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1 A CAMINHO DA MATURIDADE NO MUNDO CONTEMPORÂNEO ADULTESCÊNCIA – uma etapa do processo ou uma crise na individuação Eloisa M.D.Penna INTRODUÇÃO No século 20 a adolescência surge como uma etapa importante da vida humana dando ensejo a teorias psicológicas e práticas clínicas específicas (Frankel, 1998). Stanley Hall com seu livro Adolescente, publicado em 1904, foi o primeiro a chamar a atenção para a adolescência como uma etapa importante do desenvolvimento humano do ponto de vista psicológico. Hoje a adolescência é pesquisada, estudada e tratada em vários âmbitos na cultura em geral, e na ciência em particular, sendo alvo de pesquisas médicas, sociológicas, antropológicas psicológicas e de pesquisas de mercado. No século 21 uma nova etapa do desenvolvimento humano está se delineando - a adultescência. Tornar-se adulto tem se mostrado uma tarefa difícil para uma parcela significativa da população jovem. Uma característica distintiva da adultescência é a ausência de elementos de ordem biológica – mudanças hormonais e transformações corporais – que na adolescência e na senescência constituem um fator interferente relevante. Na adultescência a conflitiva central é de ordem exclusivamente psicológica com implicações na vida social dos jovens adultos tanto no campo profissional como relacional. Este tema começou a chama nossa atenção há cerca de 8 anos (2003), por ocasião do atendimento a jovens adultos na Clínica Psicológica Ana Maria Poppovic da PUC-SP e desde então temos pesquisado e refletido sobre a passagem da adolescência para a maturidade na atualidade. Nosso objetivo é propor uma reflexão sobre essa passagem e suas especificidades em relação à adolescência: seu significado no processo de individuação e o sentido que este fenômeno aponta na consciência coletiva contemporânea. A adultescência como prolongamento da adolescência parece um fenômeno contemporâneo típico e até, talvez, natural na sociedade pós-moderna. Alguns fatores que contribuem para o adiamento da maturidade podem ser cogitados: o aumento da expectativa de vida em que a longevidade da vida humana poderia levar ao prolongamento da juventude, acrescido da exacerbada valorização da juventude presente na cultura contemporânea. Outra hipótese que pode ser levantada é a complexificação da psique humana ao longo da história, responsável pela sofisticação da cultura, que poderia se expressar pela necessidade de mais tempo para um amadurecimento mais complexo dos indivíduos. Entretanto observa-se também na atualidade, além do retardamento da fase adulta, um encurtamento da infância com uma puberdade cada vez mais precoce. Qual seria o sentido e o significado destas ocorrências? 2 Devemos ressaltar ainda que há jovens, atualmente, que passam da adolescência para a vida adulta sem notáveis dificuldades. A esses não se aplica a problemática da adultescência. Em nossa experiência clínica, no entanto, observamos que a passagem da adolescência para a maturidade, para alguns jovens, é vivida de modo crítico acarretando sofrimento psíquico importante que os leva a buscar ajuda psicológica. A adultescência, neste caso, mais do que um fenômeno cultural contemporâneo, configura uma crise paralisante no processo de individuação. Julgamos importante uma reflexão sobre os diversos aspectos envolvidos nessa crise. Quais sejam: os conflitos internos que prejudicam o processo de individuação; as componentes culturais aí implicadas e ainda os elementos arquetípicos atuantes nesta etapa do processo de individuação. Para uma análise mais abrangente do tema e sua contextualização no processo de individuação é necessário destacar alguns aspectos da adolescência e os indicadores de maturidade vigentes em nossa cultura, a fim de que possamos analisar esta etapa da vida e avaliar seus aspectos críticos e criativos. ADOLESCÊNCIA E MATURIDADE O início da adolescência é, geralmente, demarcado pelas transformações fisiológicas associadas à puberdade. Os ritos de iniciação, cujo objetivo é preparar o indivíduo para a vida adulta, acontecem associados à maturidade biológica. Tradicionalmente da maturidade biológica, naturalmente, seguia-se a maturidade social e psicológica no indivíduo. Esse processo de desenvolvimento, na modernidade, foi se complexificando dando origem a um período de maturação em que aos aspectos físicos se entrelaçam aspectos sociais e afetivos. Desde então a adolescência tem sido extensivamente pesquisada e estudada tanto do ponto de vista psicológico como educacional, social, médico e político, dispensando aprofundamento neste momento em que pretendemos focalizar a adultescência. Atualmente, para a Organização Mundial da Saúde – OMS – a adolescência se estende dos 10 aos 20 anos; no Estatuto da Criança e do Adolescente a adolescência é compreendida entre 12 e 18 anos. O direito a votar nas eleições varia, nos diferentes países, entre 16 e 21 anos o que afirma a maturidade civil dos indivíduos. Na tradição judaica as meninas se tornam adultas aos 12 anos e os meninos aos 13. Na tradição católica o sacramento da crisma ou confirmação (12 a 14 anos) marca a entrada na vida adulta, quando o indivíduo confirma sua vocação católica. Estes são alguns parâmetros que podem ou não nortear a delimitação desta etapa de vida. Hoje, de acordo com Calligaris (2000) ’o critério simples da maturação