram no instrumento 
político-ideológico que concedeu nova 
forma à saú de no Brasil, estabelecendo-a 
como direito universal.
Segundo Paulus Júnior e Cordoni Júnior 
(2006), a saú de, ao ser incluí da como item 
constitucional, passou a ser dever constitu-
cional de todas as esferas de governo, tendo 
seu conceito ampliado e vinculado às políti-
cas sociais e econômicas.
Educação. CC Na década de 1980, com a de-
mocratização do estado, a educação popu-
lar tornou-se um instrumento para a cons-
trução e a ampliação da participação das 
pessoas nas políticas públicas. Também no 
início dos anos de 1980, houve intensa mo-
bilização dos profissionais de saú de e edu-
cadores, principalmente aqueles envolvidos 
com experiências em trabalhos comunitá-
rios. Estes utilizaram a educação crítica a 
serviço das transformações sociais, econô-
micas e políticas.
Já na década de 1990, as primeiras expe-
riências de educação popular em saú de uni-
ram claramente o trabalho profissional de 
saú de com o trabalho cultural de educação 
popular, construindo uma atuação em saú de 
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264 Parte 3 | Metodologias Ativas
que não se limitou ao modelo assistencia-
lista. Assim, ao lado das denominadas teo-
rias críticas da educação, firmou-se no meio 
da prática de educação em saú de a pedago-
gia libertadora orientada pelos princípios de 
Paulo Freire.
Alimentação. CC Na década de 1980, aconte-
ceu a ar ticulação clara das duas dimensões 
envolvidas no conceito de alimentação. Uma 
foi a dimensão alimentar, que se envolve com 
os processos de produção, comercialização 
e acesso ao alimento; e a outra, a dimensão 
nutricional, que se relaciona com a questão 
dos alimentos e nutrientes. Assim, estavam 
dadas as condições para que o conceito de 
alimento e alimentação envolvesse outros 
matizes. Tal processo se instalou durante 
a rea li zação, em 1986, da 1a Conferência 
Nacional de Alimentação e Nutrição, com a 
presença do conceito de segurança alimen-
tar, entendido como:
A garantia, a todos, de condições de acesso 
a alimentos básicos de qualidade, em quanti-
dade suficiente, de modo permanente e sem 
comprometer o acesso a outras necessidades 
básicas, com base em práticas alimentares que 
possibilitem a saudável reprodução do orga-
nismo humano, contribuindo, assim, para 
uma existência digna.
No entanto, foi apenas em julho de 1994, 
com a rea li zação da 1a Conferência Nacional 
de Segurança Alimentar, que este conceito 
se consolidou.
Nos anos 1990, ampliou-se a noção de se-
gurança alimentar, que passou a referenciar 
as políticas nos vários níveis da administra-
ção pública no Brasil, com a participação e o 
controle social das ações governamentais.
Século 21
O novo que sempre se apresenta como 
promessa de dias melhores, no acender das 
luzes do século 21, chegou trazendo o resul-
tado histórico das lutas e construções ante-
riores. Assim, desenhou novas possibilida-
des de entender e praticar saú de, educação e 
alimentação:
Saú de. CC Neste novo século, é o conceito 
amplo de saú de, aprovado durante a 8a CNS, 
acrescido do entendimento de que ela é o 
resultado de um processo que se produz na 
sociedade, que orienta sua concepção. Esta é 
uma construção que se rea li za de modo com-
partilhado, com o envolvimento de todos os 
sujeitos sociais e não somente dos profis-
sionais de saú de. Nesta perspectiva, nasce o 
entendimento de positividade, que envolve 
o conceito amplo de saú de e a promoção 
e garantia do saudável. Estes surgem para 
além de ações voltadas para a cura. Desse 
modo, a atenção em saú de passa a incorpo-
rar em sua concepção propostas que tentam 
superar aspectos técnicos e organizacionais. 
Nessa direção, surgem propostas para a me-
lhoria da qualidade e da humanização do 
atendimento, que se qualificam, principal-
mente, por meio do acolhimento e do esta-
belecimento do vínculo entre os usuá rios e 
os profissionais da saú de; da implementação 
de ações de promoção da saú de de caráter 
intersetorial; e de atividades de educação e 
comunicação social voltadas para o fortale-
cimento da consciên cia acerca dos direitos 
sanitários e das formas de proteção da saú de 
e prevenção de riscos, entre tantas outras 
ações. Tais propostas possibilitam também 
a constituição efetiva do conceito amplo de 
saú de.
Educação. CC Com a publicação do Caderno 
de Educação Popular e Saú de pelo Ministério 
da Saú de em 2007, foi dado o caminho para 
que esta prática, no âmbito do Sistema 
Único de Saú de (SUS), constitua-se em uma 
ação na perspectiva dialógica, emancipató-
ria, participativa, criativa e contribuidora 
para a autonomia dos sujeitos enquanto sua 
condição de sujeitos de direito e autores de 
sua trajetória de saú de e doen ça, aparecendo 
a educação popular em saú de como a porta-
dora desta possibilidade (Brasil, 2007).
A partir de 2003, passou a fazer parte da 
estrutura do Ministério da Saú de uma área 
técnica que transformou os princípios teó-
ricos, políticos e metodológicos acumu lados 
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Capítulo 21 | Educação Alimentar e Nutricional na Atenção Básica em Saú de 265
e ainda a construção da educação popular 
em saú de em orientadores de suas ações e 
de seu projeto político (Brasil, 2007).
Alimentação. CC Em 2003, foi recriado o Con-
selho Nacional de Segurança Alimentar e 
Nutricional (Consea), com o lançamento 
da estratégia Fome Zero. Ocorreu, ainda, 
o retorno e a rea li zação de conferências de 
segurança alimentar e nutricional. São algu-
mas das tantas iniciativas que aprofundam a 
reflexão sobre a existência de um problema 
alimentar determinado pelo modelo de de-
senvolvimento existente no Brasil.
