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332290818-O-Avesso-da-Cena

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Prévia do material em texto

1\'gradecimentos 
Os anos dedicados à realização deste livro foram de intensos estudos, pesquisas, 
dítvidas, conversas, registros, análises e muitos, 1nuitos questionamentos. Fora111 
incontáveis as idas e vindas, na busca de um ordenamento lógico para o emaranhado 
de informações colhidas ao longo do tempo, por este país afora. 
Agradeço a todas as pessoas e entidades que me abriram canúnhos e deram suporte 
à empreitada: 
Aos meus pais, Eunice e Zezé - referências de dignidade, sabedoria e conduta 
ética-, pelo apoio incondicional. 
Aos irmãos Ernane, Solange, Wagner, Eduardo, Sérgio, Sônia e Marcelo, às 
cunhadas Solange e Ção e a todos os meus sobrinhos, pelo estímulo e carinho 
de sempre. 
Aos amigos que acompanharam cada passo do trabalho, em especial Beta 
Franco, Chico Pelúcia, Eleonora Santa Rosa, Fernando Lara, Karla Guerra, 
Márcio Rimei Nobre, Maria Helena Cunha, Nestor Sant'Anna, Rosângela 
Miriam e Vanessa Martin, pela presença, generosidade, paciência e, claro, 
pelas críticas. 
Aos parceiros do Grupo Galpão - exemplo de seriedade e trabalho comparti-
lhado-, pelo apoio integral a este projeto. 
Aos companheiros do Grupo do Beco, pela inspiração. 
Aos colaboradores Fábio Batista, Graziane Gonçalves da Silva, Guto Muniz, 
Júnia Alvarenga, Lílian de Oliveira e Martuse Fornaciari, pela competência co-
locada a serviço deste trabalho. 
À equipe da Duo Editorial: Marcela Bertelli, Ana Paula Sena, Elaine Vignoli, 
Isabel Brant, Tatiana Cavinato e Diego Ribeiro, pela confiança e pelo esmero 
nos detalhes. 
À equipe da Drummond & Neumayr Advocacia, em especial Alessandra 
Drummond e Rafael Neumayr, pela disponibilidade e pela condução segura 
no mundo das leis. 
Aos funcionários da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte, em 
especial José Eduardo Liboreiro, Carla Cristiane Prestes da Costa, Ivan Toledo 
de Sousa, Lucas Matos de Oliveira e Sônia Maria Sousa Mendes, pela paciên-
cia, seriedade e dedicação. Este livro somente se tornou realidade graças ao 
estímulo do Fundo Municipal de Cultura e, naturalmente, de seus gestores. 
Aos grupos Corpo e Uakti, à banda Pato Fu, ao crítico de arte Marcelo Castilho 
Avellar, ao Teatro do Sesi do Rio Vermelho, à Rádio 98 FM, realizadora do Pop 
Rock Brasil, e ao Conselho Nacional do Redemoinho, pela cessão de docu-
mentos preciosos reproduzidos neste livro. 
Sumário 
Prefácio 
Apresentação 
Capítulo I - O Contexto Cultural Brasileiro 
Perspectivas para o setor cultural em âmbito mundial 
O setor cultural brasileiro 
OMinCde Gil 
Capítulo II - O Produtor e o Gestor Cultural 
Produtor e gestor: definindo os papéis 
A administração no contexto cultural 
O perfil do produtor e do gestor cultural 
Créditos ao trabalho de produção 
Can1pos de atuação dos produtores e gestores culturais 
A imagem do produtor cultural 
Perspectivas de profissionalização 
Re1nuneração do trabalho de produção 
19 
21 
24 
26 
28 
42 
48 
50 
55 
58 
61 
62 
65 
68 
79 
Capítulo III - A Relação com os Artistas 84 
~~~~~~~~~~~~~~~·~~~~~~ 
O nó da produção 91 
Capítulo IV - A Relação com o Poder Público 
Políticas públicas para a cultura 
Instrwnentos de financiamento à cultura 
Representação setorial 
Capítulo V - A Relação com as Empresas 
Por que patrocinar projetos culturais? 
Marketing cultural 
Princípios do marketll1g cultural 
A linguagem en1presarial 
Canais para encaminhamento de projetos 
Ganchos e n1oedas 
Hierarquização de créditos 
Cuidados na aplicação de logon1arcas 
Negociação de patrocínios 
Novas perspectivas para a relação das en1presas com a cultura 
Elaboração de projetos 
Montagem de documentos para captação de recursos 
94 
96 
100 
108 
116 
118 
122 
123 
124 
125 
126 
130 
133 
134 
137 
142 
143 
Capítulo VI - A Relação com o Público 
Marketing de relacionamento 
Fidelização de público na área cultural 
Respeito ao público 
A perspectiva do público 
Capítulo VII - As Etapas de uma Produção: Pré-produção 
Pré-produção: da idéia ao contrato 
Planejainento da ação 
Verificação dos direitos autorais 
Montagen1 da equipe de trabalho 
Montagem de checklists 
Elaboração do plru10 de comunicação 
Montagen1 do cronogran1a 
Montage1n do orçan1ento 
A busca de recursos financeiros 
Editais de patrocínio 
Capítulo VIII - As Etapas de uma Produção: Produção 
~~~~~~~--~~-
Assinatura de contratos 
A concretização do projeto 
A busca de apoios e permutas 
Controle do cronograma 
Gestão orçamentá.Tia 
Docu1nentação do processo 
Divulgação 
As vésperas de uma estréia 
A estréia 
Administração após a estréia 
Distribuição 
In'l.previstos 
Capítulo IX - As Etapas de uma Produção: Pós-produção 
Organização e guarda do 1naterial 
Avaliação de resultados 
Relatórios 
Capítulo X - Produção de Turnês 
-------
Montagem do roteiro 
Produtor local ou produtor de frente? 
Análise de viabilidade técnica 
152 
154 
155 
164 
166 
172 
174 
175 
178 
178 
180 
199 
201 
204 
210 
212 
218 
220 
221 
228 
228 
229 
231 
234 
245 
247 
248 
249 
253 
262 
265 
270 
273 
276 
278 
278 
279 
JVlontagen1 e des1nontage1n 
Transporte da carga e da equipe 
Hospedagem e a}in1entação da equipe 
Guia de produção 
Roteiro de produção 
Capítulo XI -Produção de Eventos Culturais _____ _ 
Análise de ünpactos do evento 
Tipos de eventos culturais 
1v1ontagen1 da progran1ação 
Definição dos locais para realização do evento 
Lnyout da área do evento 
Projeto de segtrrança 
iviontagen1 do evento 
Co1nunicação interna 
Trabalho receptivo dos convidados 
Hospedagein dos convidados 
Alin1cntação dos convidados 
Trasladas dos convidados 
Administração da bilheteria 
Ad1ninistração de cortesias e convites 
Adn1inistração da portaria 
Recepção aos convidados especiais 
Venda de produtos e oferta de serviços durante o evento 
Capítulo XII - Aspectos Legais 
----
Constituição de pessoas jurídicas de nattueza cultt1ral 
Elaboração de contratos 
Contratos con1 patrocinadores e apoiadores 
Conh·atos con1 fornecedores 
Contratos para apresentação de espetáculos 
Contratos con1 artistas para participação e1n espetáculos 
Contratos co1n artistas estrangeiros 
Contratos de locação de espaços cultt1rais 
Realização de eventos e1n espaços públicos e locais sen1 alvará pern1anente 
Responsabilidade civil 
Segt1ros 
Estatuto da criança e do adolescente 
i\rleia-entrada para estt1dantes 
Nleia-entrada para idosos 
286 
288 
290 
293 
299 
304 
308 
311 
313 
317 
317 
321 
326 
331 
333 
336 
337 
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346 
349 
353 
353 
356 
358 
362 
364 
366 
367 
369 
376 
378 
379 
380 
382 
383 
387 
390 
Direitos autorais 
Leis de incentivo à cultura 
Lei Federal de Incentivo à Cultma: aspectos básicos 
Capítulo XIII - Gestão de Grupos e Instituições Culturais 
Plano de negócios 
Estrutura organizacional 
Planejamento estratégico 
Logística 
Qualidade 
Programação de um centro cultmal 
Manutenção de grupos e instituições culturais 
Soluções criativas para a viabilização do trabalho na área cultural 
Referências 
Grupos, artistas, empresas, entidades e iniciativas citados 
391 
401 
403 
410 
412 
414 
421 
426 
430 
448 
452 
457 
473 
481 
~ ' 
Rrefácio , 
Profissão Cultura 
Felizes os novos produtores e agentes culhtrais que, hoje, no Brasil, podem desfrutar 
de uma bibliografia, cada vez mais extensa, sobre o fazer cultural. Melhor dizendo, 
sobre as nuances da produção cultural nas suas mais variadas dir11ensões. 
Território ainda n1arcado pela extrema iI11provisação e ausência de forn1ação, toda 
e qualquer contribuição ao delineamento e consolidação da profissão do gestor 
cultural é ben1-vinda e necessária ao an1adurecin1ento do setor. 
E11tender a natureza e os processos q11e caracterizam o mercado ctlltural i1ão é tarefa 
banal, para irtlciantes. Introduzir~ açambarcar e balizar os temas que e11volvem o 
dia-a-dia daprodução é risco e desafio para aqueles que querem se debruçar sobre 
os ten1as e as relações, nen1 sempre tranqlillas, que predon1inan1 nesse segmento 
ainda refratário à organização e sisten1atização de instrun1entos e técnicas de 
administração. 
Curiosamente, a Ctilhu·a ainda é vista como 1m1 apêndice i10 ca1npo das políticas 
públicas e dos investimentos privados, estes então quase sempre tributários de incen-
tivos fiscais, quer municipais, estaduais e/ ou federais, ei15ejadores, para o ben1 ou 
para o mal, de vícios e benefícios. 
A con1preensão do ce11ário cultural brasileiro, sobretudo no que tange aos meai1dros 
da gestão pública, de1nru1da k11ozv-hoiv e co1npetência analítica e prospectiva, requi-
sitos encontrados desde o início 11a presente publicação. 
Título mais do que acertado, O Avesso da Cena apresenta ao leitor o denso e multi-
facetado universo dos bastidores culturais, pela perspectiva de Romulo Avelai; um 
dos mais preparados profissionais do setor. 
Acompaimo o seu trabalho há muito e mais recentemente - quai1do de minha posse 
como secretária de Estado de Culhrra de Minas Gerais, em fevereiro de 2005 - tive a 
honra e o prazer de contar com a sua participação en1 nossa equipe, à frente de uma 
das principais nlissões de nosso governo, qual seja: a de reesh·uturar todo o processo 
relacionado à Lei Estadual de Ir1centivo à C1tlhrra. Incm11bê11cia con1plexa, dese11-
volvida com total discernin1ento, dedicação e rigor técnico. O êxito de s11a atuação é 
reconhecido por iI1ím1eros artistas, produtores, gestores e co1npanheiros de labuta. 
