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Direito à Saúde – aula 01 – dia 27/04/09
Marlon Wichert
1 – Introdução
Para se falar de direito à saúde precisamos contextualizar, para compreender esse fenômeno, seja no atual estado de direito democrático por qual passamos, bem como no estado liberal.
Para que possamos compreender o conceito e as dificuldades que a doutrina e jurisprudência enfrentam na concretização do direito à saúde. Para isso é importante o conhecimento histórico.
A história do estado moderno tem como grande divisor de águas a Revolução Francesa e a Independência norte-americana. Com a derrocada do Estado Absoluto e assunção do iluminismo temos os 02 grandes marcos do estado constitucional.
No estado constitucional liberal a ênfase é o direito de liberdade, sendo que se pudéssemos resumir a uma palavra seria Liberdade, possuindo a Constituição como um Estatuto Jurídico-Político.
A ênfase é a liberdade individual, com a instituição de direitos fundamentais de 1ª geração, conhecidas como liberdade públicas, que são aquelas liberdade que dizem respeito à esfera individual do cidadão, as quais este utiliza ou insurge contra a opressão estatal.
O direito à saúde vai ter uma conceituação que é compatível com este momento, ou seja, individualizada. É contemporâneo a este momento a descoberta de elementos patogênicos, das causas das doenças.
Neste momento, no estado constitucional liberal, saúde é igual a ausência de doença. O cidadão saudável assim é aquele que não está doente. A uma analogia com uma máquina.
Isso se relaciona diretamente com um estado constitucional liberal, pois este não interfere nas relações entre os cidadãos, apenas oferecendo garantias contra as intervenções arbitrárias do Estado. 
O direito saúde, nesse passo, segue essa lógica individualista, egoísta. Mas o direito à saúde foi se desenvolvendo, sendo que com a crise do modelo capitalista e do estado capitalista vem a crise da saúde, com a grande exclusão da massa trabalhadora.
Passa-se, deste modo, se entender a saúde como um conceito evolutivo, sendo que com Estado Constitucional Social faz uma revolução no campo dos direitos sociais.
No estado constitucional social se reconhece os direitos sociais como direitos fundamentais, sendo que o estado deve agir, não é mais abstencionista, visando um mínimo de dignidade. A máxima do estado liberal foi a liberdade e a do estado social a igualdade.
Os vetores de doença estão sempre ligados a profundos problemas sociais, pelo menos em regra. No estado social se passa a entender o direito à saúde como um direito coletivo, haja vista que a saúde demanda um esforço coletivo, uma vez que ela fruto do ambiente circundante.
É nesse enfoque que o direito à saúde entra no estado democrático de direito, esta consolidado desde a criação da OMS.
A saúde é entendida como o completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou outros agravos.
O que se enfatiza é a promoção da saúde num contexto social, mas sem se esquecer do seu aspecto social.
O bem jurídico saúde está previsto no artigo 6º da CR como um direito social, sendo que o estado tem o dever de agir para garantir o direito à saúde. O artigo 6º define a saúde como direito social, sendo que o artigo 196 da CR vai definir o que é saúde enquanto objeto jurídico de um dever estatal:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
O estado deve agir mediante políticas sociais que garanta o aceso universal, igualitário as ações de promoção, proteção e recuperação da saúde dos cidadãos.
Apesar do conceito ou menção coletiva, a saúde é um direito social que demanda uma intervenção individual por parte do estado, de modo que nunca o direito coletivo à saúde exclui o direito individual à saúde.
Se o estado realiza uma atividade que polui, provoca algum dano à saúde da população ele não está cumprindo com o seu dever. Surge, assim, uma obrigação ou dever negativo do estado de não agir contra a saúde.
Mas este dever também é imposto à sociedade, no exemplo da empresa que não pode poluir, expor a riscos à saúde do trabalhador, do consumidor com seus produtos, etc.
Existe aqui um dever negativo a priori de não realizar nenhuma atividade que prejudique a saúde. Mas atente-se: este direito à saúde não é um valor absoluto.
Vale lembrar os exemplos dos cigarros e bebidas alcoólicas, em que se permite o livre arbítrio, mas desde que essa atividade ou ato nocivo à saúde individual não prejudique terceiros, pois aí cabe ao estado intervir.
O direito à saúde, conforme previsto na CR, possui como primeiro vetor o dever de não fazer, de não provocar males desproporcionais ou prejuízos desarrazoados à saúde, sendo um dever negativo imposto ao Estado e à sociedade.
Disto decorre o dever positivo estatal de fiscalizar, regular e controlar atividades que possam levar risco à saúde.
Por fim, temos o dever positivo estatal de promover saúde. O estado não deve apenas se abster de prejudicar a saúde, mas também tem o viés de promover.
O estado é protagonista nesse dever de promover ou patrocinar a saúde, mas também se tem o dever positivo da sociedade. A sociedade deve agir também (ex.: algumas zoonoses – doenças que atacam animais e passam para o ser humano – como as dos cachorros, sendo que nesse caso se impõe um dever de cuidado e controle por parte do dono). 
O direito à saúde é o direito de estar são e permanecer saudável.
