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See discussions, stats, and author profiles for this publication at: https://www.researchgate.net/publication/322884142 O self na relação terapêutica Book · February 2018 CITATIONS 0 READS 397 1 author: Some of the authors of this publication are also working on these related projects: Resilience and the Association with Depression, Anxiety and Trauma History in Patients with Systemic Lupus Erythematosus View project Sílvia Fernanda Cal UNIME-União Metropolitana para o Desenvolvimento da Educação e Cultura 19 PUBLICATIONS 59 CITATIONS SEE PROFILE All content following this page was uploaded by Sílvia Fernanda Cal on 02 February 2018. The user has requested enhancement of the downloaded file. https://www.researchgate.net/publication/322884142_O_self_na_relacao_terapeutica?enrichId=rgreq-ffb503b99bba0194be392d0a6276a359-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyMjg4NDE0MjtBUzo1ODk0MDU3Nzc1ODgyMjRAMTUxNzUzNjY5NjQxOQ%3D%3D&el=1_x_2&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/publication/322884142_O_self_na_relacao_terapeutica?enrichId=rgreq-ffb503b99bba0194be392d0a6276a359-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyMjg4NDE0MjtBUzo1ODk0MDU3Nzc1ODgyMjRAMTUxNzUzNjY5NjQxOQ%3D%3D&el=1_x_3&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/project/Resilience-and-the-Association-with-Depression-Anxiety-and-Trauma-History-in-Patients-with-Systemic-Lupus-Erythematosus?enrichId=rgreq-ffb503b99bba0194be392d0a6276a359-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyMjg4NDE0MjtBUzo1ODk0MDU3Nzc1ODgyMjRAMTUxNzUzNjY5NjQxOQ%3D%3D&el=1_x_9&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/?enrichId=rgreq-ffb503b99bba0194be392d0a6276a359-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyMjg4NDE0MjtBUzo1ODk0MDU3Nzc1ODgyMjRAMTUxNzUzNjY5NjQxOQ%3D%3D&el=1_x_1&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Silvia_Cal?enrichId=rgreq-ffb503b99bba0194be392d0a6276a359-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyMjg4NDE0MjtBUzo1ODk0MDU3Nzc1ODgyMjRAMTUxNzUzNjY5NjQxOQ%3D%3D&el=1_x_4&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Silvia_Cal?enrichId=rgreq-ffb503b99bba0194be392d0a6276a359-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyMjg4NDE0MjtBUzo1ODk0MDU3Nzc1ODgyMjRAMTUxNzUzNjY5NjQxOQ%3D%3D&el=1_x_5&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Silvia_Cal?enrichId=rgreq-ffb503b99bba0194be392d0a6276a359-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyMjg4NDE0MjtBUzo1ODk0MDU3Nzc1ODgyMjRAMTUxNzUzNjY5NjQxOQ%3D%3D&el=1_x_7&_esc=publicationCoverPdf https://www.researchgate.net/profile/Silvia_Cal?enrichId=rgreq-ffb503b99bba0194be392d0a6276a359-XXX&enrichSource=Y292ZXJQYWdlOzMyMjg4NDE0MjtBUzo1ODk0MDU3Nzc1ODgyMjRAMTUxNzUzNjY5NjQxOQ%3D%3D&el=1_x_10&_esc=publicationCoverPdf SÍLVIA FERNANDA LIMA DE MOURA CAL O SELF NA RELAÇÃO TERAPÊUTICA ÍNDICE Introdução ........................................................................................................................... Pág. 04 Capitulo 1 – O Self .............................................................................................................. Pág. 07 Capitulo 2 – Símbolos do Self ............................................................................................. Pág. 11 Capitulo 3 – O Self na Mitologia e nos Contos de Fadas ................................................... Pág. 20 Capitulo 4 – O Self nos Sonhos .......................................................................................... Pág. 25 Capitulo 5 – O Self nas Escrituras Sagradas ........................................................................ Pág 29 Capitulo 6 – A Relação Terapêutica ................................................................................... Pág. 33 Capitulo 7 – O Self na Relação Terapêutica ....................................................................... Pág. 38 Capítulo 8 –O Dogma da Trindade......................................................................................Pág 42 Capítulo 9 –Mais Considerações sobre as mandalas............................................................Pág 50 Capitulo 8 – Conclusão ....................................................................................................... Pág. 55 Bibliografia.......................................................................................................................... Pág 56 O Self na relação terapêutica 3 “ o desenvolvimento da personalidade[...] é uma questão de dizer sim a si mesmo, de se considerar como a mais importante das tarefas, de ser consciente de tudo o que se faz, mantendo-se constantemente diante dos olhos em todos os nossos dúbios aspectos”. Jung( Estudos alquímicos, p. 24) O Self na relação terapêutica 4 INTRODUÇÃO A função religiosa, para Jung, é uma disposição natural da alma. Esta função se produz por si mesma sem precisar ser impulsionada e sem precisar de interferência. Há no homem uma verdadeira necessidade, independente de sua fé religiosa, de entrar em relação com algo que provoque nele o sentimento de numinoso, algo que desperte nele a percepção do sagrado. O numinoso, ainda que seja provocado por um sagrado exterior, desencadeia um processo puramente interno, pela comunhão com o “fundo originário e com a vastidão ilimitada do Si mesmo” 1 . O contato com este nível interno, enquanto experiência primordial e absoluta indiscutível, foi objeto de especial atenção no estudo de Jung, chegando ele a dizer que, em todos os seus clientes com idade superior a 35 anos, não havia um só cujo problema básico não fosse a atitude religiosa. Todos ficaram doentes por ter perdido o contato com o próprio nível interno, e nenhum ficou curado enquanto não reencontrou uma atitude religiosa. Esta atitude consiste de uma observação atenta e da consideração minuciosa de certos fatos dinâmicos, julgados pelo homem como potências, como, por exemplo, espíritos, demônios, deuses, leis, idéias, ideais considerados de poder ou mesmo perigosos e, por isto, rejeitados ou considerados belos e adorados. 1 Ysé Tardan-Masquelier - Jung, a sacralidade da existência interior, S Paulo,Ed Paulus,1994. O Self na relação terapêutica 5 A experiência religiosa é indiscutível, tal é a certeza de quem a vivenciou, deixando marcas profundas e possuindo grande potencial transformador. Para Jung é necessário que o ser humano aprenda a reconhecer em si a existência desse nível interno, cuja atuação ele chamou de função religiosa. Nesse sentido todas as religiões se equivalem, enquanto função na sociedade e por emanarem da natureza. Seus símbolos traduzem não só acontecimentos cósmicos, mas principalmente acontecimentos psíquicos. De imanente ao cosmo, o divino torna-se imanente à psique humana. A ausência do contato com o sagrado resultaria numa espécie de rutura com o jorro vital da totalidade da vida. As religiões organizadas têm, sem dúvida, um papel, uma função psicológica na sociedade e na cultura, mas não abarcam a totalidade da alma e portanto não levam necessariamente à realização desta. Algumas vezes se colocam como mediadoras do contato entre o homem e o Self, mas não são indispensáveis, pois como já foi mencionado, esse contato é uma experiência natural, que leva o homem a vivenciar a potência do inconsciente coletivo e dos arquétipos. Podemos dizer que esta é antes de tudo uma experiência do inconsciente coletivo, que permite ao homem pressentir a presença de um Supraconsciente Transpessoal. Na minha vida pessoal e na minha experiência como psicoterapeuta, tenho tido oportunidade de confirmar estas observações de Jung. Muitas vezes apenas a lembrança dessenível interno é capaz de modificar toda uma situação, não como algo mágico, mas parece que o contato com esse nível nos dá condições de viver o que temos que viver da melhor forma, com grande segurança, que vem da certeza e confiança da indestrutibilidade da essência e da filiação divina. Ao observar os clientes em processo de psicoterapia, notamos que sempre que a pessoa contata este nível e o traz através de símbolos, nos sonhos (onde é mais frequente) ou de alguma outra forma, é grande a capacidade de transformação, como se esse símbolo trouxesse um impulso nesse sentido O papel do terapeuta é ajudar seu paciente na reconstituição de uma “religião” verdadeira, de uma atitude reverente e atenta em relação ao fator numinoso, íntimo, que é o “Si mesmo” ou Self. O Self na relação terapêutica 6 Haja visto a importância da função religiosa para o ser humano, o objetivo deste trabalho é buscar conhecimento mais amplo sobre o Self, a fim de ampliarmos nossa consciência a este respeito e observarmos como esta consciência pode atuar também na relação terapêutica, surgindo por diferentes vias como por exemplo: sonhos, sincronicidade, intuição, atuando na interação cliente-terapeuta na medida que nos abrimos para esta escuta. A reconstituição dessa “religião verdadeira”, que se dá por uma cuidadosa e silenciosa relação com este centro do próprio ser, leva a uma harmonização crescente nos níveis concretos, físicos, circunstanciais, do que quer que precise ser restaurado, o que nos faz pensar esta relação com o Self, como um elemento curador. O Self na relação terapêutica 7 CAPÍTULO 1 O SELF Através de sua própria experiência de contato com o inconsciente e da experiência de seus pacientes, Jung concluiu que existe