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Discursos do Ministro da Cultura Gilberto Gil

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Prévia do material em texto

Luiz Inácio Lula da Silva 
Presidente da República 
Gilberto Gil 
Ministro da Cultura 
Juca Ferreira 
Secretário Executivo 
Roberto Pinho 
Secretário de Desenvolvimento de Programas e Projetos Culturais 
Paulo Miguez 
Secretário de Formulação e Avaliação de Políticas Culturais 
Orlando Senna 
Secretário para o Desenvolvimento das Artes Audiovisuais 
Sérgio Mamberti 
Secretário de Apoio à Preservação da Identidade Cultural 
Sérgio Xavier 
Secretário de Fomento e Incentivo à Cultura 
Márcio Meira 
Secretário de Articulação Institucional e de Difusão Cultural 
Cadernos do Do-ln Antropológico 
Uma publicação da Assessoria de 
Comunicação Social do MinC 
Esplanada dos M inistérios 
Bloco B, Sala 306 
CEP: 70.068-900 
Telefones: (61) 316-2200/2309 
Fax: (61) 223 -9290 - 225-0102 
imprensa@minc.gov.br 
site : www.cultura .gov.br 
Assessor de Comunicação Social 
Luis Turiba 
Supervisão de publicação 
Assessor Especial do MinC 
Antônio Risério 
Revisão 
Raimundo Estevam Silva 
Programação gráfica e capa 
Resa/Reginaldo Feitosa 
Fotolito, impressão e acabamento 
Teixeira Gráfica e Editora 
Imagens de capa, de cima para baixo: 1 - Caboclo, aquarela de Jean Baptista Debret - 1820/1830 
(Museus Castro Maya); 2 - Nau do Descobrimento, óleo sobre tela, de Carlos Ballioster - 1912 (acervo 
do Museu Histón·co Nacional); 3 - Detalhe de um rosto indignado na litografia Negros no Tronco, de 
Debret-1834/1839; 4 -Ala dos Compositores da Mangueira e sua madrinha, década de 40 (acervo da 
Estação 1' da Mangueira); 5 - Praça dos Três Poderes, Congresso Nacional, Palácio do Planalto e 
Monumento JK, de Oscar Niemeyer, 6 - Detalhes: sombra de um anjo barroco, de A/eijadinho. 
Brasília, dezembro de 2003 
' ' Para nós, a cultura está investida de um pa -
pel estratégico, no sentido da construção de um 
país socialmente mais justo e de nossa afirmação 
soberana no mundo. Porque não a vemos como algo 
meramente decorativo, ornamental. Mas como a 
base da construção e da preservação de nossa iden-
tidade, como espaço para a conquista plena da ci-
dadania, e como instrumento para a superação da 
exclusão social -tanto pelo fortalecimento da auto-
estima de nosso povo, quanto pela sua capacidade 
de gerar empregos e de atrair divisas para o país . 
Ou seja, encaramos a cultura em todas as suas di-
mensões, da simbólica à econômica. 
Vem daí o nosso entendimento da cultura como 
uma das preocupações centrais do Estado. ' ' 
PRESIDENTE LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA 
13 de outubro de 2003 
Por ocasião do lançamento do 
"Programa Brasileiro de Cinema e Audiovisual" 
Gil, Gilberto, 1942-
G463d Discursos do Ministro da Cultura Gilberto 
Gil. Brasília : MinC, 2003 . 
88p. : il. 
1. Cultura brasileira - discursos ~ 2. Discur-
sos . 
1. Título CDD 
8 
11 
19 
23 
31 
39 
45 
63 
69 
l i 
79 
85 
SUMÁRIO 
DISCURSOS PROGRAMÁTICOS 
DISCURSO NA SOLENIDADE DE TRANSMISSÃO DO 
CARGO 
DISCURSO NO EDIFÍCIO GUSTAVO CAPANEMA, MARCO 
DA ARQUITETURA BRASILEIRA E MUNDIAL 
DISCURSO NO SEMINÁRIO DE CULTURA 
DISCURSO NA BIENAL DA UNE 
DISCURSO DANDO POSSE À NOVA DIRETORIA DA 
FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES 
PRONUNCIAMENTO NA COM~SSÃO DE EDUCAÇÃO, 
CULTURA E DESPORTO DA CAMARA DOS DEPUTADOS 
PRONUNCIAMENTO NA COMISSÃO DE EDUCAÇÃO 
DO SENADO FEDERAL 
PRONUNCIAMENTO NO ENCERRAMENTO DO FESTIVAL 
DE CINEMA DE GRAMADO 
DISCURSO NO LANÇAMENTO DO PROGRAMA 
BRASILEIRO DE CINEMA E AUDIOVISUAL 
DISCURSO NA ABERTURA DA 5ª BIENAL DE 
ARQUITETURA 
MINISTÉRIO DA CULTURA 
DISCURSOS PROGRAMÁTICOS 
JUCA FERREIRA 
Secretário-Executivo do Ministério da Cultura 
o discurso de posse, o ministro Gilberto Gil falou 
em fazer uma espécie de "do-in antropológico", 
massageando pontos vitais, mas momentanea-
mente desprezados ou adormecidos, do corpo 
cultural do País. O "do-in" serviria, assim, para 
"avivar o velho e atiçar o novo". 
Assim fizemos. O ministro Gilberto Gil cum-
priu uma longa e positiva agenda ao longo des-
te ano de 2003 . Saiu pelo Brasil afora com toda a 
nossa equipe, marcando claramente a nova fun-
ção estratégica da cultura no governo do presi-
dente Lula . 