Nesta direção, os profissionais de saú de, 
inclusive o nutricionista, devem pautar suas 
ações em direção a enfrentar o problema ali-
mentar de maneira estratégica e integrada, 
para compreender o alimento e a alimentação 
enquanto direito à vida. Por isso, tal direito 
sobrepõe-se a qualquer outra razão que justi-
fique sua negação, seja de ordem econômica 
ou política. Negá-lo é, antes de mais nada, ne-
gar a primeira condição para a cidadania, que 
é a própria vida (Maluf et al., 1996).
O que é importante ao rea li zar a C■
contextualização histórica
O primeiro ponto importante tem relação 
com o movimento de ação-reflexão-ação, 
que pode ser rea li zado com os educandos, 
envolvendo-os no processo da contextuali-
zação histórica com relação ao modelo so-
cial, político e econômico que a cada perío do 
se desenha no Brasil. Este movimento leva 
os educandos a acreditarem que a transfor-
mação é algo difícil de se rea li zar quando 
trabalhamos a partir do método expositivo. 
As construções dos grupos de educandos se 
associam às construções do educador, a fim 
de montar uma “espiral do tempo”, uma teia 
de relações entre história e contexto.
O segundo diz respeito à angústia que 
um resgate histórico provoca, principal-
mentepara seus proponentes. Não devemos 
permitir que a aflição e o medo de não ter 
tempo e espaço pedagógico prejudique o 
co nhecimento necessário para formar pro-
fissionais competentes técnica e cientifica-
mente, limitando-nos a rea li zar outros mo-
vimentos. Estamos lidando com humanos, 
que não apenas se inscrevem na história da 
humanidade, mas participam dela enquanto 
protagonistas de suas ações. Isso, além de 
outros aspectos, dá a certeza de que o co-
nhecimento técnico e científico deve sempre 
estar conectado com a realidade social para 
fazer sentido e promover mudanças.
O terceiro aborda os referenciais que efe-
tivamente devem fazer parte desta discus-
são. Aqui, contamos a história da constru-
ção e da rea li zação das políticas públicas de 
saú de no Brasil, principalmente a partir do 
Movimento da Reforma Sanitária, e falamos 
sobre a importância de apresentar e discutir 
as decisões finais da 8a Conferência Nacional 
de Saú de, rea li zada em 1986. Isso porque 
aparecem o conceito amplo de saú de, a dis-
cussão e a proposta de constituição de um 
sistema único de saú de, além de ser anun-
ciada e consolidada nessa conferência a par-
ticipação social. Também apontamos como 
ponto fundamental trazer para tal discussão 
Josué de Castro e suas construções, par-
ticular mente por ser este autor o primeiro a 
lançar para todos nós a questão da fome e do 
direito humano à alimentação.
De qual educação se fala CC
quando exercemos nossa 
prática em educação 
alimentar e nutricional?
Se perguntássemos agora qual a concep-
ção de educação que se percebe nas práticas 
educativas em alimentação e nutrição de-
senvolvidas pelo nutricionista, você conse-
guiria rea li zar esta leitura? Tanto para você 
quanto para nós, esta resposta entraria em 
um limbo de conjecturas que impediriam a 
definição clara de uma concepção educativa 
orientando as práticas de educação alimen-
tar e nutricional (EAN).
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266 Parte 3 | Metodologias Ativas
Podería mos, no momento em que lança-
mos esta discussão, dizer que isso é fruto da 
prática específica exercida pelo nutricionista 
e que ele deve resolver o problema. No en-
tanto, se fizéssemos tal afirmação, estaría mos 
imputando levianamente a um profissional 
uma situação que tem sua determinação 
envolvida por amplos e intrincados fatores 
relacionados com o modelo social, político 
e econômico assumido em nosso paí s, em 
diferentes momentos históricos.
Do mesmo modo, estaría mos negando a 
percepção de que o currículo que orienta o 
processo formativo, reconhecido aqui como 
um destes fatores, é uma construção e uma 
invenção social. Esta nos informa para per-
ceber que será o modo de organização cur-
ricular e a distribuição de seus elementos 
formativos (disciplinas, conteú dos, relação 
teoria e prática etc.) que darão ao processo 
de ensino-aprendizagem a possibilidade, ou 
não, de se adequar à ideologia dominante 
na sociedade. Além disso, a compreensão 
de educação, saú de e alimentação adotada 
por uma população em determinado mo-
mento, quando não contextualizada a par-
tir de suas relações com o modelo social, 
político e econômico, pode levar a “ima-
gens” distorcidas, com a ideia de que esses 
são conceitos isentos de in fluên cias sócias. 
Quando assumimos tais imagens distorci-
das, que viram fetiches escondendo a reali-
dade, passamos a achar natural que direitos 
humanos se efetivem como mercadorias 
com valor de troca.
Dessa maneira, podemos promover um 
processo de formação desligado de leitu-
ras que situem os problemas no cerne dos 
processos sociais, políticos e econômicos e 
que coloquem o conhecimento científico 
como uma “ilha” neutra, sem ligações com 
o espaço social. A percepção da existência 
de pensamentos antagônicos na sociedade, 
que se relacionam por meio do conflito e 
do consenso, indica a importância de res-
gatarmos um desenho educacional que dê 
conta de responder a essa questão (Morin, 
2002).
Agora, com olhar mais aprofundado en-
volvendo a relação entre concepção educa-
tiva e prática de educação alimentar e nu-
tricional, este movimento nos possibilita 
analisar, com olhares mais sensíveis, a cons-
tituição desta enquanto campo disciplinar 
restrito à transmissão de preceitos relativos 
a alimentos e adequação nutricional. Isso 
ocorre, principalmente, se projetarmos a 
discussão da concepção educativa orientada 
por dois campos, um relacionado com a re-
produção de conhecimento e outro ligado 
ao rompimento da “contradição” entre edu-
cador e educando.
