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PSICOLOGIA ANALÍTICA PSICOLOGIA ANALÍTICA PSICOLOGIA ANALÍTICA JUNG - BREVE CONTEXTO E OBRAS Carl Gustav Jung nasceu em Kesswil, Suíça, em 26 de julho de 1875, e foi um dos maiores psicoterapeutas que já existiu. Formou-se em psiquiatria e desenvolveu a Psicologia Analítica, uma forma de conceber a psique humana bastante ampla e aberta, que, inclusive, tende a não se contrapor frontalmente a nenhuma outra escola psicológica. Isso se deve à sua concepção de que os seres humanos podem constituir pontos de vista psicológicos diferentes sobre um mesmo objeto. Minha vida foi singularmente pobre em acontecimentos exteriores. Sobre estes não posso dizer muito, pois se me afiguram ocos e desprovidos de consistência. Eu só me posso compreender à luz dos acontecimentos interiores. São estes que constituem a peculiaridade de minha vida e é deles que trata minha autobiografia. (Jung, XXX, p. xx) PSICOLOGIA ANALÍTICA Jung trouxe à luz conceitos importantíssimos para compreensão do desenvolvimento da psique, tais como os tipos psicológicos, com destaque para as atitudes fundamentais de orientação da vida - extroversão e introversão, termos mundialmente conhecidos; apresentou-nos muitos temas importantes, tais como a análise de sonhos, de maneira muito mais abrangente do que a de Freud; e conceitos fundamentais como arquétipos, inconsciente coletivo, individuação – temas centrais que se repetem ao longo do desenvolvimento de sua teoria. Passou parte do seu tempo dedicado ao estudo comparado das mais diversas religiões, mitologias, literaturas e filosofias, assim como da alquimia, da astrologia, do gnosticismo, da sociologia, etc. Sua dedicação e interesse pelo estudo psicológico dessas questões estabeleceu equivocadas atitudes de vários especialistas, que passaram a se referir a Jung como um místico. Pode-se afirmar que Jung pertencia a um tipo psicológico muito estranho para a maioria das pessoas da sua nação. Seus sonhos, visões e estranhos fatos descritos em sua autobiografia, Memórias Sonhos e Reflexões, nos mostra sua natureza intuitiva herdada de sua mãe. Sua natureza questionadora o leva, mais tarde, a investigar as áreas já citadas. Jung era um menino solitário que gostava de brincar sozinho. Não gostava de ser perturbado e ficava profundamente concentrado nas brincadeiras, irritando-se se alguém o observasse ou julgasse. Diz-se que não suportava críticas e nem pessoas que interferissem em suas atividades. De acordo com alguns amigos ele poderia ser considerado um monstro antissocial. (JUNG, 2002) A introversão de Jung foi percebida logo cedo, o permaneceu por toda sua vida. Em torno dos quatro anos, era extraordinariamente sisudo, não permitindo influência de qualquer sentimentalismo, especialmente com relação à religião. Se servia da comparação dos PSICOLOGIA ANALÍTICA fatos para tirar as próprias conclusões e se defrontar com as oposições da vida. Daí seu excepcional realismo, endossado pelos seus colegas da área rural. Desde jovem acostumou-se a ouvir dos próprios pais e pais de colegas que “pau é pau e pedra é pedra” (HANNAH, 2003, p. 33). Os problemas conjugais de seus pais foi uma constante. Seu pai, pastor luterano, era de difícil convívio e concentrado nos afazeres religiosos. Possuía mais vínculo com sua mãe, que apresentava transtornos emocionais e incompreensíveis mudanças de humor, levando-o a considerar que possuía duas personalidades (JUNG, 2002). Momentos posteriores à sua infância, revelam a natureza de dificuldades e poucos recursos de Jung em relação aos seus colegas. Ingressei no grande mundo, naquele mundo de pessoas bem mais poderosas do que meu pai: moravam em casa amplas e imponentes, tinham caleches tiradas a cavalos magníficos e falavam com distinção alemão e francês. Seus filhos, bem vestidos, refinados, traziam bastante dinheiro no bolso e eram meus colegas de classe. [..). Só nessa época compreendi que éramos pobres; meu pai, nada mais do que um pobre pastor luterano de aldeia, e eu – assistindo com os sapatos furados e as meias molhadas seis horas de aulas a fio – o filho ainda mais pobre desse pastor! (JUNG, 2002, p. 36) Nestes anos, diminui também seu interesse por religião e outros gostos começam a aflorar, sobretudo por filosofia. Esta o coloca em contato com novas partes de si, fazendo com que suas dúvidas e inquietações comecem a encontrar respostas. Todavia, sua solidão e questões que envolviam a totalidade das coisas continuavam. Dessa forma, ele busca continuamente o auxílio e companhia dos livros. PSICOLOGIA ANALÍTICA Aos 19 anos Jung vai à universidade cursar medicina. Uma escolha difícil, considerando os vários caminhos que já havia pensado. A medicina não apareceu como opção anteriormente, por procurar negar o que outros da família já houvessem feito antes. Segundo Jung, estava evitando imitar o avô. (HANNAH, 2003) Aos 20 anos, é acometido pelo falecimento de seu pai. Diante disso, se viu Jung na responsabilidade de cuidar da mãe e da irmã, e manter suas despesas com a universidade. Alguns parentes de sua mãe aconselharam-no a simplesmente abandonar os estudos e arrumar um emprego. Ele sabia que essa não era a solução, que de algum modo tinha de achar um meio de continuar com seus estudos e de providenciar o sustento da mãe e da irmã. Nesta situação outros parentes passam a contribuir com a ajuda financeira necessária para Jung manter a família e terminar seus estudos. A vida na universidade corre bem. Jung consegue levar seus estudos e ainda ler filosofia. Neste período, também se interessa por conhecimentos que descrevessem condições mais misteriosas. Algumas experiências sem explicação causal ocorrem em sua vida e ele começa a ler