física é descartado’ (p.27) para a demarcação da maturidade. Há certo consenso na ciência e na cultura quanto ao início da adolescência estar associado à puberdade, mas um aspecto 3 interessante a ser salientado é a ausência, atualmente, de uma demarcação quanto ao final da adolescência. Segundo Calligaris (2000) hoje, “como ninguém sabe direito o que é um homem ou uma mulher, ninguém sabe também o que preciso para que um adolescente se torne adulto” (p.27). Os indicadores de maturidade mais frequentemente apontados pelos autores que discutem adolescência e tradicionalmente aceitos na cultura são: independência econômica e capacidade de manter vínculo afetivo estável e duradouro. Estes aspectos se traduzem em atividades e comportamentos tais como: desenvolvimento e capacitação profissional que propicie trabalho produtivo; interesse em buscar e manter um relacionamento conjugal com um companheiro; interesse em e condições sócio psíquicas para sair da casa dos pais e formar seu próprio núcleo familiar. Devemos, no entanto, considerar a amplitude, diversidade e plasticidade que o contexto da pós-modernidade admite para esses aspectos. Esses indicadores de maturidade podem ser traduzidos de forma ampla em: autonomia. Autonomia refere-se à capacidade de ‘auto-gestão’ nos vários âmbitos da vida. Capacidade de tomar decisões, fazer escolhas e arcar com as suas consequências. Tais escolhas e decisões, nesta etapa da vida, concentram-se na capacitação profissional que propicie trabalho produtivo; na busca e manutenção de um relacionamento amoroso íntimo e estável para formar seu próprio núcleo familiar. Em resumo maturidade significa diferenciar-se e construir uma vida própria – ter uma profissão, ter a própria casa, construir a própria família. Equivalente ao tradicional ‘casar e mudar’. Adaptado ao amplo espectro de possibilidades e variações inerentes ao panorama social contemporâneo. Alguns autores (Apter, 2004; Lehman, 2006) questionam a validade desses indicadores de maturidade na sociedade contemporânea e apontam fatores sócio- econômicos como os principais responsáveis pelo prolongamento da adolescência. Em nossa observação consideramos que os indicadores tradicionais ainda são válidos na medida em que eles guardam significado e sentido importantes para a constituição de um indivíduo quando se fala de maturidade psicológica. Além disso, como veremos mais adiante, esses indicadores são percebidos na base dos conflitos e anseios das pessoas, nestaetapa da vida, que tem procurado atendimento psicológico atualmente. Portanto trata-se de uma evidência empírica a ser considerada. É verdade, no entanto, que a noção de maturidade e seus parâmetros se apresentam com tal elasticidade e desorientação que talvez estejam na base da crise adultescente vivida por alguns jovens. O adolescente tem como meta tornar-se adulto e para tanto empreende uma jornada de separação do ‘ser criança’ questionando as figuras de autoridade (pais e educadores) e exigindo uma mudança de posição nas relações afetivas e sociais. Ou seja, querem ser tratados como adultos, apesar de toda ambivalência que esse processo 4 implica. Quando os parâmetros de maturidade estão confusos na cultura as metas do adolescente também se perturbam. Numa cultura em que o grande ideal concentra-se no permanecer jovem para sempre, ser adulto talvez não seja a meta principal do desenvolvimento humano. ADULTESCÊNCIA O termo adultescência é um neologismo muito recente. Embora não seja possível localizar com precisão seu surgimento, não foram encontradas referências ao termo até a década de 1990, o que nos leva a supor que seja um conceito típico do século 21. Adultescência ou adultecer são termos que aparecem com dois tipos de conotação. Por um lado, refere-se à adolescência prolongada ou tardia. Levisky (1998) define ainda como ‘adolescentes profissionais’ “indivíduos cronologicamente adultos, mas cujo processo adolescente se estende no tempo, mantendo-os num estado de dependência afetiva e econômica” (p.31). Por outro lado, encontramos também o emprego do termo – adultescente – a adultos que querem parecer ou se comportar como jovens. Em alguns contextos o termo adquire uma conotação pejorativa, aplicado a pessoas supostamente maduras “que após os 40 anos apresente uma postura típica de um ser na puberdade” (Brito, 2009); “homens e mulheres entre 30 e 40 anos que mantém costumes e hábitos típicos de adolescentes.” (Aguiar, 2007). Marafon (2005) associa o fenômeno da adultescência (adultos que se comportam como adolescentes) como um fator perturbador do desenvolvimento dos adolescentes e atribui isso à falha na função paterna. Vale ressaltar ainda uma grande quantidade de blogs de adolescentes que empregam o termo para avaliar criticamente o comportamento inadequado de adultos (pais) que se comportam como adolescentes. Encontramos nos blogs frases do tipo: ‘eles (pais) querem ser nossos amiguinhos’; ‘elas (mães) pegam as roupas nos guarda-roupas das filhas’. Esses comentários, por um lado, refletem, ironicamente, certa maturidade na crítica que fazem aos pais e/ou adultos que supostamente deveriam fornecer-lhes um modelo de maturidade, mas também expõem a ambivalência vivida por esses adolescentes quanto ao significado de ser adulto. Será que esses adolescentes ao se tornarem jovens adultos desejarão permanecer jovens para sempre também? O termo adultescência é adotado aqui com o sentido de um prolongamento da adolescência na idade considerada adulta, ou seja, uma etapa posterior à adolescência e anterior à maturidade. Um fenômeno que aponta para uma suposta dificuldade em alcançar a maturidade psicológica. Ou seja, a dificuldade e o sofrimento de uma parcela significativa da população jovem em fazer a passagem para a vida adulta. Alguns autores falam em dificuldade ou recusa em assumir as responsabilidades da vida adulta. 