Repasse e reprodução de C■
conhecimento
Neste campo, o saber necessário à socie-
dade está centrado no professor, que detém 
um conhecimento científico sobre o tema que 
deseja trabalhar em determinado momento. 
Segundo Freire (1987), esse profissional 
exerce a função de sujeito real, cuja função 
indeclinável é repassar seus conteú dos nar-
rativos e que julga necessários. Assim, cabe 
aos demais participantes, aqui promovidos 
a objeto da ação educativa, o papel de rece-
ber os conhecimentos que lhe estão sendo 
repassados. A partir daí , tais participantes 
passam a ser os sujeitos principais da ação. 
Aqui, o educador/profissional aparece como 
seu irrefutável agente, como o real respon-
sável pela tarefa de efetivamente “encher” 
os educandos de conteú dos provenientes 
de seus conhecimentos, que aparecem como 
fragmentos da realidade desconectados da 
totalidade em que se engendram (Freire, 
1970).
Esta concepção educativa, contextuali-
zada por Paulo Freire como “educação 
bancária”, tem sua força demarcada pela 
mera narração, que envolve muito mais a 
sonoridade das palavras do que sua força 
transformadora. Nesta visão “bancária” da 
educação, o “saber” é uma doação dos que 
se julgam sábios aos que julgam nada saber 
(Freire, 1987).
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Capítulo 21 | Educação Alimentar e Nutricional na Atenção Básica em Saú de 267
Conceito de educação ligado ao C■
rompimento do distanciamento 
entre educador e educando
Nesta perspectiva, aparece a assertiva de 
que “ningué m educa ningué m, ningué m 
educa a si mesmo; os homens se educam 
entre si, mediatizados pelo mundo” (Freire, 
1987). Desse modo, a prática educativa que 
se rea li za envolvida pelo movimento da 
ação-reflexão-ação não distingue os mo-
mentos entre educando e educador, pois se 
promove a partir da ação dialógica entre os 
sujeitos protagonistas desta ação. De acordo 
com esse método, educandos rompem o pa-
pel de meros espectadores que a educação 
bancária lhes imputa, passando a ser inves-
tigadores críticos do processo de construção 
do conhecimento. Este, agora, transforma-se 
em objeto de reflexão da ação educativa, em 
constante diá logo com o educador, também 
um investigador crítico.
Esta concepção educativa, contextua-
lizada por Paulo Freire como “educação 
problematizadora” e atualmente conhecida 
também como educação popular, tem seu 
ponto de partida no ser humano e em sua 
relação com o mundo. Humanos pensam 
sobre o mundo e sobre si mesmos simulta-
neamente, sem separar isso da ação (Freire, 
1987). Logicamente, a não clareza na distin-
ção entre esses dois campos envolvidos no 
entendimento da prática educativa pode sig-
nificar o limite entre o desenvolvimento de 
uma prática e de outra.
O que é importante na discussão C■
sobre as concepções educativas
Levantamos apenas uma discussão que 
envolve o rompimento, enquanto profissio-
nais comprometidos com uma sociedade ci-
dadã e asseguradora dos direitos humanos 
plenos, dessa “cultura” que se instalou na 
nutrição e que “nega” a concepção educativa 
que compõe nossa prática. Não podemos lu-
tar por uma sociedade em que o alimento 
e a alimentação sejam direitos assegurados 
e garantidos a todos, servindo-nos de con-
cepções “bancárias”. Estas não acreditam 
nos humanos como sujeitos históricos e, por 
isso, inconclusos; in di ví duos conscientes de 
sua inconclusão e em permanente busca do 
aperfeiçoamento.
Princípios estruturais daCC
educação alimentar e 
nutricional na atenção 
básica em saú de
Neste espaço, buscaremos destrinchar os 
elementos que, para nós, devem servir de 
princípios estruturantes para a construção 
de projetos e propostas de EAN na prática 
de atenção básica. Salientamos que estes são 
princípios que devem nortear a proposta de 
educação alimentar e nutricional (EAN), 
mas nunca funcionar como camisas de 
força.
Primeiro princípio | Toda proposta C■
educativa tem uma concepção 
educativa
Ao iniciar essa discussão, afirmamos ser 
um erro acreditar que não existe uma con-
cepção educativa orientando nossa prática. 
Isso porque repassar conhecimento para os 
in di ví duos com vistas à construção da saú de 
já é, por si só, assumir uma prática educa-
tiva. No entanto, embora não pareça clara 
sua concepção educativa, ela está se desen-
volvendo e contribuindo na projeção de mo-
vimentos que reforçam o imobilismo.
Para evitar isso, devemos buscar ter claro 
qual é a concepção de educação que imple-
mentaremos usando nossa prática de EAN. 
Defendemos aqui a educação popular como 
base da concepção educativa orientadora da 
prática em EAN, hoje e sempre, principal-
mente por percebermos nela a possibilidade 
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268 Parte 3 | Metodologias Ativas
de promover, por meio de suas construções 
dialógicas, humanos que caminhem para 
frente, percebendo e projetando espaços de 
superação e construção. Só assim, com essa 
maneira de conceber a educação na prática 
de EAN, conseguiremos rea li zar propostas 
que avancem rumo à construção e à garantia 
do alimento como direito humano, mesmo 
em uma sociedade em que a comida é, prin-
cipalmente, mercadoria.
Isso não significa que não respeitamos 
opções educativas que se pautem pela edu-
cação bancária. Contudo, por sabermos os 
limites que esta concepção impõe ao cres-
cimento humano e às possibilidades de 
concretizar o alimento enquanto direito 
humano, nos posicionamos contra ela. 
Defendemos que os educadores envolvi-
dos com ela tenham evidentes os limites e 
as possibilidades nesta concepção, que não 
a defendam com os mesmos preceitos da 
educação popular. É importante também 
saber as diferenças das construções que re-
sultarão da implementação da concepção 
educativa orientada pela educação popular 
ou da educação bancária.