Cultura como encontro de raças, fundamento inaugural da soci-
edade brasileira; como produto fundamental da cesta básica do 
povo brasileiro; uma espécie de feijão-com-arroz de nossas almas, 
de nossa existência e de nosso destino no planeta. 
O ministro Gil apresentou o novo Ministério da Cultura à nação. 
Isso se deu por intermédio de falas, palestras, discursos, pronunci-
6 
CADERNOS DO DO·IN ANlROPOLÓGICO 
amentos. Selecionamos para a edição inaugural dos Cadernos do 
Do-ln Antropológico dez discursos programáticos. Através dessas 
intervenções, foi sendo apresentado um novo conceito de cultura 
e o papel do Estado para o desenvolvimento cultural do país, além 
da importância da nossa diversidade cultural. 
Da transmissão do cargo, dia 2 de janeiro, no lotado auditório 
do MinC, à solenidade de lançamento do Programa Brasileiro de 
Cinema e Audiovisual, no Palácio do Planalto; passando pelas falas 
na Câm ara dos Deputados e no Senado Federal; no Palácio 
Ca panema, no Rio de Janeiro; na reunião da UNE em Recife; ao 
Festival de Cinema de Gramado. 
Agora, o novo MinC apresenta à nação algumas das peças ora-
tórias do ministro Gilberto Gil que serão fundamentais para a 
compreensão do papel da cultura e das artes neste novo estágio 
civ ilizatóri o do Brasil sob o comando do presidente Luiz Inácio 
Lu la da Silva. Afinal, cultura também é economia, direito à cida-
dania, inclusão social e expressão maior da singularidade do povo 
brasileiro. 
7 
MINISTÉRIO DACUL TURA 
Foto: Ricardo Stuckert/ Presidência da República 
Esplanada dos Ministérios, 1° de janeiro de 2003, posse do presidente Lula 
8 
CADERNOS DO DO·IN ANTROPOLÓGKO 
DISCURSO DO MINISTRO GILBERTO GIL NA 
,., 
SOLENIDADE DE TRANSMISSAO DO CARGO 
BRASÍLIA, 2 DE JANEIRO DE 2003 
eleição de Luiz Inácio Lula da Silva foi a mais elo-
qüente manifestação da nação brasileira pela ne-
cessidade e pela urgência da mudança. Não por 
uma mudança superficial ou meramente tática 
no xadrez de nossas possibilidades nacionais. Mas 
por uma mudança estratégica e essencial, que 
mergulhe fundo no corpo e no espírito do país . 
O ministro da Cultura entende assim o recado 
enviado pelos brasileiros, através da consagra-
ção popular do nome de um trabalhador, do 
nome de um brasileiro profundo, simples e dire-
to, de um brasileiro identificado por cada um de 
nós como um seu igual, como um companheiro. 
É t ambém nesse horizonte que entendo o desejo do presidente 
Lula de que eu assuma o Ministério da Cultura . Escolha prática, mas 
também simbólica, de um homem do povo como ele. De um homem 
que se engajou num sonho geracional de transformação do país, de 
um negromestiço empenhado nas movimentações de sua gente, de 
9 
um artista que nasceu dos solos mais 
generosos de nossa cultura popular 
e que, como o seu povo, jamais abriu 
mão da aventura, do fascínio e do 
desafio do novo. E é por isso mesmo 
que assumo, como uma das minhas 
tarefas centrais, aqui , t irar o M inis-
tério da Cultura da distância em que 
ele se encontra, hoje, do dia-a-dia dos 
brasileiros. 
Que quero o Ministério presente 
em todos os cantos e recantos de 
nosso País. Que quero que esta aqui 
seja a casa de todos os que pensam 
e fazem o Brasi l. Que seja, realmen-
te, a casa da cultura brasileira. 
E o que entendo por cultura vai 
muito além do âmbito restrito e 
restritivo das concepções acadêmicas, 
ou dos ritos e da liturgia de uma su-
posta "classe artística e intelectual ". 
Cultura, como alguém já disse, não 
é apenas "uma espécie de ignorân-
cia que distingue os estudiosos" . Nem 
somente o que se produz no âmbito 
das formas canon izadas pelos cód i-
gos ocidentais, com as suas hierar-
quias suspeitas. Do mesmo modo, 
ninguém aqui vai me ouvir pronun-
ciar a palavra "folclore" . Os vínculos 
entre o conceitoerudito de "folclo-
re" e a discriminação cultural são 
mais do que estreitos. São íntimos. 
"Folclore " é tudo aquilo que - não 
10 
MINISTÉRIO DA CULTURA 
se enquadrando, por sua antigüida-
de, no panorama da cultura de massa 
- é produzido por gente inculta, por 
"primitivos contemporâneos", como 
uma espécie de enclave simbólico, his-
toricamente atrasado, no mundo atu-
al. Os ensinamentos de Lina Bo Bardi 
me preveniram definitivamente con-
tra essa armadilha . Não existe "folclo-
re" - o que existe é cultura . 
Cultura como tudo aquilo que, 
no uso de qualquer coisa, se mani-
festa para além do mero valor de uso. 
Cultura como aquilo que, em cada 
objeto que produzimos, transcende 
o meramente técnico. Cultura como 
usina de símbolos de um povo. Cul-
tura como conjunto de signos de cada 
comunidade e de toda a nação. Cul-
tura como o sentido de nossos atos, 
a soma de nossos gestos, o senso de 
nossos jeitos. 
