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CENTRO UNIVERISTÁRIO ADVENTISTA DE SÃO PAULO CAMPUS ENGENHEIRO COELHO DIREITO KAROLINE SANTIL PORTELLA DE ANDRADE DOSES HOMEOPÁTICAS: O CAMINHAR DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE E SEUS EFEITOS NA CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS. ENGENHEIRO COELHO 2021 KAROLINE SANTIL PORTELLA DE ANDRADE DOSES HOMEOPÁTICAS: O CAMINHAR DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE E SEUS EFEITOS NA CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São Paulo, curso de Direito, sob orientação do Prof. Dr. Igor Emanuel de Sousa Marques. ENGENHEIRO COELHO 2021 ANDRADE, Karoline Santil Portella. Doses Homeopáticas: O caminhas da judicialização da saúde e seus efeitos na concessão de medicamentos. Karoline Santil Portella de Andrade. Engenheiro Coelho. UNASP-EC, 2021. 61f. Orientador: Prof. Dr. Igor Emanuel de Sousa Marques TCC (Graduação) – Centro Universitário Adventista de São Paulo, Direito, 2021. 1 Direito a saúde. 2 Judicialização da Saúde. 3 Direito Fundamental . Trabalho de Conclusão de Curso do Centro Universitário Adventista de São Paulo, do curso de Direito apresentado e aprovado em _____ de ______________ de 2021. ____________________________________________ Prof. Dr. Igor Emanuel de Sousa Marques ____________________________________________ Segundo Leitor ____________________________________________ Terceiro leitor Dedico este trabalho à Deus por ter me guiado até aqui e me inundado de benção sempre e a minha família, por serem minha base e meus maiores incentivados. AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente a Deus, pois se Este não tivesse me ofertado com a dádiva da vida nada poderia fazer. Agradeço a todos os profissionais da Universidade Adventista de São Paulo que passarão por mim em algum momento, agregando conhecimento teórico, prático, espiritual, emocional e psicológico, pois tenho a certeza que sem esses não chegaria até o fim dessa etapa. Mas destaco meus agradecimentos ao Expedito, por toda atenção a todo momento que precisei. Agradeço a minha família, em especial meus avós paternos Clesér Portella e Antônio Portela por serem definitivamente a base de toda a minha vida, juntamente com meus pais Teresa Portella e Carlos Antônio Portella que são a razão da minha jornada. Vocês tem todo a minha gratidão. Como vocês sabem, nós consideramos felizes aqueles que mostraram perseverança. Vocês ouviram falar sobre a paciência de Jó e viram o fim que o Senhor lhe proporcionou. O Senhor é cheio de compaixão e misericórdia. (Tiago 5:11) RESUMO Dentre as funções estatais, uma das mais importantes é a efetivação dos direitos fundamentais consagrados pela constituição de 1988, partindo desse pressuposto, o trabalho iniciará sua análise através da apresentação do direito a saúde como um direito fundamental de todos, devendo ser efetivada pelo Estado democrático de Direito. Seguindo, será ponderado o conflito entre os princípios da Reserva do Possível alegado pelo Estado como um limitador para o cumprimento dessa obrigação, contraposto com o Mínimo existencial que delimita o básico necessário para a existência digna de um cidadão, juntamente com a proibição do retrocesso social em direitos já alcançados. Por fim, o último capítulo tratará sobre a judicialização da saúde e o fornecimento de medicamentos de alto custo, como um meio de efetivar tal direito. Palavras-chaves: Direito a saúde. Judicialização da Saúde. Direito Fundamental. ABSTRACT Among the state functions, one of the most important is the realization of the fundamental rights enshrined in the 1988 constitution, based on this assumption, the work will begin its analysis through the presentation of the right to health as a fundamental right of all, which must be carried out by the democratic State right. Following, the conflict between the principles of the Reservation of the Possible alleged by the State as a limitation for the fulfillment of this obligation will be considered, as opposed to the Existential Minimum that delimits the necessary basics for the dignified existence of a citizen, together with the prohibition of social retrogression on rights already achieved. Finally, the last chapter will deal with the judicialization of health and the supply of high-cost medicines, as a means of realizing this right. Keywords: Right to health. Judicialization of Health. Fundamental Law. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11 1 GARANTIA DOS DIREITOS SOCIAIS COM ENFOQUE NO DIREITO A SAÚDE 13 1.1 Saúde como direito social ................................................................................ 16 1.2 Sistema Único de Saúde (SUS) ....................................................................... 20 2 EFETIVAÇÃO DO DIREITO A SAÚDE: LIMITES E POSSIBILIDADES ................ 28 2.1 A reserva do possível ....................................................................................... 29 2.2 O mínimo existencial ........................................................................................ 31 2.3 Princípio da separação dos poderes ................................................................ 33 2.4 Princípio da proibição do retrocesso social ...................................................... 37 3 JUDICIALIZAÇÃO X ATIVISMO JUDICIAL ............................................................ 40 3.1 Neoconstitucionalismo ..................................................................................... 43 3.2 Judicialização da saúde e seus desdobramentos ............................................ 46 3.3 Intervenções do Poder Judiciário no fornecimento de medicamentos ............. 48 3.4 Intervenções do Poder Judiciário no fornecimento de medicamentos..............49 3.5 O Recurso Extraordinário Nº 566.471/RN.........................................................51 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 53 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ......................................................................... 55 11 INTRODUÇÃO Não há surpresa em considerar que há inquestionável disparidade entre algumas normas jurídicas e a realidade para qual ela deveria servir. De forma mais clara, não só o Brasil, mas como diversos outros países, enfrentam um desencontro entre norma jurídica e realidade controversa. É de se considerar, sobretudo, que essa diferença se dá de formas e proporções distintas, a depender do lugar. Frente ao interesse e limitação da pesquisa, observa-se o direito a saúde no Brasil. Esse, associado a muitos outros direitos, citando como exemploa dignidade da pessoa humana, alcançou espaço, dado a sua importância, na Constituição Federal de 1988, mais especificamente no artigo 196. Sob esse prisma, o primeiro capítulo deste trabalho tem como objetivo apresentar os direitos sociais de forma ampla, e dar consequente enfoque ao direito à saúde. Para isso, a Constituição será analisada, e serão destacadas as normas e declarações internacionais que pela validade da temática, debateram e regularam esse direito, como é o caso da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Além disso, será feito um breve contexto histórico, a fim de apresentar como o direito a saúde foi construído, e como ele se desenvolveu ao longo do tempo. Em seguida, será apresentado o SUS (Sistema Único de Saúde), este que se apresenta como um sistema protetivo ao direito a saúde, e tem grande destaque no cenário brasileiro, pois promove o acesso a todo indivíduo de forma gratuita. Por conseguinte, a efetivação do direito à saúde será tratada, com o escopo de analisar suas limitações e alcances. Para isso, serão observados princípios essenciais, como o mínimo existencial, a reserva do possível, bem como a separação dos poderes e o princípio da proibição do retrocesso social. Em sequência, a judicialização e o ativismo judicial ganharão foco no trabalho. Quando, em uma análise desses dois institutos, serão pincelados suas principais características, diferenças e as formas pelas quais eles se aplicam na realidade jurídica brasileira. Ademais, a fim de esclarecimento do assunto, haverá uma breve definição de neoconstitucionalismo, para que não haja confusão teórica com os outros sistemas. Por fim, será analisada a judicialização da saúde e os seus desdobramentos, com a intenção de apresentar as intervenções do Poder Judiciário nas questões 12 referentes a saúde pública, dando enfoque a intervenção desse Poder nos casos de oferecimento de medicamentos. Assim, a fim de elucidar o assunto, será tratado acerca do Recurso Extraordinário nº 566.471/RN, este que se apresentou como um valioso debate na seara jurídica, e que desenhou linhas muito mais claras quanto a judicialização da saúde e o Poder do Judiciário de conceder medicamentos àqueles indivíduos que requerem judicialmente este benefício. 