uma espécie de centro regulador e coordenador de nossa vida psíquica. A este centro denominou Self ou Si mesmo. Para ele todos os acontecimentos, sejam do mundo subjetivo (fantasias, sonhos, sensações), sejam do mundo externo (ligações afetivas, viagens, escolhas profissionais, etc), são simbólicos e têm um fio condutor que objetiva a realização de nossa totalidade como seres no mundo. Ele acreditava que nenhum de nós veio ao mundo por acaso e que cada um tem uma meta a cumprir, um “tom” a expressar que só cabe a ele. Neste sentido somos únicos. Nossa origem é um estado indiferenciado de identidade, onde o ego se encontra em estado de fusão com o inconsciente. A partir dessa origem começa gradativamente o processo de diferenciação eu-outro ou consciente-inconsciente, para que possamos organizar a consciência, formar o ego, desenvolver a personalidade, e exercer nossa função psicológica. Tal processo é intermediado pela ação do símbolo. A consciência se desenvolve recebendo nutrientes de raízes arquetípicas e o símbolo faz circular estes nutrientes, sendo intermediador do processo ego-self. O Ego vai gradualmente se tornando independente em relação ao Self, mantendo sempre uma relação com o mesmo. O ego fortalecido, passa a ser o intermediador entre o mundo externo e o mundo interno. O Self na relação terapêutica 8 Self é o arquétipo da totalidade, centro regulador da psique, poder transpessoal que transcende o ego, expressa a unidade da personalidade com o todo. A personalidade possui um aspecto inconsciente, que só em parte pode tornar-se consciente. O conceito de Self abrange tanto o inconsciente como o consciente, ou seja abrange tanto aquilo que pode ser experienciado, como aquilo que não pode ser experienciado. É portanto um conceito transcendente. Self ou Si mesmo é o núcleo mais profundo da psique, não pode ser captado em sua totalidade. O Self é o centro da totalidade, assim como o “eu” ou ego é o centro da consciência. O “eu”, fator com o qual todos os conteúdos conscientes se relacionam, constitui o centro do campo de consciência. O "eu" é o sujeito de todos os atos da consciência e está subordinado ao Self ou Si mesmo. Em certo sentido o ego é o Si mesmo ou pelo menos a parte do Si mesmo que existe na consciência empírica, que vive e atua no mundo da realidade consensual; mas num sentido profundo, o ego se encontra tão subordinado ao Si mesmo como o homem a Deus. Jung chamou de Self ao arquétipo do “DEUS-homem interior”. Segundo Jung, Deus é um conceito, uma idéia dotada de extremo valor psicológico, existente dentro de cada um de nós. Trata-se da imagem psíquica da totalidade transcendente do ser humano. Como acontece com todo arquétipo, a natureza essencial do Self é incognoscível, mas suas manifestações estão nos mitos e lendas. O Self aparece em sonhos, mitos e contos de fadas, muitas vezes como uma figura de rei ou herói, profeta ou salvador etc. ou ainda sob a forma de um símbolo da totalidade como o círculo, o quadrado, a quadratura circuli, a cruz. Quando representa um complexo oppositorum, uma união de opostos, pode também aparecer como uma dualidade una, na forma do tao, como interação Yang Ying, dois irmãos hostis, o herói e seu adversário, Fausto e Mefistóles, etc. No caso da mulher em geral é personificado por uma figura feminina superior uma sacerdotisa, uma feiticeira, uma mãe–terra, ou uma deusa da natureza ou do amor, ou ainda uma figura feminina possuidora de poderes sobrenaturais. No caso do homem, manifesta-se como indicador masculino ou guardião, um velho sábio, um espírito da natureza, um ser superior e assim por diante. Veremos no próximo capítulo, mais sobre os símbolos que representam o Self. Embora a representação simbólica seja uma das expressões mais comuns do Self, ele nem sempre toma a forma de um velho sábio ou de uma criteriosa senhora, estas personificações são O Self na relação terapêutica 9 tentativas de exprimir uma entidade que não está inteiramente contida no tempo, algo que é simultaneamente novo e velho. O Self pode ser simbolizado em sonhos ou visões, sob a forma humana de um jovem ou de um velho. O fato de manifestar-se sob roupagens de várias idades mostra que o Self não só nos acompanha por toda nossa vida, como também que subsiste além do fluxo da vida de que temos consciência e que vem de uma dimensão atemporal. As experiências do Self possuem uma característica de uma numinosidade próprias das revelações religiosas, por isso Jung acreditava que havia semelhança entre o Self enquanto realidade experimental e psicológica, e o conceito tradicional de uma divindade superior, o que nos faz entender o Self como um Deus interior. Quando um homem segue as instruções do seu interior, sua vida tende a ser mais criativa. “O Self não está inteiramente contido na nossa experiência de tempo (na nossa dimensão espaço–tempo), no entanto simultaneamente onipresente. Além disso aparece com freqüência sob uma forma que sugere esta onipotência de maneira especial, por exemplo, pode manifestar- se como um ser humano gigantesco e simbólico que envolve e contém o cosmo inteiro. Quando uma imagem como esta surge nos sonhos de uma pessoa, podemos ter esperança de uma solução criadora para o seu conflito porque o surgimento dessa imagem demonstra que o centro psíquico vital está ativado e é capaz de vencer suas dificuldades (todo o ser encontra-se em uma unidade)”. 2 Na civilização ocidental, idéias semelhantes à do Homem Cósmico foram associadas ao símbolo de Adão, o primeiro homem. Segundo uma lenda judaica, para criar Adão, Deus apanhou dos 4 cantos do mundo, pó vermelho, preto, branco e amarelo, e assim criado Adão se estendia de um ponto a outro da Terra. Neste símbolo está claramente expressa a idéia de uma unidade total na existência humana. O Homem Cósmico corresponde a uma imagem psíquica interior e não a uma realidade exterior. É algo que vive dentro do ser humano. Tem o papel de redentor,retirando o indivíduo do mundo e de seus sofrimentos para levá-lo de volta à sua origem imortal. Já foi chamado de Cristo, Buda, Krisna, Filho do Homem e Adão Kadmon, etc. 2 Jung, Carl G.- O homem e seus símbolos, Rio de Janeiro,Ed Nova Fronteira. O Self na relação terapêutica 10 De acordo com vários mitos, o Homem Cósmico não significa apenas o começo da vida, mas também o seu alvo final, a razão de ser da criação. A existência humana dificilmente será satisfatoriamente explicada por meio de instintos. O objetivo principal da vida do homem não é comer, beber, lutar apenas para a sobrevivência ou satisfação dos instintos. Se assim fosse, a vida careceria de sentido. Porisso mesmo quando o homem chega a uma fase da vida em que já fez as construções esperadas pelo social, ou seja estabilidade financeira, família, filhos etc muitas vezes começa a se perguntar sobre o objetivo da vida e as questões conhecidas como da fase da metanóia, como “de onde vim”, “para onde vou”. Ao homem parece estar reservado algo maior, que poderíamos expressar como ser "humano”. Para Jung, ser “humano” implica um mistério que, para torná-lo acessível, o inconsciente usa a imagem do Homem Cósmico (ou Self). O Self na relação terapêutica 11 CAPÍTULO 2 SÍMBOLOS DO SELF O símbolo do Homem Cósmico é universal. Está presente como uma espécie de expressão do mistério fundamental de nossas vidas. Este símbolo representa o que é total e pleno, e muitas vezes é concebido como um ser bissexual, unindo, dessa forma, a polaridade masculina e feminina. Às vezes aparece em sonho também como um casal real, divino, ou de certa maneira eminente. Outro símbolo relacionado com o Self, é a pedra ou as pedras preciosas. A pedra sempre esteve relacionada ao sagrado e considerada receptáculo de poderes divinos. Na Europa foram encontradas em várias regiões pedras sagradas enroladas em cortiça e escondidas em cavernas, provavelmente guardadas pelos homens da Idade da Pedra, por acreditarem serem as mesmas possuidoras dos ditos poderes. “Aborígenes da Austrália acreditavam que seus ancestrais mortos continuavam a existir como forças benéficas e divinas dentro de pedras, e ao esfregarem estas pedras, o poder delas é aumentado (como se estivessem carregadas de eletricidade) em benefício de ambos, o morto e o vivo” 3 . Em muitos sonhos o núcleo central – Self – também aparece como um cristal. “O cristal desperta em nós o conhecimento intuitivo de que, mesmo na matéria inanimada, existe um 3 Jung, Carl – O Homem e Seus Símbolos, Rio de Janeiro, Ed Nova Fronteira, pág. 205 O Self na relação terapêutica 12 princípio de ordenação espiritual em funcionamento. Assim, muitas vezes o cristal simboliza a união dos extremos opostos: a matéria e o espírito”. 