livros de ocultismo e a frequentar sessões espíritas. Seu interesse pelos fenômenos ocultos nunca diminuiu, o que se percebe pelo conteúdo do primeiro volume de suas Obras Completas. Neste, que também é sua tese de doutoramento, ele nos apresenta uma descrição de sua investigação sobre o comportamento de uma médium (JUNG, 2002). Esse trabalho teve por título “Psicologia e Patologia dos Fenômenos Chamados Ocultos”. Trata-se do estudo do caso de uma jovem médium espírita. Jung, em 1902, interpreta os numerosos espíritos manifestados como personificações de aspectos diferentes e até opostos da própria médium e classifica-os em dois grupos: o tipo grave- religioso e o tipo alegre-libertino (SILVEIRA, 1997, pág. 13). Jung morreu a 6 de junho de 1961, aos 86 anos, em sua casa à PSICOLOGIA ANALÍTICA beira do lago de Zurique, em Küshacht, após longa vida produtiva que marcou – e tudo leva a crer que ainda marcará mais – a psicologia, a antropologia e a sociologia. Jung foi médico, psiquiatra, psicanalista, professor, escritor, escreveu vários artigos sobre crítica social, artigos sobre como estavam se desenvolvendo os movimentos sociais. Construiu uma teoria que abarca um grande número de temas que envolvem o humano e a sociedade. Seu conhecimento se torna importante haja vista que ele conseguir ir além do que é observado concretamente. Seus estudos sobre simbolismo e religiões, por exemplo, não se encerram apenas nos estudos psicológicos, sendo aproveitados por outras áreas do conhecimento como sociologia, antropologia, história, etc. Sua intenção de tentar conhecer o máximo possível sobre o que é humano o torna um dos grandes pensadores da história (HANNAH, 2003; SILVEIRA, 1997) Algumas de suas principais e mais populares obras são descritas a seguir. PSICOLOGIA ANALÍTICA OBRAS MAIS POPULARES DE JUNG Homem e seus símbolos É um dos livros menos complexos de Jung, confeccionadopara ser o mais acessível ao leitor leigo, abrangendo a maioria dos conceitos que criou. Muitos autores dizem que Jung era uma pessoa depressiva e que dava muitas voltas para falar algo diferente de Freud, o qual era claro e didático. Ocorre que Jung começou a escrever da mesma forma como abordava os sonhos e os símbolos das pessoas: rodeando o assunto, falando de várias ideias que esclareciam o alvo, até que este se tornasse mais compreensível, embora nunca definitivamente. Isso porque para ele o homem era um ser em eterna construção e crescimento, e nada era definitivo, de nada se pode dizer que temos um conhecimento absoluto. As obras de Jung são bastante subjetivas pois ele explanava sobre a alma humana, sobre a natureza mais íntima do ser humano. Ele negou-se a preparar um livro em que deixasse sua psicologia acessível à maioria das pessoas, até que teve um sonho: Sonhou que, em lugar de sentar-se no seu escritório para falar a ilustres médicos e psiquiatras do mundo inteiro que costumavam procurá-lo, estava de pé num local público dirigindo-se a uma multidão de pessoas que o ouviam com extasiada atenção e que compreendiam o que ele dizia… (JUNG, 1991, p. 10). PSICOLOGIA ANALÍTICA Psicologia do Inconsciente Jung apresenta uma introdução à Psicologia Analítica, expondo conceitos tais como inconsciente pessoal e coletivo, arquétipo, complexos, etc., abordando-os de maneira menos técnica, pois dirigiu- se a profissionais e leigos. Fala sobre a importância do autoconhecimento e da volta instintiva a si mesmo, principalmente após o grande e terrível evento que sobreveio logo antes de escrevê-lo: a 2ª Guerra Mundial. A Natureza da Psique Livro que reúne um conjunto de artigos que fundamentam teoricamente a psicologia de Jung: consciência, instintos, símbolos, energia psíquica, concepção do mundo, complexos, função transcendente, personalidade, interpretação de sonhos e morte são alguns dos temas desenvolvidos. Um dos livros mais lidos por aqueles que já possuem um conhecimento superficial da psicologia do psicólogo. Tipos Psicológicos Neste livro ele começa a delinear cada vez mais profundamente sua psicologia, que viria se chamar “Psicologia Analítica”. Começa a buscar em entender as diferenças entre os pontos de vista das pessoas, porque, apesar de discordar de Freud e outros, percebia que eles também expressavam certas verdades, que obtinham resultados. Procurou entender por que discordava de outros teóricos, embora PSICOLOGIA ANALÍTICA reconhecesse sua legitimidade. Chegou ao entendimento de que cada pessoa possui apenas uma pequena porção de entendimento sobre o mundo e seus elementos. Apenas se as diferentes perspectivas se juntarem em uma mais completa, poderão abarcar de modo mais total e real o objeto. Neste livro ele começa a definir os tipos de pessoas e começa a ter uma preocupação com a consciência. Requer um conhecimento mais avançado da Psicologia Analítica. PSICOLOGIA ANALÍTICA PRINCIPAIS CONCEITOS “Aquilo que não fazemos aflorar à consciência aparece em nossas vidas como destino.” Jung Os conceitos expostos a seguir foram traduzidos e editados do inglês por Charles A. Resende a partir de Sharp (1991). As citações de Jung que seguem não se encontram em destaque, tendo em vista que são paráfrases do texto original, em português. Assim, são equivalentes, mas nota-se uma linguagem muito menos erudita e mais assimilável do que aquela empregada nas obras de Jung na língua portuguesa. ARQUÉTIPO São elementos estruturais primordiais da psique humana. Arquétipos são sistemas de desenvoltura para a ação e, ao mesmo tempo, para imagens e emoções. São herdados juntamente com a estrutura cerebral - na verdade, são seu aspecto psíquico. Representam, por um lado, um conservadorismo instintivo muito forte, enquanto, por outro, são os meios mais eficazes concebíveis