No momento em que o educador “bancá-
rio” vivesse a superação da prática inconciliá-
vel educador-educando, já não seria mais 
“bancário”. Já não faria depósitos. Já não ten-
taria domesticar. Já não prescreveria. Saber 
com os educandos, enquanto estes soubessem 
com ele, seria sua tarefa. Já não estaria a ser-
viço da desumanização, da opressão, mas da 
libertação (Freire, 1987).
Contextualização de uma visão de educação 
alimentar e nutricional sem definição clara de 
concepção educativa
Em meados de 1989, mais precisamente 
em agosto daquele ano, em uma atividade 
ligada à Universidade Popular, um grupo de 
professores, estudantes e pós-graduandos de 
diferentes cursos da Universidade Federal 
de Santa Catarina desenvolveu trabalhos 
de educação com grupos populares. Era 
um acampamento do Movimento dos Sem 
Terra, localizado na cidade de Abelardo Luz, 
região oeste de Santa Catarina. Para a nu-
trição, foi a primeira vez que professores e 
estudantes participaram e planejaram, com 
semanas de antecedência, uma proposta 
para implementar a alimentação saudável e 
adequada naquele acampamento.
Chegando ao espaço, o primeiro impacto 
ficou por conta do pernoite em barracas de 
lona preta que “pareciam feitas com sacos de 
lixo”, conforme o depoimento de um dos es-
tudantes. Como seria dormir em camas sem 
colchão feitas de estrados de bambus, duras e 
sem conforto? “Como podem viver assim?”, 
disse outro aluno. No dia seguinte, nas ofi-
cinas, inclusive nas de nutrição, houve um 
novo impacto. Os moradores do acampa-
mento não tinham um refeitório, mas uma 
tenda denominada refeitório, em que a rea-
lidade era igual à tenda onde dormia m. Os 
alimentos que ali chegavam eram doações e 
muitos deles chegavam vencidos – situação 
que, para a atuação prática do nutricionista, 
levava à indicação do não consumo.
A conclusão da experiência foi que al-
guns dos professores e estudantes da nu-
trição e de outros cursos retornaram para 
Florianópolis, pois não viam “como agir 
naquela situação”. Outros ficaram, pararam 
suas atividades e passaram a conviver com 
aqueles agricultores sem terra e suas famí-
lias, buscando saber como aquela realidade 
poderia servir para fazer a transformação. A 
partir deste processo de reconhecimento, foi 
construí da uma proposta em que educan-
dos e educadores se movimentaram a fim de 
problematizar em conjunto a modificação 
daquela realidade.
Segundo princípio | Compreensão C■
do humano como orientador da 
proposta educativa
Partimos da compreensão histórica que 
envolve os humanos como seres presen-
tes no mundo e em conexão com ele. Do 
mesmo modo, negamos a ideia de um ser 
humano abstrato, isolado, solto e desligado 
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Capítulo 21 | Educação Alimentar e Nutricional na Atenção Básica em Saú de 269
do mundo, assim como rechaçamos a ideia 
de mundo como uma realidade ausente de 
seres humanos.
Esta compreensão de situar os humanos 
enquanto sujeitos do mundo, que se cons-
troem a partir das relações que estabelecem 
entre si, possibilita à ação educativa mobi-
lizar reflexões críticas. Assim, educandos e 
educadores refletem, ao mesmo tempo, so-
bre si e sobre o mundo e aumentam o campo 
de sua percepção de situações que antes, 
embora existentes, não estavam visíveis e 
que agora se destacam.
Por isso, a compreensão de humano que 
deve envolver a ação educativa em alimen-
tação e nutrição é a mesma para toda e qual-
quer ação educativa: a que compreende os 
humanos como seres históricos em movi-
mento constante e permanente que os leva 
para frente e tem seu ponto de partida na 
relação dialógica entre os seres humanos 
e entre estes com o mundo (Freire, 1987). 
Quanto à concepção bancária, por primar 
pelos conteú dos imobilistas, fixos, inibindo 
a criatividade, domesticando a consciên cia e 
negando às pessoas sua vocação ontológica e 
histórica de humanizar-se, não consegue em 
seus espaços defender esta compreensão.
Contextualização de uma percepção do ser 
humano no mundo
Por isso é que, certa vez, em um dos “cír-
culos de cultura” do trabalho que se rea li za 
no Chile, um camponês, a quem a concepção 
bancária classificaria de “ignorante absoluto”, 
declarou, enquanto discutia, por meio de uma 
“codificação”, o conceito antropológico de 
cultura: “Descubro agora que não há mundo 
sem homem.” E quando o educador lhe disse: 
“Admitamos, absolutamente, que, se todos os 
homens do mundo morressem, mas ficasse 
a terra, ficassem as árvores, os pássaros, os 
animais, os rios, o mar, as estrelas, não seria 
tudo isso mundo? “Não!”, respondeu enfático, 
“faltaria quem dissesse Isto é mundo”. O cam-
ponês quis dizer, exatamente, que faltaria a 
consciên cia do mundo que, necessariamente, 
implica o mundo da consciên cia, que se refere 
aos homens em suas relações com o mundo 
(Freire, 1987).
Terceiro princípio | Compreensão C■
histórica do alimento
Iniciamos esta discussão reforçando que 
o alimento e a alimentação humana não de-
vem ter sua compreensão envolvida somente 
como meros fornecedores de nutrientes. Esta 
nossa defesa se estrutura a partir do enten-
dimento de que o alimento, ao se constituir 
como parte efetiva da história de vida ime-
diata dos humanos e ao se concretizar a par-
tir das relações que estes estabelecem entre 
si, com sua vida e com seu viver, concede às 
nossas propostas e ações educativas outras 
possibilidades. Assim, elas se movimentam 
rumo a construções integradas, unindo os 
componentes científicos e técnicos que qua-
lificam a alimentação a partir de sua quali-
dade nutricional, resgatando a historicidade 
que assume o alimento quando garante a re-
produção da vida e daespécie humana.