13 1 GARANTIA DOS DIREITOS SOCIAIS COM ENFOQUE NO DIREITO A SAÚDE A Constituição Federal de 1988 resguarda em seu texto direitos e garantias sociais e individuais. Nela, restou definido o dever da proteção da saúde efetivada. Neste sentido, elucida Paiva e Teixeira (2014, p.162): No contexto de busca de implantação de um estado de bem-estar social, a nova carta constitucional transformava a saúde em direito de cidadania e dava origem ao processo de criação de um sistema público, universal e descentralizado de saúde. Transformava-se, então, profundamente a organização da saúde pública no Brasil. Tojal (2003) relata que foi a partir do momento da consolidação do Estado Social, esclarecidos a partir dos propósitos da ordem econômica da Constituição de 1988, que o direito assumiu o papel de transformador social. Segundo o citado pelo autor, a ideia é que a Constituição não se contenta em simplesmente definir um estatuto de poder, indo muito além disso, com o cuidado de estipular metas e, que deverão ser realizadas pela sociedade e o Governo. Assim, salienta: A partir do momento em que se consolida o modelo do Estado Social, e a sua evidência resta absolutamente clara entre nós, especialmente à luz das considerações a propósito da ordem econômica da Constituição de 1988, o direito assume o papel de fator implementador das transformações sociais, veiculando inclusive prestações públicas. Por consequência, opera-se uma rematerialização da racionalidade legal. Dito de outro modo, o caráter dirigente das modernas Constituições tem igualmente influenciado todo o direito (TOJAL, 2003, p. 29). Como todo desenvolvimento do Estado Social, a inserção do direito da saúde como direito social constitucional, também adveio de movimentos sociais, alterando cenários políticos e econômicos. Como observa Dallari (2008, p.10): “a introdução da saúde no rol dos direitos sociais no Brasil foi, sobretudo, resultado da força dos movimentos populares no momento da redemocratização política, no final dos anos oitenta do século vinte”. No enfoque Internacional é importante salientar que também são válidas algumas normas que apresentem garantias de proteção à saúde. Nessa esteira, Aith (2019, p. 31) pondera que “o Direito à saúde é reconhecido não só através da Constituição Federal como também por meio de Tratados e Declarações de Direito Internacional.” 14 Desta maneira, convém mencionar que foi apenas em 1963, durante a 3ª Conferência Nacional de Saúde, que os temas referentes a saúde e as reformas básicas sobre a situação Sanitária no Brasil foram abordadas, sendo discutido uma política setorial. Sendo importante destacar que no ano de 1986, dos dias 27 a 21 de março, ocorreu a 8ª Conferência Nacional de Saúde. Ela foi considerada a pré-constituinte e seu relatório final propõe a implantação do Sistema Único de Saúde, relatório este que serviu de subsídio para elaboração do capítulo da Saúde na Constituição brasileira de 1988. É por isto que dizemos que o SUS saiu da 8ª Conferência Nacional de Saúde (BRASIL, 2003, p. 289). Carvalho (2003, p. 22-23) explica que foi após os massacres provenientes da segunda guerra mundial, quando o mundo ficou assombrando com todas as atrocidades advindas da violência próprias da ocasião que começaram a surgir questionamentos referentes a necessidade de uma garantia que efetivasse os direitos humanos, onde os Estados viriam a ser obrigados a reconhecer os direitos sociais. Ainda nas palavras do autor, (CARVALHO, 2003, p. 23) “o Brasil sofreu tardiamente os efeitos referentes aos direitos sociais trazidos pelo pós-guerra”. A aflição foi tamanha no período pós-guerra que a Organização das Nações Unidas (1948) se preocupando com a asseguração dos direitos sociais, inseriu em seus incisos, a garantia para o indivíduo e para toda a família ao direito à saúde, transcrevendo que: Artigo XXV 1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. No entanto, mesmo não havendo uma mudança que refletisse de forma imediata no Brasil, esses pensamentos obtiveram um impacto positivo, como esclarece (BAPTISTA, 2007, p.39): No Brasil, não se configurou nesse período (anos 50) uma política de bem- estar social, mas ganhou espaço a ideologia desenvolvimentista que apontou a relação pobreza-doença-subdesenvolvimento, indicando a necessidade de políticas que resultassem em melhora do nível de saúde da população como condição para se obter desenvolvimento- este foi o primeiro passo para uma discussão mais aprofundada sobre o direito a saúde e a proteção social como política pública 15 O estado por grande parte do tempo se demonstrou indiferente a esses assuntos. No entanto, esse modelo de Estado tem sido gradativamente alterado, sendo afirmado que: Aquele modelo jurídico de cunho marcadamente conservador, no mais das vezes indiferente às pressões das massas populares e às lutas pelo direito a ter direitos, infenso a mecanismos de tutela e controle jurisdicional no que diz respeito aos atos da Administração Pública e de seus agentes, sobretudo no âmbito do delineamento e da efetivação das políticas públicas, vem sendo paulatinamente superado por um (novo) modelo de Estado inclusivo, marcadamente social, que assume obrigações onerosas (de efetivaintervenção) perante os cidadãos e que, ao buscar efetivá-las, dialoga com os anseios dos mais diferentes conjuntos de atores sociais, concertando-os (SCHWARZ, 2016, p.2). Nas palavras de Alexandre de Moraes (2003, p. 154) direito sociais são direitos fundamentais do homem, que visam a melhoria dos hipossuficientes em relação ao coletivo em busca de uma igualdade social e devem ser obrigatoriamente observados em nosso Estado. Agregando ao ensinamento do autor mencionado no parágrafo anterior, Schwarz (2016, p. 267) aponta que para a eficácia plena da implementação dos direitos sociais, perfaz necessário a intervenção tanto do poder legislativo quanto do poder executivo, seja na concretização das normas já positivadas referentes ao assunto como também na realização de políticas públicas. E que, por terem caráter jurisdicional, podem ser exigíveis recorrendo a um tribunal, devido a responsabilidade Estatal de sua execução, não podendo este, quando omisso, sair impune. Dentro do rol de direitos fundamentais não existe hierarquia de importância, mas todos se baseiam em princípios basilares constitucionais, que por óbvio agregam valores entre si. Em nosso ordenamento pátrio, o primórdio da defesa destes direitos e garantias se dá pelo princípio da dignidade humana, uma vez que, violando uma das normas positivadas pela carta magna ou ainda sendo o Estado omisso na sua concretização, estará a desrespeitando. Tal violação é bem rotineira, visto que, muitas vezes, notasse a ausência de leitos em hospitais, ou a má administração nos recursos financeiros destinados ao SUS. Silva e Vita (2014, p. 5) elucidam tamanha importância: A doutrina pátria, por sua vez o considera princípio fundamental e a base principiológica da atual constituição, dizendo ser o mesmo a razão dos demais princípios. Assim, tem-se que se desrespeitado tal princípio, ferir-se- ão diversos outros valores que o ser humano possui, tais como o princípio do 16 exercício da cidadania e dos valores sociais também inseridos como fundamentais pelo texto constitucional. Evidente que o Estado possui limites orçamentários, e que na atual situação econômica não passa de um sonho utópico alcançar o esgotamento das falhas recorrentes perante os direitos fundamentais do indivíduo. Mas Cavalcante Filho (2010, p. 07) expõe que a limitação exercida pelo Estado em meio aos direitos fundamentais deve necessariamente respeitar os limites constitucionais, os princípios da razoabilidade e proporcionalidade mesmo que nenhum direito fundamental possua caráter absoluto. 1.1 Saúde como direito social No Brasil, a Constituição Federal de 1988, afamada como garantista foi a pioneira dentre as constituições brasileiras a consagrar a positivação dos direitos sociais. Apesar disso, e já passado três décadas, ainda estamos a anos luz da real efetivação dos direitos e garantias fundamentais e das metas que visam atingir o contentamento tão sonhado por nossa Carta Maior. Um dos direitos que mais carece de atenção é o direito à saúde, mesmo o Estado sendo o maior responsável na promoção e regulação dessa proteção, nos últimos anos temos visto lides intermináveis em que a população busca atenção do sistema de saúde, garantido no texto constitucional, no artigo 6º: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” Seguindo essa linha de pensamento, é trazido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) o conceito de saúde, que infelizmente na atuação situação em que nosso Estado se encontra, faz com que não passe de um desejo e mera expectativa futura. OMS conceitua que: A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade. Gozar do melhor estado de saúde que é possível atingir constitui um dos direitos fundamentais de todo o ser humano, sem distinção de raça, de religião, de credo político, de condição econômica ou social (OMS, 1946). 