4 As pessoas sentem certo fascínio pelas pedras; muitas não resistem ao impulso de apanhar pedras de cor e formas incomuns, para guardá-las. Os homens colecionam pedras desde o início dos tempos e admitem que algumas delas possuem força vital. Povos antigos acreditavam que os espíritos dos mortos continuavam a existir nas lápides dos túmulos. O costume ainda vigente de colocar pedras sobre os túmulos provavelmente deve- se à idéia simbólica de que algo eterno do morto subsiste. Cristo é considerado pelo simbolismo cristão como “a pedra que os edificadores reprovaram”, ou ainda a “rolha espiritual”, de onde jorra a água da vida (I Corinti X:4). Os alquimistas medievais buscavam o segredo da matéria, na esperança de assim encontrar Deus. Julgavam que este segredo estaria encerrado na “pedra filosofal”, até que perceberam intuitivamente que a tão procurada pedra simbolizava algo que só poderiam encontrar na psique do homem. Para Morienus 5 , um velho alquimista árabe: “Esta coisa (a pedra filosofal) é extraída de vós: vós sois o seu minério e é em vós que se pode encontrá-lo”. A pedra alquímica simboliza algo que não pode ser dissolvido ou perdido, algo indestrutível e, neste aspecto pode ser comparado ao Self e à experiência mítica de Deus dentro de nossas almas. A pedra simboliza a existência pura, o mais possível distanciada de nossas emoções, sentimentos, fantasias e do pensamento discursivo do nosso ego. A pedra simboliza a experiência de algo eterno que o homem conhece nos fugazes instantes em que se sente inalterável e imortal. A necessidade que existe em quase todas as civilizações de erigir monumentos de pedras a pessoas consideradas importantes e famosas, ou nos cenários de acontecimentos importantes, decorre deste significado simbólico da pedra. As religiões costumam usar a pedra para representar Deus ou para marcar o local de um culto. Ka`aba, santuário sagrado que fica em Meca, é uma pedra negra, onde todo muçulmano espera chegar um dia, em peregrinação. 4 idem 5 Morenius – velho alquimista árabe citado por Jung em “O Homem e Seus Símbolos”, pág. 210 O Self na relação terapêutica 13 Nos sonhos, às vezes, o Self é simbolizado também por um animal que representa a nossa natureza instintiva e a sua relação com o meio ambiente. Geralmente expressa-se como animais bondosos e prestimosos, como apresentado nos mitos e contos de fadas. Parece haver uma relação do Self com a natureza à sua volta e com o cosmo. Todas as manifestações superiores de vida estão, de certa maneira, sintonizadas com o espaço–tempo. No que diz respeito aos animais, por exemplo, eles têm a sua alimentação especial, o material particular para construir sua casa e seus territórios bem definidos, com os quais os esquemas instintivos se encontram ajustados e adaptados. O nosso inconsciente está sintonizado com o meio ambiente (grupo, sociedade em geral, com o espaço-tempo e a natureza no seu todo). Por isso, o Self pode nos dar indicações, orientações, não apenas sobre verdades interiores, mas também sobre assuntos concernentes à nossa vida exterior e ao nosso ambiente. Santa Teresa d’Àvila 6 dizia que Deus se interessa por tudo que nos diz respeito, mesmo por uma agulha perdida. Muitos de nossos sonhos nos dão esta indicação, no entanto eles não têm como objetivo predominante a nossa adaptação à vida exterior, mas sim a atitude correta em relação ao Self. Algumas razões principais que fazem o homem perder o contato com o centro regulador de sua alma: Impulso instintivo ou emocional que o leva a perder o equilíbrio. Devaneios excessivos que, em geral estão relacionados com certos complexos. Consolidação excessiva da consciência do ego, tornando-se um obstáculo à recepção de impulsos e imagens vindos do Self. Os diferentes símbolos são imagens pelas quais se busca expressar o Self, o centro da alma. Cada um destes símbolos expressa, no entanto, um aspecto do centro e não a sua totalidade, embora o conjunto de símbolos exprima a estrutura complexa do centro. O centro em Si mesmo é uma realidade que não se pode conhecer. O Self pode ser representado por um círculo, um triângulo, etc. O círculo é a expressão do infinito e da eternidade, de onde emana toda a vida e toda luz, enquanto o triângulo refere-se à trindade da simbologia cristã. O Self engloba a simbologia do triângulo, a trindade, que representa o homem vivendo em Deus e Deus no homem. O Self na relação terapêutica 14 Como vimos as diferentes formas simbólicas que se referem ao centro, não se referem unicamente à simbologia cristã e bíblica, mas também à das ciências matemáticas, da cosmologia, da metafísica, da filosofia neoplatônica e da alquimia. Na linguagem teresiana o centro (ou Self na linguagem junguiana) é a sétima morada; na simbologiageométrica, é o ponto e a circunferência, ou seja, a quintessência, a totalidade. MANDALA A palavra mandala significa em sânscrito “círculo mágico”, formas esféricas ao redor de um centro que eram utilizadas para proteger as pessoas de perigos externos. A mandala é outra representação mitológica do Self. Consiste num círculo dividido em 4 partes. O número 4 possui um simbolismo relacionado à cruz, o que faz dele um símbolo incomparável de plenitude, de universalidade, um símbolo totalizador. O cruzamento de um meridiano e de um paralelo divide a Terra em quatro setores. “Em todos os continentes, chefes e reis são chamados: Senhores dos 4 mares, dos 4 sois, das 4 partes do mundo, etc.”, 7 o que pode significar, a extensão e a totalidade desse poder. São 4 os pontos cardeais, 4ventos, 4 pilares do universo, 4 fases da lua, 4 estações, 4 elementos, 4 letras no nome de Deus e no do primeiro homem, Adão; 4 braços da cruz, 4 evangelistas. O quatro simboliza o terrestre, a totalidade do criado e do revelado. Mandala significa círculo mágico, e é a representação simbólica do "átomo nuclear” da psique humana, cuja essência não conhecemos. A mandala indica a totalização da vida. Os Naskapi, sem a ajuda de ritos ou doutrinas religiosas, alcançam uma experiência direta com o centro. Eles representam o seu Grande Homem como uma mandala e não como um ser humano. Os índios Navajos tentam por meio de pinturas na areia, às quais dão a forma de uma mandala, fazer uma pessoa doente restabelecer sua saúde. 6 Sta Teresa d’Avila, considerada doutora da igreja católica, escreveu vasta obra relacionada à experiência da alma até o contato com Deus. 7 Dicionário de símbolos- Jean Chevalier e Alain Gheerbrant, Rio de Janeiro, Ed José Olympio (pág 759). O Self na relação terapêutica 15 Nas civilizações orientais a mandala favorece a meditação profunda. A contemplação de uma mandala deve trazer paz interior e a sensação de que a vida voltou a encontrar a sua origem e o seu significado. Quando a mandala aparece espontaneamente nos sonhos, traz efeitos muito positivos. A mandala serve ao propósito de restabelecer uma ordem preexistente, como também ao propósito criador de dar forma e expressão a alguma coisa. Na maioria dos casos o que restaura a antiga ordem envolve algum elemento de criação, um elemento novo, que junto com o antigo permite que aquela situação mude de ponto, proporcionando um crescimento. “Um mito indiano da criação conta que o deus Bhrama, erguido sobre um imenso lótus de milhares de pétalas, voltou seus olhos para os quatros pontos cardeais. Esta inspeção quadrúpla feita do círculo do lótus, era uma espécie de orientação preliminar, uma tomada de contas indispensável antes de começar o seu trabalho da criação”(O homem e seus símbolos, Jung). Além do círculo, outro símbolo usado para auxiliar a meditação oriental (iantra) é um motivo formado por dois triângulos que se interpenetram, um apontando para cima, outro para baixo. Simboliza a união de Shiva e Shakti, as divindades masculinas e femininas. Expressa ainda a união do mundo pessoal e temporal do não-ego. Esta união diz respeito ao alvo de todas as religiões, que é a união da alma com Deus. Tanto os triângulos que se interpenetram como a mandala representam a Unidade e a totalidade da psique, ou Self. Mandalas também aparecem na arte cristã, como são exemplo, as rosáceas das catedrais, representando o Self do homem transposto para um plano cósmico. São consideradas mandalas, as auréolas de Cristo e dos santos cristãos vistos em pinturas e ilustrações religiosas.” Rodas solares” já apareciam gravadas na pedra, que remontam ao período neolítico, quando a roda ainda não havia sido inventada. Estas rodas solares são alusivas à experiência de uma imagem arquetípica interior, que o homem da idade da Pedra soube exprimir muito bem. Outras mandalas encontradas na arte cristã são, por exemplo, a imagem da virgem no centro de uma árvore circular (símbolo do divino evônimo), e as que representam Cristo cercado pelos 4 evangelista, que tem como origem a representação egípcia do deus Horo, com seus 4 filhos. Nas construções seculares e sagradas de todas as civilizações, foram utilizadas a forma da mandala como plano básico, o que acontece também com algumas cidades antigas, medievais e modernas (Washington D.C. por exemplo). O Self na relação terapêutica 16 “Por sua planta em forma de mandala, a cidade com seus habitantes, é exaltada acima do domínio puramente temporal. E isto é acentuado pelo fato destas cidades terem um centro, “o Mundus”, que estabelece a sua relação com outro reino, a morada dos espíritos ancestrais.” 