Desta perspectiva, as ações do Mi-
nistério da Cultura deverão ser en-
tendidas como exercícios de antro-
pologia aplicada. O Ministério deve 
ser como uma luz que revela, no pas-
sado e no presente, as coisas e os 
signos que fizeram e fazem, do Bra-
sil, o Brasil. Assim, o selo da cultu-
ra , o foco da cultura, será colocado 
em todos os aspectos que a revelem 
e expressem, para que possamos te-
cer o fio que os unem. 
CADERNOS DO DO-IN ANTROPOLÓGICO 
Não cabe ao Estado fazer cultura, 
mas, si m, criar condições de acesso 
universal aos bens simbólicos. Não ca-
be ao Estado fazer cultura, mas, sim, 
proporcionar condições necessárias 
para a criação e a produção de bens 
culturais, sejam eles artefatos ou men-
tefatos. Não cabe ao Estado fazer cul-
t ura, mas, sim, promover o desenvol-
vimento cultural geral da sociedade. 
Porque o acesso à cultura é um direi-
to básico de cidadania, assim como 
0 direito à educação, à saúde, à vida 
num meio ambiente saudável. Por-
que, ao investir nas condições de cri-
ação e produção, estaremos toman-
do uma iniciativa de conseqüências 
imprev isíveis, mas certamente bri-
lhantes e profundas - já que a criativi-
dade popular brasileira, dos primei-
ros tempos coloniais aos dias de hoje, 
foi sempre muito além do que permi-
tiam as condiçõs educacionais, soci-
ais e econômicas de nossa existência . 
Na verdade, o Estado nunca esteve à 
altura do fazer de nosso povo, nos 
mais variados ramos da grande árvo-
re da criação simbólica brasileira . 
É preciso ter humildade, portan-
to. Mas, ao mesmo tempo, o Estado 
não deve deixar de agir. Não deve 
optar pela omissão. Não deve atirar 
fora de seus ombros a responsabili-
dade pela formulação e execução de 
políticas públicas, apostando todas 
as suas fichas em mecanismos fiscais 
e assim entregando a política cultu-
ral aos ventos, aos sabores e aos ca-
prichos do deus-mercado. É claro 
que as leis e os mecanismos de in-
centivos fiscais são da maior impor-
tância . Mas o mercado não é tudo. 
Não será nunca. Sabemos muito bem 
que em matéria de cultura , assim 
como em saúde e educação, é preci-
so examinar e corrigir distorções ine-
rentes à lógica do mercado - que é 
sempre regida, em última análise, 
pela lei do mais forte. Sabemos que 
é preciso, em muitos casos, ir além 
do imediatismo, da visão de curto al-
cance, da estreiteza, das insuficiên-
cias e mesmo da ignorância dos agen-
tes mercadológicos. Sabemos que é 
preciso suprir as nossas grandes e fun-
damentais carências. 
O Ministério não pode, portanto, 
ser apenas uma caixa de repasse de 
verbas para uma clientela preferen-
cial. Tenho, então, de fazer a ressal-
va: não cabe ao Estado fazer cultura, 
a não ser num sentido muito especí-
fico e inevitável. No sentido de que 
formular políticas públicas para a cul-
tura é, também, produzir cultura . No 
sentido de que toda política cultural 
faz parte da cultura política de uma 
sociedade e de um povo, num deter-
11 
llL 
mens 
de 
Revista KLAXON, 
Semana de Arte Moderna de 1922 
' ' FAZER UMA ESPÉCIE DE 
-i "DO-IN" ANTROPOLÓGICO 
MASSAGEANDO PONTOS VITAIS, MAS 
MOMENTANEAMENTE DESPREZADOS 
OU ADORMECIDOS, DO CORPO 
CULTURAL DO PAIS. ENFIM, PARA 
AVNAR O VELHO E A TlÇAR O NOVO. 
PORQUE A CULTURA BRASILEIRA NÃO 
PODE SER PENSADA FORA DESSE 
JOGO, DESSA DIALÉTICA 
PERMANENTE ENTRE A TRADIÇÃO 
E A INVENÇÃO. ' ' 
12 
MINISTÉRIO DA CULTURA 
minado momento de sua existência . 
No sentido de que toda política cul-
tural não pode deixar nunca de ex-
pressar aspectos essenciais da cultu-
ra desse mesmo povo. Mas, também, 
no sentido de que é preciso intervir. 
Não segundo a cartilha do velho mo-
delo estatizante, mas para clarear ca-
minhos, abrir clareiras, estimular, 
abrigar. Para fazer uma espécie de 
"do-in" antropológico, massagean-
do pontos vitais, mas momentanea-
mente desprezados ou adormecidos, 
do corpo cultural do país. !Énfim, para 
avivar o velho e atiçar o novo. Por-
que a cultura brasileira não pode ser 
pensada fora desse jogo, dessa dialé-
tica permanente entre a tradição e a 
invenção, numa encruzilhada de ma-
trizes milenares e informações e 
tecnologias de ponta. \ 
Logo, não se trata somente de 
expressar, refletir, espelhar. As polí-
ticas públicas para a cultura devem 
ser encaradas, também, como inter-
venções, como estradas reais e vici-
na is, como caminhos necessários, 
como atalhos urgentes. Em suma, 
como intervenções criativas no cam-
po do real histórico e social. Daí que 
a política cultural deste Ministério, a 
política cultural do Governo Lula, a 
partir deste momento, deste instan-
te, passa a ser vista como parte do 
CADERNOS DO DO-IN ANTROPOLÓGICO 
projeto geral de construção de uma 
nova hegemonia em nosso País. 
como parte do projeto geral de cons-
trução de uma nação realmente de-
mocrática, plural e tolerante. Como 
parte e essência de um projeto con-
sistente e criativo de radicalidade so-
cial. Como parte e essência da cons-
trução de um Brasil de todos. 