Romulo é um incansável batalhador das lides culturais, maduro e preparado pela 
ativa participação nas esferas pública e privada, com a responsabilidade inerente 
àqueles que têm clara noção da importância de compartilhar o conhecimento 
adquirido e de ensinar o ofício. Consciente da noção pública do exercício de sua 
profissão, faz dela um convite à superação dos limites e dificuldades impostos pela 
ausência de critérios, de políticas co11solidadas de fu1ancian1e11to, de concentração 
brutal da parca húra-estrutura da área, e do an1adorismo ai11da renitente de vários 
segmentos do fazer cultural em nosso Estado. 
19 
20 
Livro denso, que exige fôlego e atenção do leit01~ o sumário indica bem o rol de 
assuntos e dicas de produção, projetos, planejamento, planilhas, estrutura de 
eve11tos, de11tre outros, acompanl1ado de exemplos práticos e e11trevistas co1n gente 
de relevância do mêtier cultural que sabe o que diz porque sabe o que faz. 
Aliás, isso resume tudo, um livro feito por quem sabe os caminhos e os percalços 
de se viabilizar iniciativas culturais de diversos formatos e padrões, do lado de 
cá ou de lá do balcão, e que não esconde o jogo. Pelo contrário, generosamente e 
delicadamente mostra con10 vencer os obstáculos e os temores, com u1na boa dose 
de sabedoria, imaginação e persistência. 
Eleonora Santa Rosa 
Gestora Cultural e ex-Secretária de Estado de Cultura de Minas Gerais 
. -
'Nnresentação 
Acredito no poder transformador da arte e da cultura. Tenho a convicção de que nós 
- artistas, produtores e gestores culttu·ais - trazemos nas mãos uma ferramenta ca-
paz de alavancar grandes mudanças. Em muitas oportunidades tive o privilégio de 
observar saltos espetaculares na vida de pessoas, commúdades e mesmo de cidades 
inteiras, a partir de ações culturais bem articuladas. 
Hoje, em minhas divagações, pergunto-me todo o tempo: por que não de um país? 
Essa idéia pode soar tun tanto anacrônica, nrun tempo em que a ordem é viver o 
imediato. Pode parecer sem lugal" em meio a tantas diretrizes econômicas áridas e 
excludentes. Mas ainda teimo em acreditar que é possível pensar o Brasil numa pers-
pectiva 1nais hwnana. Quero crer que,. na condução dos nossos destinos, as políticas 
meramente tecnicistas muito em breve cederão 111gar a olhares mais abertos a um 
dos nossos maiores diferenciais estratégicos: a riqueza cultural. 
Nesse sentido, é claro que ainda temos muito a avançar. Embora a expansão do setor 
cultural seja notável e ocorra em velocidade acelerada, o sinal permanece vermelho 
para muitos que escolheram esse caminho. Exemplos de ações bem-sucedidas na 
área multiplicam-se de norte a sul, promovendo pequenas revoluções pontuais, mas 
persistem entraves na esfera pública, além de certo despreparo entre produtores e 
gestores culturais. A capacitação de pessoal para atuação nesse contexto, que se mos-
tra cada vez mais dinâmico e seletivo, é um grande desafio. 
V árias foram as gerações de empreendedores culturais que se formaram intuitiva-
mente" aprendendo com erros e acertos. Até bem pouco tempo, a prática era a única 
via de aprendizado para aqueles que pretendiam abraçar a profissão. O conhecimen-
to acumulado era transmitido aos iniciantes no calor da realização dos projetos, o 
que equivale a qualquer coisa como aprender a pilotar com o avião em pleno vôo. 
Nos últimos tempos, entretanto, o improviso vem cedendo espaço para práticas me-
nos empíricas. Percebe-se, no meio c11ltural, que é imprescindível dominar 011tras 
linguagens e buscar informações complementares àquelas assimiladas no dia-a-dia. 
Por outro lado, o aumento do volume de recursos aplicados na cultura passou a 
atrair tun número crescente de profissionais de outros segmentos e estudantes ávi-
dos por oportunidades de realização pessoal. Ocorre, porém, que grande parte da-
queles que se aproximam não estão suficientemente preparados para o trabalho nos 
bastidores da cultura. 
Tais fatores, somados, levaram ao crescimento da procura por capacitação, estimu-
lando o surgimento de iníuneros cursos de produção e gestão cultural, em diver-
sos níveis. Hoje é possível encontrar oficinas de curta duração em vários estados e 
mesmo irtstituições que oferecem graduação e pós-graduação na área. Decorrência 
natural da multiplicação de cursos de produção e gestão é o aumento da demanda 
por bibliografia especializada. 
A carência de registros de experiências nesse campo é um fato para o qual sempre es-
tive atento, desde os tempos de aluno da Ecoar, a primeira escola de produção cultural 
21 
*nota 
Atual Universidade Cândido Mendes 
22 
criada no país, em 1990, resultado de parceria das Faculdades Cândido Mendes* com 
a Fundição Progresso, no Rio de Janeiro. Àquela época, já era evidente a necessida-
de de preenchimento dessa lacuna. Desde então, muitos foram os títulos publicados 
sobre temas como política cultural, leis de incentivo à cultura, economia da cultura, 
marketing e patrocínio cultural. Entretanto, foram poucas as publicações sobre as prá-
ticas da produção e da gestão cultural. Daí o impulso de registrar a soma de minhas 
pesqtúsas e vivências profissionais. 
Na produção deste livro, não foi outra a preocupação que não a de colocar no papel 
um conhecimento presente na cabeça de produtores e gestores culturais, mas sobre o 
qual o ordenamento ainda é incipiente. Tive como norte os questionamentos e dúvi-
das de alunos dos vários cursos que tenho ministrado pelo país. São eles - estudan-
tes e pessoas que desejam compreender a dinâmica dos empreendimentos culturais 
- meu alvo principal. A opção por falar diretamente a esse público foi determinante 
para a definição do escopo desta publicação. Tenho como meta proporcionar a essas 
pessoas alguma familiaridade com o contexto da cultura, numa perspectiva diferen-
ciada daquela que tem o espectador comum. Falo sobre o avesso da cena, no intuito 
de oferecer a um leigo os pontos de vista daqueles que concebem e realizam projetos 
culturais. 
Com esse público em mente, optei por apresentar uma visão panorâmica e abran-
gente do campo de trabalho dos produtores e gestores culturais e das inúmeras ativi-
dades envolvidas em seu cotidiano, mesmo que, em diversos tópicos, a abordagem 
possa se mostrar superficial. É fato que cada um dos capítulos deste livro poderia, 
perfeitamente, ser objeto de várias outras publicações, e que muito aindadeve ser 
discutido e registrado sobre a matéria. 
No esforço pela sistematização desse conteúdo, o primeiro desafio foi o de dar forma 
a muitas idéias que venho amadurecendo ao longo do tempo, a partir da observação 
do trabalho de terceiros e das minhas próprias experiências como produtor, colabo-
rador de empresas privadas e gestor em instituições públicas. Cedo, percebi o óbvio: 
as informações disponíveis eram absolutamente insuficientes e frágeis para a cober-
tura do espectro temático que julgava necessário a um livro dessa natureza. Seria 
preciso aprofundar-me em pesquisas, principalmente naqueles terrenos nos quais 
nunca havia transitado, mas que considerava imprescindível abordar. Foi assim que 
decidi adotar uma metodologia de trabalho que incluiu o estudo da bibliografia 
disponível, a análise de incontáveis matérias e artigos publicados na imprensa sobre 
o tema, a coleta de casos dignos de registro, dias inteiros de navegação pela Internet 
e o principal: entrevistas presenciais com 53 profissionais da área, que tiveram o 
desprendimento de co1npartilliar seus conhecimentos e relatar, com franqueza, suas 
práticas e impressões sobre o assunto. 
O leitor irá perceber que esses depoimentos ocupam espaço de destaque na estrutura 
do livro. São relatos e opiniões de pessoas de diferentes perfis, trajetórias e origens 
geográficas, reunidos com o intuito de oferecer uma visão plural e multidisciplinar 
do universo da cultura. O tom coloquial da fala dos entrevistados foi mantido, como 
medida de preservação da essência e das sutilezas dos depoimentos. 
Outro aspecto relevante nesta publicação é a referência constante ao Grupo Galpão. 
Nada mais namral, face à minha condição de colaborador do Grnpo desde 1999. 
Entretanto, os motivos para essa presença ostensiva vão bem além do vinculo profis-
sional e afetivo: são muitas as soluções encontradas pelo Galpão para a gestão de seu 
dia-a-ilia que merecem ser compartilhadas, por sua inventividade e eficácia. 
Na intenção de conferir a esta publicação o caráter de ferramenta de trabalho e de 
facilitar a consulta a tópicos específicos, foram inseridas, ao longo do texto, cha-
madas - identificadas pelo ícone leie + - que funcionam como links para hipertextos, 
remetendo o leitor a informações complementares dentro da própria obra. Foram 
disponibilizados também, ao final do livro, os endereços eletrônicos de todos os ar-
tistas, grupos, entidades e iniciativas culmrais citados. 
A partir da visão de que o segmento culmral precisa se apropriar de conceitos e técni-
cas de outras disciplinas.r como a administração, a comunicação, o marketing e o direi-
to, busquei tomar emprestadas algumas ferramentas de trabalho usuais nessas áreas, 
explicitando sua aplicação às rotinas e à realidade dos grupos, empresas e instihlições 
culmrais e promovendo, naturalmente, as necessárias adaptações à sua realidade. É 
importante notar que várias dessas ferramentas, como o planejamento, a logística, a 
gestão da qualidade e o marketing de relacionamento vêm sendo usualmente empre-
gadas no setor, muitas vezes de maneira intuitiva e nem sempre eficaz. 
É necessário também esclarecer que este livro é focado prioritariamente na produção 
de música e de artes cênicas, e 11a gestão de instituições culturais, ambientes nos 
quais tenho amado com maior freqüência. Embora parte das idéias aqui expostas 
seja aplicável a outros domínios, é preciso registrar que não pretendi abordar re-
alidades distantes da minha, como as do audiovisual, da televisão, do rádio e da 
produção editorial. 