5 (Calligaris, 1998; Dimenstein, 2002; Nogueira). Apter (2004) reputa o prolongamento da adolescência a fatores sócio-econômicos e questiona se os padrões de maturidade até hoje válidos não teriam perdido sua validade. Gilberto Dimenstein em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo em 19/11/2002 diz: “psicólogos informam que o prazo de validade da adolescência envelheceu, alargando-se até os 32 anos” – esse período seria conhecido como “adultescência”. Não se pode ainda caracterizar o prolongamento da adolescência como um fenômeno que acomete todos os indivíduos, pois seguramente há jovens que passam da adolescência para a vida adulta sem notáveis dificuldades. Entretanto há uma parcela da população que tem buscado auxílio nesta passagem. Características do adulto jovem que procura ajuda psicológica Este estudo teve por base a observação de uma população de adultos jovens que foram atendidos na clínica psicológica Ana Maria Poppovic entre 2003 e 2010 em psicoterapia, num total de aproximadamente 85 pessoas de situação sócio econômica muito variada. Desde moradores de favela até estudantes universitários, pós-graduandos e profissionais com 3° grau completo. A faixa estaria oscila entre 18 – 35 anos e caracteriza- se por jovens cujos conflitos principais situam-se na busca de um futuro produtivo; na luta pela inserção no ambiente social a que pertencem e pela tentativa de alcançar autonomia, seja pela via profissional, seja pela constituição de relacionamentos sócio-afetivos estáveis e duradouros. As queixas trazidas por esses jovens podem ser agrupadas em 2 grandes categorias: vocacional e/ou profissionais; emocional e/ou relacional. No que diz respeito ao âmbito vocacional/profissional, as queixas referem-se a dúvidas quanto a escolha profissional, mudança de curso universitário ou área de trabalho, ou dificuldade de inserção no mercado de trabalho. Dimenstein (2008) fala de “uma legião de estudantes desorientados que abandonaram o ensino superior sem conhecer suas vocações”. O prolongamento da vida estudantil pode ser observado também na busca de cursos de pós-graduação ou viagens de estudo das mais diversas. Yvette Piha Lehman, coordenadora do Serviço de Orientação do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, citada por Dimenstein (2006) afirma que a cada ano mais e mais estudantes imaturos “são obrigados a escolher, na marra, a profissão”, sugerindo que os jovens adultos não se sentem ainda preparados para assumir plenamente a vida profissional. Essa avaliação de Lehman concorda com a visão de Apter (2004) no sentido de que a sociedade deveria repensar as exigências que faz quanto à profissionalização dos jovens e sugere que as escolas e decisões no campo profissional sejam adiadas. Mais uma vez parece que a parcela adulta da população deve conceder ao adolescente mais tempo para 6 amadurecer sem pressioná-los. Devemos, no entanto, refletir quanto às implicações desse raciocínio a meu ver redutivo e simplista. Por um lado, desconsidera os conflitos aí presentes e por outro lado, rapidamente assume que compete ao adulto fazer concessões sem refletir sobre a parcela de responsabilidade deste fenômeno aí evidente. Qual o significado desta imaturidade, desorientação e ambivalência nos jovens? Trata-se de dificuldade na passagem para a maturidade? Ou apenas vicissitudes da atualidade à qual devemos, todos, adultos e adolescentes, nos adaptarmos, dispensando maiores questionamentos? No que diz respeito às queixas de ordem emocional / relacional a maior dificuldade recai em encontrar ou manter um parceiro amoroso. E aqui se percebe uma distinção em relação à dinâmica adolescente, pois o fenômeno ‘turma’ que, para o adolescente, tem uma importante função social e emocional, praticamente desaparece na adultescência. A questão central situa-se no relacionamento a dois, na tentativa de estabelecer uma parceria. As maiores angústias estão associadas à dificuldade de construir um relacionamento íntimo estável e duradouro. Do ponto de vista psicológico este desejo / necessidade pode ser analisado como o movimento de ingresso numa dinâmica de alteridade regida pelos arquétipos da anima/animus. No âmbito dos relacionamentos afetivos é digno de nota também a solidão destes jovens. O adultescente se sente duplamente só, por um lado de desgarrou da turma da adolescência, por outro lado, não está mais sob o domínio ou proteção dos pais, mesmo na eventualidadede ainda morar ou depende economicamente destes. Pouquíssimos jovens trazem como queixa, alvo de sofrimento ou preocupação, a temática ‘sair da casa dos pais’, embora esse desejo possa estar subjacente (inconsciente) à problemática profissional ou relacional, ele não faz parte da demanda consciente desses jovens. Permanecer na casa parental talvez represente uma tentativa de se sentir fazendo parte de um grupo social e afetivo, ainda que psicologicamente