17 No texto constitucional o conceito de saúde possui um caráter amplo, ou seja, significa que saúde não se restringe apenas ao tratamento de doenças físicas, mas um bem-estar completo, pois como é explicitado por Nunes (2010, p. 33) o direito a saúde é um fenômeno cultural, social e econômico, sendo assim devem necessariamente passar pela proteção à educação, lazer, saneamento básico e os demais direitos de subsistência inerentes ao indivíduo. Abrange, com isso, também o enfoque na proteção da saúde mental e emocional do ser. Sueli Dallari esclarece (2005, p. 13) que a saúde não pode ser observada como um simples problema individual, e é justamente por isso que a mera promoção, proteção ou a recuperação da saúde não são capazes, por si só, de assegurar este direito de forma plena. Sobre esse prisma, a autora salienta que a saúde pública tem um caráter coletivo, e o Estado contemporâneo tem, dentre as suas várias atribuições, o dever de regular o comportamento dos indivíduos no intuito de impedir-lhes qualquer ação nociva à saúde de toda a população. Antes da entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 o Estado carregava características de Estado Liberal e que após a promulgação da Carta Magna assumiu a responsabilidade de Estado Social, promovendo a promoção do Bem-estar Social, incluindo, entre outras obrigações o direito a saúde. Mas, para torna-se fixo, é trazido nas palavras de Bapdista (2007, p. 29-30) que foi somente com a promulgação da Carta Magna de 1988 que começaram a surgir políticas que buscassem uma proteção social no âmbito da saúde de forma universal e não igualitária juntamente com a instituição do Sistema Único de Saúde (SUS). Em relação à competência constitucional que se refere ao direito à saúde, o entendimento é de que a atribuição é de todos os entes federativos solidariamente. Todos são sujeitos responsáveis pela implementação de políticas públicas que visem reduzir o risco de contaminação de doenças bem como a implementação do Sistema Único segundo a legislação. Nesse sentido, importa salientar que a competência comum não implica dizer que os entes federativos possuem as mesmas atribuições. Na realidade, a Constituição de 1988, bem como a Lei Orgânica da Saúde – LOS (Lei nº 8.080/1990), impõe atribuições comuns e exclusivas cabíveis a cada ente da Federação, buscando uma previsibilidade administrativa dos deveres de cada um (ASENSI, 2016, p. 150). 18 O artigo 15 da lei supracitada, estipula as respectivas competências no âmbito administrativo, como por exemplo a promoção da articulação da política e dos planos de saúde (inciso XVIII), a definição das instâncias e mecanismos de controle, avaliação e de fiscalização das ações e serviços de saúde (inciso I) e a administração dos recursos orçamentários e financeiros destinados, em cada ano, à saúde (inciso II) (BRASIL, 1990). Asensi (2016, p. 150) pontua que “a relação de atribuições é decisiva para que os diversos governos possam fazer esforços e estratégias comuns para a efetivação da saúde”, e como efeito prático, há a urgência para que os entes federativos atuem em conjunto para a efetivação da saúde no cenário brasileiro. Sobretudo, com a aprovação da Emenda Constitucional nº 29 de 2000, o artigo 34 da Constituição Federal foi alterado, e com isto, surgiu a possibilidade de intervenção federal nos Estados e no Distrito Federal, com o fim de exigir a “aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde" (BRASIL, 2000). Ademais, o artigo 198 do mesmo texto legal, estipulou em seu §2º, e nos parágrafos que o sucedem, como os entes federativos passariam a aplicarseus recursos financeiros em serviços e ações de saúde, nos termos de uma legislação complementar (BRASIL, 2000). A lei complementar responsável por ditar os padrões financeiros foi a Lei n. 141/2012, que regulamenta a destinação e controle de valores mínimos à saúde, por parte da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios. Como observado, a Lei nº 141/12 determinou em seu artigo 12, que “os recursos da União serão repassados ao Fundo Nacional de Saúde e às demais unidades orçamentárias que compõem o órgão Ministério da Saúde, para ser aplicados em ações e serviços públicos de saúde” (BRASIL, 2012). Por conseguinte, em seu art. 13, disciplinou a forma de repasse dos recursos da União aos demais entes federados cuja norma contém a discricionariedade do chefe de Poder Executivo da União. No âmbito das normas constitucionais Brasileiras, nota-se a grande relevância do tema saúde e da preocupação para que sua efetivação ocorra, já que no art. 196 é afirmado que “a saúde é dever do estado e direito de todos, sendo garantido 19 mediante políticas públicas a fim de que, seja reduzido o risco de doenças e possibilite o acesso universal e gratuito independente da condição financeira particular.” Nessa lógica, Tojal (2003, p. 29) aponta que: Está, pois, o Estado juridicamente obrigado a exercer as ações e serviços de saúde visando a construção da nova ordem social, cujos objetivos, repita-se, são o bem-estar e a justiça sociais, pois a Constituição lhe dirige impositivamente essas tarefas. Sobre as responsabilidades na garantia desse direito, pode-se encontrar, ao debruçar-se sobre a temática, uma divergência no posicionamento jurídico-subjetivo sobre o objeto do direito à saúde, podendo ser entendida como direito de defesa e direito a prestações. No que concerne ao direito de defesa trata-se da proteção a saúde individual juntamente com o impedimento para que o Estado ou entes privados não interfiram em situações inapropriadas no coletivo ou individual. Já o direito positivo possui uma perspectiva diferente, seu enfoque é em sentido amplo visando os deveres de cunho protetivo a saúde pública e pessoal conjuntamente com a organização interna e procedimental. Por outro lado, em sentido estrito, foca-se mais na pretensão ao fornecimento de prestações materiais, citando-se como exemplo tratamentos médicos, medicamentos, exames e afins (RÉ, 2014, p. 134). Dito isto, entende-se essencial definir o conceito de Direito Sanitário visto que é o eixo temático da pesquisa. Portanto, o Direito sanitário apresenta-se como uma disciplina correlacionada entre o sistema de justiça e sistema sanitário. Desta maneira, ele se desdobra como um ramo do conhecimento com autonomia científica, que busca investigar a saúde pela ótica dos direitos humanos fundamentais, sendo parte do direito público, mas também forte influência para outras áreas, como a vida privada, as atividades econômicas e o direito como um todo (OLIVEIRA, 2018, p. 27). Definir o conceito de Direito Sanitário possui importância, visto que foi necessário para “iniciaram” essa mudança no cenário social. Nessa perspectiva, O direito sanitário se interessa tanto pelo direito à saúde, enquanto reivindicação de um direito humano, quanto pelo direito da saúde pública: um conjunto de normas jurídicas que têm por objeto a promoção, prevenção e recuperação da saúde de todos os indivíduos que compõem o povo de determinado Estado, compreendendo, portanto, ambos os ramos tradicionais em que se convencionou dividir o direito: o público e o privado (BRASIL, 2003, p. 48). 20 Como podemos perceber, o preceito ao direito fundamental à saúde se confunde com o conceito de Direito Sanitário, uma vez que este último, aparece como sinônimo de ciência jurídica e, a princípio, tem o objetivo de assegurar a saúde como um direito humano fundamental e efetivo, ou seja, um bem da vida que deve ser tutelado sem ressalvas pelo Estado , afinal, abrange não só o individual mas também o direito coletivo, sendo essencial englobar as três esferas: promoção, prevenção e recuperação da saúde (BRASIL, 2003, p. 48). Desse modo é importante atentar que, o reconhecimento do direito a saúde, bem como outros pontos levantados pelo direito sanitário, como o saneamento básico, só ganhou destaque na esfera legislativa após muitos anos de luta. Exemplo claro disto é o Movimento da Reforma Sanitária (MRS), que inseriu na Constituição Federal de 1988, a saúde como direito fundamental, positivando a responsabilidade para os entes da Federação (BRASIL, 2021). A inserção dessa norma no ordenamento jurídico encontra-se positivada no art. 23, inciso II, da Constituição Federal, onde indica que “é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: II- cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência.” Por fim, deve-se notar que o reconhecimento do direito à saúde, nos Estados contemporâneos, foi -e ainda é-, objeto de polêmicas envolvendo muitos setores sociais, buscando a eficácia do argumento jurídico em relação aos direitos sociais. 