A saúde é um direito universal, é uma prestação estatal que valem para todos. A definição de direito à saúde adotada pelo professor:
É o direito fundamental subjetivo e social à atuação universal e econômica do estado na prevenção de moléstias e outros agravos, na promoção do bem-estar físico, metal e social, e na recuperação do corpo e da mente mediante prestações específicas e integrais, exigíveis coletiva e individualmente, bem como a prestações positivas e negativas da Sociedade na redução de riscos de doenças e promoção coletiva da saúde.
O direito sanitário é o ramo do direito que disciplina as ações e serviços públicos e privados de interesse a saúde.
No artigo 197 da CR temos:
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
Veja-se que o artigo já dispõe o direito à saúde como de relevância pública, suas ações e serviços, que deverão ser concretizadas diretamente pelo estado ou por terceiros, pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.
Ocorre que a doutrina anterior à CR/88 não conhecia esse conceito de direito à saúde como relevância pública (veja-se que nos serviços de relevância pública o estado regulamenta, fiscaliza e controla).
Perceba-se que é diferente da atuação estatal na atividade econômica, conforme o artigo 174 da CR:
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
 Nesse sentido, veja-se que o MP é responsável pela proteção ao direito à saúde, sendo que também considera serviço de relevância pública:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
Disso podemos ver que serviços de relevância pública não são serviços públicos, cabendo ao particular liberdade de iniciativa nesse tema. Não viola a CR a iniciativa privada à prestação de serviços de saúde:
Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
§ 1º - As instituições privadas poderão participarde forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
Quando a iniciativa privada presta serviços de saúde, ela presta serviço de relevância pública, estando sujeito à regulamentação e controle do Estado.
Mas como serviço de relevância pública o estado regulamenta, tendo que autorizar (art. 171 ou 170, §único) e fiscaliza (art. 174 da CR). Dessa forma, o estado pode imiscuir, se inserir dentro da atividade prestada nos casos de serviços de relevância pública, é permitido ao estado intervir no setor privado.
Um exemplo é a lei que regula o seguimento dos planos de saúde, sendo que a agência nacional (ANS) pode assumir a carteira de clientes, determinar que venda, etc.
O que é importante é que, como a saúde demanda a prestação de serviço de relevância pública, ao prestador privado pode ser imposta a intervenção estatal para resguardar os direitos e interesses previstos na CR.
Mas veja-se que não é só a saúde que é considerada serviço de relevância pública, para o professor todos os direitos relacionados à prestação de direitos sociais são de relevância pública, como no exemplo da educação. Outro exemplo, a previdência privada.
Poderia se questionar: todo serviço público é de relevância pública?
R: Qualitativamente temos serviços públicos que são mais importantes que outros, dentre estes estão os direitos sociais.
Conceito de serviço de relevância pública: serviços de relevância pública são serviços estatais ou prestados pela iniciativa privada, relacionados diretamente à implementação de direitos fundamentais sociais e ou interesses coletivo, prioritários no âmbito da administração, e sujeitos a severo controle, regulamentação e fiscalização pode Poder Público quando desenvolvidos pelo particular.
2 – Estado Federal
O estudo do direito à saúde está ligado ao estudo do federalismo. Sabido que foi nos EUA que surgiu a idéia de federalismo, com a independência das 13 colônias, que na Convenção da Filadélfia criou o 1º estado federal de cunho moderno.
O poder estatal é único, mas para evitar a tirania este poder estatal precisa ser dividido, desconcentrado. Daí se fala na idéia de tripartição. Os franceses implementaram a tripartição pela 1ª vez, mas os americanos criaram a idéia de União e Estado, ou seja, criam a figuram de 02 planos (Federal e Estadual).
O pacto federativo é o pacto de repartição de competências, legislativas, executivas e jurisdicionais. Temos as competências:
- privativas – permite delegação, mas por meio de LC e (exclusivas – não permitem delegação)
- Comum (material) /Concorrente (legislativa)
O artigo 21 traz uma competência material, perceba-se pelos verbos que determinam algum dever, sendo que o artigo 22 se refere à competência privativa legislativa.
Artigos 21 e 22 se referem a competências privativas material (comum) e legislativa respectivamente.
O artigo 23 dispõe competência comum (material – veja-se os verbos: zelar, cuidar, etc.).
Sobre a saúde temos:
- art. 23, II da CR: é de competência comum.
- art. 24 da CR: o município não está previsto, sendo que a competência está no artigo 30. Aqui é competência concorrente entre estados e a União. (XII) 
- art. 22, XXIII da CR: competência privativa União legislar sobre a seguridade social.
O ente federativo é um ente dotado de autonomia política, sendo que sua autonomia advém da CR. Política aqui se contrapõe à Administrativa. O estados unitários também têm descentralização (Espanha e Itália – chamados de estados unitários regionais).
Estas regiões nos estados unitários não têm autonomia política para legislar (podem, mas suas leis podem ser extirpadas pelo pode central), apenas administrativas.
O estado federal se diferencia por ter estados com autonomia política, sendo que essa autonomia política é concedida pela CR.