insatisfatório, posto que esta pertença se dá pelo prolongamento do lócus ‘filho’. O quesito ‘sair da casa dos pais’ chamou particularmente nossa atenção, pois alguns jovens que já não moravam mais com os pais consideravam isto como uma circunstância passageira. Por exemplo, situações em que haviam saído de casa em função de mudança de cidade para estudar. Outra situação observada é quando o jovem permanece na casa, mas os pais se mudam (para o litoral ou para o campo) em razão da aposentadoria, ou ainda em função de novo casamento. Os primeiros nutriam a intenção de retornar ao fim dos estudos e os últimos se ressentiam da mudança dos pais e preferiam que isto não tivesse acontecido. Nos casos em que a queixa principal concentrava-se no âmbito dos relacionamentos amorosos, a busca de um parceiro não se associava ao desejo explícito de sai da casa parental. 7 Apter (2004) diz que entre 40 e 50% dos jovens que saem de casa retornam e justifica esse fato pelas condições sócio-econômicas da atualidade e recomenda que os adultos (pais, professores, patrões) atentem para essa realidade. Em nossa experiência a justificativa de que os jovens atualmente não saem da casa dos pais em razão de dificuldades econômicas não nos pareceu o motivo principal para a permanência na casa parental. É mais plausível a hipótese de que eles ainda não se sentem preparados para tal psicologicamente. E nesse sentido a posição de Apter (2004) ao recomendar paciência ou condescendência em relação às dificuldades dos jovens, por se tratar de uma circunstância socioeconômica, nos parece novamente um tanto redutiva. Dimenstein (2006) aponta como uma das características principais da adultescência “o crescente número de jovens que preferem continuar vivendo na casa dos pais mesmo depois de empregados”. O congresso da Associação Espanhola de Pediatria em junho de 2006 discutiu e definiu a adultescência como “um novo fenômeno pelo qual homens e mulheres em torno dos 30 anos se negam a abandonar a casa paterna” e considera um fato social cada vez mais evidente com o qual os pais devem se adaptar. Nos anais do referido congresso encontra-se repetidamente a afirmação de que não se trata de uma síndrome ou enfermidade psíquica ou física, mas sim um fenômeno social relacionado aos novos costumes sociais e à educação. César (2008) aponta a fragilidade das instituições (escola e família) como um dos principais fatores que contribuem para o fenômeno da adultescência. Segundo a autora, o delinquente juvenil do início do século XX, o rebelde sem causa dos anos 50 e o ativista político dos anos 60 e 70 cederam lugar a um cenário em que a juventude pauta o ideal de felicidade dos adultos, determinando o surgimento de figuras sociais inteiramente novas, como a “filhocracia” e a “adultecência”. Há uma aproximação cada vez maior dos comportamentos de jovens e adultos, sendo que os últimos estariam “contaminados”, segundo a autora, pelos traços de instabilidade dos primeiros. O ideal da eterna juventude buscado pelos adultos contemporâneos e principalmente pelos pais de adolescentes é também um elemento digno de reflexão e discussão. Calligaris (2000) destaca como fator importante no prolongamento da adolescência o fato de a cultura contemporânea idealizar a juventude como uma época eminentemente feliz e saudável. Em síntese percebemos que há uma tendência, entre os autores pesquisados, a enfatizar fatores sócio-culturais atuando na vida dos jovens a partir do âmbito familiar e escolar que contribuem para uma entrada precoce na adolescência e uma entrada tardia na maturidade. Devemos no entanto, salientar que fatores psicológicos estão sempre entrelaçados aos fatores sócio-culturais que compõem a consciência coletiva, assim como 8 a psique individual está imersa na psique coletiva tanto no âmbito consciente (cultura) como no âmbito inconsciente (arquétipo). Derivar a problemática individual exclusivamente do ambiente sócio-cultural é negar a individualidade e o plano arquetípico. Do ponto de vista psicológico observamos que nessa etapa de vida (18-24) o jovem se depara com o desafio de escolher e desenvolver uma atividade profissional que lhe proporcione inserção no mundo social produtivo como possibilidade de alcançar autonomia sócio-afetiva. Este sim é um ponto importante na conflitiva adultescente, que deve, no entanto ser analisado a partir de uma perspectiva mais psicológica do que social. O relacionamento amoroso também é alvo de grande concentração de energia na medida em que representa a possibilidade de construção de um novo modelo de relacionamento, geralmente, diferente dos vínculos vividos da família de origem. Tanto o trabalho como os relacionamentos afetivos configuram-se o meio de estruturação de uma individualidade madura e estão sempre impregnados de sonhos e ideais. O contexto histórico-cultural é relevante e tem papel significativo no processo de individuação, embora não deva ser super valorizado. Podemos inferir que a problemática adultescente está diretamente associada às demandas dos arquétipos do Pai e da Alteridade (anima/animus). Se, por um lado, a adolescência perdeu seu aspecto rebelde e questionador como função de discriminação tanto em relação à infância como em relação à geração parental. Por outro lado, a maturidade deixou de ser meta a ser alcançada, e até, às vezes, evitada. A indiscriminação entre