Penso, aliás, que o presidente Lula 
está certo quando diz que a onda atu-
al de violência, que ameaça destruir 
valores essenciais da formação de nos-
so povo, não deve ser creditada auto-
matica mente na conta da pobreza. 
Sempre tivemos pobreza no Brasil, mas 
nunca a violência foi tanta como ho-
je. E esta violência vem das desigual-
dades sociais. Mesmo porque sabemos 
que o que aumentou no Brasil, nes-
sas últimas décadas, não foi exatamen-
te a pobreza ou a miséria. A pobreza 
até que diminuiu um pouco, como as 
estatísticas mostram. Mas, ao mesmo 
tempo, o Brasil se tornou um dos paí-
ses mais desiguais do mundo. Um país 
que possui talvez a pior distribuição 
de renda de todo o planeta. E é esse 
escândalo social que explica, basica-
mente, o caráter que a violência ur-
bana assumiu recentemente entre 
nós, subvertendo, inclusive, os anti-
gos valores da bandidagem brasileira. 
Ou o Brasil acaba com a violência, 
ou a violência acaba com o Brasil. O 
Brasil não pode continuar sendo si-
nônimo de uma aventura generosa, 
mas sempre interrompida . Ou de 
uma aventura só nominalmente so-
lidária. Não pode continuar sendo, 
como dizia Oswald de Andrade, um 
país de escravos que teimam em ser 
homens livres. Temos de completar 
a construção da nação. De incorpo-
rar os segmentos excluídos. De redu-
zir as desigualdades que nos atormen-
tam. Ou não teremos como recupe-
rar a nossa dignidade interna, nem 
como nos afirmar plenamente no 
mundo. Como sustentar a mensagem 
que temos a dar ao planeta, enquan-
to nação que se prometeu o ideal 
mais alto que uma coletividade pode 
propor a si mesma: o ideal da convi-
vência e da tolerância, da coexistên-
cia de seres e linguagens múltiplos e 
diversos, do convívio com a diferen-
ça e mesmo com o contraditório. E o 
papel da cultura, nesse processo, não 
é apenas tático ou estratégico - é cen-
tral: o papel de contribuir objetiva-
mente para a superaçãodos desní-
veis sociais, mas apostando sempre 
na realização plena do humano. 
A multiplicidade cultural brasilei-
ra é um fato. Paradoxalmente, a nossa 
unidade de cultura - unidade básica, 
abrangente e profunda - também. Em 
13 
verdade, podemos mesmo dizer que 
ª diversidade interna é, hoje, um dos 
nossos traços identitários mais nítidos. 
É o que faz com que um habitante da 
favela carioca, vinculado ao samba e 
à macumba, e um caboclo amazôni-
co, cultivando carimbós e encantados, 
sintam-se - e, de fato, sejam - igual-
mente brasileiros. Como bem disse 
Agostinho da Silva, o Brasil não é o 
país do isto ou aquilo, mas o país do 
isto e aquilo. \]omos um povo mesti-
ço que vem criando, ao longo dos 
séculos, uma cultura essencialmente 
sincrética~ Uma cultura diversificada, 
plural - mas que é como um verbo 
conjugado por pessoas diversas, em 
tempos e modos distintos. Porque, ao 
mesmo tempo, essa cultura é una: cul-
tura tropical sincrética tecida ao abri-
go e à luz da língua portuguesa..:... 
E não por acaso me referi, antes, 
ao plano internacional. Tenho para 
mim que a política cultural deve per-
mear todo o Governo, como uma es-
pécie de argamassa de nosso novo 
projeto nacional. Desse modo, tere-
mos de atuar transversalmente, em 
sintonia e em sincronia com os de-
mais ministérios. Algumas dessas par-
cerias se desenham de forma quase 
automática, imediata, em casos como 
os dos ministérios da Educação, do 
Turismo, do Meio Ambiente, do Tra-
14 
MINISTÉRIO DA CULTURA 
balho, dos Esportes, da Integração 
Nacional. Mas nem todos se lembram 
logo de uma parceria lógica e natu-
ral, no contexto que estamos viven-
do e em função do projeto que te-
mos em mãos: a parceria com o Mi-
nistério das Relações Exteriores. Se há 
duas coisas que hoje atraem irresisti-
velmente a atenção, a inteligência e 
a sensibilidade internacionais para o 
Brasil , uma é a Amazônia, com a sua 
biodiversidade - e a outra é a cultu-
ra brasileira, com a sua semiodiversi-
dade. lo Brasil aparece aqui, com as 
suas d iásporas e as suas mistura s, 
como um emissor de mensagens no-
vas, no contexto da globalização:\ 
Juntamente com o Ministério das 
Relações Exteriores, temos de pensar, 
modelar e inserir a imagem do Brasil 
no mundo. Temos de nos posicionar 
estrategicamente no campo magné-
tico do Governo Lula, com a sua ênfa-
se na afirmação soberana do Brasil 
no cenário internacional. E sobretu-
do temos de saber que recado o Bra-
sil - enquanto exemplo de convivên-
cia de opostos e de paciência com o 
diferente - deve dar ao mundo, num 
momento em que discursos ferozes 
e estandartes bélicos se ouriçam pla-
netariamente. Sabemos que as guer-
ras são movidas, quase sempre, por 
interesses econômicos. Mas não só . 