Nesta direção, também apontamos o ali-
mento como palavra “mundo”, geradora, 
que, ao se apresentar na prática educativa, 
possibilita a problematização de diferen-
tes temas ligados à questão alimentar. Isso 
propicia que os sujeitos sociais promovam 
análises da realidade, que se desvela quando 
da superação dos conhecimentos científicos 
puramente interpretativos dos fatos (Freire, 
1977). Realizar tal movimento para colocar 
no cerne dos problemas a questão alimentar 
promove nos sujeitos sociais um entendi-
mento lúcido de sua relação com os alimen-
tos e sua alimentação.
A proteção dos recursos naturais e seu 
uso sustentável para assegurar maior e me-
lhor produção de alimentos exigem que se 
impeça a contaminação das águas, proteja-se 
a fertilidade dos solos e se promova o orde-
namento da pesca e conservação das florestas 
(Abrandh, 2005). Quando a qualidade ali-
mentar aparece, o modelo agrícola de traba-
lhar a terra e de produção de alimentos pelo 
uso, ou não, de agrotóxicos, o acesso aos re-
cursos produtivos como terra, água, semen-
tes e a questão da monocultura, entre outros, 
tendem a ficar à margem da discussão sobre 
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270 Parte 3 | Metodologias Ativas
adequação alimentar, que traduz apenas o 
valor nutricional dos alimentos presentes no 
cardápio e adequação nutricional do mesmo 
(Valente, 2002).
Contextualização da compreensão histórica 
do alimento
De acordo com o Ministério da Saú de, to-
dos têm direito à alimentação adequada no 
contexto do SUS. Veja a seguir:
É importante reforçar que o Brasil não en-
frenta limitações de recursos para assegurar 
o DHAA. O País possui recursos suficientes 
para garantir os direitos humanos de maneira 
progressiva. O que temos é um sério pro-
blema de acesso aos alimentos por aqueles 
que não têm renda suficiente para aquisição 
ou não tem acesso à terra para sua produção. 
Na prática, existem ainda uma série de obstá-
culos para a rea li zação efetiva dos direitos hu-
manos para uma grande parcela da popula-
ção. O Brasil é um país de contrastes com alto 
grau de desigualdade que se expressa na alta 
concentração da riqueza, da terra e da renda. 
Isso se reflete na estrutura política do país, 
determinando que pequena elite econômica 
detenha a maior fatia da renda nacional e, de 
outro lado, parcela considerável da população 
vive em extrema pobreza e totalmente sem 
acesso às riquezas existentes (Brasil, 2010).
Outros princípiosC■
Desenhados os três princípios reconhe-
cidos por nós como estruturantes de toda 
a proposta educativa em alimentação e nu-
trição, independentemente do espaço onde 
ela se desenvolva, outros princípios a ela se 
somam que devem ser compreendidos.
Conceito amplo de saú de
Esta deve ser a defesa principal de nossas 
ações em EAN na atenção básica, pois parti-
cipar e acreditar na construção e na garantia 
deste conceito implica, para o nutricionista 
e demais profissionais da saú de, romper 
com a compreensão de que a saú de tem uma 
relação efetiva com a doen ça. Desse modo, 
tal compreensão nos faz esquecer, como 
profissionais, que estamos diante de in di-
ví duos, cidadãos que estabelecem a todo o 
momento relações históricas, sentimentais, 
afetivas, familiares, culturais e prazerosas 
com sua saú de, sua vida e sua alimentação. 
Assim, passa-se a conhecê-los não por suas 
identidades, mas pelas enfermidades que 
carregam, transformando-os em cidadãos 
de papel que têm apagadas suas possibilida-
des de construção e responsabilização por 
sua vida, sua saú de, sua alimentação e sua 
luta por direitos. Acreditamos que somente 
reconhecendo que a saú de é um processo 
produzido na sociedade, resultado das cons-
truções compartilhadas entre todos, pode-
remos avançar na garantia do DHAA para o 
conjunto da população. Daí, teremos acesso 
físico ao alimento adequado, a boas condi-
ções de moradia e de saneamento básico e a 
serviços de saú de resolutivos.
Integralidade promotora da C■
educação alimentar e nutricional
Antes de rea li zarmos esta discussão, gos-
taría mos de apontar que os princípios nor-
teadores do SUS devem sempre se trans-
formar naqueles que também orientam a 
prática educativa em EAN. No entanto, 
consideramos que o princípio da integrali-
dade deve, necessariamente, orientar uma 
compreensão e uma visão de ação integral. 
Consideramos aqui integralidade como “um 
termo plural, ético e democrático, sendo o 
dialogismo um de seus elementos constitu-
tivos, pois sua prática resulta do embate de 
muitas vozes sociais e, quando eficaz, a in-
tegralidade pode produzir efeitos de polifo-
nia – ou seja, quando estas vozes se deixam 
escutar” (Fiorin e Barros, 2003).
Assim, ao incorporarmos o princípio da 
integralidade como norteador da prática 
educativa em EAN e acreditarmos que esta 
deve ser a qualificação necessária em toda e 
qualquer atividade desenvolvida nos espaços 
do SUS, promovemos tal ação como prática 
política; afinal, toda educação é também um 
ato político. Além disso, nossa prática deve 
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Capítulo 21 | Educação Alimentar e Nutricional na Atenção Básica em Saú de 271
engendrar novos espaços e arranjos sociais 
com as vozes dos sujeitos que se deixam es-
cutar em defesa da saú de como direito de ci-
dadania de todos e não apenas de alguns.
Construção da intersetorialidadeC■
Esta aparece como a possibilidade de 
compor novos espaços e arranjos sociais, de-
vendo ser encorajada a partir da ar ticulação 
de ações que avancem em direção à integra-
ção dos diferentes setores, tanto os públicos 
quanto os da sociedade civil e da iniciativa 
privada, que muitas vezes desenvolvem ações 
voltadas para a garantia dos direitos huma-
nos, de modo isolado e fragmentado. A pro-
posta aqui é para que a EAN desenvolvida 
tenha sempre por princípio, também, a inter-
setorialidade para ar ticular ações nos âmbitos 
de saú de, educação e assistência social, con-
forme apontado pela 4a Conferência Nacional 
de Segurança Alimentar e Nutricional, em 
seu relatório final (Brasil, 2011).