Àqueles que chegam para amar como empreendedores culmrais, dou- as boas-vin-
das. Espero que este livro atenda ao propósito de revelar um pouco do mundo que 
encontrarão pela frente. Aos que nele já transitam, desejo um caminho com menos 
percalços e que estes apontamentos, somados às reflexões dos entrevistados, ajudem 
a torná-lo mais seguro. A todos, convido à construção de um mercado de trabalho 
solidário, no desejo de que sejamos cada vez mais capazes de compartilhar conheci-
mentos e de modificar para melhor a realidade à nossa volta. Temos nas mãos a arte 
e a cultura como instrumentos, mas é necessário manejá-las com responsabilidade e 
ética. A transformação do país passa, certamente, pelo acréscimo ao nosso cotidiano 
de boas doses de compromisso com o coletivo. 
23 
--
26 
Persnectivas nara o setor cultural em âmfüto munâial 
Segundo o Global E11tertai11111e11t a11d Media Outlook, a indústria global de mídia 
e entretenimento, partindo do patamar de US$ 1,3 trilhões em 2005, alcançará 
US$ 1,8 trilhões em 2010, o que significa uma taxa de crescimento de 5,5% ao ano. O 
estudo, publicado anualmente pela Price Waterhouse Coopers, fornece projeções com 
visibilidade de cinco anos para diversos seginentos da indústria do e11tretenin1e11to, 
tais como o cine1na, a televisão, a n1úsica, os vídeo ga111es, a área editorial, os parques 
temáticos e os jogos, incluindo seus relacionamentos com as novas mídias. 
Indústrias criativas e economia criativa 
Outro indicador do vigor desse universo está presente 11as conclusões da Conferência 
das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento, que, em junho de 2004, 
revelaram que 7% do PIB mundial são gerados pelas chamadas indústrias criativas. 
O valor da movimentação financeira mundial de produtos culturais saltou de US$ 95 
bilhões para US$ 380 bilhões, somente no período de 1980 a 1998. Esse tipo de indústria 
cresce em rihno superior ao de outros setores da econo11lia mw1dial, e a expectativa 
para as próximas décadas é de uma expansão média de cerca de 10% ao ano. 
AlgwIB especialistas, entretanto, alertam para a necessidade de se ultrapassar o 
conceito de indústria criativa e de se levar em conta uma idéia mais abrangente: a 
economia criativa. Edna dos Santos, chefe do Departamento de Economia Criativa 
da UNCTAD -Organização das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento, 
explica o conceito de econon1ia criativa em uma entrevista concedida ao jornal Folha 
de S.Pnu/o: 
Economia criativa pode ser definida como o ciclo que engloba a criação, 
produção e distribuição de produtos e serviços que usam o conhecimento, a 
criatividade e o capital intelectual como principais recursos produtivos. ( ... ) a 
economia criativa é uma área vasta e heterogênea que abrange desde os pro-
dutos artesanais até as artes cênicas, artes visuais, os serviços audiovisuais, 
multimídia, indústrias de software etc. Seus principais subgrupos são: música 
e indústria fonográfica; cinema, rádio e televisão; teatro e dança; pintura e 
escultura; edição e publicidade; indústria digital e jogos de computador; e 
desenho em geral, que vai desde a arquitetura ao desenho industrial e à moda. 
(Disponível em <http://Www.culturaemercado.eom.br/setor.php?setor=4&pid=438>. Acesso em 5 de 
março de 2007) 
A empreendedora cultural Laia Deheinzelin, de São Paulo, especialista em economia 
criativa e desenvolvime11to, explica a existê11cia de dois conceitos ben1 distintos: 
Eu tenho trabalhado com um conceito que é de economia criativa para o 
desenvolvimento. E o que nós estamos tentando com a South-South Coope-
ration Unit, com a qual eu trabalho e que faz parte do sistema ONU, é deixar 
claro que indústria criativa é uma coisa e economia criativa é outra. A indústria 
cultural é uma parte da indústria criativa que vem das artes. Há uma confusão 
aí na origem da palavra: em inglês, industry quer dizer setor. Então, quando 
eles falam dos creative industries, estão se referindo ao setor criativo, mas 
O Avesso da Cena 
quando se traduz para o português fica indústria criativa. Indústria criativa 
existe e é tudo aquilo que é replicado em massa, tem direitos de propriedade 
intelectual etc. Televisão, cinema, design, todas essas coisas são indústrias 
criativas. Para o hemisfério sul, no entanto, essas coisas não são as chaves 
de desenvolvimento, porque, para nós, a chave do desenvolvimento está no 
micro, está no local.Você não vai ter desenvolvimento se tiver uma indústria 
fonográfica forte com cinco grandes selos. Você vai ter desenvolvimento se 
tiver cem pequenos selos, que vão ser produzidos de uma outra forma, que 
provavelmente terão interface com uma gestão de economia solidária. 
Segundo Deheinzefu1, a opção pelo conceito de economia criativa se mostra mais 
favorável à diversidade cultural, pois a ênfase é dada ao pequeno, àquilo que é 
origll1ário de características locais e à eco11omia informal, e 11ão à prod11ção em larga 
escala. O modelo, portanto, se mostra mais adequado aos propósitos dos países do 
Terceiro Mundo, que não detêm os meios de produção de massa. A empreendedora 
estabelece outros pontos de diferenciação entre os dois conceitos: 
A indústria criativa tem os direitos de propriedade intelectual como moeda. 
A economia criativa não. A economia criativa trabalha para gerar mercado, 
e não para competir por mercado como a indústria criativa. O que quer dizer 
isso? Ouando você trabalha com a inclusão produtiva e social de um grupo, 
ele passa não apenas a ter cidadania, como também a ser consumidor. Se você 
olhar a pirâmide de consumo mundial, vê que trinta a quarenta por cento da 
população são considerados "mercado': Sessenta a setenta por cento estão 
fora. Mas se você melhora a vida desses sessenta a setenta por cento, você in-
clusive resolve o seu problema de mercado, isso sem falar no resultado social, 
simbólico etc. Então a economia criativa para o desenvolvimento trabalha para 
criar políticas e mecanismos que tenham horizontalidade no lugar da verticali-
dade; para trabalhar com distribuição, e não com concentração; para incluir os 
saberes e fazeres tradicionais e as características locais; para que tudo seja ba-
seado no pequeno e seja inovador do ponto de vista de gestão e distribuição; 
e para que essa inovação acabe tendo uma interface grande com a economia 
solidária. Na economia criativa você tem o fator econômico, mas também tem 
igual ênfase nas outras três dimensões: ambiental, social e simbólica. Na in-
dústria criativa, o econômico é preponderante. 
As perspectivas de crescin1ento não apenas das indústrias criativas, mas ta1nbém do 
1nosaico de pequenos empreendimentos identificados, de forma menos excludente1 
como econo1nia criativa, são bastante promissoras. Em te1npos de globalização e 
queda de fronteiras entre países, a necessidade de afirmação das identidades locais 
tornou-se imperiosa. S11a revalorização surgiu como reação natural ao ava11ço da 
cultura de massa, que padroniza e dilui as peculiaridades de cada sociedade. A atitude 
colonialista dos norte-americanos se impôs a todo o inundo, favorecida exatan1ente 
pelo poder de suas indústrias criativas e pela capilaridade da distribuição de seus 
produtos culturais. Não há como perrna11ecer indiferente aos efeitos dessa iI1vasão. 
A toda ação corresponde uma reação. 
No Brasil, a resistência se faz presente 110 n1ovhnento de revalorização das raízes 
culturais, que ganhou fôlego a partir da segunda metade da década de 1990. O 
samba, por exemplo, que andava swnido dos salões e da programação do rádio e da 
TV, voltou a ser apreciado pela parcela mais jovem da população. O mesmo ocorre 
con1 inúrneras outras manifestações regionais e tradições que têm sido resgatadas. 
O Contexto Cultural Brasileiro 
• 
27 
.. '. . 
28 
É crescente a percepção da necessidade de se preservar o patrimônio material e 
imaterial. Cresce também a co11sciência de que é preciso fortalecer a infra-estrutura 
de produção e difusão, diante da força hegemônica da cnltura de massa. 
Laia Deheinzelin afirma que o Brasil tem um papel estratégico no contexto da 
economia criativa: 
O Brasil tem sido um contraponto interessante nessa discussão, porque o que 
vinha sendo assumido de um modo muito forte era a posição do Reino Unido, 
que tem uma visão de indústria criativa. Para eles isso resolve, porque eles não 
têm os problemas de desenvolvimento que nós temos. Eles têm a economia 
formalizada, têm grandes cadeias da indústria criativa, não têm os saberes e 
os fazeres tradicionais, a extensão territorial. .. Nós temos coisas a aprender 
com eles, mas não podemos adotar esse modelo. Nosso papel estratégico é 
exatamente de sustentar outra visão, de propor o foco em desenvolvimento, e 
não em crescimento econômico. 
O Brasil é um modem por natureza. É muito curioso: nós temos essa função 
no cenário internacional e vamos ter, provavelmente, cada vez mais. Onde 
existem dinâmicas de relacionamento entre países, há um brasileiro no meio, 
que acaba fazendo a diferença. Eu acho que a nossa maior riqueza é o que 
eu tenho chamado de cult tech, um contraponto à high tech, ou seja, são 
as tecnologias culturais, tecnologias do intangível e tecnologias relacionais. 
Todos os grandes problemas do mundo são de relacionamento, e nós te· 
mos a "manha" de trabalhar com isso, porque sabemos como transformar 
diferença em solução e não em problema. O brasileiro tem essa habilidade 
de criar a partir das diferenças, e não de gerar animosidade a partir delas. O 
Brasil vai ter um grande papel aí. 
A perspectiva apontada por Deheinzelin permite a constatação não apenas da 
multiplicidade e da inventividade cultural do país, mas também da importância 
do olhar brasileiro sobre as questões inter11acionais. É exatame11te a co11vivência 
permanente com múltiplas realidades e visões de mundo aquilo que credencia o 
Brasil a cumprir com eficiência o papel de modem ao qual a empreendedora se refere. 
Essa força mediadora vem de sua poderosa diversidade, que deve ser preservada 
a todo custo. Sob essa ótica, investh· na economia criativa brasileira é proporcionar 
não apenas desenvolvimento e sustentabilidade para grupos e comunidades, como 
também maior inserção do país 11as esferas internacionais. 
() setor cultural brasileiro 
As duas últimas décadas foram de grandes transformações no cenário cultural 
brasileiro. Até meados dos anos 1980, a produção e a gestão em níveis profissionais 
se concentravam, de forma acentuada, i10 Rio de Janeiro e en1 São Paulo. Os outros 
estados assistiam a tudo pela mídia ou eram receptores passivos daquilo que 
circulava pelo país. O quadro de indigência cultural das demais regiões fazia crer 
que as cores locais serian1 reduzidas a um padrão global único, pasteurizado e 
homogeneizado. Aos artistas, produtores e gestores locais com maiores aspirações, 
restava a alternativa de rrúgrar para 11m dos dois grandes centros, salvo raras, 
honrosas e corajosas exceções. 