CADERNOS DO DO-IN ANTROPOLÓGICO 
Elas se desenham, também, nas esfe-
ras da intolerância e do fanatismo. 
E, aqui, o Brasi l tem lições a dar -
apesar do que querem dizer certos 
representantes de instituições inter-
nacionais e seus porta-vozes internos 
que, a f im de tentar expiar suas cul-
pas rac iais, esforçam-se para nos en-
quadrar numa moldura de hipocrisia 
e discórdia, compondo de nossa gen-
te um retrato interessado e interes-
seiro, capaz de convencer apenas a 
eles mesmos. Sim: o Brasil tem lições 
a dar, no campo da paz e em outros, 
com as suas disposições permanen-
temente sincréticas e transcultura-
tivas. E não vamos abrir mão disso. 
Em resumo, é com esta compreen-
são de nossas necessidades internas e 
da procura de uma nova inserção do 
Brasil no mundo que o Ministério da 
Cultura vai atuar, dentro dos princí-
pios, dos roteiros e das balizas do pro-
jeto de mudança de que o presidente 
Lula é, hoje, a encarnação mais ver-
dadeira e mais profunda. Aqui será o 
espaço da experimentação de rumos 
novos. O espaço da abertura para a 
criatividade popular e para as novas 
linguagens. O espaço da disponibili-
dade para a aventura e a ousadia. O 
espaço da memória e da invenção. 
Muito obrigado. 
Detalhe de uma reprodução do zoólogo 
alemão Johann Baptist Von Spix, 1820 
' ' OUOBRASILACABA 
COM A VIOL~NCIA, OU A VIOL~NCIA 
ACABA COM O BRASIL. O BRASIL NÃO 
PODE CONTINUAR SENDO SINÔNIMO 
DE UMA AVENTIJRA GENEROSA, 
MAS SEMPRE INTERROMPIDA. OU DE 
UMA AVENTIJRA SÓ NOMINALMENTE 
SOLIDÁRIA. NÃO PODE CONTINUAR 
SENDO, COMO DIZIA OSWALD DE 
ANDRADE, UM PAIS DE ESCRAVOS 
QUE TEIMAM EM SER HOMENS LIVRES. 
TEMOS DE COMPLETARA 
CONSlRUÇÃO DA NAÇÃO. ' ' 
15 
MINISTÉRIO DA CULTURA 
Jardim suspenso de Burle Max no Palácio Capanema, em pleno centro do Rio de Janeiro 
(Arquivo M inC) 
16 
CADERNOS DO DO-IN ANTROPOLÓGKO 
DISCURSO DO MINISTRO GILBERTO GIL 
NO PALÁCIO GUSTAVO CAPANEMA, MARCO DA 
ARQUITETURA BRASILEIRA E MUNDIAL 
RIO DE JANEIRO, 06 DE FEVEREIRO DE 2003 
ias de adaptação à luz intensa, natural que 
substitui as lâmpadas acesas durante o dia; 
às divisões baixas de madeira, em lugar de 
paredes; aos móveis padronizados-que, an-
tes obedeciam à fantasia dos diretores ou ao 
acaso dos fornecimentos. Novos hábitos são 
ensaiados ... A sala em que me instalaram não 
provou bem. Desde anteontem passei para 
onde as coisas têm melhor arrumação. Das 
amplas vidraças do 10° andar descortina-se a 
baía vencendo a massa cinzenta dos edifíci-
os. Lá embaixo, no jardim suspenso do Minis-
tério, a estátua de mulher nua de Celso Antônio, reclinada, conserva 
entre o ventre e as coxas um pouco de água da última chuva, que os 
passa rinhos vêm beber, e é uma graça a conversão do sexo de grani-
to em fonte natural. Utilidade imprevista das obras de arte" . 
Meus amigos, minhas amigas: 
17 
Estas palavras foram escritas por 
Carlos Drummond de Andrade, em 
"O Observador no Escritório", para 
falar da mudança do ministro Gus-
tavo Capanema e sua equipe para o 
então prédio do Ministério da Edu-
cação e Saúde, nos primeiros dias do 
mês de abril de 1944. E é fascinante 
ouvi-lo não só sobre a luz natural in-
vadindo as salas, como sobre a sen-
sação espacial de estar num prédio 
radicalmente novo, que leva a ensai-
ar novos hábitos. Este é o dom, a vir-
tude e a verdade da grande arquite-
tura. O espaço construído sendo ca-
paz de renovar a nossa experiência 
das formas e os nossos hábitos. 
Mas este prédio de Lúcio Costa e 
Oscar Niemeyer, baseado no traçado 
original de Le Corbusier, não é só isso. 
Ele é um marco inaugural, marco da 
nova arquitetura brasileira e mundi-
al , marco da invenção na história da 
cultura brasileira . E tem lições fun-
damentais para nos dar, no momen-
to em que estamos vivendo. 