O conceito de intersetorialidade também é 
envolvido no entendimento de que não ape-
nas os espaços vistos como “de saú de” rea-
li zam sua promoção. Ao contrário, nossos 
serviços estão voltados para prevenção, re-
abilitação e cura, sendo a promoção, muitas 
vezes, deixada de lado pelo tempo e pelo ex-
cesso de responsabilidades da atenção básica. 
No território, outros espaços estão desenvol-
vendo ações de promoção à saú de que podem 
se ar ticular com a alimentação e a nutrição, 
como grupos de idosos, recicladores de lixo, 
espaços religiosos diversos, organizações não 
governamentais. Todos estes, em algum mo-
mento, produzem, distribuem ou compar-
tilham alimentos, tornando-se primordiais 
para o desenvolvimento de ações de EAN.
Nas experiências práticas relatadas a se-
guir, tentaremos abordar todos os conceitos 
defendidos. Tais experiências são relatos 
reais no âmbito do processo formativo da 
graduação em Nutrição da Universidade 
Federal de Santa Catarina e no Programa de 
Residência Multiprofissional em Saú de da 
Família desta mesma universidade.
Experiências práticasCC
Em um grupo de promoção da saú de, em 
uma reunião com a presença de nutricionis-
tas que atuam na atenção básica e supervi-
sores de estágio obrigatório de nutrição em 
saú de pública de uma universidade federal, 
discutiu-se a importância de implementar 
um grupo de alimentação saudável (GAS) 
em todos os Centros de Saú de da Família 
(CSF) do município de Florianópolis. Nessa 
reunião, ficou acordado que:
O GAS teria dois encontros abertos e um •
fechado, nos quais haveria a discussão 
sobre alimentação saudável utilizando os 
dez passos da alimentação saudável, de-
senvolvidos pelo Ministério da Saú de
Aquele seria um momento para rea li zar •
educação alimentar e nutricional
Nesses encontros, os profissionais pode- •
riam encaminhar os usuá rios que neces-
sitassem de atendimento in di vi dua lizadopara o ambulatório da nutrição
Cada GAS seria planejado respeitando-se •
as características de cada CSF.
Em outra reunião, foram relatadas expe-
riências bem-sucedidas. São elas:
Em um CSF, a nutricionista no primeiro •
encontro apresentava a proposta do GAS 
e planejava com os participantes os temas 
que seriam discutidos no último encon-
tro. Dessa maneira, a adesão ao grupo 
aumentou
Outra nutricionista relatou que trabalhou •
as porções de alimentos apresentados pelo 
Guia Alimentar da População Brasileira 
com cada participante elaborando com 
ela seu plano alimentar. Depois, em outro 
encontro, eles relatavam as facilidades e as 
dificuldades encontradas para colocá-lo 
em prática. Como todos os integrantes 
do grupo presenciavam essas etapas, esse 
foi um rico momento de partilhar expe-
riências
Em uma comunidade mais retirada e bu- •
cólica, os participantes do GAS discuti-
ram os dez passos para uma alimentação 
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272 Parte 3 | Metodologias Ativas
saudável em caminhadas rea li zadas em 
trilhas ou à beira-mar, sempre acompa-
nhados da nutricionista e do profissional 
de educação física do CSF. Assim, com 
a união de mudanças de hábitos e ativi-
dade física, todos os integrantes do grupo 
conseguiram reduzir peso no perío do de 
3 meses.
Em um grupo terapêutico, ao assumirem 
a coordenação de reuniões educativas de 
um programa de suplementação alimentar 
em um centro de saú de da família (CSF), 
residentes em Nutrição e profissionais de 
serviço social rea li zaram um planejamento 
das ações. A ação visou aumentar a adesão 
das famílias nas reuniões educativas e me-
lhorar o vínculo das famílias com as equi-
pes de saú de da família (Moscon e Miranda, 
2010).
O programa assistiu crianças de 6 meses 
a 5 anos em situação de risco nutricional e 
baixo peso por meio de ações interdiscipli-
nares e intersetoriais, sendo que uma das 
três etapas consistia na participação de um 
responsável pela criança em reuniões educa-
tivas. Perceber que crianças eram desligadas 
do Programa em função da desistência da 
família, por alcançarem o limite de idade ou 
por não obterem peso adequado para idade 
fez as residentes pautarem suas ações na 
educação popular em saú de.
Após 16 meses, observou-se mudança de 
comportamento das famílias nas reuniões 
educativas, em virtude da implementação 
do protocolo do Programa e mudança na 
metodologia de condução das atividades. 
Os temas trabalhados passaram a abordar a 
realidade diá ria das famílias, com assuntos 
sugeridos pelos responsáveis das crianças. 
Além disso, houve participação mais ativa, 
assiduidade, receptividade e maior interesse 
dos responsáveis pelas crianças nas discus-
sões, com relatos de suas experiências pes-
soais relacionadas com os temas.
Outro resultado positivo observado 
foi a criação de vínculo entre as famílias e 
a equipe de saú de da família (ESF). Isso 
porque membros da ESF passaram a reco-
nhecer as crianças participantes e a discutir 
o Protocolo do Programa. Além disso, foram 
iniciadas buscas ativas de crianças e novas 
metodologias para atendimento destas. Por 
fim, com a formatura das residentes, os pro-
fissionais das ESF demonstraram interesse 
em dar continuidade à atividade educativa 
com as famílias.