O Avesso da Cena 
De lá para cá, entretai1to, n1uita coisa 111udo1t. Por todo o país, con1eçaram a florescer 
i11iciativas de valorização dos traços locais e de n1obilização das comunidades pela 
preservação de seus saberes e fazeres. A cultura passou a gerar postos de trabalho 
ntrm rit1no cada vez n1ais acelerado. E1nbora ainda não se possa falai· da existência 
de 1nercados consolidados, grai1des foram os avanços nesse sentido. O êxodo 
compulsório de intelectuais e profissionais da culhrra dilninuiu consideravehnente 
en1 cidades co1no Fortaleza, Recife, Sal,rador, Belo Horizonte, Brasília, Belén1, 
Curitiba e Porto Alegre. Mesmo outras capitais de menor porte e cidades do interior 
experin1entan1 11ovos tempos, ein que se tor11a possível a un1 artista, produtor 011 
gestor desenvolver seu trabalho sein a necessidade de afu·mação prévia ein 1m1 
grande centro. 
O setor culh1ral gaiU1a vigor eco11ô1nico, i111ma tendência asce11dente demonstrada 
por algnmas pesquisas relevantes. O Diagnóstico dos Investi111entos e111 Cultura no 
Brasil, estudo publicado em 1998 pela Fw1dação João Pinheiro, por encomenda do 
Ministério da Cultura, trotLxe à luz ilúormações il11portai1tes sobre a eco11omia da 
cultura no país. Segnndo a pesquisa, em 1994 existi= no Brasil 510 mil pessoas cuja 
ocupação principal estava em atividades culturais. Esse número era 53% superior 
ao de empregados 110 setor de material de transportes, inclull1do-se aía il1dústria 
automobilística, 90% superior às ocupações no setor de 1naterial elétrico e eletrônico 
e representava algo em torno de 0,8% do PIB nacional. A participação dos salários 
no segmento era de 1,7% do total pago pela economia, indicando um salário médio 
acima do conjunto dos demais setores. Para cada milhão produzido em 1994 na área, 
eram gerados 91,5 postos de trabalho, enquanto o conjtmto das demais atividades 
eco11ôn1icas gerava 69 postos. 
No final de 2006, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE e o Mirtistério 
da Cultura tornaram públicos os resultados de mais um estudo de grande relevância: 
o Sistema de Infor111ações e Indicadores Culturais, realizado com o intuito de traduzir 
e1n i1íuneros e cifras a dimensão eco11ôn1ica da culhlra no Brasil. Elaborado a pai'tir 
de estatísticas do ano de 2003 sobre a produção de bens e serviços, os gastos das 
fanlilias e do governo e as características da mão-de-obra ocupada i10 setor, o Siste111a 
revelou informações importai1tes: 
• a cultura corresponde ao quai·to item de co115u1no das fanúlias brasileiras, superai1-
do os gastos com educação e abaixo apenas da habitação, alimentação e transporte; 
• a cultura ten1 1u11 custo de traball10 n1u.ito abaixo da média e i11ovitne11ta empre-
gos qualificados, com alto grau de especialização. (Disponível em <http:/ /www. 
cultura.gov.br / site/?p=933>. Acesso em 12 de janeiro de 2008) 
Na edição de 2007 da mesma pesquisa, novos dados sobre a economia da cultma 
for= revelados, tendo como referência estatísticas do período de 2003 a 2005: 
• a receita líquida movimentada pelo setor passou de R$ 165,3 bilhões, em 2003, para 
R$ 221,9 bilhões, em 2005; 
• forai11 criadas 52.321 en1presas, órgãos da ad1ninistração pública e ei1tidades sen1 
fi11s lucrativos no setor culttrral, que representaran1 tm1 au1ne11to de 19,4%, passan-
do de 269.074 para 321.395, nesse período; 
O Contexto Cultural Brasileiro 
• 
29 
.. . 
30 
*nota 
Dados enviados por e-mail 
pelo Sindicato. 
• houve crescimento de 203.845 pessoas ocupadas, com salário médio de R$ 1.565,74 
(47,64% superior à média nacional de R$ 1.060,48 reais), totalizando em 2005 
1,6 milhões de ocupados; 
• a despesa per capita total com cultura no Brasil passou de R$ 12,90, em 2003, para 
R$ 17,00, em 2005; 
• os gastos públicos alocados no setor cultural aumentaram de aproximadamente 
R$ 2,4 bilhões, em 2003, para R$ 3,1 bilhões, em 2005, em valores correntes. (Dis-
ponível em <http: / /www.ibge.gov.br /home/ presidencia/noticias/ noticia_ visu-
aliza.php?id_noticia=1059>. Acesso em 12 de janeiro de 2008) 
Outros dados interessantes foram apontados pela Pesquisa Nacional por Amostra 
de Domicílios - PNAD, em 2006: 
• de 2005 para 2006, a população ocupada no Brasil cresceu 2,4%, enquanto nas ocu-
pações ou atividades relacionadas à cttlhtra verificou-se um crescimento de 5,4%; 
• em 2004, do total de pessoas ocupadas no Brasil, 4,5% exerciam ocupações relacio-
nadas às atividades culturais. Em 2006, esse percentual subiu para 4,8%. (Disponí-
vel em <http://www.ibge.gov.br /home /presidencial noticias/ noticia_ visualiza. 
php?id_noticia=1059>. Acesso em 12 de janeiro de 2008) 
Boom cultural 
Em 2001, a Fundação João Pinheiro publicou outra pesquisa interessante sobre a 
economia da cultura, dessa vez tendo como referência a cidade de Belo Horizonte. 
Um dado que se destaca nesse estudo é o número de pessoas que tinham nas 
atividades culturais sua principal ocupação no ano de 2000: nada menos que 62 
mil trabalhadores, contra 122 mil na construção civil, 86 mil na indústria metal-
mecânica e 37 n1il na indí1stria têxtil e de vestuário. No universo levm1tado, estão 
incluídos não só o músico, o ator, o pintor ou o jornalista, mas também a faxineira e 
o executivo que trabalham na área. (Santana; Souza, 2001, p. 17) 
O mercado cultural de Belo Horizonte, a exemplo de outras capitais brasileiras, 
explodiu na última década. A partir dos anos 1990, multiplicaram-se os equipa-
mentos culturais co1no casas de espetáculos, salas de cinen1a, estúdios de gravação 
e galerias de exposições. A produção da cidade também acompanhou o movimento 
de expansão da ilúra-estrutura. Nessa época, surgiram e se consolidaram grandes 
eventos culturais, como o Festival Inter11acional de Teatro, o Fórum Internacional 
de Dança, o Festival Internacional de Teatro de Bonecos, o Festival Mundial de 
Circo do Brasil, o Encontro Mundial de Artes Cênicas, o Festival Internacional de 
Quadrinhos, o Salão do Livro, o Festival Eletronika e o Festival Internacional de 
Curtas Metragens. Nos últimos tempos, a tradicional Campanha de Popularização 
do Teatro e da Dança vem se firmando junto ao público da cidade e lotando os 
teatros, sempre nos n1eses de ja11eiro e fevereiro. Segundo o Sit1dicato dos Produtores 
de Artes Cênicas de Minas Gerais, en1 sua edição de 2007, o evento reuni11, apenas 
e1n Belo Horizonte, cerca de 235 mil espectadores, 11um período de oito sen1a11as*. 
A expansão também se faz presente no número expressivo de grupos artísticos que 
firmaran1 s11a carreira na cidade e ganharan1projeção11acional ou n1esn10 internacio11al 
O Avesso da Cena 
nos últin1os ru1os. É o caso de con1paiiliias de dança como Corpo, Prin1eiro Ato e 
Mimulus, de grupos teatrais con10 Galpão e Giran1m1do, e musicais como Uakti, 
Skank, Pato Fu e jota Quest, que se tornaram referências de qualidade no mercado 
brasileiro. Na esteira de seu sucesso, diversos outros grupos têm se profissionalizado, 
conquistando paulatinamente o público e ganhando espaço na mídia. 
Em pesquisa mais recente, publicada em agosto de 2004, a antropóloga Clarisse de 
Assis Libânio, da ONG Favela é Isso Aí, identificou 6.911 pessoas envolvidas com 
atividades culturais apenas nas vilas e favelas de Belo Horizonte. Embora boa parte 
desse contingente não atue profissionalmente, trata-se de um bom indicador de 
demanda latente pelo consumo ou mesmo pela produção de bens culturais. 
Mercado Cultural: uma experiência reveladora na Bahia 
Salvador é outro grande exemplo de afirmação ocorrida a partir dos anos 1990. 
Impulsionada pela explosão da axé 11111sic e pela espetacular expansão da indústria 
do carnavat a cidade conseguiu ro1nper definitivamente com a polarização do 
eixo Rio-São Paulo e ganhar dinânúca própria. Seu movimento cultural - que vai 
muito além da música destinada ao consumo de massa - ganhou peso a partir da 
valorização das cores locais e da associação con1 o h1risn10. Com infra-estruhu·a de 
produção invejável, a cidade se abre, de inodo arrojado, à discussão e à reflexão 
sobre caminhos e alternativas para a cultura brasileira. 
O Mercado Cultural é um dos principais eventos regulares de Salvador. Anualmente, 
reúne na cidade ru·tistas, produtores, gestores e agentes culh1rais, com o intuito 
de discutir e pron1over a distribuição da cultura brasileira en1 11íveis nacional e 
internacio11al. A programação inclui espetáculos, mostras, conferências, "lVorkshops 
e feira de negócios. Após sua sétima edição, o Mercado se firmou con10 espaço 
privilegiado para exposição da produção oculta de diversas regiões e como 
plataforma de exportação. 
O gestor cultural Ruy César, da Casa Via Magia, responsável pela realização do 
evento, discorre sobre o processo de expansão do setor: 
Eu acho que demos um salto e, hoje, as regiões têm uma produção extrema-
mente rica, com uma autonomia de criação que não existia antes. No entanto, 
ainda temos problemas de distribuição. Se pegamos, por exemplo, o caso de 
Minas, vamos encontrar uma produção espantosa. Fora os grupos de teatro 
e de dança e os artistas mais consagrados, existem, pelo menos, quarenta a 
cinqüenta novos músicos, artistas de alta qualidade, que poderiam estar em 
qualquer palco do mundo, mas que não são conhecidos. Ninguém sabe, no 
Brasil, quem são esses artistas. Como organizar, como tornar isso visível? 
Como sistematizar a oferta dessa produção, para que ela se torne acessível? 