Estado Federal: é aquele em que convivem dois ou mais planos de ordenamentos jurídicos autônomos, decorrentes diretamente da Constituição nacional e governos politicamente autônomos, de entes públicos auto-organizados conforme a constituição nacional, todos decidindo concomitantemente sobre um mesmo povo e território.
No Brasil temos um federalismo cooperativo, pois combinamos técnicas de repartição de competências privativas e concorrentes.
Competência: 
É a faculdade juridicamente atribuída a uma entidade ou a um órgão ou agente público do Poder Público para emitir decisões. (conceito de JAS).
Competência significa autonomia ou capacidade para tomar decisões. O agente político está em posição de poder manifestar decisões em nome do estado, sendo que o agente administrativo pratica atos tomados nos limites da lei, que é um ato político.
O ato político fala em nome do estado, sendo que os atos administrativos apenas executam esses atos políticos. Os atos políticos falam pelo estado, como no caso da lei, da sentença, da denúncia, etc. (“é o estado falando”).
Por isso que a competência é uma fração desse poder estatal de tomar decisões.
Na CR há uma aparente contradição quando diz que a saúde é uma competência concorrente no artigo 24 da CR e a seguridade social com competência privativa, mas a seguridade social engloba a previdência, saúde e assistência social.
No campo das competências comuns, em regra, estão áreas são ligadas à promoção dos direitos sociais. Isso porque a CR reconhece a carência de nossa sociedade, de modo que não seria prudente deixar a competência sobre estes temas apenas para a União.
Veja-se que os entes federativos podem trabalhar juntos nesses pontos, não há obrigatoriedade, sendo muito comum a ocorrência de convênios. Na saúde o estado procura cumprir com seu dever de implementação deste direito social por meio das políticas públicas, que são um conjunto atos que visam a dar concretude aos direitos sociais resguardados constitucionalmente.
A política pública está, tradicionalmente, dentro da discricionariedade do poder executivo, sendo que cabe ao legislador definir o direito social e ao executivo a forma de incrementar estes direitos por meio de políticas públicas.
Todavia, o legislador percebeu uma deficiência nesse papel do executivo, de modo que o PL passa a legislar sobre políticas públicas, ou seja, o Legislador não se limita mais a criar os direitos sociais (“o que é”) passando a legislar sobre as políticas públicas (“como fazer”).
Deste modo, passa a ser a política pública uma imposição legal, sendo que quando o PJ determina o cumprimento, está apenas determinando a concretização da lei, da norma.
Na saúde foi o próprio Constituinte quem definiu as políticas públicas, veja-se o artigo 198 da CR:
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
Este artigo cria o Sistema Único de Saúde, sendo que todas as ações referentes à saúde, em todos os níveos federativos, está relacionada ao SUS. O SUS é uma política pública constitucionalizada, isto é uma exceção.
Na saúde os entes federativos vão trabalhar juntos, não há faculdade como nos outros casos previstos na CR. O SUS é um sistema constitucional.
Assim, a autonomia federativa de decidir se participa ou não de sistema único é mitigada, sendo que a saúde é quase como se fosse um estado unitário, todos os entes federativos são solidária e verticalmente responsáveis pela promoção da saúde, mas cuidado que este sistema é hierarquizado, mas é uma hierarquia de complexidade e organização, não é de subordinação. 
No MS 25295-2 o STF (pode ou não intervir no caso de saúde??! Não entendi) decidiu sobre o caso do Rio de Janeiro, de requisição nos hospitais. O correto seria a União intervir no RJ, mas isso não foi feito. (ao que parece a União poderia intervir diretamente na saúde do município, por meio de controle de gestão, mas no caso do Rio houve uma requisição, que foi irregular).
Em se tratando de territórios federais, cabe intervenção federalnos municípios deste território, mas de resto não cabe intervenção federal em municípios. 
A obrigação sobre o cumprimento do direito de saúde é solidária entre os entes federativos, sendo que a distribuição de competência reflete apenas internamente (entendimento do STJ e em alguns julgados do STF).
Esse entendimento tem sido o que prevalece, sendo que o usuário pode escolher contra quem demanda, tirando alguns programas estaduais específica e isoladamente criados por algum ente federativo.
Mas a regra geral, que tem se solidificado, é a obrigação solidária.
Aula 02 – dia 04/05/09
No que trata ao direito da saúde as obrigações muitas vezes são impostas à coletividade, ou seja, trata-se de uma obrigação do Poder Público e do particular, como no caso de combate à dengue.
É uma dimensão coletiva do Direito à saúde. O exemplo da vcinação, que é importante do ponto de vista individual, pois te protege da doença, bem como do ponto de vista coletivo, uma vez que promove a saúde de todos, como forma de bem-estar social.
Deste modo, há direito ou prestações positivas ou negativas que podem ser exercidas ou impostas ao particular ou ao Estado. Exemplo disso, em SP a limitação do uso de veículos, em razão de interesse coletivo, dos rodízios. Possui, assim, um prisma individual e coletivo.
Perceba-se que na saúde o particular pode prestar serviços, mas está sujeito a controle e fiscalização do Poder Público.

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