para a adaptação instintiva. Eles são, portanto, essencialmente, a porção ctônica da psique... a porção pela qual a psique está ligada à natureza (JUNG, 2011, §53). Não é uma questão de idéias herdadas, mas de possibilidades herdadas de idéias. PSICOLOGIA ANALÍTICA Tampouco são aquisições individuais, mas são, principalmente, partilhados por todos, como se pode ver pela sua ocorrência universal (JUNG, 2008d, §136). Os arquétipos são irrepresentáveis em si mesmos, mas seus efeitos são reconhecíveis em imagens e motivos arquetípicos. Arquétipos apresentam-se como idéias e imagens, como tudo o mais que se torna conteúdo da consciência (JUNG, 2009, §435). São, por definição, fatores e motivos que organizam os elementos psíquicos em certas imagens, caracterizadas como arquetípicas, mas de tal modo que só podem ser reconhecidas a partir dos efeitos que produzem (JUNG, 1978, §222, nota 2). Jung também descreveu os arquétipos como as formas que os instintos assumem. Ele ilustrou isso usando o símile do espectro. O dinamismo do instinto se apresenta como se estivesse na parte infravermelha do espectro, enquanto a imagem instintual ficasse na parte ultravioleta. A realização e assimilação do instinto nunca se dá no extremo vermelho, isto é, pela absorção na esfera instintiva, mas somente pela integração da imagem que significa e ao mesmo tempo evoca o instinto, embora de uma forma bem diferente daquela que encontramos no nível biológ ico. (JUN G, 2009, §414). Psicologicamente, o arquétipo como imagem do instinto é uma meta espiritual para a qual toda a natureza do homem se esforça; é o mar para o qual todos os rios se encaminham, o prêmio que o herói obtém da luta com o dragão (Ibid., §415). Os arquétipos manifestam-se tanto ao nível pessoal, por meio dos complexos, como coletivamente, como características de culturas inteiras. Jung acreditava que era tarefa de cada época entender novamente seu conteúdo e seus efeitos. Figura 1: A manifestação do arquétipo e do instinto na atividade vital. Ilustração de Charles A. Resende. PSICOLOGIA ANALÍTICA Jamais podemos nos libertar legitimamente de nossos fundamentos arquetípicos a menos que estejamos preparados para pagar o preço de uma neurose, assim como não podemos nos livrar de nosso corpo e seus órgãos sem cometer suicídio. Se não podemos negar os arquétipos ou neutralizá-los, somos confrontados, a cada novo estágio na diferenciação de consciência a que a civilização alcança, com a tarefa de encontrar uma nova interpretação apropriada a esse estágio, a fim de conectar a vida do passado que ainda existe em nós com a vida do presente, que ameaça fugir dele (JUNG, 2008d, §267). A SOMBRA A sombra inclui os aspectos ocultos ou inconscientes do indivíduo, tanto bons quanto maus, que o ego reprimiu ou nunca reconheceu. Constitui um problema moral que desafia o eu. Ninguém pode tomar consciência de sua realidade, reconhecer os aspectos escuros de si mesmo, sem desgastar-se com assuntos morais (JUNG, 2011, §14). A responsabilidade pela sombra repousa no ego. É por isso que a sombra é um problema moral. Uma coisa é perceber o que é aparente - o que somos capazes de fazer. Outra coisa é determinar o que ou com o que podemos viver. Antes de os conteúdos inconscientes se diferenciarem, a sombra personifica todo o inconsciente, e é normalmente representada nos sonhos por pessoas do mesmo sexo que o sonhador. A maior parte da sombra é composta de desejos reprimidos e impulsos não civilizados, motivos moralmente inferiores, fantasias infantis, PSICOLOGIA ANALÍTICA ressentimentos, etc. - tudo o que as pessoas não se orgulham. Essas características pessoais não reconhecidas são freqüentemente experimentadas nas outras pessoas por meiodo mecanismo de projeção. Com compreensão e boa vontade, a sombra pode ser integrada de algum modo na personalidade, enquanto certos traços, como o sabemos pela experiência, opõem obstinada resistência ao controle moral, escapando portanto a qualquer influência. De modo geral, estas resistências ligam-se a projeções que não podem ser reconhecidas como tais e cujo conhecimento implica um esforço moral que ultrapassa os limites habituais do indivíduo. Os traços característicos da sombra podem ser reconhecidos, sem maior dificuldade, como qualidades pertinentes à personalidade, mas tanto a compreensão como a vontade falham, pois a causa da emoção parece provir, sem dúvida alguma, de outra pessoa. Talvez o observador objetivo perceba claramente que se trata de projeções. Mas há pouca esperança de que o sujeito delas tome consciência. Deve admitir-se, porém, que às vezes é possível haver engano ao pretender-se separar projeções de caráter nitidamente emocional, do objeto. (JUNG, 2011, §16) A realização da sombra é inibida pela persona. Na medida em que nos identificamos com uma persona brilhante, a sombra diz respeito PSICOLOGIA ANALÍTICA à escuridão. Assim, a sombra e a persona mantêm uma relação compensatória, e o conflito entre elas está invariavelmente presente nos surtos neuróticos. A depressão característica em tais momentos indica a necessidade de se perceber que o sujeito não é tudo o que finge ou deseja ser. Não há uma técnica geralmente eficaz para assimilar a sombra. Envolve diplomacia ou política e é sempre uma questão individual. Primeiro, é preciso aceitar e levar a sério a existência da sombra. Em segundo lugar, é preciso ter consciência de suas qualidades e intenções. Isso acontece por meio da atenção cuidadosa sobre os humores, fantasias e impulsos. Terceiro, um longo processo de negociação é inevitável. O primeiro requisito de qualquer método psicológico completo é que a consciência seja levada a enfrentar sua sombra. No final, isso deve levar a algum tipo