Nós citamosMinas, mas esse pode ser o caso de qualquer outro estado bra-
sileiro. Você vai encontrar a mesma situação, com algumas variações e dife-
renças, mas sempre com muita criatividade. Como colocar essa produção em 
movimento e como distribuir out e ín? Se você organizar tudo numa mostra 
da produção mineira contemporânea, com a releitura das raízes, com as con-
gadas, os tambores e os reisados, mostrando de onde vem a base da cultura 
do estado, e também as experimentações que vêm sendo feitas em torno 
disso, você, fatalmente, atrairá o olhar de diretores de festivais, de formadores 
O Contexto Cultural Brasileiro 
li 
31 
"ª 1 
32 
leia+ 
--------
distribuição 
p. 249 
leia+ 
Abrafln 
p. 111 
de opinião, de jornalistas especializados da mídia do mundo inteiro. Uma 
mídia sofisticada e antenada, que vai saber e vai querer vir. 
Ruy César afirma que talvez seja mais fácil distribuir a produção brasileira para fora 
do país do que para o mercado interno, e que a grande questão que se coloca nos 
dias de hoje é a da circulação entre os estados. 
Esse foi um desafio que tomamos pelas mãos, com a criação do Mercado 
Cultural. Tentamos cuidar de três aspectos: organizar a oferta; promover e dar 
visibilidade; e mover, colocar em movimento e distribuir. Essas são questões-
chave que temos hoje para o desenvolvimento da produção cultural brasileira. 
Todo mundo perde com o problema do estrangulamento em determinadas 
regiões. Se todos querem se apresentar no Sudeste, há uma sobrecarga na re-
gião. Mesmo os artistas e produtores de lá saem perdendo. Há uma produção 
maravilhosa no Rio e em São Paulo que tem que ser distribuída no Brasil. Se 
não há mecanismos, se não há teatros e produtores competentes, trabalhando 
em rede, como você vai conseguir isso? 
"Barulho" no Brasil Central 
O fortalecimento da área cultural é percebido com clareza por todo o país. Fabrício 
Nobre e Leo Bigode, sócios da Monstro Discos, empresa que realiza os festivais Goiâ-
11.ia Noise e Bai1anada, confir1nam a te11dê11da. Para Bigode, esse crescimento é iútido. 
Nos últimos dez anos, nós avançamos bastante. Se olharmos para trás, vamos 
ver uma diferença grande. É só ver os festivais que existiam há cinco anos e os 
que existem hoje. E mais, os que teremos daqui a dois anos. A própria Abrafin 
-Associação Brasileira de Festivais Independentes - é um sinal de organiza-
ção e de profissionalização da área. Há dez anos não sabíamos como é que 
mandávamos um cartaz para a gráfica, não sabíamos qual era o melhoram-
plificador. Ninguém sabia. Não tínhamos acesso a nada em Goiânia. A cidade 
é super nova, e somos da primeira geração de goianienses urbanos. Hoje nós 
sabemos mais das coisas e conhecemos todas as dimensões do negócio. 
Para Fabrício, a expansão do mercado alternativo é urna grande novidade nesse 
contexto. 
Essa lógica que existia anteriormente na área da música, em que a grava-
dora bancava tudo e enriquecia alguns artistas, está quase no fim. O que está 
surgindo agora, e que é uma coisa da qual fazemos parte, é uma realidade 
independente e alternativa a esse mercado. Nós estamos crescendo. 
Tal observação enseja algumas reflexões particulares sobre o mercado da música, 
que vive, ao co11trário de outras áreas artísticas e culturais, um mon1e11to de turbu-
lência, que mescla crescimento co1n 1nudanças radicais. 
Turbulência no mercado musical 
A multiplicação do número de músicos é evidente e pode ser confirmada pelo salto 
verificado na indústria brasileira de instrume11tos n1usicais. O jornalista Carlos 
O Avesso da Cena 
Eduardo Cherem, em matéria publicada no jornal Estado de Minas, revela alguns 
indicadores de creschnento do setor: 
Entre 1992 e o ano passado [2001], segundo dados do Ministério do Desenvol-
vimento, Indústria e Comércio, o faturamento do segmento de instrumentos 
musicais no Brasil triplicou de tamanho, pulando de R$ 100 milhões para R$ 
300 milhões. (. .. ) Na última década, o segmento ampliou em 30% o número 
de empregados, passando de 3 mil empregos diretos para 4 mil. (Estado de 
Minas, Caderno Economia, p. 8, 09/06/02) 
E11tretanto, se o número de 1núsicos ven1 se ampliando consideravelmente, o 1nesmo 
não se aplica às vendas de 1ní1sica pelas vias h·adicio11ais, que seguem te11dê11cia inver-
sa. Na verdade, o volume de CDs comercializados legalmente no país acompanha 
o movimento de queda do mercado fonográfico mundial. Segundo a pesquisa Mer-
cado Brasileiro de Música 2005, realizada pela Associação Brasileira de Produtores 
de Discos~ ABPD, essa retração se deve aos seguintes fatores: 
• pirataria física; 
• estagnação do co11Stu110; e 
• crescente competição com outras mídias e formas de lazer. 
A pesquisa tan1bém revela que o rnercado musical brasileh·o ven1 sofrendo w11 ataque 
crescente da pirataria on-line, principalmente pelo compartilhamento de arquivos 
digitais via Internet. Ainda não existem levantamentos estatísticos sobre as vendas 
on-line no país, apesar de ter sido registrada a abertura de novas lojas virtuais. 
Um dos efeitos negativos apurados no mercado fonográfico brasileiro, em 2005, foi a 
queda de 20% no número de CDs, DVDs e VHSs musicais vendidos, em comparação 
com o ano anterior. A pesquisa aponta também a perda, no período de 1997 a 2005, 
de 50% nos postos de trabalho do setor (gravadoras, fabricantes, comércio varejista 
etc.) e de 50% no número de artistas contratados. Assinala ainda o fechamento de 
3.500 pontos de venda, em todo o país. 
Por outro lado, um aspecto digno de registro, identificado pelo estudo da ABPD, foi 
o fato de que 76% do total das vendas de 2005 foram de produtos de artistas brasi-
leiros. Esse percentual, que se n1antén1 no mesn10 patan1ar de anos anteriores, é uin 
dos mais altos do mundo. 
Na realidade, o que se encontra em queda é o modelo tradicional de produção e 
distribuição, imposto pelas gravadoras ao mercado musical por várias décadas. Os 
novos ten1pos exige1n novos arranjos e novas formas de levar a música ao consu-
midor final, que passam, necessaria1nente, pelo emprego eficiente de ferrame11tas 
digitais e de instrumentos de licenciamento. Inúmeras são as possibilidades que se 
revelam com a utilização de recursos tecnológicos para a distribuição de música e 
para aproximação dos artistas com seus nichos de público, seja por intermédio da 
Web ou da telefo1tla celular. O momento aparenteme11te caótico é, para m1litos, n10-
tivo de apreensão e pânico. Para outros, enh·etanto, é prenúncio de novas oportuni-
dades. Com o barateamento da produção musical possibilitado pela oferta em grande 
escala de novas tecnologias e com a multiplicação de canais para compartilhamento 
O Contexto Cultural Brasileiro 
-
33 
*nota 
A leitura do livro A Cauda Longa é bastante 
recomendável a todos aqueles que atuam 
na distribuição de produtos culturais. 
34 
de arquivos, ab1iram-se, para os artistas, possibilidades concretas de interação direta 
con1 seu público, sen1 a i11tern1ediação das grandes gravadoras. Boa parte dos produ-
tores culturais brasileiros talvez ainda não tenha se dado conta desse fato, ou pordes-
conl1ecimento dos cru1ais existentes ou, simplesn1ente, por n1ero co11Senradorisn10. 
O gerente de design do C.E.S.A.R. - Centro de Sistemas Avançados do Recife, H. D. 
Mabuse, reforça o coro daqueles que pensam que as grandes gravadoras estão com 
seus dias contados. Em palestra proferida durante a Feira Música Brasil 2007, em 
Recife, defendeu a posição de que acontece hoje um fenômeno de pulverização das 
grandes estruturas en1 microindúsh·ias de culhrra e entreteni1nento. Cita con10 exem-
plos a microindústria da venda de ringtones para telefones celulares e a microindústria 
da comercialização de CDs em peque11as carroci11 .. has sonorizadas, que se alastrou, 
nos últimos anos, pelo Nordeste. Mabuse afirma também que, a partir do surgimento 
da Web 2.0, con10 as pessoas não n1ais precisam dominar tecnologias con1plexas para 
colocaT conteúdo i10 ar, ficou mais fácil parann1 artista interagir com seu púbJico, 
n1es1no qtte isso se dê i1un1 círculo mais restrito. Menciona casos de trabalhos artísti-
cos que vêm obtendo sucesso a partir da utilização adequada de instrwnentos como 
blogs, podcasts ou socia/nefs e lança no ar wna pergunta: 
Por que o cara tem que se tornar necessariamente um nome nacional? 
O fato é que o próprio conceito de sucesso ven1 sofrendo n1udanças co11Sideráveis 
nos últimos tempos. A velha indústria de ídolos impostos pela núdia de forma mas-
sificada vai gradativamente cedendo espaço para o surgin1ento de estrelas locais. 
A Cauda Longa 
Chris Andersen, editor chefe da revista Wired, publicou, em 2006, o livro A Cauda 
Longa*, no qual lança luzes sobre o novo e vasto mercado da diversidade, que e1ner-
ge de forn1a vigorosa, en1 contraposição à era dos grandes sucessos e das grandes 
audiências. 
( ... )embora ainda estejamos obcecados pelo sucesso do momento, esses hits 
já não são mais a força econômica de outrora. Mas para onde estão deban-
dando aqueles consumidores volúveis, que corriam atrás do efêmero? Em vez 
de avançarem como manada numa única direção, eles agora se dispersam ao 
sabor dos ventos, à medida que o mercado se fragmenta em inúmeros nichos. 
(Andersen, 2006, p. 2) 
Andersen cita a queda drástica das vendas de álbW1S musicais e a perda de público 
pelas grandes redes de televisão como indicadores de que algo realmente está mu-
dando em ritmo acelerado. O broadcast, com sua capacidade de levar um programa 
a milhões de pessoas, é confrontado pela Inter11et, que faz exatamente o co11trário: 
leva um milhão de programas para cada pessoa. Embora ainda exista demanda para 
a culhtra de n1assa, os inún1eros mercados de nicho, somados, ganham volu1ne 
suficiente para fazer frente aos grandes hits. O público exige cada vez mais opções e 
abraça a diversidade, abrindo espaço para o surgimento de um grande mosaico de 
"minimercados e microestrelas". 