Aqui está uma prova nítida de nos-
sa capacidade de assimilar criativa-
mente linguagens internacionais, ne-
las imprimindo a nossa marca própria 
e original, inclusive para nos anteci-
par às realizações estrangeiras. Porque 
a verdade é que este prédio, exem-
plo de ousadia e requinte tropicais, 
18 
MINISTÉRIO DA CUL lURA 
pegou de surpresa os centros mun-
diais de cultura . Nesse caso, deixo a 
palavra com o próprio Lúcio Costa : 
"O edifício construído para sede 
do antigo Ministério da Educação e 
Saúde surgiu como que de repente 
e a sua serena beleza surpreendeu 
quando, terminada a guerra, o mun-
do tomou conhecimento da sua in-
sólita presença. Marco definitivo da 
nova arquitetura brasileira revelou-
se igualmente, apenas construído, pa-
drão internacional da reformulação 
arquitetônica, e demonstrou que o 
engenho nativo já está apto a apre-
ender a experiência estrangeira, 
não mais somente como eterno 
caudatário ideológico, mas anteci-
pando-se na própria realização" . 
Uma outra lição que este grupo e 
este prédio nos dão está na aliança 
que souberam tecer entre a tradição 
e o novo. Não foi isso o que aconte-
ceu na Europa, onde agrupamentos 
se dividiram, como adversários, em 
nome de uma suposta dicotomia en-
tre memória e invenção - e o panfle-
tário Le Corbusier queriafazer tábua 
rasa do passado. O Instituto do Patri-
mônio - criado por um punhado de 
jovens inovadores, sob a regência de 
Rodrigo Melo Franco de Andrade - fi-
cou abrigado aqui mesmo, neste pré-
dio de vanguarda. E Lúcio Costa tra-
CADERNOS DO DO-IN ANTROPOLÓGICO 
ba lhou para o Patrimônio. Podemos 
dizer, portanto, que este grupo tinha 
um pé em Ouro Preto - e um pé no fu-
turo, que um dia se chamaria Brasília. 
Este prédio nos ensina, também, 
que é preciso ter responsabilidade 
pa ra construir. Responsabilidade so-
cia l e cultural. Porque todo prédio im-
portante, que se ergue na paisagem, 
va i marcar profundamente o corpo 
da cidade. Marcar com a sua dimen-
são f ísica, com a sua carga simbólica 
e com a sua mensagem. E é por isso 
mesmo que devemos olhar com re-
serva, criticamente, todo projeto de 
impl antação de obras gigantescas, 
grandes somente em sua monumen-
t al idade, mas culturalmente supérflu-
as, vazias de significado. 
Por fim, gostaria de lembrar o con-
texto histórico em que este edifício 
se ergueu. Ele foi construído ao lon-
go da li Guerra Mundial. E assim ge-
rou um contraste eloqüente. Enquan-
to na Europa a tecnologia estava sen-
do usada para destruir, no Brasil ela 
estava sendo usada para construir. E 
que isto também nos sirva de lição, 
hoje, quando a perspectiva de uma 
nova guerra se desenha cada vez 
ma is próxima. Que a tecnologia seja 
para nós, sempre, um instrumento 
construtivo sempre para paz. 
Por tudo isso, é preciso revelar, ao 
próprio Rio e a todo o País, o signi-
ficado deste prédio. É preciso infor-
mar, iluminar e usar os seus belos 
espaços. Recuperar o que for preci-
so de suas instalações. E isto o Mi-
nistério da Cultura vai fazer. Para que 
este edifício renasça da cidade - e 
para o coração do país. 
Detalhe do mural de azulejos de Cândido 
Portinari, na entrada secundária do Palácio 
(Arquivo M inC) 
' ' ESTE PRÉDIO NOS 
ENSINA, TAMBÉM, QUE É PRECISO 
TER RESPONSABILIDADE PARA 
CONSTRUIR. RESPONSABILIDADE 
SOCIAL E CULTURAL. PORQUE TODO 
PRÉDIO IMPORTANTE, QUE SE ERGUE 
NA PAISAGEM, VAI MARCAR 
PROFUNDAMENTE O CORPO DA 
CIDADE COM A SUA DIMENSÃO 
FISICA, A SUA CARGA SIMBÓLICA E A 
SUAMENSAGEM. '' 
19 
20 
MINISTÉRIO DA CULTURA 
Coroado e Botocudo, indios antropófagos descritos por Spix e Martius, no livro 
"Viagem pelo Brasil" 1817-1820 
CADERNOS DO DO-IN ANTROPOLÓGKO 
DISCURSO DO MINISTRO GILBERTO GIL 
NO SEMINÁRIO DE CULTURA DO CEARÁ 
CULTURA NO GOVERNO LULA: 
UMA VISÃO ESTRATÉGICA DO MINC 
FORTALEZA, 20 DE MARÇO DE 2003 
objetivo maior do Governo Lula, nos termos mais 
amplos possíveis, é a recuperação da dignidade na-
cional brasileira - dignidade interna e externa, 
entrelaçadas. É a construção de um novo Brasil, 
socialmente mais equilibrado, mais saudável, e ca-
paz de se afirmar como nação soberana no cená-
rio internacional. 
Um projeto de futuro, portanto, antevisão do 
Brasil realizando-se plenamente como nação: para 
nós-e para o mundo. 