8 Assim foi construída Roma, orientada por etruscos. Conta-se que nessa construção se realizou um ritual sacro, com um centro, "mundus” ou cosmos, que era uma cova no meio da área, onde cada homem jogou um pouco da terra de seu local de origem. Roma foi edificada sobre um planta em forma de mandala, e cercada por muralhas de forma circular. As artérias principais dividiam a cidade em “ quartos” e levavam a quatro portões. A igreja ou catedral costumava ser erguida no meio da interseção das artérias. Este tipo de construção tem o objetivo de transformar a cidade em uma imagem ordenada do cosmos, um lugar sagrado ligado ao seu centro, e estava relacionado com uma necessidade vital do homem religioso, expressando uma projeção da imagem arquetípica do interior do inconsciente humano, sobre o mundo exterior. A cidade e o templo tornam-se símbolo da unidade psíquica. Na arte cristã o símbolo central não é a mandala e sim a cruz ou crucifixo. O símbolo da cruz é tão antigo quanto a própria humanidade Antes da Idade Média, a cruz grega incluía a mandala, depois passou-se a usar a cruz latina, podendo-se entender esta mudança como o deslocamento do centro do homem, da terra para o alto, a elevação deste centro a uma esfera espiritual, o que corresponde ao que o Cristo disse: “ Meu reino não é deste mundo”. “O símbolo da cruz, através dos tempos, derivou-se em diversas formas; cada uma delas exprime um aspecto da verdade e da luz espiritual que vivifica esse símbolo, encerra um diferente aspecto do grande mistério da vida” 9 . Através dele o homem é estimulado a penetrar mistérios que o conduzem à essência da vida. As diversas formas de cruz expressam energias de diferentes níveis de consciência. A cruz representa o perfeito equilíbrio e fusão de 4 elementos da natureza, de 4 forças básicas. Elemento terra – tanto pode prender o homem à matéria, como ser a substância maleável para que ele molde sua obra. 8 Jung, Carl – O Homem e eus Símbolos, Rio de Janeiro,Ed Nava Fronteira, pág 243. O Self na relação terapêutica 17 Elemento água – que sugere maleabilidade e adaptabilidade, A energia presente torna-se fator de equilíbrio, possuindo características curadoras e purificadoras. Elemento fogo – ardendo sobre a matéria ele libera a luz encerrada na forma. Elemento de redenção e símbolo de uma energia transformadora. Elemento ar – Expressa uma energia que se encontra em grau vibratório próximo ao do éter. Atua como um importante vértice que conduz a vida formal a estados mais sutis. A maçonaria estabeleceu um quadro de correspondência entre os 4 elementos e as principais etapas de ascensão iniciática. Elementos Partes do ser humano Etapas Fogo Espírito Iniciação Água Alma Religião Ar Mente Filosofia Terra Corpo Vida material Esses elementos permeiam o processo de transcendência do homem da matéria ao espírito, o que está claramente expresso na cruz,com sua haste vertical voltada para cima, enquanto a haste horizontal simboliza a matéria. Santa Tereza d’Avila, em sua obra estabeleceu uma relação entre o Self e os 4 elementos da natureza. Para ela o centro (Self) é ao mesmo tempo água, ar, fogo e terra. Estes 4 elementos expressam a totalidade do universo e do centro, e ainda expressam também o componente cósmico do centro da alma, possuindo uma qualidade feminina. No mineral, ele é a pedra preciosa, o diamante, o cristal e o metal puro, o ouro. No vegetal é a semente, o fruto, a árvore etc. No humano é o "essencial a alma”, "a melhor parte de nós mesmos” o “intimo de nós mesmos” enfim, o que caracteriza o homem. Na ordem espiritual o centro é Deus. 9 Trigueirinho – Omitério da cruz na atual transição planetária,São Paulo,Ed. Pensamento, 1992. O Self na relação terapêutica 18 Os 4 elementos expressam a totalidade, representada também pelo quadrado (expressão do tempo histórico),podendo inscrever-se nos 4 braços da cruz. A relação do espírito com a matéria está expressa na cruz. A cruz tem o poder de conduzir as forças do mundo material para sua posição correta do ponto de vista energético espiritual. No passado, quando a cruz era utilizada em rituais sagrados, em geral não era fixada verticalmente no solo mas sim deitada sobre ele, de forma que o contato com a terra ocorresse igualmente em suas hastes, sem preponderância de nenhuma delas. Quando da crucificação de Cristo, a haste vertical da cruz voltada para o céu, simbolizou o início de uma etapa evolutiva, permitindo que ocorresse um processo oculto de transmutação da essência material, e também que um novo padrão energético se instalasse sobre a Terra. Este padrão ou arquétipo, é um núcleo de energia de síntese, um arquétipo universal que atua como polarizador da manifestação das formas . Um arquétipo é a síntese da perfeição a ser expressa pela vida manifestada. Os padrões por ele emitidos entrelaçam-se de maneira tal que produzem as condições necessárias ao progresso da vida.. “Sempre que um arquétipo é acionado, ele força a direção da consciência a partir do inconsciente, obrigando-a a encontrar naquele estágio de diferenciação uma nova interpretação que permita uma conexão da vida atual com as raízes do passado que existe em cada um de nós “ ( Paul Grimberg) 10 Os arquétipos permitem produzir inúmeras vezes o mesmo padrão ou idéias críticas semelhantes, e proporciona a repetição das mesmas experiências.” Uma vez que esse repertório de experiências é teoricamente infinito sempre que se fizer necessária uma nova orientação e adaptação da consciência, é ativado um arquétipo que representa a imagem primordial da necessidade do momento”. 11 O arquétipo seria como o pano de fundo da experiência, como um modelo que traz consigo certo poder de influência, exercido através do aspecto numinoso que o caracteriza. Experienciamos o arquétipo através dos sonhos, fantasias, dos rituais que desempenhamos ao longo da vida, nas projeções ou nas cargas afetivas de um complexo. 10 Grimberg, Luis - Jung , 0 homem criativo, São Paulo, Ed FTD, 1997, pág 173. 11 Idem O Self na relação terapêutica 19 O Cristo é o mito ainda vivo, é o herói de nossa civilização. É a imagem do homem perfeito. Elucida o arquétipo do “Si mesmo” para nossa cultura. Ele está dentro de nós e nós estamos nele. Do mesmo modo que Cristo, também o seu reino está dentro de nós. Santo Agostinho diz que nosso fim deve ser nossa perfeição, mas nossa perfeição é Cristo. Sua esposa é a alma humana que se acha unida ao Logos e com quem, durante o processo evolutivo, deverá unir-se em núpcias sagradas em coniuntio (união), casamento interno ou união de polaridades, por ocasião da iluminação. Para Jung este processo ocorre de forma coletiva, sendo efetivo e subsistente por si mesmo, e desenvolve sua atividade mesmo que o sujeito não tome conhecimento dele. Há indícios da existência de um arquétipo da totalidade, existente em todas as épocas, que leva o indivíduo a unir-se com o “ Si mesmo”, a tornar-se consciente de sua identidade profunda como ser único e autêntico no mundo, a individuar-se. Essa busca de contato com o “Si mesmo”, é expressa em mitos de diferentes tradições, tais como a busca do velo de ouro da Grécia Antiga ou da Pérola, do cristianismo primitivo ou do Santo Graal na Idade Média na Europa. O Self na relação terapêutica 20 CAPITULO 3 O SELF NA MITOLOGIA E CONTOS DE FADAS A mitologia conta fatos fictícios que tem um aspecto universal, com certo colorido regional. Estes fatos e estórias retratam a nossa imaginação, são relativos à nossa psique, e nos fala de assuntos referentes a nós mesmos. São mensagens para a mente consciente vindas de regiões desconhecidas da consciência. O jardim do Éden, da Bíblia, foi analisado por Joseph Campbel 12 da seguinte forma: Éden significa em hebreu ”delícias, lugar de delícias” e a palavra paradise, que vem do persa pairi – “ ao redor de”, daeza “muro”, significa um” “ recinto murado” O Éden seria então um jardim murado de delícias, e em seu centro se ergueriam duas árvores: uma do conhecimento do bem e do mal e a outra da vida imortal. Havia também 4 rios que correm de uma fonte inesgotável e atravessavam o mundo em 4 direções. Quando Adão e Eva provaram do fruto proibido (fruto da árvore do bem e do mal) e perceberam que um era diferente do outro, foram expulsos. Dois querubins se postaram no portal do oriente, para guardar o caminho de volta, e impedir que eles voltassem. Para Joseph Campbel, o mito se refere a uma paisagem da alma. O Jardim do Éden estaria dentro de nós. 12 Campbell, Joseph - Para viver os Mitos, São Paulo, Ed Cultrix,1997, pág 28. O Self na relação terapêutica 21 Nossa mente consciente é incapaz de ingressar nele e desfrutar nossa imortalidade, uma vez que já provamos o gosto do conhecimento do bem e do mal. Conhecimento este que nos atirou para fora de nosso próprio centro. Uma vez que o jardim cercado está dentro de nós, a vida eterna, já deve ser nossa, embora não tenhamos consciência disso. Na mitologia budista sob a árvore está sentado Sidarta, quando passou pelo processo da iluminação e passou a se chamar Buda, o Desperto. Neste mito também há uma serpente, que neste caso não é vista como o mal, mas como símbolo da energia imortal que habita toda a vida sobre a terra. Na mitologia indiana, enquanto Buda sentado, absorto por vários dias em meditação, ficou exposto a tempestade foi protegido por essa cobra, que se enrolou como um capuz em torno de sua cabeça. A serpente, em um mito foi amaldiçoada e no outro foi aceita e incluída. Em ambos os mitos, a serpente está relacionada com a árvore da vida eterna, a mesma sob a qual o Buda se sentou e alcançou a iluminação, e que corresponde à segunda árvore do Jardim do Éden (que deve ser pensado como um jardim da alma). Na visão budista, o que nos mantém fora do Jardim do Éden é o nosso apego instintivo, os nossos sentidos dirigidos para o externo, o nosso apego aos prazeres da vida física. Eis o que nos impede de reconhecer dentro de nós esta consciência imortal. Cristo resgatou a imortalidade para o homem. Sua cruz equipara-se à arvore da vida imortal e o fruto dessa árvore era o próprio salvador crucificado, ”que ali ofereceu o seu próprio