O Avesso da Cena 
A expressão que dá titulo ao livro foi tomada emprestada da área de estatística pelo 
autor e designa um tipo de curva de demanda denominado distribuição de cauda 
longa, pois se11 prolongamento húerior é in11ito comprido en1 relação à cabeça, con-
forme pode ser observado na Figura 1.1. 
Cabeça 
~-Cauda Longa 
-------
Figura 1.1-A cauda longa Produtos 
O gráfico de ca11da longa represe11ta o que, de fato, ocorre 11os mercados conven-
cionais. Grande parte das vendas está concentrada na pritneira seção, a cabeça da 
curva, situada próxima ao eixo vertical. Ali se encontram os grandes hits, que res-
pondem, boa parte das vezes, pela quase totalidade do faturamento. 
Em nossa cultura movida a sucessos, as pessoas se concentram obses-
sivamente no lado esquerdo da curva, na tentativa de adivinhar o que se 
aglomerará nesse pequeno espaço. (Anderson, 2006, p. 19) 
Esse modelo, válido pai·a o con1ércio con\rencional, não se aplica com a n1esma 
intensidade quando se trata do varejo on-line. Em uma loja virtual, o catálogo de 
prod11tos não se lin1ita aos grandes sucessos1 tuna vez que os custos de estoque 
não mais existen1. Pelo contrário, avança sobre a cauda, onde se enco11tram pro-
d11tos obscuros e etiquetas desconhecidas, outrora inacessíveis ao gra11de público 
pela impossibilidade de concorrer por espaço nas prateleiras com os grandes hits. 
Para o comércio eletrônico, o que importa é o fatura111ento final, q11e pode ser con1-
posto, em parte, pelas vendas elevadas de determinados produtos populares, mas 
também pela soma de pequenos pedidos de uma infinidade de outras mercadorias 
alternativas. En1 suas pesquisas, surpreendentemente1 Andersen descobriu q11e 
cerca de 98% dos títulos disponíveis nas lojas virtuais registram pelo menos uma 
ve11da a cada trimestre. Esse fato as estimula a expandir indefinida1ne11te seu catá-
logo, 11ma vez que os custos de comercialização são os mesmos e não existe o risco 
de encalhe de estoque. 
Quando se é capaz de reduzir drasticamente os custos de interligar a oferta e 
a demanda, mudam-se não só os números, mas toda a natureza do mercado. 
E não se trata apenas de mudança quantitativa, mas, sobretudo, de trans-
formação qualitativa. O novo acesso aos nichos revela demanda latente por 
conteúdo não-comercial. Então, à medida que a demanda se desloca para os 
O Contexto Cultural Brasileiro 
-
35 
36 
nichos, a economia do fornecimento melhora ainda mais, e assim por diante, 
criando um loop de feedback positivo, que metamorfoseará setores inteiros -
e a cultura - nas próximas décadas. (Anderson, 2006, p. 24) 
O show business brasileiro 
Naturalmente, em função de toda essa turbulência, o show business brasileiro segue 
a tendência mw1dial de queda dos grandes hils e vive um momento de redefinição 
de caminhos. Já não são tantos os grandes nomes da cultura nacional que sustentam 
turnês bem-sucedidas pelo país. A impressão de algw1S profissionais que atuam na 
área é a de que, 11oje, o contexto não é n1ais favorável aos giros realizados nos moldes 
convencionais. 
Maurício Pessoa, da MP Produções e Eventos Culturais, de Salvador, que trabalha 
com artistas de grande projeção nacio11al, tem uma visão cautelosa em relação a esse 
campo de trabalho: 
Esse momento histórico é de mudança total. É um momento confuso e difícil 
e, apesar das instituições estarem mais fortes e organizadas, o mercado anda 
numa baixa considerável. Eu, que trabalho com turnês, posso notar que a 
crise no patrocínio se impôs de uma forma cruel. Ao mesmo tempo, não dá 
para esperar receita direta com um espetáculo. Hoje, é muito mais difícil levar 
grandes nomes a vários pontos do Brasil, principalmente nessa área onde eu 
atuo, que é o Nordeste. Você não consegue ter platéia e não consegue ter pro-
fissionais qualificados na área de produção, em função da própria crise, que 
fez com que vários bons produtores "quebrassem': Há quinze anos, as coisas 
aconteciam de uma forma quase mambembe. Hoje, para levar um artista, há 
toda uma estrutura muito pesada. No entanto, eu vejo que os patrocínios estão 
muito direcionados para os grandes centros. Então, eu acho que o momento é 
de crise, sim. Eu até acredito que isso, naturalmente, em algum momento vai 
se acomodar e vamos encontrar novos formatos. É necessário investir na for-
mação de platéias. Acho que o público não cresceu. As pessoas que assistiam 
aos espetáculos há dez anos são as mesmas que assistem hoje. 
O promotor cultural Alessandro Queiroga, da AQB, de Belo Horizonte, que realiza 
hrr11ês nacionais de grandes nomes, discorre sobre as expectativas do público 11esses 
novos tempos: 
O show businessteve aquilo que eu chamo de "ciclo do ídolo'; em que as pes-
soas pagavam para ver um determinado artista. Você trazia uma grande atriz 
e vendia ingresso antecipado porque as pessoas queriam vê-la, sem saber 
sequer qual era o conteúdo da peça que ela estava apresentando. Hoje, se o 
conteúdo não interessar, elas não vão mais ao teatro. 
O que se percebe é que as pessoas chegam ao espetáculo num estado de 
espírito e querem sair com outro. Querem alguma coisa que gere impacto 
sobre elas. Só que, de uns tempos para cá, isso começou a não existir. A 
relação entre o público e o ídolo também começou a perder força, porque o 
distanciamento acabou. Você hoje tem o DVD, que aproxima o artista do pú-
blico. A pessoa tem a possibilidade de ver o show mais de uma vez e começa 
a se perguntar por que assistir a um show do artista X, se ela tem o disco ou o 
DVD do cara em casa. Daí a necessidade de haver conteúdo nos espetáculos, 
shows e demais obras artísticas. 
O Avesso da Cena 
O que aconteceu com um grande número de artistas foi que seus shows per-
deram conteúdo. Nós assistimos ao fim da cultura do ídolo, mas até hoje tem 
gente pensando que o nosso problema é econômico e que as pessoas estão 
é sem dinheiro. Eu acho que, pelo contrário, quando você está sem dinheiro 
procura o Jazer porque quer espairecer. Aí você vai tomar sua cerveja ou vai 
a um espetáculo. 
SegundoQueiroga, os shows individuais foram sendo substih1ídos, gradativa-
mente, por eventos de grande porte, com participação de várias bandas. O público 
passou a ir ao evento pelo eve11to, e i1ão n1ais apenas para ver os artistas. 
As bandas não estavam nem confirmadas ainda e os ingressos já estavam 
sendo vendidos. Só que os eventos começaram também a se repetir e a ficar 
sem conteúdo para as pessoas. Eu entrevistei a meninada e percebi que nada 
estava mexendo com ela. Em 2003, o Pop Rock Brasil, o Ceará Musice o Fes-
tival de Verão de Salvador tiveram queda de público. Os produtores tiveram 
que começar a repensar tudo. Na Bahia, eles bolaram um conteúdo diferente 
para o festival e partiram para usar os Objetivos do Milênio da ONU. Só que 
eu me lembro que o único artista que estava envolvido com o contexto do 
festival era o Marcelo D2, que na hora leu os oito objetivos para o público. 
Hoje eu entendo que os projetos de grandes eventos precisam ter algo mais de 
conteúdo. É preciso incorporar sutilezas que possam gerar impactos na visão de 
mundo das pessoas. É fundamental que a ação seja realmente transformadora. 
O produtor Lúcio Oliveira, da Artbhz, de Belo Horizonte, também fala sobre esse 
momento de mudanças e defende a necessidade de se trabalhar de forma criativa: 
Eu não acho que tenha havido uma queda no show business brasileiro. Existe, 
sim, uma fórmula que está decadente. Eu me lembro que, alguns anos atrás, 
fechávamos uma turnê de vinte shows com um artista e partíamos para o in-
terior. Fazia-se um pacote, que ficava viável para as duas partes. Essa fórmula 
está definitivamente aposentada. O produtor tem que ser criativo, no sentido 
de pensar em novas possibilidades. Quando se faz a coisa com criatividade, 
ela tem sucesso. A simples possibilidade de ver um espetáculo com um artista 
já não atrai tanto as pessoas como antigamente. Eu não posso mais pegar 
o show do artista, colocar um cartaz na rua, colocar na televisão e esperar 
pela venda de ingressos. Eu tenho que fazer um evento, uma festa, que tenha 
como atração esse artista. Aí vai funcionar. As expectativas do público hoje 
são outras. Você tem que ter o show e o pós-show unidos no mesmo evento. 
A pessoa assiste ao show, mas tem uma pista de dança, uma área de alimen-
tação bacana ou outra atividade atrelada. Isso é o que tem dado certo hoje. É 
por isso que você não vê mais turnês nacionais como antigamente. 
Crescimento e má distribuição 
O setor culh1ral vive ta1nbén1 sob os efeitos das grai1des discussões que se lançam 
sobre o problema da desigualdade social brasileira. Uma questão cada vez mais 
re1eva11te entre as organizações é a da responsabilidade social. A iniciativa privada 
ven1 sendo chamada a participar das grandes questões nacionais e a tratar com 
O Contexto Cultural Brasileiro 
• 
37 
fi''I· ~~. 
38 
*nota 
----·---
Fonte: AGUA-Associação dos Amigos 
da Arte de Guaramiranga. 
transparência e ética todos os seus públicos, que vão desde os acionistas e en1pre-
gados até os fornecedores, consunúdores e a sociedade como un1 todo. Cada vez 
mais empresas são levadas a i11vestir en1 ações que beneficiem as comunidades nas 
quais estão inseridas, e11tre elas as iniciativas de cunho culh1ral, como forn1a de 
co11struíre1n 11ma ünagem sólida perante o público e garantirem sua permru1ê11cia 
no mercado. No co11texto globalizado, encontra111-se permanentemente sob a mira 
dos investidores internacionais, que, entre os pré-requisitos para a concessão de 
fu1a11ciamentos ou pa.Ta a negociação de ações, exigen1 posttu·as de cidadania e atuação 
positiva nas co1nunidades onde operam. 
O patrocínio à cultura, con10 conseqiiência, vem sendo cada vez mais utilizado con10 
ferramenta de aproximação das organizações co1n seus públicos, num n1ovimento 
que se potencializa ainda mais pela aplicação das leis de incentivo que se multipli-
cara1n pelo país. Tais n1ecanismos de renúncia fiscal, en1bora passíveis de inúmeras 
críticas, apresentam-se con10 um atrativo a n1ais pai·a as e1npresas injetarem recursos 
significativos na área cultural. 