adultos e jovens no campo da persona (roupas, comportamentos, locais de inserção social) nesse momento de passagem gera um campo de ambivalência e ambiguidade que desoriente e confunde o jovem em seu processo de individuação o que contribui para uma paralisação no processo na medida em que o ambiente externo puxa para um pólo oposto (permanecer jovem é a meta da vida adulta) àquele para o qual o movimento da individuação tende em sua finalidade. Por sua vez o processo cultural também se encontra numa passagem crítica na consciência coletiva ocidental; esta passagem apresenta ambiguidade e ambivalências no dinamismo patriarcal, questionado e desvalorizado por um lado, e acirrado por tendências fundamentalistas e regulamentadoras, por outro. Observa-se também uma tendência ao resgate de elementos do dinamismo matriarcal na cultura por meio da valorização da natureza e do corpo (ecologia, alimentos orgânicos, valorização da saúde e da sensualidade). Ambas as dinâmicas matriarcal e patriarcal, no entanto em função da dinâmica reinante tem se mostrado atuantes pelas vias mais sombrias do que criativas. Vemos então a regulamentação rígida de hábitos alimentares, geradores das diversas patologias associadas a alimentação; e um culto ao corpo pela via de uma sensualidade grotesca que é operacionalizada por meios anti-naturais (procedimentos invasivos). A própria alteridade já expõe sua face sombria quando, em nome da flexibilização, da 9 tolerância e da diversidade, tanto os valores matriarcais quanto os valores patriarcais são gravemente ofendidos. Uma tolerância intolerável; uma ditadura do politicamente correto. Ambos em detrimento da totalidade individual e coletiva e promotores de sombra. ADULTESCÊNCIA E PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO Em termos de potenciais arquetípicos ativados, este período da vida requer investimento de energia, sobretudo nos temas relativos ao arquétipo do pai e da alteridade (anima/animus). A partir da adolescência o indivíduo começa aviver a transição entre o dinamismo patriarcal e o dinamismo de alteridade. Esta passagem exige uma reestruturação das demandas patriarcais, no sentido de uma relativização dos valores estruturados na infância e a tentativa e necessidade de integração com as demandas matriarcais que foram deixadas de lado (sombra), além disso, observa-se a emergência de possibilidades totalmente novas que a vida lhes propõe em termos de oportunidades e exigências as quais também demandam por elaboração e integração rumo à constituição da individualidade mais plena da maturidade. Na pré-adolescência, no início da puberdade, surgem os primeiros influxos da alteridade, quando os arquétipos da anima e do animus eclodem na forma de uma revisão profunda dos valores parentais. Surgem questionamentos e reivindicações quanto às exigências familiares; as instituições e os valores sociais passam a ser criticados e questionados pelo adolescente. Entretanto na 1ª etapa da adolescência o jovem ainda é incapaz de arcar com os compromissos e as responsabilidades sociais que seus ideais exigem, pois são ainda bastante dependentes dos pais. A conhecida rebeldia do adolescente com suas críticas e desafios à ordem vigente, estabelecida pelo mundo dos pais, conhecida e aprendida desde a infância, parece não mais ser suficiente e cabível para o adolescente. Novas possibilidades se forjam e se expressam em ideais e na atitude inconformada característica desta fase. Durante um longo período a consciência patriarcal é estruturada e consolidada à custa de grande esforço e investimento do ego, principalmente no sentido de conter as ânsias matriarcais que urgem na direção da manutenção da vida fundada nas necessidades básicas de sobrevivência. O herói patriarcal luta contra o dragão dos instintos e os vence para atender aos desígnios do Pai, garantindo a inserção do indivíduo no mundo das relações sociais fora do ninho materno. A criança aprende a viver em sociedade, aprende a ler e a escrever, conhecer e seguir o caminho da lei, da ordem, da disciplina, da perseverança; adquire um certo domínio sobre suas ações e decisões, experimentando também a ordem de causas e consequências que seus atos e vontades acarretam. Esse percurso, psicologicamente, equivale à passagem do domínio matriarcal da consciência para o domínio patriarcal de consciência, que conduz a uma nova 10 passagem para o âmbito da consciência pós-patriarcal rumo à consciência de alteridade, que por sua vez o conduzirá sucessivamente da maturidade à segunda metade da vida e à velhice, num movimento incessante do nascimento até a morte. Jung descreveu esse processo de desenvolvimento da consciência e formação da individualidade, denominando-o Processo de Individuação. À medida que o ego percorre o caminho da vida a psique pessoal vai se complexificando, diversificando e ampliando suas possibilidades e recursos para lidar com a vida relacional (eu com os outros e o mundo) e a vida íntima (eu com o si mesmo). Ao longo do processo de individuação o ego recebe influências advindas dos arquétipos do inconsciente coletivo e dos fatos e eventos existenciais os quais movem e comovem o ego na forma de símbolos. O complexo psíquico da individualidade abrange os elementos conscientes (ego-consciência) e inconscientes (complexos-sombra) referidos à individualidade. A individualidade, no entanto está inserida