sangue para ser nosso verdadeiro alimento e a nossa verdadeira bebida”. O que fica presente no estudo dessas duas grandes vidas é que o salvador, o redimido, é aquele queaprendeu a penetrar no muro protetor interno. Na literatura medieval, o Santo Graal é ilustrado como um objeto que possui poderes. Muitas vezes refere-se apenas a um simples prato côncavo levado por uma virgem. Entre os cavaleiros da Távola Redonda, ele tem o poder de iluminar e de tornar o homem invencível. O Graal teve diversas versões como por exemplo, o Cristo morto pelos homens, o cálice da Santa Ceia, a Graça divina dada por Cristo aos seus discípulos, e por fim o cálice da missa. Para Jung, o Graal simboliza o Si mesmo, esta plenitude interior que os homens sempre buscaram; ele está perto e não é percebido. A vida voltada para as coisas externas dificulta esta percepção. A busca do Santo Graal simboliza a aventura espiritual e a necessidade de O Self na relação terapêutica 22 interiorização, pois só ela pode abrir a porta do templo em que está abrigado o divino cálice. A perfeição humana se conquista através da transformação do caráter e do contato com o coração. Existe uma concepção em diversos sistemas de que há um sentido para os fenômenos, como se a natureza tivesse uma finalidade, o que é expresso na frase do historiador de religiões e alquimista Mircea Eliade 13 : “ Se nada entrava o processo de gestação, com o tempo todos os minerais se tornam ouro”, diz ainda “O que a natureza não pode aperfeiçoar, a não ser num espaço de tempo muito grande, nós podemos terminá-lo em pouco tempo” O ouro é visto como símbolo de soberania e autonomia. Transformar um metal em ouro seria colaborar para essa autonomia. A Alquimia tanto no oriente como no ocidente buscou concretizar este segredo da imortalidade. Alguns alquimistas como Alberto Magno, al Razi ou Rashis (latim), preocuparam-se com o aspecto puramente técnico e químico do processo. Outros, como Tomas de Aquino, Mohamed ibn Umail, conhecido como Senior (Sheik, o mais velho), se interessaram pelo aspecto simbólico e se afastaram dos laboratórios. Jung apontou para este processo psicológico que ocorria ao lado do químico, que resultaria numa transformação psíquica. Em alguns escritos alquímicos observa-se que seus autores estavam conscientes disto como é o caso de Rosarium philosophorum, em que diz que o ouro procurado não é “o vulgar”, mas sim o lapis invisibilitatis ou pedra da invisibilidade, e que sua verdadeira função é oculta ao profano. Outro tratado (Liber Platonis Quartorum) refere-se ao cogitatio ou o que devia ser tirado da matéria, como uma idéia estranha que só poderia ser explicada pela hipótese de certos conteúdos estarem projetados na matéria. Para Jung o alquimista projetava na matéria seu conteúdo psíquico e portanto ele estava pelo menos em parte inconsciente. Ele vivia a projeção como conteúdo da matéria, mas na verdade o que ele vivia era seu inconsciente. O ouro alquímico seria um símbolo da finalidade do processo de individuação. Zózimo de Panápolis, alquimista de tendência gnóstica do séc. III relata o discurso de um iniciador que lhe é conhecido através de sonhos anteriores: Constrói um templo monolítico branco...como de mármore de Procomeso, sem começo e sem fim em sua construção (isto é redondo), que ele tenha no interior uma fonte de água puríssima e uma luz solar brilhante como o 13 Forgerons et alchimistes pág 285. O Self na relação terapêutica 23 raio. Observa com cuidado de que lado é a entrada do templo, e toma na mão uma espada, e então procura a entrada Estreito é, com efeito, o lugar onde se encontra a abertura. E um dragão se esconde na estrada, guardando o templo. Após tê-lo dominado, matá-o...desmembra-o. ..sobe e entra, e lá encontrarás a coisa procurada, isto é, o sacerdote, o homem de bronze que vês assentado na fonte e reunindo a coisa. Logo, porém não o verás mais como homem de bronze: ele mudou a cor de sua natureza e se tornou homem de prata, se o quiseres em pouco tempo o terás sob o aspecto de homem de ouro”. Também aqui o templo representa o Si mesmo e o ouro está ligado ao homem que está sentado no centro do templo e tem em si a “coisa procurada”. Na linguagem dos metais, o ouro é um metal de mais valor, mais perfeito. Tornar-se homem de ouro após sucessivas transformações: bronze, prata, certamente são uma referência ao processo de purificação e aperfeiçoamento que leva à individuação. O ouro na alquimia possui um sentido totalizante e um valor salvífico. No ouro os 4 elementos estão reunidos em proporções iguais, daí provavelmente o fato de ser considerado o metal perfeito. O ouro simbolizaria o meio que o homem deveria seguir para alcançar a meta da perfeição. Da mesma maneira que a perfeição do ouro é obtida somente após a metamorfose de todos os metais, na vida espiritual, também para alcançar o centro é necessário grande transformação interior. Para se apropriar deste tesouro, guardado por serpentes e dragões (referência à vida instintiva do homem e à parábola de JESUS que diz que o tesouro não só está escondido nas profundezas da Terra, mas guardado por dragões e serpentes),é necessário muito esforço e luta contra estes dragões e serpentes, até a descoberta do centro que representa uma nova vida. Há ainda o efeito medicinal atribuído ao ouro. Sob a forma potável, ele é considerado remédio para os males físicos. Na Índia, acredita-se que ele provoca rejuvenescimento e crescimento da longevidade, devolvendo a saúde aos doentes e a juventude aos idosos. Para o alquimista Gérard Dorneus 14 : “No interior do corpo humano está escondida certa substância metafísica, que muito poucos conhecem, cuja essência é não precisar de nenhum medicamento inalterado”. O ouro filosófico, e a pedra filosofal, são muitas vezes chamados de “tintura” porque eles impregnam outros metais, e essa atividade química simboliza transformação no inconsciente. 14 Psychologie et alchimie ,pág 347. O Self na relação terapêutica 24 Para Jung, a alquimia é um método espiritual em que ocorre a cura da alma no homem. Trata-se portanto de uma operação psíquica que leva à realização do Si mesmo (aptidão para deixar-se reger pelo arquétipo do Si mesmo).O homem” transformado em ouro” não somente é o produto de grande transformação de forças latentes dentro dele como se torna capaz de transformar tudo em ouro (efeito tintura).Ele passa a ter uma grande influência espiritual em seu meio. Quando o homem descobre o centro da alma, que possui as mesmas qualidades que o ouro, o tesouro, esmeralda, jóia (daí a analogia), tais como: pureza, transparência, claridade, incorruptibilidade, preciosidade, luminosidade, perfeição, indissolubilidade, e unidade, ele pode ser comparado ao estado perfeito do ouro, pois sua alma encontra-se purificada. Ele vai então irradiar estas qualidades, e se encontra em estado psicológico sublime. O ouro simboliza também a imortalidade e a eternidade, pois permanece idêntico através dos séculos. Como o ouro, a alma retorna a ser luz, sabedoria, incorruptibilidade, perfeição, unidade. Na realidade espiritual, a riqueza do ouro (ao contrário da vida mundana), consiste em profunda humildade, e obediência ao centro. O Self na relação terapêutica 25 CAPÍTULO 4 O SELF NOS SONHOS O significado principal do sonho é estabelecer uma ligação entre a vida consciente e a vida inconsciente. A atividade onírica não é produto do acaso, mas tem um sentido, uma função que está ligada a nossa vida consciente. O sonho funciona como um regulador do equilíbrio psíquico. Entre estas funções observa-se a função compensatória e a função prospectiva. Na função compensatória, o sonho teria o objetivo de equilibrar, de balancear determinados aspectos da psique enquanto na função prospectiva, o sonhoantecede determinados acontecimentos, com o objetivo de: preparar a pessoa para o que está por vir ou oferecer a oportunidade de uma mudança daquela situação. Parece haver portanto uma ação inteligente agindo por trás da consciência e utilizando os sonhos como portas de acesso ao inconsciente. Muitas vezes ocorrem sonhos marcantes, portadores de efeitos transformadores na personalidade, Jung fazia uma distinção entre os sonhos do dia-a-dia do indivíduo, a aqueles cheios de fantasias e que estão relacionados ao campo de experiência do indivíduo, e os sonhos com conteúdos arquetípicos. Estes vêm de camadas mais profundas do inconsciente, do inconsciente coletivo. Muitas vezes contém imagens mitológicas, encontradas na mente da humanidade, e têm uma importância coletiva. Em muitos casos o sonhador pressente essa importância e relata o mesmo ao grupo social que faz parte. Estes sonhos, chamados numinosos, O Self na relação terapêutica 26 podem acontecer em momentos críticos de nossas vidas ou nos chamar atenção para aspectos de nossa personalidade que precisam maior desenvolvimento. Jung indicou que meditássemos sobre nossos próprios sonhos. Acredita-se que aquele que se coloca à escuta do inconsciente, considerando seus próprios sonhos e que os aceita como uma fonte real de informação sobre sua própria vida e que os leva em conta, pode perceber que com o tempo surge uma orientação geral que se aproxima do Self. Este tende a se impor à consciência através da linguagem simbólica. Devemos pois não apenas acreditar nos sonhos como fato real, nem apenas aceitar sua interpretação, mas deixar-nos viver a sua imagem. Nas