Ao final da experiência, as residentes per-
ceberam que:
A intersetorialidade deve ser o caminho •
para que a integralidade do atendimento 
seja possível, o que ainda é desafio para a 
maioria dos serviços de saú de
A experiência sinaliza a possibilidade de •
enfrentamento à desnutrição infantil, 
mas sua superação requer mudança de 
estrutura, uma vez que transcende as ma-
nifestações clínicas e depende também da 
situação de pobreza da família
Os profissionais de saú de devem con- •
siderar problemas multidimensionais 
envolvidos na determinação da desnu-
trição e procurar assistir integralmente 
as famílias, por meio de investigação da 
realidade, da criação de vínculo e da ar-
ticulação intersetorial para a proteção so-
cial delas.
Em um ambulatório de nutrição, o esta-
giá rio de nutrição partilhou na disciplina 
Educação Alimentar e Nutricional a con-
cepção educativa de Paulo Freire. Ele con-
templou a educação popular em saú de e quis 
rea li zar um atendimento nesta perspectiva, 
sendo prontamente aceito por seu professor 
supervisor. Ambos os envolvidos planeja-
ram essas iniciativas de educação popular 
em saú de para o espaço do consultório dias 
antes do atendimento. Tal planejamento in-
dicava a escuta qualificada do usuá rio sobre 
seu entendimento do processo de saú de, 
autocuidado, alimentação e nutrição, bus-
cando a clareza de todo o contexto em que o 
sujeito estava inserido na comunidade (con-
dições de moradia, renda, acesso à alimenta-
ção, relações com as pessoas no domicílio e 
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Capítulo 21 | Educação Alimentar e Nutricional na Atenção Básica em Saú de 273
historicidade). Além disso, foram coletados 
indicadores antropométricos e registros ali-
mentares.
Na consulta, foi atendida uma pessoa 
analfabeta, desempregada e com diabetes. 
Em um primeiro momento, realizou-se a es-
cuta sensível da usuá ria com tais considera-
ções. Nessa escuta, foi importante perceber 
que o entendimento sobre seu processo de 
saú de limitava-se ao que podia ou não podia 
comer em função do diabetes, porém sem 
possibilidades de construir tais restrições em 
seu processo de viver. Sobre seu contexto de 
vida, ficou claro que a renda familiar era de 
R$ 150,00, proveniente da coleta de lixo se-
letivo, sendo esta dividida entre cinco mem-
bros no domicílio. O alimento vinha de uma 
cesta básica de doação mensal de uma insti-
tuição do bairro, desprovida de leite, carnes 
e ovos. A família coletava restos de frutas e 
verduras da feira do bairro às quartas-feiras 
e rea li zava compras esporádicas no mercado 
vizinho à sua casa, na forma de crédito. O 
diagnóstico que se estabelece foge aos pa-
drões biomédicos. Assim, além do diabetes 
melito descompensado e excesso de peso, 
havia a situação de insegurança alimentar e 
nutricional, o analfabetismo, a baixa renda e 
a ausência de cuidado familiar.
Em um primeiro momento, pode-se en-
tender que tal situação não deve ser respon-
sabilidade do nutricionista, pois este vê a si 
mesmo de mãos atadas quanto às condutas 
dietoterápicas que, corriqueiramente, iriam 
estabelecer-se ali. Tendo em vista a educa-
ção popular e a EAN na atenção básica, ini-
ciaram-se as primeiras orientações nutricio-
nais ilustradas em um papel, mas trazendo 
nelas não só o fato do não entendimento das 
letras, e sim como os alimentos indicados 
por ela poderiam compor seu dia, nos horá-
rios compatíveis com sua atividade de coleta 
seletiva. Além disso, foram sugeridas a troca 
de alguns alimentos da cesta básica com 
vizinhos próximos que tinham criação de 
frangos e a participação da pessoa no grupo 
de mudas de alimentos desenvolvido pela 
secretaria de agricultura da comunidade. 
Nota-se que, aqui, o processo de territoriali-
zação em alimentação e nutrição já havia se 
tornado capaz de identificar tais sugestões 
para os espaços de ambulatório.
Agendou-se um retorno, mas foi solici-
tado à pessoa permissão para a discussão de 
seu caso na reunião da equipe de saú de da 
família de sua área de abrangência, o que ela 
autorizou.
Em reunião de equipe, o caso foi prepa-
rado para a discussão com o foco em ali-
mentação e nutrição. Além do repasse do 
caso com a rea li zação de orientação nutri-
cional ilustrada por conta do analfabetismo 
e da cultura alimentar, discutiu-se com a 
equipe qual foi o processo de vínculo da 
usuá ria com a equipe de saú de da família 
(ESF). Também, propôs-se a construção de 
um projeto terapêutico integrado, vincu-
lando ao cuidado os saberes com relação a 
alimentação, nutrição e diabetes que pre-
cisavam ser reafirmados nas consultas da 
enfermagem e medicina, e a necessidade de 
inclusão do assistente social no processo de 
cuidado em saú de.
Nasegunda consulta com a nutrição, 
após os encaminhamentos com a equipe de 
saú de, a usuá ria voltou mais comunicativa 
e com o diabetes compensado. Ela afirmou, 
ainda, que estava conseguindo adquirir ali-
mentos saudáveis com sua renda mensal e 
que trocou com a vizinha alimentos que vi-
nham na cesta doada, como goiabada e açú-
car, por arroz e feijão.
Referências bibliográficas CC
comentadas
Algumas referências usadas para com-
por este capítulo foram associadas a outras 
que não aparecem nomeadas, mas que nos 
acompanham há muito tempo na constru-
ção desta jornada em busca de uma educa-
ção alimentar e nutricional humana, solidá-
ria e ética. Estes autores serão citados aqui 
com o objetivo de aguçar a curiosidade do 
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274 Parte 3 | Metodologias Ativas
leitor e levá-lo a outras reflexões. Iniciamos 
trazendo dois grandes cidadãos do mundo, 
Josué de Castro e Paulo Freire, os quais te-
mos certeza de que vocês já conhecem, mas, 
mesmo assim, falaremos sobre eles por en-
tendermos que nunca é demais falar sobre 
esses dois seres humanos especiais. São dois 
autores que, efetivamente, estavam além de 
seus tempos e que influenciaram, e ainda 
influenciam, discussões e pensamentos em 
diferentes níveis de atuação, mobilizando 
ações na área de saú de.