1.2 Sistema Único de Saúde (SUS) Tendo compreendido os direitos fundamentais e o direito a saúde como um dever do Estado, será estudado agora a forma como este direito tem sido efetivado. Para um melhor entendimento sobre a matéria que será abordada, julga-se necessário explicar a definição ou conceito do Sistema Único de Saúde, sendo assim, expõe-se que: O Sistema Único de Saúde, o SUS, é formado pelo conjunto de todas as ações e serviços de saúde prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo poder público. À iniciativa privada é permitida 21 participar desse Sistema de maneira complementar (GONÇALVEZ et al., 2009, p. 1). O plano de existência de um sistema protetivo ao direito a saúde, de acordo com Baptista (2007, p. 42-43) teve início na década de 1970, sendo desenvolvido durante o período da ditadura militar, onde o mundo vivia uma fase de terríveis exceções e injustiças. O relato mante-se dizendo que durante o debate, foram apresentas como problemáticas passiveis de discussão: o direito a saúde de forma igualitária para todos os indivíduos; a necessidade de uma integração das ações de saúde de maneira preventiva ou curativa; a descentralização dos municípios e estados do financiamento destinado a saúde; e a promoção do Estado quanto a participação social e o controle das ações de saúde. Esse período marcado pelo interesse de transformação social ficou conhecido como a “reforma sanitária”. Mas de fato, a institucionalização do SUS começou a tomar força a partir dos anos 90, como fruto dos interesses desenhados com a estratégia da unificação descentralizada do sistema de saúde na década anterior (STOTZ, 2003, p. 29). Bapdista (2007, p. 30) avança fazendo um breve regresso histórico, descrevendo a realidade das ações de saúde pública que antecederam ao SUS, e relata que somente em 1808, com a chegada da família real portuguesa no Brasil, durante o período colonial, que os governantes executaram (de acordo com o período) ações de saúde, visando um interesse econômico nas comercializações portuguesas, pois, o resultado de uma mão de obra saudável dos trabalhadores, geraria uma produção muito melhor, e com isso mais lucros. A nossa Carta Política Maior, a partir de 1988 passou a disciplinar em seu texto um modelo de atendimento que visa a prestação positiva do Estado em relação ao direito à saúde. Conhecido como Sistema Único de Saúde é um modelo descentralizado e objetiva garantir atendimento integral, gratuito conforme disciplina o artigo 198 do texto constitucional Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizadae hierarquizada e constituem um sistema único, orq000000000ganizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. 22 A Lei 8.080 de 1990, que “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, sua organização e o funcionamento desses serviços...”, demonstra as alterações referentes ao plano de saúde, que objetivaram uma delimitação mais organizada, incluindo para além da ausência de doenças o disposto no art. 3º da referida lei, o qual diz que também são fatores essenciais da saúde “a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais”, e mais, no art. 5º da supracitada lei, destaca-se o objetivo, demonstrando que não mais é suficiente o caráter curativo, mas também o preventivo da saúde (BRASIL, 1990). O SUS, criado e regulamentado pela lei acima citada, tem como principal financiamento o orçamento da seguridade social (art. 31), da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art.7, inciso XI). Sendo responsabilidade definida do executivo, nos limites estabelecidos das reservas orçamentais e da atual situação social do país, garantir as prestações desses serviços a toda população. A lei 8.080/90 fixa ainda, em seu art. 24, que é possível uma participação privada no sistema Único de Saúde, desde que seja em caráter complementar quando escasso os recursos públicos. Considerando o texto constitucional em seu artigo, 23, II, da CF/88, foi estabelecido a competência comum dos entes federados para cuidar da saúde. Esse fato exige dos gestores de todos os níveis de governo um plano definido e organizado de competências no SUS (Sistema Único de Saúde), de modo a atender a diretriz constitucional de descentralização, prevista no artigo 198, I, bem como as delimitações apresentadas nos artigos 15 e 16 da Lei n. 8.080/1990 (BRASIL, 1990). A Lei de número 8.124/90 é outro importante diploma infraconstitucional que se preocupa com a instituição do SUS mais especificamente no que diz respeito à participação comunitária na administração do sistema e aplicação de recursos financeiros. Vejamos, portanto, o raciocínio de Nádia Marques: Podemos destacar que os principais marcos normativos após a Constituição Federal são: a Lei 8078/90, que dispõe sobre a proteção do consumidor e organiza o Sistema Nacional de Proteção ao Consumidor; a Lei 8080/90, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, organizando o Sistema Único de Saúde; Decreto nº 109/91, que reorganiza o Ministério da Saúde, trazendo para sua estrutura o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social; a Portaria 1565/94, que define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, estabelecendo as bases para a 23 descentralização dos serviços e ações; a Lei 9782/99, que cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária; o Decreto 793/93, que estabelece a obrigatoriedade de colocação da denominação genérica de medicamentos e a Lei 9787/99, que transforma parte de suas fundamentações em Lei (MARQUES, 2012, p. 116). Este diploma legal, auxilia no aprimoramento das prestações positivas em relação à saúde por parte do Estado é a Lei 8.080/90 que regulamenta o fornecimento de medicamentos para os usuários do Sistema Único de Saúde, vejamos, portanto, seu artigo 6° Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS): I - a execução de ações: a) de vigilância sanitária; b) de vigilância epidemiológica; c) de saúde do trabalhador; e d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica; Em relação à implementação do SUS é oportuno afirmar que a obrigatoriedade de fornecer medicamentos bem como tratamentos também faz parte do plano constitucional e infraconstitucional para a busca da efetividade da norma constitucional, vejamos: Os medicamentos disponibilizados pelo SUS devem integrar o conjunto do tratamento de que necessita o beneficiário. A fim de regular esse fornecimento, foram editadas uma série de elementos normativos, que determinam desde quais medicamentos podem ser disponibilizados, até a forma como é realizada a aquisição, produção e dispensação desses medicamentos. Em princípio, os medicamentos necessários ao tratamento dos pacientes atendidos na rede pública devem ser dispensados de forma gratuita. Para a disponibilização a preço acessível aos usuários da rede privada, foi instituído, por meio do Decreto n. 5.090/2004, o Programa da Farmácia Popular do Brasil, que se desenvolveu através de convênios entre os entes, a fim de que as medicações fossem obtidas pelos cidadãos a baixo custo (SANTOS, 2018, p. 31). No artigo 200 da CF/88, podemos analisar as atribuições do Sistema Único de Saúde (SUS), que assim prevê: Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: I - Controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; II - Executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; 24 IV - Participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; V -Incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico; VI - Fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho Além das atribuições do O Sistema único de saúde, encontra-se os princípios estabelecidos no art. 198 da constituição federal e também no art. 7º do Capítulo II da Lei nº 8.080/1990, sendo eles princípios doutrinários e organizadores do SUS, como ilustra TEIXEIRA (2011, p. 03, ,05 e 06,): sendo eles: 1. Universalidade, devendo englobar toda a população nas ações públicas de saúde, sem qualquer restrição ou distinção; 2. A integralidade, que possibilita os indivíduos da sociedade a prevenção (como na vacina) e os tratamentos e foca na prevenção do indivíduo e sua reabilitação, uma vez que todas as pessoas devem ser atendidas desde necessidades básicas a situações de grave risco; 3. A equidade, disponibilizando recurso e os serviços de acordo com a necessidade individual, sabendo-se que cada caso é único e requer ser avaliado. A junção desses princípios fundamenta a defesa da tese do livre acesso a medicamentos e as mais variadas formas de tratamentos. Juntamente aos princípios basilares do SUS (Sistema Único de Saúde) encontra-se também os princípios organizativos do sus, quais sejam de acordo com Teixeira (2011, p. 06-07) 1. Descentralização, com a distribuição dos poderes e responsabilidade entre a União, os estados e municípios, priorizando a garantia da prestação dos serviços relativos a saúde e a fiscalização por meio da sociedade. Sendo a decisão final tomada por quem se encontrar mais próximo da situação fática; 2. Regionalização e Hierarquização: A regionalidade diz respeito a organização dos atendimentos de acordo com a sua complexidade e a região do ocorrido, sendo analisado a melhor solução adequada. A hierarquização define-se pela organização de todas as unidades desde as mais simples as mais complexas. Portanto, eis que o projetodo SUS, se demonstra desde a redemocratização do país cada vez mais ativo em nossa sociedade, entretanto ainda há muito que ser melhorado nesse contexto. 