culturas antigas como entre os egípcios, os babilônios, os gregos, os romanos, todos acreditavam que os sonhos eram uma forma de a alma receber orientação do mundo espiritual. Na Bíblia existem inúmeras referências aos sonhos, também como uma forma de Deus e os anjos apresentarem-se ao homem, durante seu sono. Os sonhos são instrumentos poderosos para a nossa evolução, através dele podemos receber orientação dos nossos níveis internos, embora muitas vezes ele nos pareçam confusos. Isto ocorre pelo fato deles não se limitarem à nossa noção de espaço-tempo, e ao uso da linguagem simbólica. Porém todos os detalhes de um sonho simbólico são importantes. Muitas vezes num detalhe que poderia passar despercebido está a chave para a compreensão do seu significado. O símbolo que se transforma em memória ou pensamento, passa a fazer parte da consciência, deixando de ser símbolo. A carga afetiva ligada à imagem é integrada à consciência, possuindo um efeito transformador. Quando compreendemos um símbolo, na realidade conhecemos apenas uma faceta de suas inúmeras possibilidades e múltiplos significados mas mesmo sem compreendê-lo podemos ser tocados pelo seu poder transformador. No entanto devemos ter cuidado ao relatar um sonho para que não haja distorções por opinião de terceiros ou tendências mentais nossas no sentido de uma interpretação simplista que poderia interferir, levando a um esvaziamento desse poder transformador. Na mitologia, a epopéia babilônica de Gilgamesh, é uma longa história de 4 mil anos de idade que descreve as proezas deste herói. Gilgamesh provocou a ira dos deuses com sua presunção, estes então, inventaram um homem tão forte quanto Gilgamesh, a fim de exterminá-lo. O herói O Self na relação terapêutica 27 entretanto escapou à vingança dos deuses. Teve sonhos que o avisaram do perigo e ele os levou em consideração. Os sonhos também indicaram como vencer o inimigo. Como reconhecer um sonho de Self? Porque escolheria um sonho para dar crédito e não outro ? Estas são perguntas que nos acercam no momento. Seguem algumas pistas que podem ser importantes: Os sonhos geralmente não são constituídos com “material” de nosso cotidiano, incluem por exemplo, seres de outros planetas, animais esquisitos, serpentes, figuras superiores à vida humana, ou figuras mágicas como cavalo voador ou criança que mal nasce, e já começa a falar, etc. Ainda, com relação à questão simbólica, vimos no Cap.2 , que existem muitos símbolos que são indiscutivelmente símbolos de Self. Quando estes símbolos aparecem no sonho, podemos suspeitar que se trata de um sonho de Self.( observando sempre o contexto em que se insere, se é condizente com uma mensagem de Self). Às vezes sonhos com a figura do terapeuta podem se referir também ao terapeuta interior, curador ou Self orientador. Outro ponto é a qualidade do sonho, um certo clímax que traz junto uma certeza, uma comoção interior que aclara a mente da pessoa e toca sua vontade (sensação de numinoso). Muitas vezes, através desses sonhos, a pessoa fica sabendo de coisas cujo conhecimento só poderia ser obtido através de um dom de Deus ou de uma Graça. Pererius diz que a “luz divina ilumina nossa mente durante os sonhos, provocados por Deus, fazendo-nos ver com clareza, que estes sonhos são verdadeiros e provêm de Deus, e neles acreditamos com toda certeza” ( Jung). 15 O autor do sonho não tem a mínima dúvida de que esse sonho corresponde “aos mistérios mais importantes de nossa fé”. Jung observou que alguns pacientes tiveram séries de sonhos, carregados de emoção e que diante desses sonhos eles tiveram a mesma reação que diante de uma manifestação do sagrado. Certos tipos de sonhos provocavam neles um sentimento semelhante ao que teriam ante uma experiência religiosa primordial. Estes sonhos muitas vezes estavam relacionados com a mandala, embora tivessem seus aspectos particulares e associações específicas do sonhador. 15 Jung, Carl - Psicologia e religião, Petrópolis,Ed Vozes, 1990,pág 23. O Self na relação terapêutica 28 Quando uma mandala emerge na consciência, indica que o indivíduo tem uma necessidade de unificação podendo essa necessidade afetar tanto o homem considerado normal como o homem psiquicamente perturbado. A interpretação acertada do sonho de centro permite restaurar a evolução normal para o Self, o que não quer dizer que ela vai restabelecer ou estabelecer a ligação com a transcendência mas sim com a totalidade. Ou seja a mandala não fala de uma divindade, este lugar foi ocupado pela totalidade do homem. Como a mandala se assemelha muito aos antigos círculos mágicos, onde no centro está a divindade, podemos deduzir que na mandala é o homem, a profundidade do Si mesmo que simboliza a divindade. Muito frequentemente vê-se referência a imagens relacionadas a núpcias na mandala. Jung faz uma relação entre o imaginário dos seus pacientes com a tradicional união de duas entidades divinas no interior de um círculo. Como é o caso do abraço do Deus Shiva e de sua parceira Shakti (do hinduísmo),referindo-se à união de opostos para acender à unidade transcendente. Outro exemplo, no evangelho segundo Felepe, traz textos encontrados em Nag Hammadi, explica que o fim supremo é a reunião da alma figurada por Eva ao seu duplo celeste e transcendente, o Adão primordial. Essa união é materializada por ritos que utilizam a água e o fogo (elementos oposto-complementares) Quando Eva estava em Adão não existia morte. Esta é uma referência a uma androginia primordial. No Apocalipse de João há as núpcias do Cordeiro e da Jerusalém celeste num espaço centrado, em forma de mandala. Também na alquimia ocidental há o matrimônio químico do Rei e da Rainha na quadratura do círculo: "os opostos supremos, expressos sob a forma do masculino e do feminino, são fundidos numa unidade que não contém mais contrários e que é, por conseguinte incorruptível.” 16 Estas imagens falam da existência de um centro da alma, cuja realização se dá através do confronto dos opostos ou aindade um lugar interior onde se dá o encontro com o divino e enquanto este encontro não se dá, o ser humano vive em incompletude . 16 Jung-Psicologia e alquimia pág 54. O Self na relação terapêutica 29 CAPÍTULO 5 O SELF NAS ESCRITURAS SAGRADAS Segundo a tradição hindu o Homem Cósmico ou Self é algo que vive dentro do ser humano, é a sua única parte imortal. Nos mitos simbólicos indianos, esta figura é conhecida como Purusha que significa homem ou pessoa. Purusha vive dentro de cada homem, mas ao mesmo tempo ocupa todo o cosmo. O contato com o Self é entendido como a meta da criação, o que significa que a orientação extrovertida do ego em direção ao mundo exterior vai dar lugar a uma orientação introvertida, o que acontece quando o homem acorda do seu sono e decide seguir o seu mundo interno até que o ego se incorpore ao Self. Na nossa civilização, em geral relacionamos o Homem Cósmico com Cristo, e na oriental com Krishna e com Buda. No velho testamento, esta figura simbólica aparece como “o Filho do homem” e no misticismo judeu surge como Adão Kadman. As personificações deste Homem Cósmico são apresentadas como “ grandes avatares que sempre aparecem nos períodos de transição, durante os tempos de crise na história do mundo. Por uma intervenção decisiva, eles surgem para curar o corpo planetário de uma doença que ameaça desintegrá-lo. O Self na relação terapêutica 30 O advento de um redentor sobre a forma humana, frequentemente tem sido comparado a um nadador que para ser capaz de salvar alguém que esteja se afogando, precisa mergulhar no mesmo mar.” 17 O aparecimento de um avatar sempre dá um profundo ímpeto aos assuntos do mundo e uma nova direção à evolução da consciência humana. Cristo significa, em grego, ungido, refere-se à consciência que exprime a essência das leis universais. Cristo é o nome dado à Entidade que exprimiu através de Jesus, a energia do Amor- sabedoria. O termo Cristo refere-se também, em geral, à energia em si, e não ao ser que a representou. Corresponde à energia cósmica de unificação. Potencialmente está em todos e exprime-se naqueles que vibram em sintonia com ela. Corresponde à vibração do centro do sistema solar, o sol espiritual, vibração de natureza atrativa que contribui para reconduzir à Origem, o universo criado. “Quanto mais o ser se aproxima do próprio núcleo interno, mais penetra esta energia, e mais é por ela utilizado como canal de expressão”. 18 Como conseqüência da manifestação dessa energia e irradiação nos planos concretos, há dois mil anos, as possibilidades de contato interno se ampliaram, assim como as da evolução da alma. A energia cósmica é intermediária entre o padrão arquetípico e o mundo exterior. É curativa, porque estabelece na forma, a vibração correspondente à idéia que lhe deu origem. Os ensinamentos dos diversos avatares que exprimiram a energia Crística, e os eventos significativos relacionados com esses personagens, foram registrados nas escrituras tradicionais, nos grandes poemas épicos, nos Purunas, Shastras e Upanishads, e permanecem vivos milhares de anos. O Bhagavad Gita dá talvez a mais sucinta formulação deste fenômeno: “Toda vez que a espiritualidade entra em fase de decadência e o materialismo predomina, então, oh! Arjuna, Eu mesmo reencarno. Para proteger o virtuoso, para destruir os que fazem o mal e para estabelecer a ordem correta, eu renasço, era após era”. 