de união, embora esta consista, a princípio, em um conflito aberto e, muitas vezes, permaneça assim por muito tempo (A união aqui se refere à separação anterior entre a sombra, que se encontrava no inconsciente, e o eu). É uma luta que não pode ser abolida por meios racionais. Quando é reprimida intencionalmente, continua no inconsciente e apenas se expressa de forma indireta e ainda mais perigosa, de modo que nenhuma vantagem é obtida. A luta continua até os oponentes ficarem sem fôlego. Não se pode prever o resultado. o certo é que ambos serão modificados. Esse processo de chegar a um acordo com o Outro em nós vale a pena, pois assim conhecemos aspectos de nossa natureza que não permitiríamos que mais ninguém nos mostrasse e que nós mesmos nunca admitiríamos (JUNG, 1985b, §514 e 706). O confronto com a sombra produz, a princípio, um equilíbrio, uma paralisação que dificulta as decisões morais e torna as convicções ineficazes ou mesmo impossíveis. Tudo se torna duvidoso (Ibid., §708). A sombra não é, no entanto, apenas a parte inferior escura da PSICOLOGIA ANALÍTICA personalidade. Também consiste em instintos, habilidades e qualidades morais positivas que há muito foram enterradas ou nunca foram conscientes. A sombra é apenas um pouco inferior, primitiva, inadaptada e desajeitada; não totalmente ruim. Contém, ainda, qualidades infantis ou primitivas que de certa forma vitalizam e embelezam a existência humana, mas que a convenção proíbe! (JUNG, 1978, §134). Um surto de neurose constela1 os dois lados da sombra: aquelas qualidades e atividades de que não nos orgulhamos e novas possibilidades que nunca se sabia estarem presentes. Jung distinguiu entre o pessoal e a sombra coletiva ou arquetípica. Com um pouco de autocrítica, pode-se perceber a própria sombra - na medida em que sua natureza é pessoal, pois isto está dentro dos limites das possibilidades humanas. Mas quando a sombra é arquetípica, conseguir identificá-la é uma experiência rara e perturbadora, pois aí se depara com a face do mal absoluto (JUNG, 2011, §19). PERSONA O "eu" abarca normalmente os aspectos ideais de nós mesmos, que apresentamos ao mundo exterior. A persona é um complexo funcional que surge por necessidade de adaptação do indivíduo ou por conveniência pessoal (JUNG, 1991e, §801). A persona é aquilo que, na realidade, uma pessoa não é, mas que ela e os outros pensam ser (JUNG, 2011, §221). Originalmente, a palavra persona significava uma máscara usada 1 Isto é, ativa. PSICOLOGIA ANALÍTICA pelos atores para indicar o papel que desempenhavam. Nesse nível, é tanto um verniz protetor quanto uma vantagem na mistura com outras pessoas. A sociedade civilizada depende das interações entre as pessoas por meio da persona. Existem pessoas que não possuem uma persona desenvolvida. Tropeçando de um equívoco social a outro, perfeitamente inofensivas e inocentes, crianças encantadoras, ou, se são mulheres, Cassandras sonhadoras, temidas por sua falta de tato, eternamente incompreendidas, nunca sabendo do que se tratava, sempre considerando o perdão como garantido, cegas para o mundo, sonhadoras sem esperança. Desses exemplos podemos ver como uma persona descuidada funciona (JUNG, 1981, §318). Antes que a persona tenha sido diferenciada do ego, a persona é vivenciada como individualidade. De fato, como uma identidade social, por um lado, e uma imagem ideal, por outro, há pouca coisa individual ou pessoal nisso. É, como o próprio nome indica, apenas uma máscara da psique coletiva, uma máscara que simula a individualidade, fazendo com que os outros e a própria pessoa acreditem que se é individual, enquanto se está simplesmente atuando um papel, por meio do qual a psique coletiva fala. Fundamentalmente, a persona não é nada real: é um compromisso entre indivíduo e sociedade, quanto ao que alguém deveria parecer ser. Ganha-se um nome, um título, exerce-se uma função: a pessoa é isso ou aquilo. Em certo sentido, tudo isso é real, mas em relação à individualidade essencial do sujeito em questão, é apenas uma realidade secundária. Trata-se da formação de um compromisso, na qual os outros frequentemente têm uma participação maior do que ele (JUNG, 1981, §245f). Uma compreensão psicológica da persona como uma função de relacionamento com o mundo exterior torna possível assumir e abandonar-se à vontade. Mas a satisfação a certa persona implica em PSICOLOGIA ANALÍTICA o mundo exterior convidar à identificação com ela. Dinheiro, respeito e poder vêm para aqueles que conseguem desempenhar um papel unilateral e bem social. Por ser uma conveniência útil, portanto, a persona pode se tornar uma armadilha e uma fonte de neurose. Um homem não pode se livrar de si mesmo em favor de uma personalidade artificial sem sofrimento. Mesmo a tentativa de fazê-lo provoca, em todos os casos comuns, reações inconscientes na forma de mau humor, afetos, fobias, idéias obsessivas, vícios desviantes, etc. O "homem forte" na vida social é em sua vida privada muitas vezes uma mera criança onde seus próprios sentimento estão embaraçados. As exigências de propriedade e boas maneiras são um incentivo adicional para assumir uma máscara. O que acontece atrás da máscara é então chamado de "vida privada". Essa dolorosa divisão familiar da consciência em duas figuras, muitas vezes ridiculamente diferentes, é uma operação psicológica incisiva que está fadada a ter repercussões no inconsciente (JUNG, 1981, §305, 307). Entre as consequências da identificação com uma persona estão: perdemos de vista quem somos, permanecendo sem nenhuma proteção; nossas reações são predeterminadas pelas expectativas coletivas (fazemos, pensamos e sentimos o que nossa pessoa "deveria" fazer, pensar esentir); os que estão perto de nós