25 Um dos principais desafios para o Sistema Único de Saúde é resolver os problemas histórico-estruturais do sistema de saúde, com destaque para a superação das profundas desigualdades em saúde, com o respeito à diversidade regional e local, vindo a acarretar uma mudança substantiva no papel do Estado nas três esferas de governo, o fortalecimento da gestão pública com finalidades diferenciadas no âmbito nacional, estadual e municipal, a definição de competências para cada esfera de governo e o desenvolvimento de ações, no intuito de articular princípios nacionais de política com decisões e parâmetros locais e regionais (MARQUES, 2012, p. 124). Conquanto, nota-se que há inquestionável lacuna na concessão e proteção desses direitos. Entretanto, é válido mencionar que ainda que todos os direitos instituídos pelo ordenamento jurídico brasileiro onerem o Estado, o direito à saúde se destaca quanto ao aspecto financeiro. Isto porque, exigem a criação e implantação de políticas públicas, gerando, como consequência, o emprego de recursos materiais e humanos. Tão logo, desembocam em dispêndio expressivo aos cofres públicos, e sujeitam-se a capacidade econômica do Estado (MOUTINHO; DALLARI, 2019, p. 72). Como consequência, a discussão sobre o financiamento da saúde pública ganha destaque. Com isso, surge a temática acerca da possibilidade de vincular receitas para o financiamento do SUS, que com o alvoroço da população, ganha força e traduz-se por meio da Emenda Constitucional nº 29 de 2000. Com ela, a lei passa a assegurar os recursos mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde, alterando o próprio texto constitucional, como por exemplo os artigos 34 e 198 da Constituição Federal, bem como acrescenta artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (BRASIL, 2000). O Fundo Nacional de Saúde, após o decreto nº 64.867, de 1969 encarrega-se de ser o gestor financeiros de todos os recursos destinados ao SUS na esfera Federal. Essa arrecadação está definida e positivada no art.198, § 2 da CF que diz: Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: § 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000) A lei complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012, no capítulo III, estabelece o percentual mínimo da aplicação dos recursos em ações e serviços públicos da saúde, fixando no art. 5º que a união aplicará, anualmente o mesmo valor empenhado no exercício anterior, mais o correspondente à variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB) ocorrida no ano anterior ao da lei orçamentária anual. 26 Para os Estados e Distrito Federal ficou estabelecido, no art. 6º da referida lei, que deverá ser aplicado, anualmente 12% (doze por cento) do arrecadado dos impostos estipulados no art. 155 CF/88 juntamente com os recursos que tratam o art. 157 CF/88, a alínea “a” do inciso I e o inciso II do caput do art. 159 CF/88, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios. Os municípios e o Distrito federal deveram como determinado no art. 7, encaminhar 15% da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 da CF/88 e dos recursos de que tratam o art. 158 e a alínea “b” do inciso I do caput e o § 3º do art. 159 também da Constituição Federal. E para o Distrito Federal, quando não houver a segregação em base estadual, nem municipal de determinado imposto, enviará 12% (doze por cento), no mínimo, anualmente, para ações e serviços públicos, sobre o produto da arrecadação direta desse imposto. Ainda em relação ao fornecimento de medicamentos por parte do SUS, a autora apresenta três variantes de comportamento por parte do Sistema Único de Saúde quando da sua atuação. Cada variante, tem um propósito, que vai desde o fornecimento de medicamentos voltados a prestação de uma tenção básica, bem como a atuação na prevenção e tratamento de doenças endêmicas, bem como o combate de doenças como tuberculose, HIV e hanseníase. Desse modo O fornecimento de medicações pelo SUS para seus usuários se dá por meio de três variantes: Componente Básico da Assistência Farmacêutica (CBAF), Componente Estratégico da Assistência Farmacêutica (CESAF) e Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF). O Componente Básico de Assistência à Saúde possui, em sua lista, medicamentos voltados aos programas de saúde da Atenção Básica, isto é, voltados ao atendimento inicial dos usuários. Na atenção básica, os objetivos principais são de prevenção, tratamento de doenças mais simples ou direcionamento de pacientes com enfermidades de maior complexidade para atendimentos mais específicos. No componente Estratégico, busca-se a prevenção e tratamento de doenças endêmicas, ou seja, de alta incidência em determinada região. Nesse componente, a aquisição dos medicamentos é feita pela União, através do Ministério da Saúde, que repassa aos Estados e, se necessário, são repassados aos municípios. Como exemplo, verifica-se a existência de programadas de combate à tuberculose, ao HIV, à hanseníase, entre outros. Já o componente Especializado preocupa-se com a garantia de acesso aos medicamentos disponibilizados. Esse componente guarda íntima relação com a atenção básica, tendo em vista que o tratamento se inicia naquele nível. Dessa forma, a fim de garantir a integralidade do tratamento, conta-se com a integração de todos os entes responsáveis pela efetividade dos programas de saúde disponibilizados pelo Sistema Único (SANTOS, 2018, p. 32). 27 Por conseguinte, a autora destaca que os medicamentos de alto custo são disponibilizados pelo Componente Estratégico Especializado que se preocupa garantir o acesso aos medicamentos, sendo estes considerados medicamentos de dispensação excepcional como aponta: “Tais medicamento são definidos pela Portaria nº. 3.916/1998 da ANVISA como “medicamentos utilizados em doenças raras, geralmente de custo elevado, cuja dispensação atende a casos específicos”. (SANTOS, 2018, p. 33). O SUS, ano de 2020, completou 32 anos de sua existência e mesmo com a narração dos fatos expostos acima, da demonstração de sua importância no ambiente social descrito na teoria e presenciado na prática e a necessidade da prestação dos serviços, ainda sim, encontram-se falhas inenarráveis com a efetivação dos tratamentos, em especial em face da disponibilização de medicamentos que acarretam grandes despesas financeiras para o estado. Partindo desse ponto, o próximo capítulo discorrerá a respeito dos limites para a concretização do direito à saúde. 28 2 EFETIVAÇÃO DO DIREITO A SAÚDE: LIMITES E POSSIBILIDADES O direito a saúde, em regra, não deveria sofrer qualquer tipo de restrição, já que nas palavras de Asbahr (2004, p.14) é o que possui maior importância dentre todos, pois dele emana os demais, possibilitando ao indivíduo qualidade de vida física, mental e social. No entanto, no momento de efetivá-lo, infelizmente acaba-se enfrentando dificuldade advindas da judicialização dos direitos a saúde mesmo este seja um dever do Estado e direito de todos, o que pressupõe um erro [...] impõe-se que relembremos aqui a aceitação da ideia de que ao Estado, em decorrência do dever geral de efetivação dos direitos fundamentais, incumbe zelar – inclusive em caráter preventivo – pela proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos, não só contra ingerências indevidas por parte dos poderes públicos, mas também contraagressões provindas de particulares e até mesmo de outros Estados, dever este que, por sua vez, desemboca na obrigação de adotar medidas positivas com vista a garantir e proteger de forma efetiva a fruição dos direitos fundamentais. (SARLET, p.157, 2012) Como bem é explicado por Barioni, Gandini e Souza (2008, p. 04) é notável a má administração dos recursos destinados ao Sistema Único de Saúde, pois, de fato, o custo referente a saúde demanda um alto valor e o investimento não é realizado. As normas já formuladas referentes ao assunto rotineiramente provocam controvérsias, o que acaba por dificultar ainda mais o que já não é simples. Mas, o que eventualmente cai por esquecimento pelo Poder Público é que a vida é um direito incalculável, porém frágil se não obtiver os cuidados necessários. O investimento dedicado a saúde deveria constantemente ser colocada como prioridade no orçamento público, visto que o direito à vida possui sentido amplo relacionando-se com os demais direitos. (MORAES, p. 50, 2003) pondera que “O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos” E, levando-se em consideração o direito à vida juntamente com a responsabilidade do Estado em efetivá-lo, é trazido por (OLIVEIRA e REGÔ, 2015, online) que “... o Estado deve se valer de todos os modos práticos possíveis para assegurar a vida (e uma vida digna, não é demais repetir). Nem que para tanto seja necessário que outros direitos sejam mitigados, como a liberdade.” 29 Ter-se-á como principal objetivo a discussão de maneira veemente tratando sobre as colisões de princípios que possuam relação com o direito a saúde, partindo do princípio do mínimo existencial, tal qual é pertinente aos indivíduos e de responsabilidade do Estado, como também será abordado as argumentações utilizadas pelo Estado como resposta para escusasse do dever de fornecê-lo, encobrindo-se, como o princípio da reserva do possível, a previsão orçamentária e a separação dos poderes. Por fim, mas com peso de igual carga, será levantado de maneira pontual o princípio da proibição do retrocesso social, para que haja entendimento da necessidade de uma constate evolução social. 