19 17 Marie-Gabriele Wosien – Babaji, Mensagem do Himalaia.São Paulo,Ed TRIOM,1999,pág 13. 18 Trigueirinho-Glossário Esotérico, São Paulo, Ed Pensamento, pág 103. O Self na relação terapêutica 31 Ramakrisna, santo do sec. XIX, compara os avatares com as ondas do infinito oceano divino: “Como um mar sem limites, uma força infinita reside dentro do espírito e da matéria. Para uma tarefa específica, esta força infinita assume, por assim dizer, uma forma concreta durante um determinado período histórico – este é o que chamamos comumente de um grande homem. Ele é, falando num sentido restrito, uma manifestação local do poder que tudo permeia, em outras palavras uma encarnação divina. Sua grandeza nada mais é do que a manifestação da energia divina..” “O mar da vida emerge em um lugar e se chama Krishna, e novamente aparece em outro lugar, como Cristo”. 20 A chegada do avatar, aponta o caminho no qual a consciência humana pode evoluir. Para nós a presença do avatar revela a possibilidade de transcendência da realidade terrestre, e de estabelecer a lei divina na Terra. A filosofia hindu distingue dois aspectos relacionados à manifestação de um avatar: Um aspecto descendente, o nascimento do divino em forma humana ou em outra forma da natureza- este é o avatar eterno. O outro aspecto, ascendente,é a elevação de um ser humano à divindade – o homem que evolui até o divino e se torna uno com sua consciência, além, do ciclo do renascimento cármico. A diferença entre os dois está na consciência que o avatar tem de sua identificação com o brahman, a força divina. O ser humano, em geral, está cego à percepção da verdade, pelos sentidos do corpo e da mente que o distraem. O avatar se manifesta em resposta a um anseio profundo dos seres humanos por libertação e realização de seus desejos mais íntimos, mas apesar disto sua verdadeira importância não é compreendida pelos seus contemporâneos. Cristo foi considerado meramente o filho de um carpinteiro de Nazaré e o clero judeu ortodoxo o julgou um elemento indesejável que ameaçava suas posições hierárquicas. Krishna, um outro exemplo, nasceu em uma família real, mas sua força divina só foi revelada para muitos poucos. . As escrituras religiosas dizem que é a ignorância a cerca da divindade que mora no interior de cada um é que mantém cegos e limitados os seres humanos. 19 Bhagavad Gita IV, 7-8, apud Marie-Gabriele Wosien – Babaji, Mensagem do Himalaia.São Paulo, Ed TRIOM,1999. O Self na relação terapêutica 32 Raramente, o avatar se revela como o Senhor da criação, quando isto acontece, equivale a uma experiência de iluminação. No Bhagavad Gita, assim é descrita a transfiguração de Krishna, diante dos olhos de Arjuna, seu discípulo: “Contemple neste momento, oh! Arjuna, o universo inteiro, as coisas que se movem e o que quer que você mais deseje ver, todos fazendo parte do Meu Corpo. Ainda que não me possa ver com seus Olhos, eu lhe dou a visão divina, contemple a minha divina força da Ioga. Nessa visão, Arjuna protagonista do Bhagavad Gita, viu o universo em um só, o Senhor Supremo”. 21 Novamente aqui a idéia de unidade. Como vimos, o Homem Cósmico é o objeto, o alvo da criação, mas esta realização não deve ser compreendida como um possível acontecimento de ordem exterior. Segundo a tradição hindu, essa realização significa que a orientação extrovertida do ego em direção ao mundo exterior, há de desaparecer para dar lugar ao Homem Cósmico. Quando este contato interno se dá, ou seja, quando o Homem Cósmico é encontrado, os desejos que são instáveis e infindáveis, assim como o fluxo incessante dos pensamentos acalmam-se e o indivíduo encontra serenidade. Os apelos externos já não o perturbam. Já não há identificação com que é efêmero, considerado irreal, considerando-se realidade é o que é transcendente e atemporal. Agora o indivíduo sabe que dentro dele está o caminho de paz e que o sofrimento é decorrente da fixação no que irreal.20 Marie-Gabriele Wosien – Babaji, Mensagem do Himalaia. São Paulo,Ed TRIOM,1999, pág 14. O Self na relação terapêutica 33 CAPÍTULO 6 A RELAÇÃO TERAPÊUTICA A natureza humana implica uma vida de relações e encontros, que ocupam um espaço vital na nossa vida. Quando nossas expectativas não são atendidas, quando a frustração e decepção nos causam dor, surge então a demanda da psicoterapia e entra em cena o trabalho do psicoterapeuta que começa, segundo Hillmam “a partir das sombras que caem sobre as pessoas”. 22 Este desencontro nas relações entre as pessoas leva ao encontro cliente/terapeuta e é com alegria que vemos cada vez mais as pessoas se permitirem buscar a ajuda de profissionais que por muitos anos se prepararam para este encontro. “A psicoterapia está cada vez mais acesssível e não se trata mais de coisa de maluco”. Quanto ao terapeuta, precisamos antes de tudo olhar para dentro de nós mesmos, pois este encontro conta com as projeções dos que vêm em busca de ajuda, mas também com nossas intenções, expectativas, impressões e sentimentos, ou seja com a contratransferência. Aqui vale a pena refletir sobre a forma como este cliente chegou, quem encaminhou, como encaminhou, como foi este primeiro contato por telefone. Estes dados nos darão indícios do eixo transferência x contratransferência que já se encontra ativado antes da terapia iniciar, sendo este um aspecto muito importante na relação terapêutica e que pode ser investigado observando-se os sonhos do 21 A transfiguração de Krisna diante dos olhos de seu discípulo, Arjuna, Bhagavad gita, XI, 7,8,10-13.(apud Wosien). 22 Todas as referências a Hillman, neste capítulo, são retiradas do livro “Uma busca interior em psicologia e religião”, São Paulo, Ed Paulus,1984. O Self na relação terapêutica 34 cliente ( em alguns casos também do terapeuta) nos dias que antecederam a primeira entrevista. Eles podem revelar receios , expectativas e até prognóstico em relação à psicoterapia. A contratransferência dá a medida de quanto nos sentimos confortáveis na relação e para isto se faz necessário que conheçamos nossas necessidades e nossas dores, até para decidirmos se somos capazes de acompanhar este ser que nos procura, se somos capazes de sustentar esta relação tanto no eixo horizontal como no eixo vertical, como vermos adiante. Nossas necessidades estão presentes todo o tempo, por exemplo a necessidade de salvar o outro ou fazer algum tipo de resgate que certamente estará relacionado com nossa ferida, que em nível mais profundo pode encontrar correspondência no outro. O que auxilia e o que precisa de auxilio, o perdido e o resgatado caminham sempre juntos A necessidade nos permite fazer contato com nossa porção humana. “ Embora eu não consiga responder a meus desejos e anseios, posso responder aos seus, embora eu não consiga me compreender posso auxiliá-lo a compreender-se e você pode fazer o mesmo comigo Essa reciprocidade torna possível usufruir e doar-se mutuamente no amor” (Hillman). A necessidade do terapeuta não é prejudicial desde que seja reconhecida para que não se transforme em algum tipo de exigência inconsciente. Daí a importância do terapeuta ter passado ou estar em processo terapêutico pessoal. Não é necessário que o terapeuta seja alguém que nunca tenha tido um problema emocional ou nunca esteve numa crise dessa ordem. Mesmo porque se isto fosse condição talvez não sobrasse nenhum exemplar humano a ocupar este lugar. A ferida do terapeuta pode torná-lo mais sensível, mais apto à escuta e compaixão. Conta muito a vocação, esse chamado que vem de um nível transpessoal, do Self. O terapeuta deverá ser uma pessoa neutra, longe da ética que define padrões morais. O arquétipo é moralmente neutro e envolve polaridades dos contrários e o “mal” quando convertido e sublimado impulsiona o processo de individuação. É o que ocorre quando nos defrontamos com a sombra, e a luz pode então surgir. O terapeuta deverá ainda ter aquietado sua mente inquisidora, pois o principal impedimento de conhecer o outro é exatamente o desejo de conhecê-lo, evitando a curiosidade que congela, aquela que alimenta algo mal vivido do terapeuta ou que se adequaria a algum tipo de gozo. É necessário também saber ouvir: Ouvir ao outro e a se mesmo enquanto ouve o outro e ainda estar atento a como e o que ouvir, quando não se deve ouvir, escutar sem ouvir, falar apenas O Self na relação terapêutica 35 quando o outro estiver ouvindo, etc. Ouvir está relacionado com receptividade e respeito que permite ao outro revelar-se pouco a pouco. Neste encontro, que é sempre único, duas psiques estão interagindo e podemos considerar que um encontro de almas ocorre. A relação entre ambos, sendo verbal e não-verbal ocorre em vários níveis: de ego para ego, de inconsciente para inconsciente, entre o ego do cliente e o inconsciente do terapeuta, entre o inconsciente do cliente e o ego do terapeuta, vai além do “conversar” tornando possível captar e compartilhar sentimentos. Podemos dizer que o instrumento de cura é nosso canal, o que significa dizer nossa própria ferida, necessidade ou vocação. Mas neste processo precisamos estar atentos à nossa própria saúde pois corremos o risco de nesse mergulho, também adoecermos. Cada um de nós tem o seu próprio espaço. Não se pode esperar a exposição de um problema enquanto não for criado um espaço adequado e seguro. Para que o outro possa falar e abrir-se, torna-se necessário que o terapeuta faça uma certa retirada. Com a distância o cliente