e alicerçada num sistema mais amplo supra individual de caráter coletivo tanto no âmbito consciente (consciência coletiva) quando no âmbito inconsciente (inconsciente coletivo). A primeira forma de inserção do ego na vida é feita por meio da potência arquetípica da grande mãe que abriga, protege, ampara e enraíza a alma humana na terra, na matéria, e a criança se sente segura enquanto atada à matéria, abraçada e contida pela mãe, sente-se também segura de si pelo vínculo que mantém com a natureza. O arquétipo do pai opera uma segunda forma de inserção do ego na vida, agora na vida social das relações ‘extra ninho’, para além dos domínios da grande mãe natureza. A energia arquetípica do Pai insere a criança na vida propriamente humana regida pelas leis dos homens e não mais apenas pelas leis da natureza. Com razoável domínio sobre o mundo da natureza instintiva e das leis sociais de convivência, corpo e espírito estão preparados para ir além, prosseguir, transcender os domínios do campo matriarcal e patriarcal nos quais, supostamente o ego já sabe transitar. Nesta etapa, o corpo se insurge com novas ânsias e o espírito se inflama com novas idéias. Esse é o campo psicossomaticosocial em que se instala a adolescência. O ego sedimentado no plano matriarcal e patriarcal é capaz de transitar no mundo material, concreto e corporal e no mundo ideal, abstrato e espiritual; no campo da interioridade e da exterioridade; da objetividade e da subjetividade; no âmbito da intimidade e da sociedade. O trânsito entre essas polaridades, no entanto, ainda é bastante difícil nesta época, frequentemente, para que uma polaridade esteja disponível seu oposto tende a ser desativado. A articulação criativa da energia arquetípica oriunda da anima e do animus com o arquétipo do herói em busca de um mundo novo para conter e expressar novas possibilidades alia-se à díade puer-senex na lida com o novo e o velho; passado e futuro; apego e desapego. Eros e poder também são elementos importantes que se articulam aos 11 arquétipos regentes da individuação quanto a formas de vinculação e força de ego (intra e extra psíquicas) para enfrentar e elaborar as demandas da individuação. Forma-se assim um sistema dinâmico de interações altamente complexo no qual interagem essas diversas possibilidades arquetípicas. No caso do jovem a caminho da maturidade destacaremos aqui as articulações entre as possibilidades arquetípicas puer – senex, eros – poder e os arquétipos regentes da individuação (grande mãe, pai e anima/animus). EROS E PODER Da mitologia greco-latina temos Eros como o deus do amor. Guggenbühl (1980) propões que Eros seja entendido como vínculo emocional, abrangendo um amplo espectro de formas de vinculação, da sexualidade e amizade ao envolvimento com uma profissão, hobbies e arte. Eros seria o responsável pela conectividade entre as várias esferas da vida. O grau e a intensidade de valor com que uma relação se estabelece, ou uma atividade se realiza depende de Eros. De acordo com Guggenbühl (1980), é Eros que fornece movimento aos arquétipos e promove a conexão entre o ego e os arquétipos. “Somente quando estão combinados (os arquétipos) com Eros sentimos seu movimento e emoção, eles se tornam criativos, íntimos e estimulantes”. (p.27) Eros humaniza os arquétipos em sua relação com a consciência e ainda funciona como um moderador de suas características positivas ou negativas, criativas ou destrutivas. Funcionando como um elo de ligação, não apenas entre os arquétipos, mas sobretudo entre o ego e a vivência arquetípica, Eros investe de qualidade, valor e intensidade os símbolos que chegam à consciência. Lembremos que os símbolos são o meio e a forma pelas quais os arquétipos se fazem presentes na consciência. Assim como Hillman, Guggenbühl (1980) também propõe que se considere a relação entre os arquétipos e sua influência no comportamento e nas atitudes das pessoas, a fim de alcançarmos uma compreensão clínica mais ampla e profunda dos conflitos e dificuldades que afetam nossos pacientes. Guggenbühl (1980) nos dá alguns exemplos bastante elucidativos sobre a diferença qualitativa que a presença de Eros oferece em nossas atividades. O guerreiro sem Eros é um mercenário brutal, um assassino em massa insensível, um exterminador demoníaco. Com Eros o guerreiro luta para defender valores que lhe são importantes, pronto a oferecer sua vida pelos outros ou por altos ideais. Um trickster sem Eros não é mais doque um trapaceiro e mentiroso comum, um impostor. Com Eros, o trickster é surpreendente, estimulante, excitante, não se atolando em convenções e rotina, mas constantemente revelando novos aspectos de si mesmo e abrindo inesperadas possibilidades àqueles ao seu redor. Ele é divertido e cativante. O arquétipo da mãe sem Eros é super-protetor, sufocando seus filhos com segurança material, preocupando-se apenas com comida, calor e segurança. Crianças 12 são nada mais do que ferramentas para serem usadas para engrandecimento pessoal, uma extensão egoísta da própria mãe. Com Eros, entretanto, a criança, amada em si mesma por princípio, é cultivada com ideais, valores e perspectivas. O papel da mãe se torna não apenas de propagação biológica, mas também de nutrir e transmitir o espírito da humanidade. (27) Embora Jung tenha, repetidas vezes, discutido Eros em oposição a poder propomos que a relação Eros – Poder possa ser