Em sua obra, Josué de Castro contextua-
liza o problema alimentar brasileiro de modo 
tão atual que, para alguns desavisados, pode 
parecer que ele está rea li zando seus estudos 
hoje. No entanto, ele nos deixou em 1973. É 
dele a seguinte colocação:
O acesso à alimentação é um direito hu-
mano em si mesmo, na medida em que a ali-
mentação constitui-se no próprio direito à 
vida. Negar este direito é, antes de mais nada, 
negar a primeira condição de cidadania, que 
é a própria vida.
Para compor propostas de EAN voltadas 
para a construção e a garantia de DHAA, 
recomendamos a leitura da obra de Josué 
de Castro, principalmente o livro Geografia 
da Fome – O Dilema Brasileiro: Pão ou Aço, 
publicado em 1946. Nesse livro, Josué de 
Castro faz o mapeamento do Brasil a partir 
de suas características alimentares, desta-
cando que a situação de fome no país não 
poderia mais ser atribuí da a fenômenos na-
turais, mas à situação econômica e social. 
Todavia, deixamos claro que a leitura de 
qualquer um dos livros de Josué de Castro, 
para nós que trabalhamos com o alimento 
como direito humano, nunca será algo que 
cairá no vazio.
O segundo autor é Paulo Freire, que, em 
suas obras, nos apresenta de maneira clara e 
consciente uma nova concepção de educa-
ção. Novamente, estamos diante de um autor 
além de seu tempo, que sempre esteve aberto 
ao diá logo e à partilha de conhecimentos en-
tre educandos e educador, para a construção 
de um mundo novo. Freire oferece, por meio 
de sua obra, inúmeros instrumentos de ação 
e de intervenção na realidade.
Para nós, autores deste capítulo, pen-
sar sobre propostas de EAN que, de fato, 
se voltem para a garantia e a promoção do 
alimento enquanto direito humano envolve 
assumir claramente uma concepção educa-
tiva que possibilite assegurar a polifonia das 
diferentes vozes em direção a novas elabo-
rações. Além disso, somente a concepção 
de educação popular de Paulo Freire, por se 
movimentar rumo à leitura problematizada 
e contextualizada da realidade, é a indicada.
Com relação a esse autor, recomendamos 
a leitura de toda a sua obra. No entanto, 
para compreender de modo mais claro o 
que apontamos quando discutimos educa-
ção bancária e educação popular, sugerimos 
a leitura do livro Pedagogia do Oprimido, 
constante no referencial bibliográfico deste 
capítulo.
Aqui, falamos também de duas publica-
ções originadas no Ministério da Saú de, mas 
que contam com contribuições de nomes 
importantes no cenário de saú de, alimen-
tação e nutrição nacional. A publicação do 
livro Dialogando sobre o Direito Humano à 
Alimentação Adequada no Contexto do SUS, 
de 2010, ao buscar construir os caminhos de 
diá logo entre os conceitos e discussões en-
volvendo DHAA e o SUS, propõe avanço em 
um espaço que, atualmente, para nós que 
atuamos junto à atenção básica, ainda está 
por construir.
A outra publicação diz respeito ao Ca­
derno de Educação Popular e Saú de, igual-
mente produzido pelo Ministério da Saú de. 
É uma publicação mais antiga, de 2006, mas 
que traça diversas possibilidades para a 
saú de pautada pela concepção da educação 
popular.
Queremos indicar, ainda, uma leitura que 
pode parecer estranha, mas que prima pelo 
entendimento de que a construção e a garan-
tia de DHAA envolve avançarmos em ou-
tras discussões relacionadas com o respeito 
à vida, inclusive a ecologia. Nesta direção, 
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Capítulo 21 | Educação Alimentar e Nutricional na Atenção Básica em Saú de 275
indicamos a leitura da obra de Frijof Capra, 
que você já deve ter escutado falar, principal-
mente no fim dos anos 1990, quando apare-
ceram os primeiros escritos deste autor. Dele, 
recomendamos a leitura de Alfabetização 
Ecológica: A Educação das Crianças para um 
Mundo Sustentável. Este livro é um achado, 
principalmente quando pensamos que o 
tema ecologia, na sociedade, sempre aparece 
enquanto defesa do verde. Ecologia é algo 
bem maior. Assim, a leitura desse livro nos 
proporciona a possibilidade de trabalharmos 
a partir, por exemplo, de uma horta, com os 
princípios de uma concepção de ecologia 
que se volta a entender esta de acordo com a 
teoria sistêmica. No dizer de David W. Orr, 
que assina o prólogo do livro, “o fato é que 
raramente sabemos como as ações humanas 
afetam os ecossistemas ou a biosfera”. Por 
isso, ao nos darmos conta destas questões, 
passamos a implementar uma educação que 
leva à construção de um pensamento de res-
peito e de agir com precaução com relação 
aos impactos que as nossas atitudes “huma-
nas” podem promover.
Outra recomendação de leitura envolve 
o aprofundamento da discussão sobre a 
cultura alimentar. Nesta linha, sugerimos 
Em Defesa da Comida, Um Manifesto, de 
Michael Pollan.
Esse livro apresenta uma discussão situ-
ando o direito humano à alimentação ade-
quada. O autor constrói um argumento con-
vincente, aprofundando a relação de amor e 
cuidado em que alimentos não industriali-
zados e saú de se consolidam e andam juntos 
e os alimentos industrializados são dispostos 
como soberanos nas prateleiras dos super-
mercados. Pollan aponta possibilidades para 
as pessoas efetuarem escolhas alimentares 
adequadas e saudáveis.
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	21 Educação Alimentar e Nutricional na Atenção Básica em Saúde

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