2.1 A reserva do possível O Estado alega não dispor de recursos financeiros suficientes e ilimitados, capazes de concretizar os direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição Federal de 1988, e como argumento para o escape de sua obrigação, utiliza-se do princípio da reserva do possível para poder negar os benefícios cabíveis, que se define em: o Estado tem alegado em sua defesa o princípio da “reserva do possível”, que consiste na ideia de que os recursos públicos são limitados, enquanto que as demandas sociais são ilimitadas. Com base nisso, o Estado teria discricionariedade para eleger as políticas públicas que deseja implementar (ORDACGY, 2018 p. 33) E segue o autor criticando: Não merece prosperar tal argumentação, visto que o direito à saúde constitui o direito mais básico e essencial do ser humano, razão de ser da própria criação do Estado, motivo pelo qual merece máxima prioridade, devendo sobrepor-se a outras destinações orçamentárias, tais como: verbas para propaganda governamental, verbas de representação, dentre outras. Aliás, para uma perfeita prestação de saúde pública, faz-se necessário um adequado controle das verbas orçamentárias, em todos os níveis (não só na execução das verbas, mas também na elaboração do orçamento) (ORDACGY, 2018, p. 33) Mânica (2008, p. 100) descreve que a reserva do possível, também conhecida como reserva do financeiramente possível é capaz de impedir a atuação do poder 30 judiciário na atuação frente aos direitos sociais e individuais, desde que, possa comprovar a insuficiência orçamentária para a efetivação de tais direitos. Maldonado, explana o que acaba levando o Brasil a acolher tal princípio: De maneira bastante genérica, porém, pode-se afirmar que, no Brasil, a alegação de impossibilidade financeira do Estado como argumento único à negativa à prestação de um direito foi acolhida inúmeras vezes. E tal posicionamento, evidentemente, sempre foi alvo de contundente crítica, sob a premissa de que, a rigor, os recursos estatais não são necessariamente limitados e que existem meios legítimos para sua obtenção de modo a fazer frente à garantia dos direitos fundamentais (MALDONADO, p. 190, 2015). Nas palavras de Araújo (2011, p. 440) a primeira vez a ser utilizado o princípio da reserva do possível, deu-se nos tribunais alemães, no famoso numerus clausus referente ao acesso de alunos para o ingresso na faculdade de medicina, tendo sido solicitado a corte suprema do país uma decisão sobre as colisões entre as regras legais estaduais que limitavam o acesso à educação a uma quantidade certa de alunos e os direitos fundamentais. Sobre o caso citado acima, é explicado por Olsen (2006, p. 241) o acontecido. Ocorreu na cidade de Hamburgo e Munique, entre 1952 e 1967 quando o número de alunos que se encontravam prestes a ingressarem na faculdade teve um crescimento muito maior do que o suportável financeiramente para o País, visto que a quantidade de ingressantes passou de 25.000 para 51.000, e o Estado teria que disponibilizar o valor de 7.7 Bilhões de marcos, o que na atual situação pós-guerra seria uma opção inviável. E foi nessas circunstâncias, que surgiu a reserva do possível, com a limitação do acesso ao ingresso nas faculdades. Foi a partir de então que o Estado passou a utilizar esse argumento como limitador financeiro, já que a efetivação dos direitos fundamentais se encontra completamente dependente dos recursos financeiros estatais. Além disso, quando se aborda a efetivação por meio da judicialização, costuma-se destacar também que é tarefa do poder legislativo administrar e direcionar a aplicação dos recursos públicos, em especial as políticas públicas e não o judiciário tardiamente circunstância que traz a reflexão de se tratar de um problema majoritariamente competencial. É o que expõe Lima (2006, p. 124) quando pondera que em uma ótica constitucional, não está em discussão a aplicabilidade imediata, nem mesmo negar a existência da norma, tão pouco contrapor a possibilidade do Poder Judiciário em 31 conseguir determinar ao Estado que seja realizado prestações positivas com esse segmento. Lima (2006, p. 124) diz que se leva em consideração a efetividade do direito a saúde como um modelo de justiça social, sendo aplicada de maneira igualitária e possibilitando um acesso universal de forma racional, como disposto no art. 196 e 193 da Constituição Federal. No entanto, a escassez orçamentária do Estado não pode ser usada como um motivo absoluto. Na realidade, esse argumento só pode ser utilizado quando o Estado demonstrar que agiu prevendo um orçamento adequado para atender as necessidades do cidadão, e adotou todas as medidas quanto a esfera estrutural, pessoal e material, mas houve uma escassez total de recursos, fazendo com que o “possível” se sobreponha como delimitador das ações estatais (DOS SANTOS, 2014, p. 291). Vaz (2016, p.260) explica que na teoria da reserva do possível, há diferenças entre a fática, jurídica e negativa, sendo que: A dimensão fática é apresentada como objeção fundamentada na ausência de recursos financeiros. A dimensão jurídica é apresentada como objeção relacionada à impossibilidade de uso dos recursos existentes. A dimensão negativa é apresentada como mecanismo de proteção contra o esvaziamento de outras prestações. E Olsen, (2006, p. 247) verifica que a doutrina da reserva do possível, ao ser inclusa em nosso ordenamento, acabou sofrendo algumas modificações e a preocupação que seria a proporcionalidade e a razoabilidade, tornou-se uma questão de disponibilidade derecursos e sobre os custos dos direitos. No entanto, como nenhuma teoria ou princípio possui caráter absolutório, será apresentado o argumento contraposto da reserva do possível: o mínimo existencial. 2.2 O mínimo existencial O mínimo existencial está completamente interligado ao direito da dignidade humana, e nas palavras de Weber (2013, p. 199) o primórdio de sua existência baseia- se na garantia de condições e exigências mínimas para uma vida, e dessa forma relaciona-se ao direito a vida e na dignidade da pessoa humana, devendo ser protegida e efetivada pelo Estado. 32 Weber esclarece que não há como delimitar o conteúdo protegido pelo mínimo existencial, uma vez que, as condições mínimas de uma vida dignam sofrem variações de acordo com a economia, a cultura e o meio social de um povo. Contudo, há hoje direitos assentidos como essenciais para a vida digna como: saúde, educação e habitação. Mas, mesmo não havendo uma forma para delimitar seu conteúdo, tem-se por base sua definição: o Mínimo Existencial é o direito de cada indivíduo às condições mínimas indispensáveis para a existência humana digna, que não pode ser objeto de intervenção do Estado, mas que exige prestações positivas deste. Consiste, então, em um padrão mínimo de efetivação dos direitos fundamentais sociais pelo Estado (SOUZA, 2013, p. 212). Em resumo, entende-se como mínimo existencial o crucial para a sobrevivência do indivíduo em sociedade, são direitos estabelecidos de forma intrínseca e extrínseca nas normas Brasileiras. Mas, esse princípio, não se limita apenas a estabelecer o mínimo para a vitalidade física, como também, o necessário para uma qualidade de vida aceitável. Seguindo essa mesma linha de pensamento Torres (1989, p.49) destaca que nos países com maior desenvolvimento que por lógica tornam-se mais ricos, a necessidade de uma proteção relacionada à uma vida digna e os bens necessários para a sobrevivência da sociedade, perfazem menos forçoso. Por ser o Brasil um país subdesenvolvido se faz necessário um mecanismo que padronize a atuação do Estado frente ao mínimo existencial: Enfim, é preciso uma ação e padrão mais uniformizado de atuação dos poderes estatais na realização dos direitos sociais com o intuito de assegurar o mínimo existencial, para evitar que a falta de vontade política e medidas e decisões parciais sejam adotadas produzindo categorias variadas de oferecimento de prestações de conteúdo universal (GUERRA; EMERIQUE, 2006, p. 393). Sarlet (2012, p. 280) esclarece que o mínimo existencial deve ser distinguido do mínimo vital, onde o mínimo existencial deve englobar tanto o fisiológico que seja tudo ligado a manutenção da sobrevivência e o mínimo sociocultural, devendo esses se interligarem, mesmo que o segundo necessite de um cuidado maior no designo da determinação dos seus objetos. De acordo com Sarlet, Rosa (2015, p. 218) o surgimento dessas ideias voltadas para atender a dogmática do mínimo existencial dentro do processo de efetivação da norma constitucional, tem origem no direito germânico quando da elaboração da Lei 33 Fundamental de 1949 que no seu contexto garantiu a previsão da proteção a maternidade, aos filhos bem como atuação positiva do Estado para a compensação de desigualdades discriminatórias, o destaca, portanto: Tal discussão em torno da garantia do mínimo indispensável para uma existência digna ocupou posição destacada não apenas nos trabalhos preparatórios no âmbito do processo constituinte, mas também após a entrada em vigor da Lei Fundamental de 1949”, sendo desenvolvida tanto pela doutrina, quanto pela prática legislativa, administrativa e jurisprudencial (SARLET; ROSA, 2015, p. 218). Nesse mesmo contexto foi reconhecido pelo Tribunal Federal Administrativo da Alemanha no ano de 1954 o direito subjetivo de uma pessoa que não tinha condições de sobreviver sem auxílio material por parte do Estado sob argumento baseado no princípio da dignidade da pessoa humana envolvendo liberdade bem como o direito à vida, onde o sujeito, “na qualidade de pessoa autônoma e responsável, deve ser reconhecido como titular de direitos e obrigações, o que implica principalmente a manutenção de suas condições de existência.” (SARLET; ROSA, 2015, p. 219). Torres (1989, p. 35) clarifica que o mínimo existencial carrega consigo duas faces: o direito protegido negativamente e garantido positivamente pelas prestações estatais. Com isso, o autor quer dizer que no status negativus o Estado não poderá interferir em direitos mínimos do indivíduo, como por exemplo a liberdade, podendo o indivíduo escolher entre a ação ou omissão e comumente o status negativus acaba aderindo-se ao status positivus, na proteção constitucional. Por sua vez, é elucidado sobre o status positivus : Por tais razões que destacasse que o objetivo primordial do Estado é concretizar os direitos fundamentais sociais, por serem indispensáveis para uma vida digna. E, mesmo havendo momentos em que de fato tal ato seja impossível pela escassez de recursos, atrelando-se a Reserva do Possível, deverá ser mantido o Mínimo Existencial de cada direito a ser resguardado. 