reclamam da nossa distância emocional; e não podemos imaginar a vida sem ela. Na medida em que a consciência do ego é identificada com a persona, a vida interior negligenciada (personificada pela sombra e pela anima/animus) é ativada em compensação. As consequências, vivenciadas nos sintomas característicos da neurose, podem estimular o processo de individuação. Seria incorreto, porém, encerrar o assunto, sem reconhecer que subjaz algo de individual na escolha e na definição da persona; embora a consciência do ego possa identificar-se com PSICOLOGIA ANALÍTICA ela de modo exclusivo, o si-mesmo inconsciente, a verdadeira individualidade, não deixa de estar sempre presente, fazendo-se sentir de forma indireta. Assim, apesar da consciência do ego identificar-se inicialmente com a persona — essa figura de compromisso que representamos diante da coletividade, o si- mesmo inconsciente não pode ser reprimido a ponto de extinguir-se. Sua influência manifesta- se principalmente no caráter especial dos conteúdos contrastantes e compensadores do inconsciente. A atitude meramente pessoal da consciência produz reações da parte do inconsciente e estas, juntamente com as repressões pessoais, contêm as sementes do desenvolvimento individual, sob o invólucro de fantasias coletivas (JUNG, 1981, §247). ANIMA O lado feminino interior de um homem. A anima é tanto um complexo pessoal quanto uma imagem arquetípica da mulher na psique do homem. É um fator inconsciente encarnado de novo em cada criança do sexo masculino e responsável pelo mecanismo de projeção. Inicialmente identificada com a mãe pessoal, a anima é mais tarde experimentada não apenas em outras mulheres, mas como uma influência generalizada na vida de um homem. A anima é o arquétipo da própria vida. (JUNG, 2008d, §66). Há no homem uma imagem não apenas da mãe, mas da filha, da irmã, da amada, da deusa celestial. Toda mãe e todo amada são forçadas a se tornar portadoras e materializações dessa imagem onipresente e sem PSICOLOGIA ANALÍTICA idade, que corresponde à realidade mais profunda do homem. Pertence a ele esta imagem perigosa da Mulher; ela defende a fidelidade que, no interesse da vida, ele deve às vezes renunciar; ela é a tão necessária compensação pelos riscos, lutas e sacrifícios que terminam em desapontamento; ela é o consolo para toda a amargura da vida. E, ao mesmo tempo, ela é a grande ilusionista, a sedutora, que o atrai para a vida com suas ilusões (Maya) - e não apenas nos aspectos razoáveis e úteis da vida, mas em seus terríveis paradoxos e ambivalências onde o bem e o mal, o sucesso e a ruína, esperança e desespero, contrabalançam um ao outro. Porque ela é seu maior perigo, ela exige do homem o seu máximo. E se ele é capaz disso, ela vai recebê-lo (JUNG, 1990b, §24). A anima é personificada em sonhos por imagens de mulheres que variam de sedutora a guia espiritual. Está associada ao princípio de Eros. Portanto, o desenvolvimento da anima de um homem é expresso em como ele se relaciona com as mulheres. Dentro de sua própria psique, a anima funciona como sua alma, influenciando suas ideias, atitudes e emoções. A anima intensifica, exagera, falsifica e mitifica todas as relações emocionais com o seu trabalho e com outras pessoas de ambos os sexos. As fantasias e envolvimentos resultantes são obra sua. Quando a anima é fortemente constelada, ela suaviza o caráter do homem e o torna sensível, irritável, mal-humorado, invejoso, vaidoso e desajustado (JUNG, 2008d, §144). Como uma personalidade interior, a anima é complementar à persona e mantém uma relação compensatória com ela. A persona, a imagem ideal de um homem, tal como ele quer ser, é internamente compensada pela fraqueza feminina; e como o indivíduo desempenha exteriormente o papel de homem forte, ele se torna interiormente uma mulher, isto é, a anima, pois é a anima que reage à persona. Mas porque o mundo interior é escuro e invisível, e o homem é menos capaz PSICOLOGIA ANALÍTICA de perceber suas fraquezas quanto mais for identificado com a persona, a contraparte desta, a anima, permanece completamente no escuro e é, por isso, projetada, de modo que nosso herói fica sob o domínio da mulher (JUNG, 1991d, §309). Portanto, o caráter da anima geralmente pode ser deduzido pela natureza da persona; todas as qualidades ausentes da atitude externa serão encontradas no interior. O tirano atormentado por sonhos ruins, presságios sombrios e medos internos é uma figura típica. Externamente implacável, rude e inacessível, interiormente fica disponível a qualquer sombra, à mercê de todo humor, como se fosse o homem mais fraco e mais impressionável. Assim, sua anima contém todas aquelas qualidades humanas falíveis que sua persona carece. Se a persona é intelectual, a anima certamente será sentimental (JUNG, 1991e, §804). Da mesma forma, quando um homem se identifica com a persona, ele é, de fato, possuído pela anima, com sintomas associados. A identidade com a persona leva automaticamente a uma identidade inconsciente com a anima porque, quando o ego não é diferenciado da persona, não pode ter uma relação consciente com os processos inconscientes. Consequentemente, ele é esses processos, é idêntico a eles. Qualquer que seja seu papel externo, sucumbirá infalivelmente aos processos internos; ele ou frustrará seu papel externo, por absoluta necessidade interna, ou então o reduzirá ao absurdo, por um processo de enantiodromia2. Ele não pode mais manter seu caminho individual, e sua vida se transforma em uma dificuldade após o outra. Além disso, a anima é inevitavelmente projetada sobre um objeto real, com o qual ele entra em uma relação de dependência quase total (JUNG, 1991e, §807). Jung distinguiu quatro amplos estágios da