Entretru1to, apesar da existência de perspectivas promissoras de crescimento, all1da 
hoje o Brasil é obrigado a conviver com incômodas estatísticas. De acordo com o Pe1fil 
dos Municípios Brasileiros Cultura 2006, elaborado pelo IBGE, 78,1% das cidades brasi-
leiras não possuem museus, 91,3% não possuen1 salas de cinema, 78,8% 11ão possuen1 
teatros, 75,2% 11ão possuen1 ce11tros cultt1rais, 40,2% i1ão possue1n uma loja de CDs e 
70% não contan1 com un1a única livraria. 
Mesmo na Região Metropolitana de São Pa11lo, os nú1neros trad11zem um desequilí-
brio bastante grave. De acordo com uma pesquisa realizada em 2005 pelo CEBRAP 
- Centro Brasileiro de Análise e Planejamento: 
Na Região Metropolitana de São Paulo, 97,6% da classe C e 99% das classes 
D/E nunca assistiram a uma apresentação de música erudita ou não tiveram 
acesso a nenhuma delas nos últimos 12 meses. A mesma pesquisa mostra 
que o acesso a shows de música popular também é pequeno: 80,6% do total 
de entrevistados (todas as classes sociais} nunca foi ou ao menos não foi a 
nenhum show nos últimos 12 meses. (Disponível em <http//www.votorantim.eom.br/ 
democratizacaocuftural>. Acesso em 30 de maio de 2007) 
Tais nún1eros podem ser e11carados, por n1uitos, con10 i11otivo de desencanto. Por 
outro lado, podem ser tomados como um grande desafio para os produtores e gesto-
res culturais brasileiros, pois denotam a existência de un1a enorme faixa de público 
a ser sensibilizada e conquistada. 
Sucesso no interior do Ceará 
O caso da pequena G11aran1irai1ga, cidade do interior do Ceará - que possui esh·utura 
smpreendente de produção cultmal, mantém intenso calendário anual de eventos e apli-
ca 16% de seu orçan1ento em cultma* -, figma como tuna grande lição para todo o país. 
O Avesso da Cena 
A lição de Guaramiranga 
Romulo Avelar 
Toda noite, as longas filas às portas dos teatros de Guaramiranga denunciam que algo diferente 
acontece por aqui. Há no ar um misto de inquietação, alegria, prazer e curiosidade. Um pouco mais 
de observação e de conversa e a constatação de que se trata de um público absolutamente hetero-
gêneo. São jovens vindos de Fortaleza, atores de grupos do interior do Ceará e de vários estados do 
Nordeste e, claro, moradores da própria Guaramiranga e das cidades vizinhas. 
Mas o grande momento vem a seguir: lá dentro dos teatros acontece uma programação que, a des-
peito dessa heterogeneidade, não faz concessões e não se rende ao caminho do fácil. Ao final de 
cada espetáculo, a comprovação de que a direção é correta vem na forma de aplausos calorosos de 
um público que realmente viveu uma experiência reveladora. 
Assim, Guaramiranga vai dando uma grande lição ao Brasil. Uma cidade de cinco mil habitantes e 
dois teatros, num país onde 84,5% dos municípios não dispõem de nenhuma sala de espetáculos. 
Um grande exemplo a ser multiplicado neste país doente, que concentra 70% dos recursos de seu 
Ministério da Cultura em uma única região, sem levar em conta suas dimensões continentais. E que, 
pior, faz muito pouco para mudar esse quadro perverso. Guaramiranga avança, pois, na contramão 
da pobreza cultural que marcha sobre o Brasil. 
Mas qual será a receita para tamanha vitalidade? Mesmo na condição de estrangeiro recém-che-
gado, deixo de lado a tradicional prudência de meus conterrâneos para arriscar algumas prováveis 
respostas. 
Em primeiro lugar, há que se destacar a regularidade na realização do Festival Nordestino de Teatro, 
que há muito se transformou num programa permanente e deixou de lado a simples condição de 
evento. A regularidade é um aspecto fundamental a qualquer ação que se pretenda duradoura no 
campo da cultura. Qualquer política cultural conseqüente deve levar em conta esse princípio funda-
mental. Outro grande acerto foi a opção por dar ao Festival um caráter de fórum de discussões, com 
a realização de oficinas e debatesem torno das artes cênicas, paralelamente às apresentações de 
espetáculos. Essa iniciativa vem deixando na cidade um residual de informações, questionamentos 
e provocações que já resultou na criação de cinco grupos de teatro locais, que seguem em plena 
atividade. 
Na esteira do sucesso do Festival, que parte para a realização de sua décima edição em 2003, sur-
giram os festivais de jazz e de gastronomia, que consolidaram na cidade um invejável calendário de 
eventos. Guaramiranga repete, desse modo, a fórmula de inúmeras cidades européias, que fazem 
da cultura sua grande ferramenta de estímulo ao turismo. Um caminho que grande parte dos políti-
cos brasileiros ainda teima em ignorar, a despeito da imensa riqueza cultural deste país. 
Há que se destacar ainda a ação da Associação dos Amigos da Arte de Guaramiranga -Agua, que 
vem se empenhando, nos últimos dez anos, na sensibilização e formação artística e na manutenção 
de grupos na própria cidade e nas comunidades vizinhas, valendo-se da cultura como veículo de 
promoção social, desenvolvimento do espírito crítico e crescimento econômico. Guaramiranga é 
hoje uma cidade que projeta seu futuro com um grau de consciência raro no Brasil. 
Por tudo isso, para quem acredita no poder transformador da cultura, estar aqui, parado em frente 
ao Teatro Rachel de Queiroz, é puro deleite. É poder constatar, ao vivo, numa simples fila diante 
de uma casa de espetáculos, que é possível mudar a face deste país pelo investimento na arte e 
na promoção social. 
Artigo publicado no jornal O Povo, de Fortaleza/CE, em 19 de setembro de 2002 
O Contexto Cultural Brasileiro 
1 
39 
40 
Teatro Municipal Rachel de Queiroz - Guaramiranga, CE Fotografia: Chico Gadelha 
O que teria acontecido em Guaramiranga para que o grande salto se tornasse pos-
sível? O que a diferencia das milhares de outras cidades brasileiras - algumas bem 
maiores - onde não existe qualquer tipo de ação estruturada nesse campo? Alguns 
vão dizer que se trata de uma cidadezinha charmosa e bonita, reduto da burguesia 
cearense nos finais de semana e que, portanto, é tnn local onde circula dinheiro. Isso 
pode ser uma verdade, mas que enseja outra pergunta: quantas são as cidades char-
mosas, bem cuidadas e ricas do país que não têm sequer uma pequena porção do 
movimento cultural de Guaranúranga? Outros podem creditar o êxito da progra-
mação da cidade ao apoio do Governo do Estado às suas iniciativas. Naturalmente, 
tan1bém este pode ser un1 fator, assim co1no vários outros não tão explícitos. 
Entretanto, existe um ponto que certamente foi decisivo nesse processo: a própria 
mobilização da comunidade. A trajetória de expansão do movimento local tem como 
origem a criação da AGUA-Associação dos Amigos da Arte de Guararniranga, em 
1992. Naquele momento, tratava-se apenas de um grupo de pessoas interessadas no 
desenvolvime11to de atividades artesanais, artísticas e educacionais no município, 
co1no tantos outros existentes pelo país. Entretanto, sua visão aberta para o mundo 
logo se colocou como um grande diferencial. Guara1niranga não tentou "reinventar 
a roda". Pelo contrário, foi buscar o conl1ecimento actm1ulado por inúmeros artis-
tas, produtores e gestores culturais convidados para as diversas edições do Festival 
Nordestino de Teatro. 
A partir das técnicas e informações absorvidas nas várias oficinas, debates e cursos 
realizados na cidade1 seus n1oradores souberam construir trma estr11tura cultural 
in1pressionante1 que incltli três teatros1 cinco grupos teatrais, u1n grupo de dai1ça, 
uma escola de 1núsica, un1a escola de comunicação, corais, grupos musicais e un1 
calendário de eventos de tirar o fôlego, no qual figura ainda um Festival Internacio-
nal de Jazz, que acontece durante o Carnaval. Souberam também atrair recursos do 
O Avesso da Cena 
Governo do Estado do Ceará e de várias outras fontes, que dinamizaram a economia 
da cidade. A vida em Guaramrranga tem na produção cultural um grande lastro, o 
que caracteriza m11 caso único i10 Brasil. A cidade figura, desse n1odo, co1no un1a 
grande provocação a tantas 011tras, que permanecen1 acon1odadas, esperando que 
as soluções venham de fora. 
Profissionalização do setor cultural 
No contexto cultural brasileiro, é necessário considerar a significativa movin1en-
tação de artistas, produtores e gestores que se preparam para os novos te1npos e 
buscam a profissionalização do setor. Cresce, a cada dia, a de1nanda por cursos, ofi-
cinas e seminários para a discussão dos vários aspectos que envolvem a produção. 
A sistematização dos processos de gestão da c1ilh1ra torna possível a transmissão 
do conhecimento acumulado, decretando o fim do improviso e do excesso de infor-
1nalidade que se1npre caracterizaram a área. Trabalhar con1 ctlltura no Brasil, dessa 
forma, deixa gradativamente de ser uma aposta diletante para ganhar contornos 
profissionais. 
No entanto, é hnportante observar que todo esse movimento pela profissionalização 
da produção brasileira tem sido resultado muito mais de iniciativas dispersas dos 
artistas, produtores, gestores, instituições privadas e organizações do terceiro setor 
do que de ações coordenadas dos órgãos governamentais. Ao longo da história bra-
sileira, o Poder Público, nos seus três níveis, foi quase sempre ontlsso em relação às 
questões da cultura. Mais recentemente, a criação de leis de incentivo passou a ser, 
para muitos governos, tuna forma de 1nascarar a falta de dotações orçan1e11tárias 
para a área. 
No início de 2007, o ministro da Cultura, Gilberto Gil, fez o seguinte comentário 
sobre a incômoda posição ocupada por sua pasta na divisão do orçamento brasileiro: 
Desde a sua criação, há 20 anos, o MinC tem ocupado os últimos lugares no 
ranking do orçamento do país, cambaleando com cerca de 0,6°/o dos recur-
sos do Governo Federal, como ocorreu no ano de 2006. (Disponível em o:::http:// 
www.cultura.gov.br/noticias/discursos/index.php7p=21211&more=1&c=1&pb=1>. Acesso em 3 de 
novembro de 2007) 
Naturalmente, a crítica do ministro se aplica à quase totalidade dos estados e muni-
cípios brasileiros. Nas casas legislativas e nos gabinetes do Poder Executivo, arte e 
cultura ainda são vistas, freqüentemente, corno elementos n1erame11te decorativos 
e restritos à dimensão do evento, do espetáculo. O debate em torno do papel trans-
versal da cultura e de seu caráter estratégico para o país vem ganhando corpo nos 
íiltitnos tempos e se traduz na criação de novos mecanismos de financiamento ao 
setor, mas precisa chegar com 1nais clareza à Cân1ara Federat às assembléias esta-
duais e às câmaras municipais. O grande desafio que se impõe diante dos profis-
sionais da área, no n1omento, é exatamente a conquista de espaço político. A velha 
imagen1 da cultura /1 de pires na 1não", vivendo das migalhas da filantropia, não faz 
mais sentido en1 nossos tempos. 