2.3 Princípio da separação dos poderes Julga-se necessário expor sobre o princípio da separação dos poderes, por ser mais uma alegação estatal contra a judicialização dos direitos sociais, em especial o 34 direito a saúde, o qual, reflete a discussão. Inicialmente, para uma melhor compreensão, deve ser pormenorizar a respeito da definição de tal princípio, e far-se- á isso utilizando-se das palavras de Júnior (2004, p. 1) que por sua vez, repassa os ensinamentos definidos através da Constituição Federal de 1988, quando diz “O Princípio da Separação dos Poderes, cláusula pétrea da Constituição brasileira, encontra-se positivado no artigo 2° ao prever que são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” O princípio da separação dos poderes teve seu início como preleciona freixo (2014, p.60) a partir de Aristóteles, que diferenciava as funções, o que, no entanto, não confirmaria que o filósofo teria pensado em um sistema político descentralizado, pois o poder era centrado no rei. A noção de separação de poderes, entendida como um critério funcional que distingue três funções estatais (legislação, administração e jurisdição), foi inicialmente esboçada por Aristóteles, em sua obra Política, em que distinguiu a função de editar normas gerais oponíveis a todos, a de aplicar essas normas e a de dirimir conflitos gerados na aplicação das mesmas. Não se pode afirmar, contudo, que o filósofo grego tenha pensado em um sistema político com o objetivo de coibir abusos do poder, pois à época de Aristóteles, o poder era centrado no soberano, que exercia concomitantemente as três funções. E por isso, é justificado que haja separação entre os poderes, por se entender que dessa forma é trazido uma sensação de liberdade para os indivíduos, como é transcrito por Montesquieu: Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade; porque se pode temer que o mesmo monarca ou mesmo o senado crie leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou um mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas, e o de julgar os crimes ou as querelas dos particulares. (MURACHCO, 2021). Nessa esteira,ao flanar pela história da humanidade, é possível notar a presença da separação dos poderes, se não como realidade, como teoria a ser estudada. Desta forma, esse debate perdura há séculos, e se desdobra de forma variada ao longo do tempo. 35 Tal fato pode ser observado ao debruçar os olhos para a obra “O príncipe” escrita por Maquiavel. Produção literária que até os dias atuais produz debates acalorados na área acadêmica quanto a separação de poderes. Pensando de forma diferente, Montesquieu acreditava em uma realidade na qual houvesse equilíbrio entre os poderes, de forma que eles exercessem suas atribuições livremente, devendo haver, sobretudo, fiscalização dos outros poderes, a fim de se manter a ordem e o equilíbrio entre os poderes instituídos (BAFFA, 2017, p. 5). E completando, Beçak (2008, p. 327-328) relata: o fundamental na teoria montesquiana foi aliar à identificação de determinada função estatal, além do seu desempenho por um poder específico do Estado, a recomendação de que não fossem atribuídas a mais de um poder cada função e, ademais, que esses Poderes desempenhassem suas funções sem imiscuírem-se nas esferas alheias. A finalidade de Montesquieu com a separação dos poderes não estava focada em assegurar eficiência dessa teoria, mas sim oferecer maior liberdade para o indivíduo enfraquecendo o Estado, tornando até mesmo inválida uma cultura democrática que não há fizesse: Como é óbvio, dando atribuições tão restritas ao Estado, Montesquieu não estaria preocupado em assegurar-lhe a eficiência, parecendo-lhe mais importante a separação tripartida dos poderes para garantia da liberdade individual. Foi a intenção de enfraquecer o poder do Estado, complementando a função limitadora exercida pela Constituição, que impôs a separação de poderes como um dos dogmas do Estado Moderno, chegando-se mesmo a sustentar a impossibilidade de democracia sem aquela separação (DALLARI, 2011, p. 196). Foi a intenção de enfraquecer o poder do Estado, complementando a função limitadora exercida pela Constituição, que impôs a separação de poderes como um dos dogmas do Estado Moderno, chegando-se mesmo a sustentar a impossibilidade de democracia sem aquela separação. Freire Júnior (2008, p.38) esclarece que foi na declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, positivada no artigo 16, que se fundamentou, como um princípio formal fundamental a separação dos poderes, visando o desenlace da “concepção liberal de proteção da burguesia em face da concentração de poder Estatal”, com a criação de instituições autônomas que assegurem a liberdade e garantia dos direitos fundamentais. De maneira complementar ao ensinado por Júnior, é trazido o disposto no artigo 16 da Declaração do Homem e do Cidadão: “Qualquer sociedade em que não esteja 36 assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição.’’ No entanto, é salientado por Dallari (2011, p.193) que há uma distinção entre separação e divisão de poderes, confusão essa que acaba acarretando alguns autores, e devido isso, esclarece que “é ponto pacífico que o poder do Estado é uno e indivisível. É normal e necessário que haja muitos órgãos exercendo o poder soberano do Estado, mas a unidade do poder não se quebra por tal circunstância.” Mesmo os poderes sendo uno e indivisíveis, divide-se em três categorias: legislativa, executiva e judiciária, possuindo autonomia e independia entre si, como demonstra Alves (2011, p. 76) Embora o Poder Estatal seja uno e indivisível, seu exercício é realizado de maneira tripartite (legislar, administrar e jurisdicionar), em uma independência organizacional. Esta atuação, por expressão constitucional, inclusive, deve se dar de maneira harmônica, ou seja, o Poder uno, deve ser assim entendido para a consecução de fins que o Estado de Direito busca. Fins estes que podem ser considerados, neste tema, as metas fins sociais que se traduzem em políticas públicas. Mesmo com a delimitação da separação dos poderes, Freire Júnior (2008, p.18) alega que já há algum tempo, pode-se notar uma nova forma da atuação desse princípio em nosso ordenamento jurídico, que se apresenta como uma jurisdição constitucional, a qual, em suas palavras “é atribuída funções de controle abstrato de normas e competência para dirimir conflitos de competência entre órgãos e resolver impugnações contra leis ou decisões judiciais.” Por mais que o estado se apodere do argumento da escassez orçamentária e queira limitar a efetivação dos direitos fundamentais, acaba tendo dificuldades ao se deparar com o mínimo existencial, como explica Entretanto, não é possível deixar a mercê do Estado a decisão de implementar ou não ao menos uma parcela mínima de cada direito fundamental social necessária para garantir a vida digna de cada indivíduo, sob pena de atentar diretamente contra os direitos e garantias constitucionais (SOUZA, 2013, p. 211). Torres (1989, p. 01) complementa quando diz que “há um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado e que ainda exige prestações estatais positivas.” Diz-se dificuldade, pois, nunca se sabe qual deverá prevalecer perante a situação fática. 37 A ideia central deste princípio, é que haja separação entre as funções estatais de tal maneira que sejam independentes entre si. Mas, se vier o executivo falhar nas prestações frente aos direitos sociais, haverá a interferência do Poder Judiciário em sua efetivação. 