consideradas como um amplo espectro, no qual os extremos são humanamente inexistentes, isto é, ausência total de Eros em favor de um Poder absoluto ou vice-versa. Em primeiro lugar devemos refletir quanto ao valor frequentemente atribuído a essas polaridades (Eros – Poder). À polaridade Eros, geralmente, são associados valores positivos, desejáveis e aceitáveis e à polaridade Poder são atribuídos valores negativos, indesejáveis e até inaceitáveis. Se adotarmos a sugestão de Guggenbühl e considerarmos Eros como um elemento de vitalidade e temperança que confere valor às potencialidades arquetípicas, podemos considerar o poder como um elemento de potência e capacitação que confere força aos arquétipos. É possível então falar do poder da Mãe temperado com Eros. Como elemento de ‘união’, ao associar-se à energia proveniente do arquétipo da grande mãe, Eros promove vínculos de caráter incondicional – amor materno – vínculo este dispensador de proteção e segurança básica que funciona para o filho como garantia de vida. Associado ao arquétipo do pai Eros tinge o vínculo de respeito e admiração. Neste âmbito as relações de troca são assimétricas proporcionando uma clara noção de dever e obediência para que o apoio e a segurança necessários para o desenvolvimento da personalidade sejam alcançados. Eros, sob a égide do arquétipo do Pai, promove a estruturação de uma escala de valores morais norteadores da individuação nesta etapa. O poder, por sua vez, é um elemento de potência e capacitação que investe o ego de foça para lidar com as situações arquetípicas que a vida oferece. A polaridade poder está associada à força vital dos instintos que impera de modo irracional sob a égide do arquétipo da Grande Mãe. Poder está também na força de ego que confere intencionalidade e determinação às ações e é o fundamento da capacidade de suportar frustração inevitável na tomada de decisões e nas escolhas a serem feitas sob a égide do arquétipo do Pai. PUER E SENEX A articulação entre Puer-Senex segue a mesma linha de raciocínio quanto às polaridades Eros-Poder, ou seja, um espectro de possibilidades que se articula às diversas dinâmicas arquetípicas. 13 Puer é a potencialidade arquetípica que move para o futuro, para o novo, que vence o medo e os perigos em busca de mudanças. Naturalidade e espontaneidade são também elementos presentes na simbólica do Puer. A temática do arquétipo da criança, segundo Jung (vol.9/1) prepara para as futuras transformações. O Puer com Eros faz esse movimento se dar com esperança, pujança e leveza, incentivando a renovação. Sem Eros o Puer é apenas um oportunista irresponsável que não investe na realização de seus planos e desejos e não avalia consequências. Senex é a potencialidade arquetípica que sustenta, assenta e assegura; que busca respaldo no passado e invoca as experiências vividas para referendar transformações; fornece certeza, solidez e estabilidade assim como durabilidade e peso. Associado a Eros o elemento Senex promove a constituição de um quadro de valores que favorece a integridade e o crescimento sustentável da personalidade. Sem Eros o Senex é árido, insensível, rígido e antiquado. A permanência na adolescência e a consequente impossibilidade de fazer a passagem para a maturidade psicológica estaria associada à impossibilidade de sair do lócus de ‘filho adolescente’ – queixoso, reclamante de direitos, mas isento de deveres – seja em relação tanto às questões patriarcais como às demandas matriarcais. Permanecer é uma dinâmica típica do arquétipo Senex. EROS – PODER – PUER- SENEX A conquista de vínculos amorosos estáveis está associada à articulação entre Eros e Senex. A conquista de um trabalho produtivo e criativo depende de ambição, ousadia, esperanças e expectativas assim como de assertividade e força para suportar as dificuldades e frustrações inerentes ao processo. Essas habilidades estão diretamente associadas à articulação entre Puer e Poder. Puer e Senex com a mediação de Eros conferem a medida da cautela e do ímpeto que avalia os riscos e prapara para uma renovação criativa necessária e possível. O entusiasmo (eros) e a assertividade (poder) necessários para transformar sonhos e ideais (puer) em planos e metas factíveis e consistentes (senex) refletem a associação entre Puer e Eros; Senes e Poder. A dialética entre as polaridades Puer e Senex, Eros e Poder tende a promover a circulação de energia ruma à maturidade como um futuro auspicioso a ser buscado (puer); construído com esforço pessoa e com determinação (poder) e assentado em valores éticos (Eros e Senex). IMPASSE – CONFLITOS E DILEMAS A par a consideração da adultescência como uma etapa da vida contemporânea típica talvez, da cultura pós-moderna e pós-patriarcal, quando esse período se constela como uma paralisação do processo de individuação observa-se uma dinâmica intrincada 14 dos aspectos de Eros e Poder conjugada a uma alternância dos dinamismos matriarcal e patriarcal e uma constelação peculiar das polaridades arquetípicas Puer e Senex influenciando de modo significativo o andamento do processo de individuação. A angústia maior que aflige o adultescente é a perspectiva futura. Nesse sentido a perspectiva teleológica da visão junguiana nos dá subsídios para entender esta problemática em que o maior desafio diz respeito a decisões e escolhas que lhes parecem ‘definitivas’ e por isso assustadores. Esses