Inicialmente, contudo, a discussão desse proje-
to concentrou-se-como era natural-nos campos 
da política e da economia. Mas esse primeiro momento já ficou para 
t rás. Trata-se, agora, de abrir o leque, de ampliar o raio das discussões 
e intervenções, de modo que possamos entrelaçar política, econo-
21 
l 
mia, educação, cultura, etc. Pois, da 
perspectiva do Ministério da Cultura, 
o desejo de "construir um novo Bra-
sil" , de recuperar a dignidade nacio-
nal brasileira, terá maior probabil ida-
de de êxito se passar pelo mundo da 
cultura . 
Cultura não no sentido das con-
cepções acadêmicas ou dos ritos de 
uma "classe artístico-intelectual ". Mas 
em seu sentido pleno, antropológi-
co. Vale dizer: cultura como a dimen-
são simbólica da existência social bra-
sileira. Como usina e conjunto de sig-
nos de cada comunidade e de toda a 
nação. Como eixo construtor de nos-
sas identidades, construções continu-
adas que resultam dos encontros en-
tre as múltiplas representações do sen-
tir, do pensar e do fazer brasileiros e 
a diversidade cultural planetária . 
Como espaço de realização da ci-
dadania e de superação da exclusão 
social , seja pelo reforço da auto-esti-
ma e do sentimento de pertenci-
mento, seja, também, por conta das 
potencialidades inscritas no univer-
so das manifestações artístico-cultu-
rais com suas múltiplas possibilida-
des de inclusão socioeconômica . 
Sim. Cultura, também, como fato 
econômico, capaz de atrair divisas 
para o país - e de, aqui dentro, gerar 
emprego e renda . 
22 
MINISTÉRIO DA CULTURA 
Assim compreendida, a cultura se 
impõe, desde logo, no âmbito dos 
deveres estatais. É um espaço onde o 
Estado deve intervir. Não segundo a 
velha cartilha estatizante, mas mais 
distante ainda do modelo neoliberal 
que faliu. Vemos o Governo como 
um estimulador da produção cultu-
ral. Mas também, através do Mine, 
como um formulador e executor de 
políticas públicas e de projetos para 
a cultura . Ou seja : pensamos o Mine 
no contexto em que o Estado come-
ça a retomar o seu lugar e o seu pa-
pel na vida brasileira . Enfim, pensa-
mos a política cultural do Governo 
Lula como parte do projeto geral de 
construção de uma nova hegemonia 
em nosso país. Como parte do proje-
to geral de construção de uma na-
ção realmente democrática, plural e 
tolerante. Como parte e essência da 
construção de um Brasil de todos. 
HERANÇA & DESAFIO 
O que vimos no Brasil, ao longo dos últimos anos, passou por muito 
longe disso. Daí que três questões-
desafio se imponham, agora, ao Mi-
nistério da Cultura : a retomada de 
seu papel const itucional de órgão 
formulador e executor de uma polí-
tica cultural para o país; a sua refor-
CADERNOS DO DO-IN ANTROPOLÓGICO 
ma administrativa e a corresponden-
te capacitação institucional, do pon-
to de vista técnico e organizacional 
para operar tal política; e a obten-
ção dos recursos financeiros indispen-
sáveis à implementação desta políti-
ca, seus programas e seus projetos. 
Esses três desafios resultam da he-
ra nça que recebemos. Desde o Go-
verno Collor, o Ministério da Cultura 
definhou. Sua estrutura apequenou-
se. Perdeu capacidade política, técni-
ca e gerencial. Desmantelado, foi in-
capaz, por exemplo, de operar inte-
gralmente os instrumentos previstos 
no Programa Nacional de Apoio à Cul-
tura, a conhecida Lei Rouanet. 
Mas o mais grave é que o Minis-
tério abandonou por completo aque-
la que deveria ser a sua função mai-
or. Em vez de ter uma política cultu-
ra l para o país, simplesmente entre-
gou essa tarefa ao mercado, aos de-
parta mentos de comunicação e 
marketing das empresas, pela via dos 
incentivos fiscais. E assim chegamos 
a uma situação absurda : a política 
cultural passou a ser pensada e exe-
cutada não pelo Ministério da Cultu-
ra, mas por comunicólogos e mar-
keteiros voltados para atender aos in-
teresses particulares de suas empre-
sas. Por esta lógica, a cultura e suas 
criações só adquiriam relevância caso 
Mapa do Brasil chamado de nAtlas Miller" 
atribu ido a Lopo Homem-Reinéis, 1519 ' 
'' DA PERSPECTIVA DO MINISTÉRIO DA CULTURA, O DESEJO 
DE "CONSTRUIR UM NOVO BRASIL", DE 
RECUPERAR A DIGNIDADE NACIONAL 
BRASILEIRA, TERÁ MAIOR PROBABILI-
DADE DE ~XITO SE PASSAR PELO 
MUNDO DA CULTURA.CULTURA NÃO 
NO SENTIDO DAS CONCEPÇÕES 
ACAD~MICAS OU DOS RITOS DE UMA 
"CLASSE ARTISTICO-INTCLECTUAL". 
MAS EM SEU SENTIDO PLENO, 
ANTROPOLÓGICO. VALE DIZER: 
CULTURA COMO A DIMENSÃO 
SIMBÓLICA DA EXISTtNCIA SOCIAL 
BRASILEIRA. ' ' 
23 
pudessem vir a reforçar a imagem 
corporativa das empresas. 