2.4 Princípio da proibição do retrocesso social Complementando o princípio do Mínimo Legal, debruçarmos no princípio da proibição do Retrocesso Social, visando, de igual forma, a proteção dos princípios basilares, vedando qualquer tentativa de involução ou regresso de melhorias já alcançadas, na proteção dos direitos Sociais. Fuhrann (2014, p. 49-50) pretendendo conceituá-lo, elucida que vedação ao retrocesso social não se dá apenas no âmbito legislativo, mas também no executivo: [...] pode ser conceituado, de uma forma geral, nos seguintes termos: é um princípio jurídico decorrente do sistema jurídico nacional e do sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos que invalida todo e qualquer ato estatal, praticado de forma comissiva, tanto do legislativo quanto do Executivo, que, mesmo não retroagindo no âmbito das posições jurídicas já consolidadas pelo instituto do direito adquirido, retroceda na densificação infraconstitucional dos direitos sociais assegurados ao nível da Constituição, seja no conteúdo da norma, seja na abrangência dos seus titulares, sem que haja, concomitantemente, previsão de política compensatória ou alternativa. E ainda Awad (2010, p.95) que alega que devido esse princípio, é que há uma maior garantia “... segundo a qual, uma vez obtido determinado grau de realização dos direitos sociais, esses passariam a constituir uma garantia institucional.” Fileti (2009, p. 06) acrescenta ao conceito do princípio da vedação ao retrocesso social, alegando que este é um limitador para o poder legislativo infraconstitucional “impedindo que este possa eliminar ou reduzir, total ou parcialmente, de forma arbitrária e sem acompanhamento de política substitutiva ou equivalente, o nível de concretização alcançado por um determinado direito fundamental social.” Fileti (2009, p. 04) narra que o princípio da proibição do retrocesso social baseia-se na natureza indubitável de garantir a concretização dos direitos fundamentais como o enfoque principal e para além disso, almeja o desenvolvimento constante dessa concretização. Não sendo cabível rotulá-lo apenas como uma mera modalidade de eficácia jurídica das normas. 38 De acordo com Fuhrmann (2014, p.50) existem quatro suportes que podemos utilizar na defesa do princípio da proibição do retrocesso sendo eles: a segurançajurídica da defesa dos direitos fundamentais; a garantia do mínimo existencial pretendendo uma vida digna; a interferência do Estado no meio essencial desses direitos; e proibição de recriações de omissões legislativas inconstitucionais. Awad (2010, p. 96) preleciona que o princípio da vedação ao retrocesso atua de maneira conjunta com outros princípios, como o mínimo legal, a dignidade da pessoa humana e a segurança jurídica. Vejamos: A proibição de retrocesso não é tomada como um parâmetro único e definitivo, que se baste, mas vem acompanhada, necessariamente, por outros valores e princípios constitucionais, ou melhor, a proibição de retrocesso social atua juntamente com o princípio da dignidade da pessoa humana, da consequente garantia de um núcleo essencial, bem como da segurança jurídica. O princípio da proibição do retrocesso social, assim como uma moeda possui duas faces. De um lado pode-se notar o conteúdo positivo e por outro lado o negativo. Tal distinção é realizada de maneira didática e de fácil compreensão por Fileti (2009, p. 05) ao proferir que do lado positivo está o dever do legislador em permanecer, de maneira constante e progressiva no alvo de ampliar conforme as ferramentas disponíveis do Estado (incluindo a financeira), o nível da concretização dos direitos sociais, não se acomodando apenas a manutenção, mas sim almejando o avanço. E o negativo, por sua vez, que neste caso prevalece sobre o positivo, visa a não supressão ou redução do legislador sobre os direitos já adquiridos no momento da elaboração de atos normativos. A cautela deve ser tomada principalmente neste momento para que seja sempre analisada a proporcionalidade, não podendo ultrapassar o grau normativo que os direitos fundamentais sociais já alcançaram por intermédio da legislação infraconstitucional. Por mais que a temática do trabalho gire em torno do direito social à saúde, do qual ressaltasse o caráter de direito prestacional, deve-se esclarecer que não apenas esses possuem proteção contra o retrocesso social, mas sim, todos os direitos abarcados como direitos fundamentais, veja: Importa assinalar que não apenas os direitos sociais, de cunho prestacional, podem ser atingidos pelo retrocesso social e, por conseguinte, não apenas eles gozam da proteção do princípio da proibição de retrocesso social. É possível sustentar, quanto ao mencionado, que todo e qualquer direito fundamental naquilo que tenha sido objeto de desenvolvimento legislativo 39 usufrui da proteção da proibição de retrocesso social. (COSTA; CARVALHO, 2009, p.7). E por terem aplicabilidade imediata, não seria suficiente apenas a alegação por meio do Estado de escassez financeira para não os efetivar ou reduzi-los, pois correr- se-ia o risco de retrocedermos socialmente, pois “O núcleo essencial dos Direitos Fundamentais, atua como um protetor contra outras medidas retrocessivas por parte da Administração Pública e, mais do que isso, como verdadeiro legitimador / delimitador das Políticas Públicas.” (CONTO, 2006, p. 92)”. Dessa forma, conclui-se a importância do Estado de além de resguardar os direitos já alcançados e permanecer em uma crescente evolução social, a de pleitear- se a efetiva concretização dos direitos sociais mesmo em meio as crises econômicas, uma vez que, o direito a saúde é caracterizado como mínimo existencial, vinculado diretamente com o princípio da dignidade humana não podendo ser limitado por motivo tão insuficiente. 40 3.1 Judicialização X Ativismo Judicial Apresentado de forma detalhada o direito social, bem como demonstrado os limites e possibilidades do direito à saúde no solo nacional, o presente capítulo tem como objetivo dissertar acerca da judicialização da saúde no Brasil, apresentando-a como mecanismo em prol da efetivação do direito fundamental. Desta maneira, neste primeiro momento, é oportuno mencionar o que se entende por judicialização, a fim de não deixar dúvidas sobre a temática, bem como distingui-la de forma pontual do ativismo jurídico que tem ganhado espaço no cenário brasileiro. Nessa perspectiva, torna-se válido ponderar que a conceituação destes dois fenômenos jurídicos não é pacífica. Assim, para fins didáticos, adotar-se-á a análise doutrinária de alguns juristas, citando como exemplo a figura do Luís Roberto Barroso, atualmente ministro do Supremo Tribunal Federal. Assim, na ótica dele, quanto se pensa em judicialização, deve-se raciocinar que questões com ampla repercussão social ou política estão sendo alvo de decisões através do Poder Judiciário, e não pelo Congresso Nacional e Poder Executivo – que são instâncias políticas tradicionais-. Deste modo, a judicialização resulta na transferência de poder para juízes e tribunais, produzindo mudanças expressivas na linguagem, na argumentação e na participação social (BARROSO, 2012, p. 24). Conquanto, é possível notar que a judicialização é um fenômeno complexo, que vai além da esfera jurídica, e abraça as esferas políticas, institucionais, sociais, econômicas e culturais, dialogando de formas distintas com essas áreas, “estabelecendo tendências de ampliação de normatização, expansão do espectro de questões passíveis de deliberação pelos juízes e tribunais e de adoção de métodos jurídicos e judiciais em outras esferas além das próprias esferas judiciais” (VIARO, 2017, p. 234). Ademais, Barroso (2012, p. 24) elenca três causas que geraram a judicialização no cenário brasileiro. Nesse sentido, pondera que a primeira causa foi a democratização do país, com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Com isto, o Judiciário largou o papel de técnico-especializado, transformando-se em um poder político, responsável pela defesa das leis e Constituição, ainda que em confronto com os outros Poderes. 41 Não obstante, a segunda causa foi a larga constitucionalização, que começou a tratar sobre matérias que antes eram de competência do processo político majoritário e ditadas também pela legislação ordinária. Isto porque, “a Carta brasileira é analítica, ambiciosa, desconfiada do legislador” e “constitucionalizar uma matéria significa transformar Política em Direito”. De forma mais clara, tem-se que quando uma questão, de direito individual ou público, é tratada por uma norma constitucional, torna-se uma pretensão jurídica em potencial, que pode ser discutida posteriormente através de uma ação judicial. Por fim, a terceira causa da judicialização, é o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, que tem forte abrangência se comparado a outros países no mundo (BARROSO, 2012, p. 24). Deste modo, é imperioso conceber que a judicialização é preponderantemente contingencial, ou seja, decorre de uma série de fatores, e, ao menos a princípio, se desenvolve dentro dos limites previstos no ordenamento para a atuação judicial, ainda que em detrimento de uma visão doutrinária tradicional acerca desses mesmos limites, e embora o ativismo judicial, que se desenvolve fora dos limites previstos no ordenamento, possa também incentivar seu surgimento, desenvolvimento e expansão (VIARO, 2017, p. 247). Assim, é possível considerar que a judicialização se desdobra no campo jurídico por variados motivos, mas tem limites definidos constitucionalmente, e é alvo de um claro controle quanto ao alcance da atuação judicial. Desta maneira, a judicialização não se impõe de forma deliberada, mas respeita normas constitucionais e os três poderes. Sob esse prisma, tem-se que “a judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política” (BARROSO, 2012, p. 24). Não pode, portanto, ser vista como uma violação a ordem vigente, tampouco como quebra das normas constitucionais. Sobretudo, diferente da judicialização, o ativismo judicial
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