jovens permanecem num estado de ‘preparação’ para a vida experimentando, mas não se comprometendo, testando sem realmente tentar na expectativa de que um modo ideal de ser ou fazer ainda está por vir. Permanecer jovem ou mesmo criança reflete mais elementos do Senex do que propriamente aspectos do Puer. A tentativa ou o desejo de não amadurecer e não envelhecer denota um dilema entre as polaridades Puer – Senex. Um ciclo vicioso de medo paralisante e ousadia irresponsável, frutos de uma impossibilidade de se dispor aos riscos inerentes ao novo e em função de uma baixa tolerância à frustração constituem os principais fatores paralisantes do processo de individuação nessa etapa da vida. A entrada definitiva e decisiva na maturidade é vivida como uma angústia mortal, entretanto mortal também é ficar prisioneiro do passado sem conseguir se encaminhar para o futuro. Nesse panorama o dilema transforma-se em impasse. Os adultescentes que procuram ajuda psicológica querem e não querem ser adultos. Querem um parceiro e um trabalho – ‘casar e mudar’ – mas não se sentem em condições de pagar o preço do ingresso na vida adulta. Esperam por milagres ou buscam garantias de sucesso incondicional na empreitada. Tentam responsabilizar (projeção) os pais ou a sociedade por seus insucessos. O poder projetado os coloca na posição de vítimas impotentes. A projeção de Eros recai sobre a idealização de um parceiro amoroso que permanece distante e inacessível com isso ficam desprovidosdo próprio Eros ‘dês- animados’. A baixa tolerância à frustração não favorece a assertividade (poder), mas promove passividade nesse contexto se instalam fortes sentimentos de desvalia – falta amor próprio – que frequentemente resultam em reduzida disponibilidade e ou confiança para amar outrem (Eros). Eros e poder são assim perigosamente neutralizados. A demanda da cultura por um modo de ser eternamente ‘jovial’ também contribui para que a adultescência dure para sempre. Do pondo de vista da individuação as energias advindas da grande mãe, do pai e do animus/anima se exercem natural e espontaneamente e buscam articulação na vida existencial, ou seja, a individualidade vai sendo forjada pelo encontro entre as possibilidades arquetípicas e as oportunidades que a vida sócio cultural oferece. 15 Num ambiente predominantemente patriarcal os elementos matriarcais tendem a ser reprimidos, suprimidos ou sacrificados. Num ambiente predominantemente matriarcal, os elementos patriarcais tem mais dificuldade de serem instalados ou estruturados. A dinâmica de alteridade tende a promover um ambiente em que os elementos matriarcais e patriarcais se articulem e convivam. O que até hoje se observou na cultura ocidental foi um treinamento ou educação em que, geralmente, a criança é exposta às exigências patriarcais durante a infância sendo que o mundo adulto lhe parecia moldado pelo arquétipo do Pai. Na adolescência os influxos da anima/animus solicitavam a contestação dos valores patriarcais exigiam sua flexibilização e reabilitação de aspectos matriarcais anteriormente excluídos da consciência, com isso operava-se uma necessidade de novas alianças entre dever e prazer, corpo e espírito em que as polaridades antes separadas deveriam se reunir – religar – com a finalidade da estruturação de uma individualidade mais íntegra, mais abrangente e mais complexa. Essa é a meta da individuação. Atualmente, no entanto, a ambiguidade típica da diversidade e flexibilidade da pós- modernidade cria lacunas tanto no que diz respeito às demandas matriarcais quanto patriarcais, embora se observe um maior prejuízo nas componentes patriarcais (limites, valores, tolerância e frustração). A valorização excessiva do ideal jovem em detrimento de tudo que seja duradouro ou estável configura uma imagem pouco atraente da maturidade o que torna extremamente difícil se tornar adulto, para uma parcela significativa da população jovem. Não se trata de localizar causas para essa problemática, mas sim de compreender o significado e o sentido da adultescência como um fenômeno atual. Vale ainda refletir sobre a questão do impasse. A vivência do impasse aponta para uma situação de paralisação distinta da vivência consciente de conflito em que o ego se vê diante de um dilema ético que o impulsiona para uma mudança de atitude perante a vida. Quando a adultescência se configura como uma crise no processo de individuação forma-se uma peculiar constelação das polaridades arquetípicas que em função do impasse entre as diversas possibilidades psíquicas uma polaridade acaba por neutralizar a outra. Podemos pensar que esses jovens ficam ‘empacados’ no processo de individuação pela impossibilidade de articular na consciência os diversos aspectos envolvidos no conflito ‘crescer ou não crescer – ser ou não ser adulto’. Será que a paralisação do processo de individuação desses jovens aponta para uma paralisação iminente no processo cultural também? O impasse entre eros e poder; puer e senex; a ambivalência matriarcal e patriarcal no indivíduo e na cultura podem sinalizar para uma dinâmica que corre o risco de paralisação no plano cultural e individual e exige reflexão e tomada de consciência. 16 Referências APTER, T. O mito da maturidade: o que os adolescentes precisam para se tornarem adultos. R.J. Ed. Rocco. 2004 CALLIGARIS, C. A. 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