anima. Ele os 2 “passar para o lado oposto" PSICOLOGIA ANALÍTICA personificou como Eva, Helena, Maria e Sophia (JUNG, 1990a, §361). No primeiro estágio, Eva, a anima é indistinguível da mãe pessoal. O homem não pode funcionar bem sem uma ligação próxima com uma mulher. No segundo estágio, personificado na figura histórica de Helen de Tróia, a anima é uma imagem sexual coletiva e ideal ("Tudo é escória que não for Helena" - Marlowe). O terceiro estágio, Maria, se manifesta em sentimentos religiosos e na capacidade de relacionamentos duradouros. No quarto estágio, como Sophia (chamada Sabedoria, na Bíblia), a anima de um homem funciona como um guia para a vida interior, mediando para a consciência o conteúdo do inconsciente. Ela coopera na busca de significado e é a musa criativa na vida de um artista. Idealmente, a anima de um homem avança naturalmente por meio desses estágios à medida que envelhece. De fato, como uma força vital arquetípica, a anima manifesta-se em qualquer forma ou formato que seja necessário para compensar a atitude consciente dominante. Enquanto a anima estiver inconsciente, tudo o que ela representa é projetado. Mais comumente, por causa do laço inicialmente estreito entre a anima e a imagem da mãe protetora, essa projeção recai sobre o parceiro, com resultados previsíveis. O ideal de casamento de um homem é tão arranjado que sua esposa tem que assumir o papel mágico da mãe. Sob o pretexto de um casamento idealmente exclusivo, o homem procura na realidade a proteção materna, assim colocando-se sob os caprichos dos instintos possessivos de sua esposa. Seu medo do obscuro poder incalculável do inconsciente dá à sua esposa uma autoridade ilegítima sobre ele, e forja uma união tão perigosamente próxima que o casamento está permanentemente à beira da explosão da tensão interna (JUNG, 1981, §316). PSICOLOGIA ANALÍTICA Não importa em que nível o homem esteja em termos de desenvolvimento psicológico,ele estará sempre propenso a perceber aspectos de sua anima, sua alma, em uma mulher real. O mesmo acontece com o animus. Seus aspectos pessoais podem ser integrados e seu significado entendido, mas sua natureza essencial não pode ser esgotada. Embora os efeitos da anima e do animus possam se tornar conscientes, eles mesmos são fatores que transcendem a consciência e estão além do alcance da percepção e da vontade do indivíduo. Portanto, eles permanecem autônomos apesar da integração de seus conteúdos e, por essa razão, devem ser constantemente lembrados (JUNG, 1981, §40). Os mais jovens podem suportar até, supostamente, a perda total da anima sem maiores danos. O importante nesse estágio é que o homem consiga ser homem. A prioridade psicológica na primeira metade da vida, para um homem, é a libertação da fascinação pela anima, exercida por meio da mãe. Mais tarde na vida, a falta de uma relação consciente com a anima é acompanhada por sintomas característicos da "perda da alma". No meio da vida, porém, a perda permanente da anima significa uma diminuição da vitalidade, da flexibilidade e da bondade humana. O resultado, como regra, é rigidez prematura, irritabilidade, estereotipia, fanatismo, obstinação, pedantismo, ou então resignação, cansaço, desleixo, irresponsabilidade e, finalmente, um infantil amolecimento [irreverência], com tendência ao alcoolismo (JUNG, 2008d, §146). Uma maneira de um homem se familiarizar com a natureza de sua anima é por meio do método da imaginação ativa. Isso é feito personificando-a, como uma personalidade autônoma, fazendo perguntas e atentando à resposta. Entendo isso como uma verdadeira técnica. Sua arte consiste apenas em permitir que nosso parceiro invisível se faça ouvir, colocando PSICOLOGIA ANALÍTICA o mecanismo de expressão momentaneamente à sua disposição, sem se deixar vencer pelo desgosto que naturalmente se sente ao aplicar-se a um jogo aparentemente tão ridículo consigo mesmo, ou colocar dúvidas à genuinidade da voz do interlocutor (JUNG, 1981, §323). Jung sugeriu que, se o encontro com a sombra é uma "obra de aprendiz" no desenvolvimento de um homem; chegar a um acordo com a anima seria uma "obra-prima" (JUNG, 2008d, §61). O objetivo é a sua transformação de uma adversária problemática em uma função de relacionamento entre a consciência e o inconsciente. Jung chamou isso de "a conquista da anima como um complexo autônomo". Conseguindo esse objetivo, torna-se possível desvincular o ego de todos os seus envolvimentos com a coletividade e o inconsciente coletivo. Através deste processo, a anima perde o poder demoníaco de um complexo autônomo; ela não pode mais exercer o poder de posse, já que ela é enfraquecida. Ela não é mais a guardiã dos tesouros desconhecidos; a mensageira demoníaca do Graal, de natureza meio divina e meio animal; já não é a alma a ser chamada de "senhora", mas uma função psicológica de natureza intuitiva, semelhante ao que os primitivos querem dizer quando afirmam: "Ele foi para a floresta conversar com os espíritos" ou "Minha cobra falou comigo" ou, na linguagem mitológica da infância, "Um passarinho me disse." (JUNG, 1981, §374). PSICOLOGIA ANALÍTICA ANIMUS O lado masculino interior de uma mulher. Como a anima em um homem, o animus é tanto um complexo pessoal quanto uma imagem arquetípica. A mulher é compensada por um elemento masculino e, portanto, seu inconsciente tem, por assim dizer, um traço masculino. Isso resulta em uma diferença psicológica significativa entre homens e mulheres e, consequentemente, chamei o fator de projeção na mulher de animus, que significa mente ou espírito (JUNG, 2011, §28). O animus é como se fosse um depósito de todas as experiências ancestrais da mulher sobre o homem. Não apenas isso, ele também é um ser criativo e gerador, não