O Contexto Cultural Brasileiro 
li 
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42 
. . . 
©Min@êlecm 
Os cinco primeiros anos de gestão de Gilberto Gil (2003-2007) à frente do Ministério da 
Cttltura foran1111arcados pela criação de uma série de programas inovadores, algw1s 
dos quais se enconh·am em processo de implantação. Nesse período, a visibilidade 
conquistada pela pasta foi notória, tanto no plano nacional quanto nas esferas interna-
cionais. A in1agem e o carisma do ministro se to111aram, sen1 sombra de dúvida, fato-
res decisivos para a a1npliação do debate en1 torno das questões ctdturais no país. 
Em um balanço sobre a atuação do Governo Lula na área, publicado no livro-relatório 
1" Co11ferê11cia Nacional de Cultura 2005/2006, Frederico Barbosa, técnico de planeja-
mento e pesquisa do Ipea/Disoc, destaca os esforços do Ministério pela "construção 
de políticas públicas culturais amplas e sistêmicas, em especial pela transformação 
dos seus marcos legais hmdantes". Segundo Barbosa (2007, p. 57), 
( ... )inovações e ajustes de rota não foram pequenos, sobretudo da metade do 
mandatoem diante, embora, é certo, todas elas ainda aguardem consolida-
ção. No entanto, muitos dos espaços para reorientar e repor ênfases, na con-
dução das Políticas Culturais, foram bem aproveitados na Gestão de Gilberto 
Gil, embora muitas das dificuldades encontradas em governos anteriores per-
maneçam e se reproduzam. 
Entre as ações impleme11tadas no período, merecem referência o Progran1a Cultura 
Viva, a reestruturação da Funarte, o direcioname11to dos recursos das estatais para a 
cultura por meio de seleções públicas, o Programa de Intercãmbio e Difosão Cultu-
ral e o debate em torno da estruhtração do Plano Nacional de Cultura, que envolveu 
go,rernos estad11ais e municipais. 
O Programa Cultura Viva 
O Progra111a Cultura Viva é un1a das iniciativas de n1aior consistência desenvolvida na 
gestão do ministro Gilberto Gil. Estabelecido a partir de cinco vertentes, os Pontos de 
Cultura, o Agente Cultura Viva, a Cultura Digital, a Escola Viva e os Griôs -Mestres dos 
Saberes, tem como principais trunfos seu caráter flexível e sua perspectiva horizontal. 
Trata-se de uma rede de criação e gestão cultural mediada pelos Pontos de Cultura, 
núcleos de irradiação que podem assumir perfis diversificados e ter como base es-
paços de múltiplas naturezas, que vão desde um centro cultural já estruhtrado a, até 
n1esmo, uma pequena casa 011 barracão. Ao invés de atuar de n1ru1eira convencio11al, 
construindo centros ctilhli-ais pelo país, o Mit1istério inverte a lógica e parte para o 
investimento em propostas emergentes das próprias commúdades. Cada Ponto de 
Cultura nasce com uma identidade particular e é gerido pelos cidadãos diretamente 
beneficiados. O público-alvo é formado por populações de baixa renda, jovens em 
situação de vulnerabilidade social, estuda11tes, con1unidades indígenas, rurais e re-
manesce11tes de quilombos e nlilitai1tes sociais que dese11volvem ações de combate 
à exclusão social e cultural. 
Segundo o mitústro Gil, o Programa Cultura Viva pode ser traduzido como "uma es-
pécie de 'do-in' antropológico, massageando po11tos vitais, mas mome11tanean1ente 
O Avesso da Cena 
desprezados ou adormecidos, do corpo cultural do país" (Catálogo Cultura Viva, 
2004, p. 21). 
A escolha dos projetos de criação e manutenção de Pontos de Cultura se dá por meio 
de editais publicados pelo Ministério da Cultura. Cada Ponto recebe até R$ 185 mil 
para investir em seu projeto, no prazo de dois anos e n1eio. Parte dos recursos deve 
ser investida na aquisição de equipamento multimídia com software livre, que pos-
sibilite ao público beneficiado o desenvolvimento de atividades como gravação e 
edição de som e de imagens, criação de páginas na Internet, produção de rádios 
virtuais etc. Todos os Pontos são interligados en1 rede. Até o inês de novembro de 
2007, foram criados 640 Pontos de Cultura em todo o país (veja o site <http:/ /www. 
culh1ra.gov.br / sys / skins /cultura_ viva_ capa/ sistematizacao_fim.php> ). 
Pronac 
O Ministério da Cultura herdou de governos passados um modelo controvertido de 
financiamento, baseado no Programa Nacional de Apoio à Cultura, instih1ído pela 
Lei nº 8.313 de 1991. Embora sejam três os mecanismos que o compõem, apenas o 
Incentivo a Projetos Culhuais, conhecido como Mecenato e fundamentado em re-
núncia fiscal, alcançou resultados expressivos. Os outros dois, o Fundo Nacional de 
Culhua (FNC) e os Fundos de Investimento Culhu·al e Artístico (FICART) ainda não 
cumprem satisfatoriamente as finalidades para as quais foram criados. 
O Fundo Nacional de Culh1ra foi concebido para suprir as necessidades de finan-
ciamento de ações que estejam fora da lógica de mercado. No texto da Lei nº 8.313 
figura1n, entre seus objetivos, o de "estin1ular a distribuição regional eqüitativa 
dos recursos a serem aplicados na execução de projetos culturais e artísticos" e o 
de "priorizar projetos em áreas artísticas e culturais com menos possibilidade de 
desenvolvimento con1 recursos próprios". Passados dezesseis a11os da criação do 
Pronac, pern1a11ece a impressão de que o FNC não conseguiu se tornar uma alter-
nativa acessível aos empreendedores de projetos enquadrados nesses propósitos. 
Há que se reconhecer o esforço do Ministério de criar editais de fu1anciamento con1 
recursos do Fundo. Entretanto, essa iniciativa all1da não foi suficie11te para dar ao 
mecanisn10 a clareza e o vigor necessários. 
Os Fundos de Investimento Cultural e Artístico, por sua vez, não saíram do papel. 
Tais instrume11tos poderian1 se colocar a serviço de iniciativas da indústria cultural 
brasileira, n1as permanecem sem regulan1entação. 
O resultado dessa atrofia em dois mecanismos trouxe desequilibrio ao programa, 
fazendo com que a vertente da renú11cia fiscal se transfor1nasse na fonte predonli-
nante para a irrigação do setor. Quase todos os projetos, de c1mho comercial ou 
11ão, passaram a disputar recursos 11uma inesma raia, com 11ahtral prejuízo para 
aqueles de menor porte, proverúentes de localidades distantes dos grandes centros. 
Em abril de 2006, ainda como secretário de Políticas Culturais do Ministério da Cul-
tura, Sérgio Sá Leitão assll1alou a existê11cia de distorções e li1nitações no modelo de 
financiame11to vigente, e1n e11trevista concedida à Revista Raiz: 
O Contexto Cultural Brasileiro 
leia+ 
legislação de incentivo à cultura 
p. 401 
• 
43 
44 
Há um aspecto sobre as leis de incentivo que precisamos considerar. O que 
nós tivemos ao longo dos anos 1990 e no início do milênio? Um processo 
em que o investimento em cultura, por meio da lei, foi crescendo progres-
sivamente, enquanto o investimento orçamentário foi sendo reduzido. Mas 
são dois instrumentos complementares, com papéis diferentes. Então, o que 
aconteceu? Passou-se a exigir da lei que ela produzisse resultados que não 
poderia produzir. Pela sua própria natureza. O investimento por meio de re-
núncia fiscal não pode substituir o investimento orçamentário. Mais do que 
isso: essas não são as duas únicas formas possíveis de investir recursos pú-
blicos em cultura. Por isso, mais importante do que uma mudança na lei, é 
uma mudança no modelo de financiamento público da cultura, que incorpore 
outros elementos, novos instrumentos, para que se tenha uma definição mais 
precisa da finalidade de cada um desses instrumentos. (Revista Raiz, n. 4, 
p. 82, abr. 2006) 
Co11Siderada por muitos 1m1 n1ecanisn10 co11ce11trador e injusto, a Lei Federal de 
Incentivo vem sendo bombardeada por parcela significativa da classe cultural, desde 
sua criação. Era grande a expectativa de que, no atual governo, tais distorções fossen1 
corrigidas. Entretanto, o que se viu, na prática, foi uma atuação túnida do Ministério 
da Cultura em relação ao assunto. As mudanças esperadas acabaram sendo poster-
gadas e permanecem em suspenso. Segundo Barbosa (2007, p. 77), "as reformas da 
legislação dos ince11tivos fora1n mínimas e não atacaram seus proble1nas ce11trais. No 
entanto, a mru111tenção dos mecanisn1os de financian1e11to foi oportuna e possibilitou 
tuna significativa alavancagem de recursosn. 
Em 1neio às discussões em torno da questão, en1ergen1 dados positivos sobre os valo-
res efetivamente captados com o auxílio do Mecenato. A Lei Federal vem canalizando 
para a área um volru11e cresce11te de recru·sos, conforme de1nonstrado 11ao gráfico da 
Figura 1.2. 
900~--~·----------------------~ 
à~ 
800 
700 
600 
500 
400 
300 
200 
100 
o 
---· 
289,5 
-
-
2000 
367,9 
- 344,4 
2001 2002 
Figura 1.2 - Lei Federa! de Incentivo à Cultura 
430,5 -·-
2003 
Captação Nacional de Recursos/Ano {Em milhões de reais) 
-- ~-
721,7 
-·- -
-
509,5 
~ 
·- -
-
-
~·- -· 
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2004 2005 2006 
Fonte: Ministério da Cultura 
Nos íiltin1os anos, até mesn10 o MinC foi surpreendido com a explosão do nú1nero 
de propostas apresentadas ao Mecenato por proponentes do país inteiro. O cresci-
111ento exponencial do volurne de processos acabou por dei-xar expostos os 1in1ites

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