pode se constelar como outro, como diferente, separado, com a dor de ser ele mesmo e sozinho. Se o outro for do sexo oposto, a distância enfatiza a polaridade sexual. A polaridade então é sentida como atração ou repulsão, e a transferência poderá levar a um aprofundamento da relação. “A distância ainda constela dignidade e respeito pelos problemas. Nada oferece maiores probabilidades à alma que o silêncio, ela não pode fazer-se ouvir em meio ao ruído. “( Hillman) O espaço terapêutico é um templo de preservação ou temenos, algo como um santuário, que dá proteção e que juntamente com a empatia, a receptividade, a confiança, oferecem refúgio principalmente contra o medo. Este está presente em todo cliente. Encontramos diversas formas de nos defender do amor. O centro desse medo é o medo do amor. As distorções do amor vividas criam mecanismos de defesa que dão lugar ao medo no qual o amor se esconde e pode vir a constituir um complexo. “Tocar este complexo, mesmo por meio de um aconselhamento cheio de afeto, só será terapêutico quando o medo se dissipar e quando isto for feito por alguém cujo amor seja perfeito “. Para Hillman só um amor assim pode dar segurança para desfazer o medo. Segundo a mitologia, o amor é experimentado por meio das flechas de Eros. Para Platão ele é uma loucura divina, uma mania. O amor sempre esteve de alguma forma associado à dor. O encontro humano leva a experienciar O Self na relação terapêutica 36 esta dor. “Quando duas pessoas se envolvem e esse envolvimento se processa através dos sofrimentos da psique, ambas são imediatamente atingidas pela força arquetípica do amor, o que fica ainda intenso, se elas esperam durante seus encontros criar juntas uma vida nova como resultado de sua união”.(Hillman). Na psicoterapia é preciso que o eixo interior do terapeuta sustente a amplitude e a extensão desses envolvimentos ou seja que a ligação vertical com a base de sua existência interior, e com o amor por si mesmo esteja formada, caso contrário,o terapeuta despertará um amor que não irá agradar. O encontro humano depende dessa conexão interior. Para estar em contato com você é preciso que eu esteja em contato comigo mesmo. Se eu não estiver ligado à minha interioridade, posso perder minha identidade ou ficar apavorado com a invasão. Numa relação terapêutica, de cura, o terapeuta deve estar em sintonia com sua dimensão mais profunda, com seu Self. O encontro humano acontece em dois níveis simultaneamente: um externo, através da conversa, do estabelecimento da relação, do compartilhar experiências, e num outro nível que é intrapessoal, uma conexão vertical que desce ao interior de cada indivíduo, baseada numa conexão com o Self. Quando conseguimos estabelecer esse eixo, podemos estar mais inteiros com nossos sentimentos, e abertos ao que vem, porém ancorados e fixos, capaz de estar comigo mesmo e ao mesmo tempo estar com o outro. Passamos a nos conhecermos melhor, conhecer nossos sentimentos e fantasias. Essa conexão interna é fundamental para que haja discernimento entre o que é meu e o que é do outro e estarmos livres para experimentar nossos verdadeiros sentimentos. Para Hillman, “não é tanto a ligação horizontal que faz crescer a intimidade entre duas pessoas na análise, mas as conexões verticais dentro dos indivíduos pois o outro habita o meu mundo interno, como eu habito o dele”. A característica da unidade do Self, aproxima os indivíduos conectados com o próprio Self. Se o encontro humano despertar o amor enquanto força arquetípica, surgirão barreiras naturais que são as defesas, formas da psique se proteger até que se estabeleça o eixo vertical. Esse eixo é a conexão que deverá equilibrar o desenvolvimento das relações no nível externo. “Só quando isto tiver acontecido, quando o acesso ao amor por mim mesmo, como sou, me inundar de fé e esperança em mim mesmo tal como sou, poderá então haver um encontro, no sentido numinoso da palavra”. 23 23 Hillman, James- Uma busca interior em Psicologia e religião,SP,ed Paulus,1985. O Self na relação terapêutica 37 A relação terapêutica cumpre seu papel quando ambos, cliente e terapêuta, constroem ou consolidam os canais pelos quais a harmonia do Self produz as transformações necessárias para haver harmonia também na vida exterior. O Self na relação terapêutica 38 CAPÍTULO 7 O SELF NA RELAÇÃO TERAPÊUTICA Quando duas pessoas estão ligadas interiormente, estão comungando entre si, mesmo que não o demonstrem. Comunhão não é comunicação, mas refere-se à ligação interior que acontece através do contato a partir de dentro da profundidade individual. Para Hilman, há um apoio universal que cada ser tem e que encontra acesso através da conexão interior. Encontramo-nos um ao outro quando refletimos o inconsciente coletivo ou quando nos expressamos. Esse é um passo para que a cura aconteça e ela depende não só do momento arquetípico e da necessidade da alma expressa nesse momento, mas desse encontro que reflete essa necessidade. Do encontro consigo mesmo e do encontro com o outro. As crises atuam como fatores de cura porque nos conduzem para mais além da comunicação e comiseração pessoal, nos conduzem para este local (mais profundo), onde esse encontro é possível Este local, o centro ou a alma, objeto de atenção de longa tradição religiosa, e mais recentemente da teologia, da psicologia profunda, do existencialismo e de todas estas correntes sugere que se desça ao chão da existência, ao inconsciente Não se trata mais de galgar a montanha dos sete patamares na direção do monte Carmelo ou do Sião. Ou como disse Jung, o caminho que conduz ao alto é o de baixo e o que conduz para baixo é o de cima. Alguns místicos 24 afirmam que quando encontramos dificuldades para chegar à Presença Divina ascendendo a planos superiores, devemos descer e mergulhar em nossa natureza inferior. 24 John Pordage,Sophia:The Graceful EternalVirgin ofHolyWisdom(Londres,1675,citado em theosofic Correspondence of Louis Claude de saint –Martin(Exeter,1863),pp92-3. O Self na relação terapêutica 39 Descer significa caminhar em direção ao inconsciente, num processo de resgate e confrontação com tudo o que foi rebaixado. ao longo dos séculos, com as coisas reprimidas, e nos defrontarmos com nossos pecados e males. O inconsciente seria a porta através da qual nós passamos para encontrar a alma. Encontramos no inconsciente as raízes dos nossos defeitos, complexos, limitações e falhas de caráter. Para trilharmos o caminho de perfeição e união com Deus, precisamos superar nossas fraquezas e defeitos através do autoconhecimento. Esse conhecimento nos dá a chance de desvelar nosso inconsciente, onde estão informações importantes sobre nosso passado, que possuem a chave para o entendimento da problemática atual. Jung nos explicou que todos os traumas e frustrações da infância, devido a situações não resolvidas, são armazenadas em nosso inconsciente sob a forma de mecanismos de defesa, e condicionamentos, que passarão a interferir e mesmo comandar nossas reações. Para Jung “A sombra constitui um problema de ordem moral que desafia a personalidade do eu como um todo, pois ninguém é capaz de tomar consciência dessa realidade sem despender energias morais. Mas nessa tomada de consciência da sombra trata-se de reconhecer que os aspectos obscuros da personalidade, tais como existem na realidade. Esse ato é a base indispensável para qualquer tipo de autoconhecimento, e por isso, via de regra ele se defronta com considerável resistência”. 25 O processo de conhecimento de si mesmo, implica na identificação de nossas dificuldades, para que possam ser purificadas e trabalhadas A identificação dessas distorções é muitas vezes dolorosa. Aceitando retirar nossas máscaras, desvelamos nossa verdadeira natureza. Esse processo corresponde a um desnudamento, que nos fragiliza. Para Hilman “Quanto mais se penetra nesse mundo essencial de Si mesmo, mais se sente que os problemas pessoais adquirem uma dimensão humana, e que as verdades essenciais e próprias de nossa individualidade se tornam universais, exatamente como as afirmações da Teologia. É como se análise profunda conduzisse a um centro estranho e escuro, onde se torna difícil distinguir o inconsciente da alma e da imagem de Deus 26 ”. Segundo Paul Brunton 27 ,há dois modos de ir ao encontro da realidade interna: 25 Aion:Estudo sobre o simbolismo do Si-mesmo,Petrópolis,Ed Vozes,1976. 26 Hillman, James - Uma busca interior em Psicologia e Religião,São Paulo,Ed Paulus,pág 54. 27 Brunton, Paul - Idéias em perspectivas, São Paulo, Ed Pensamento. O Self na relação terapêutica 40 caminho longo- fundamentado pelo autoconhecimento, auto perfeiçoamento e no esforço humano. caminho breve- fundamentado no completo esquecimento de Si mesmo e no direcionamento da mente para o nível transpessoal, através da constante lembrança dele e identificação com ele. Geralmente aconselhamos que ambos os caminhos sejam percorridos simultaneamente, ou seja que ao mesmo tempo que haja um esforço no sentido do auto aperfeiçoamento, mantenhamos viva a lembrança de nossa imortalidade (Eu sou Espírito) e a lembrança constante da nossa essência profunda, que com o tempo vai se tornando comunhão. O processo da análise visa a recomposição integral do ser humano, à superação de suas fragmentações e ao estabelecimento de uma unidade de consciência, na qual os aspectos
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