no sentido de criatividade masculina, mas no sentido de que ele pode evocar... a palavra que concebe, que projeta (JUNG, 1981, §336). A anima em um homem funciona como uma alma, o animus de uma mulher é mais como uma mente inconsciente. Ele se manifesta negativamente em ideias fixas, opiniões coletivas e inconscientes, suposições a priori que reivindicam a verdade absoluta. Em uma mulher PSICOLOGIA ANALÍTICA identificada com o animus (isto é, “possuída pelo animus”), Eros3 geralmente fica em segundo lugar em relação ao Logos4. Uma mulher possuída pelo animus está sempre em perigo de perder sua feminilidade (JUNG, 1981, §337). Não importa o quão amigável e complacente seja o Eros de uma mulher, nenhuma lógica na terra pode abalá-la se ela for dominada pelo animus... Um homem não sabe que esta situação altamente dramática chegaria instantaneamente a um fim banal e desinteressante se ele se retirasse do campo e deixasse uma segunda mulher continuar a batalha (sua esposa, por exemplo, se ela mesma não fosse o cavalo de guerra). Esta ideia agradável raramente ou nunca ocorre, porque nenhum homem pode conversar com um animus por alguns minutos sem se tornar vítima de sua própria anima (JUNG, 2011, §29). O animus torna-se um fator psicológico útil quando uma mulher pode dizer a diferença entre as ideias geradas por esse complexo autônomo e o que ela realmente pensa. Como a anima, o animus tem um aspecto positivo. Por meio da figura do pai, ele expressa não apenas a opinião, mas igualmente o que chamamos de "espírito", ideias filosóficas ou religiosas em particular, ou melhor, a atitude resultante delas. Assim, o animus é um psicopompo, um mediador entre o consciente e o inconsciente e uma personificação deste último (JUNG, 2011, §33). Jung descreveu quatro etapas do desenvolvimento do animus em uma mulher. Ele aparece pela primeira vez nos sonhos e na fantasia como a personificação do poder físico, um atleta, um homem musculoso ou um bandido. No segundo estágio, o animus proporciona a ela iniciativa e capacidade de ação planejada. Ele está por trás do desejo de independência e de uma carreira própria de uma mulher. No 3 Função de relacionamento. 4 O princípio da lógica e da estrutura, tradicionalmente associado ao espírito. PSICOLOGIA ANALÍTICA estágio seguinte, o animus é a "palavra", muitas vezes personificada em sonhos como professor ou clérigo. No quarto estágio, o animus é a encarnação do significado espiritual. No nível mais alto, do mesmo modo que a anima “Sophia”, o animus medeia entre a mente consciente de uma mulher e o inconsciente. Na mitologia, esse aspecto do animus aparece como Hermes, mensageiro dos deuses; nos sonhos ele é um guia útil. Qualquer um desses aspectos do animus pode ser projetado em um homem. Tal como acontece com a projeção da anima, isso pode levar a expectativas irrealistas e a amargura nos relacionamentos. Como a anima, o animus é um amante ciumento. Ele gosta de colocar, no lugar do homem real, uma opinião sobre ele, cujos fundamentos extremamente duvidosos nunca são submetidos a críticas. As opiniões do animus são invariavelmente coletivas, e elas substituem indivíduos e juízos individuais exatamente da mesma maneira que a anima impulsiona suas previsões emocionais e projeções entre marido e mulher (JUNG, 1981, §334). A existência do complexo contrasexual (anima/animus) significa que em qualquer relação entre um homem e uma mulher há pelo menos quatro personalidades envolvidas. As possíveis linhas de comunicação são mostradas pelas setas no diagrama (JUNG, 1990a, §422). Enquanto a tarefa de um homem em assimilar os efeitos da anima envolve descobrir seus verdadeiros sentimentos, uma mulher se familiariza com a natureza do animus questionando constantemente suas idéias e opiniões. Figura 2: Relação dos egos do homem e da mulher com as figuras de anima e de animus. Ilustração extraída de Sanford (2004, p.27).PSICOLOGIA ANALÍTICA A técnica de chegar a um acordo com o animus é a mesma, em princípio, que a do caso da anima; só que aqui a mulher deve aprender a criticar e manter suas opiniões à distância; não para reprimi-las, mas para investigar suas origens, para penetrar mais profundamente no pano de fundo, onde então descobrirá as imagens primordiais, assim como o homem faz em suas relações com a anima (JUNG, 1981, §336). SI-MESMO O arquétipo da inteireza e o centro regulador da psique; um poder transpessoal que transcende o ego. Como conceito empírico, o Si-mesmo designa toda a gama de fenômenos psíquicos no homem. Ele expressa a unidade da personalidade como um todo. Mas, na medida em que a personalidade total, por causa de seu componente inconsciente, pode ser apenas parcialmente consciente, o conceito do Si-mesmo é, em parte, apenas potencialmente empírico e é, nessa medida, uma hipótese. Em outras palavras, abrange tanto o experienciável quanto o não vivenciado (ou o ainda não experimentado)... É um conceito transcendental, pois pressupõe a existência de fatores inconscientes em bases empíricas e, portanto, caracteriza uma entidade que só pode ser descrita em parte (JUNG, 1991e, §789). O Si-mesmo não é apenas o centro, mas também toda a circunferência que envolve o consciente e o inconsciente; é o centro dessa totalidade, assim como o ego é o centro da consciência (JUNG, 1990c, §44). Como qualquer arquétipo, a natureza essencial do Si-mesmo é incognoscível, mas suas manifestações são o conteúdo do mito e da lenda. O Si-mesmo aparece em sonhos, mitos e contos de fadas na figura PSICOLOGIA ANALÍTICA da "personalidade supraordenada", como um rei, herói, profeta, salvador, etc., ou na forma de um símbolo de totalidade, como o círculo, o quadrado, quadratura do círculo, cruz, etc. Quando representa uma união de opostos, também pode aparecer como uma dualidade conectada, na forma, por exemplo, de tao como a interação de yang e yin, ou dos irmãos hostis ou do herói e seu adversário (arqui inimigo, dragão), Fausto e Mefistófeles, etc. Empiricamente, portanto, o eu aparece como um jogo de luz e sombra, embora concebido como uma totalidade e unidade na qual os opostos estão unidos (JUNG, 1990c, §790). A realização do Si-mesmo como um fator psíquico autônomo é freqüentemente estimulada pela invasão de conteúdos inconscientes sobre os quais o ego não tem controle. Isso pode resultar em neurose e uma subsequente renovação da personalidade, ou em uma identificação inflada com o poder maior. O ego não pode deixar de perceber que o afluxo de conteúdos inconscientes tem vitalizado a personalidade, enriquecido e criado uma figura que de alguma forma supera o ego em vontade e intensidade… Naturalmente, nessas circunstâncias, existe a maior tentação de simplesmente seguir o instinto de poder e identificar o ego com o eu absoluto, a fim de manter a ilusão do domínio do ego... Mas o Si-mesmo só possui um significado funcional quando pode agir compensatoriamente para com a consciência do ego. Se o ego é dissolvido em identificação com o Si-mesmo, origina-se um tipo de super-homem vago com um ego inchado (JUNG, 2009, §430). As experiências com o Si-mesmo possuem a mesma característica de numinosidade das revelações religiosas. Por isso, Jung acreditava que não havia diferença essencial entre o Si-mesmo como realidade experiencial, psicológica, e o conceito tradicional de uma divindade suprema. O Si-mesmo pode ser igualmente chamado de "o Deus dentro de PSICOLOGIA ANALÍTICA nós" (JUNG, 1981, §399). AUTORREGULAÇÃO DA PSIQUE Um conceito baseado na relação compensatória entre a consciência e o inconsciente. A psique não reage meramente, dá sua própria resposta específica às influências que atuam sobre ela (JUNG, 1993, §665). O processo de auto-regulação ocorre o tempo todo na psique. Só se torna perceptível quando a consciência do ego tem particular dificuldade em se adaptar à realidade externa ou interna. Esse é frequentemente o início de um processo, seguindo as linhas delineadas a seguir, que pode levar à individuação. 1. Dificuldade de adaptação. Pouca progressão da energia psíquica. 2. Regressão de energia (depressão, falta de energia descartável). 3. Ativação de conteúdos inconscientes (fantasias, complexos, imagens arquetípicas, função inferior, atitude oposta, sombra, anima/animus, etc.). Compensação. 4. Sintomas de neurose (confusão, medo, ansiedade, culpa, humor, emoção extrema, etc.). 5. Conflito inconsciente ou semiconsciente entre o ego e os conteúdos ativados no inconsciente. Tensão interna. Reações defensivas. 6. Ativação da função transcendente, envolvendo o eu e os padrões arquetípicos da totalidade. 7. Formação de símbolos (numinosidade, sincronicidade). 8. Transferência de energia entre conteúdos inconscientes e consciência. Ampliação do ego, progressão de energia. PSICOLOGIA ANALÍTICA 9. Assimilação de conteúdos inconscientes. Individuação. A consciência e o inconsciente raramente concordam quanto ao seu conteúdo e suas tendências. As atividades autorreguladoras da psique, manifestadas em sonhos, fantasias e experiências sincronísticas, tentam corrigir qualquer desequilíbrio significativo. Segundo Jung, isso é necessário por vários motivos: (1) A consciência possui um limiar de intensidade que seu conteúdo deve ter atingido, de modo que todos os elementos mais fracos permanecem no inconsciente. (2) A consciência, por causa de suas funções dirigidas, exerce uma inibição (que Freud chama de censura) em todo material incompatível, cujo resultado é a imersão no inconsciente. (3) A consciência constitui um processo momentâneo de adaptação, enquanto o inconsciente contém não apenas todo o material esquecido do passado do indivíduo, mas todos os traços de comportamento herdados que constituem a estrutura da mente [isto é, arquétipos]. (4) O inconsciente contém todas as combinações de fantasia que ainda não atingiram a intensidade do limiar, mas que, ao longo do tempo e sob condições adequadas, ingressarão na luz da consciência (JUNG, 2009, §132). PSICOLOGIA ANALÍTICA REFERÊNCIAS CAMPBELL, J. MOYERS, B. O Poder do Mito. São Paulo: Palas Athena, 1990. CAMPBELL, J. 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Petrópolis: Vozes, 1990c. v. XII. JUNG, C. G. Psicologia em transição. Petrópolis: Vozes, 2011. v. X. JUNG, C. G. Psicologia e religião. Petrópolis: Vozes, 1978. v. XI/1. PSICOLOGIA ANALÍTICA JUNG, C. G. Tipos psicológicos. 1. ed. Petrópolis: Vozes, 1991e. v. VI. NEUMANN, E. História da origem da consciência. São Paulo: Cultrix, 1990. NOVAK, J. Game Development Essentials. New York: Thomson Delmar Learning. 2008. SHARP, Daryl. Jung Lexicon: a primer of terms & concepts. Toronto: Inner City Books,1991. Disponível em: <http://www.psychceu.com/jung/sharplexicon.html>. Acesso em 08 maio 2018. SILVEIRA, N. Jung: vida e obra – 7. ed.– Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. VON FRANZ, M. L. BOA, F. O caminho dos sonhos. São Paulo: Cultrix, 1988. VON FRANZ, M. L. A sombra e o mal nos contos de fada. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2002. WEAVER, R. A Velha Sábia – Estudo sobre a imaginação ativa. São Paulo: Paulus, 1996. ZWEIG, C. ABRAMS, J. (Org.). Ao encontro da sombra: o potencial oculto da natureza humana. São Paulo: Cultrix, 2011. E-book escrito por Diogo Oliveira e Charles Alberto Resende para o Instituto Freedom. Contato@institutoFreedom.com.br 11-2275-6424 http://www.psychceu.com/jung/sharplexicon.html PSICOLOGIA ANALÍTICA
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