É desse quadro que emerge o 
tríplice desafio anunciado acima. De-
safio cujo pano de fundo é a urgente 
necessidade da volta do Estado ao cam-
po da cultura, expressando-se através 
da centralidade insubstituível do 
Mine, no papel estratégico de promo-
tor do desenvolvimento cultural da 
sociedade brasileira e criador de con-dições indispensáveis à construção da 
cidadania em nosso país, já que o com-
bate à exclusão social passa necessari-
amente por uma ação de inclusão cul-
tural, que garanta a pluralidade de 
nossos fazeres, o acesso universal aos 
bens e serviços culturais e à criação e 
produção desses mesmos bens. 
E aqui chegamos à questão do fi-
nanciamento da execução da política 
cultural do Governo Lula, sem a qual 
será praticamente impossível que as 
coisas saiam do papel - ou deixem a 
luz do sonho para existir à luz do sol. 
Impõem-se, nesse particular, duas 
ações. Uma, o desenvolvimento de 
mecanismos que possam incremen-
tar os fundos hoje disponíveis para a 
ação do Estado na área cultural. 
Criatividade, aqui, é a palavra-de-or-
dem: loteria da cultura, selo-cultura, 
cartão-cultura, etc. A outra é uma 
reconfiguração do Programa Nacio-
24 
MINISTÉRIO DA CUL lURA 
nal de Apoio à Cultura em pelo rne-
nos três direções. 
Primeiro, regulamentação do Fun. 
do Nacional de Cultura, estabelecen. 
do critérios claros para a aplicação 
dos seus recursos. Segundo, ativação 
dos Fundos de Investimento Cu ltu. 
ral e Artístico, que, apesar de regula. 
mentados desde 1995, ainda hoje não 
entraram em funcionamento - o que 
vai requerer uma ação do Mine jun. 
to às instituições de fomento e aos 
bancos públicos e privados que tra. 
balham com fundos de investimen-
to. Terceiro, revisão da legislação de 
incentivos fiscais que suporta a ação 
do Mecenato, cujo desempenho, 
através da Lei Rouanet e da Lei do 
Audiovisual, acumulou distorções de 
toda ordem - entre elas, ausência de 
contrapartida financeira do parceiro 
privado, concentração regional dos 
benefícios, aberrações fiscais, surgi· 
mento de fundações privadas (de 
grandes empresas), em larga medi-
da criadas e alimentadas com dinhei-
ro público, sem as devidas contrapar· 
tidas sociais e culturais. 
O LUGAR DAS ESTATAIS 
A reconfiguração do Programa Na-cional de Apoio à Cultura não 
se esgota, porém, nas três ações 
CADERNOS DO DO-IN ANTROPOLÓGICO 
supracitadas. Pelo contrário. Há uma 
outra questão, tão importante quan-
to as da regulamentação, ativação ou 
revisão dos seus instrumentos, de for-
ma a redirecioná-los para a consecu-
ção dos objetivos propostos quando 
da promulgação da lei . 
Entram em cena, aqui, as grandes 
empresas estatais, que figuram en-
tre os maiores utilizadores dos recur-
sos postos à disposição da vida cul-
tura l brasil eira, através da renúncia 
fisca l. E uma observação deve ser feita 
desde já: ainda que legal, o proble-
ma é, neste caso, essencialmente 
pol ítico. É preciso separar bem as 
coisas. Separar o dinheiro. Com toda 
a clareza. Porque uma coisa é a even-
tual utilização em ações culturais de 
verbas de comunicação e marketing 
- isto concerne a decisões empresari-
ais de ordem mercadológica e cor-
porativa . E outra coisa, radicalmen-
te distinta, é o investimento dessas 
empresas, em atividades de cultura, 
com recursos obtidos através dos me-
canismos de incentivo fiscal. 
Sim. Neste segundo caso, o que 
está sendo investido é dinheiro pú-
blico, resultante de uma renúncia fis-
cal por parte do Estado, com objeti-
vos claramente definidos em lei es-
pecífica . 
Nada mais correto, politicamen-
te - ainda mais por conta do caráter 
estatal dessas empresas -, que seja 
o próprio Estado a decidir sobre a 
destinação desses recursos. E mais: 
que o faça tendo como norte uma 
política pública para a cultura bra-
sileira - e, como executor, o ator 
institucional criado para formular e 
executar tal política: o Ministério da 
Cultura. 
Os organismos do Governo envol-
vidos diretamente com o assunto es-
tão compreendendo, de forma posi-
tiva, a importância desta questão. E 
nessa linha já estão estudando, arti-
culadamente, os procedimentos po-
lítico-legais destinados a transferir 
para o Mine a responsabilidade pela 
utilização de tais recursos. Recursos 
indispensáveis à formulação e imple-
mentação de uma política cultural 
engajada efetivamente no projeto de 
transformação nacional arquitetado 
pelo Governo Lula. 
ECONOMIA DA CULTURA 
U
m bem simbólico é um produto 
cultural, pol ít ico e econômico -
simultaneamente . Como envolve 
custos de criação, planejamento e pro-
dução, é, obviamente, uma fonte ge-
radora de emprego e renda . Uma fon-
te de lucro para empresas e de capta-
25 
ção de divisas para países exportado-
res de bens e serviços culturais. 
Ou seja : além de dar emprego em 
casa, a produção cultural pode tra-
zer dinheiro de fora . Hoje, o merca-
do internacional de bens e serviços 
culturais é extremamente dinâmico, 
envolvendo bilhões e bilhões de dó-
lares. Não é por acaso que os EUA 
pressionam fortemente os demais 
países para que abram os seus mer-
cados, considerando os bens e servi-
ços culturais como mercadorias co-
muns, da perspectiva do assim cha-
mado "livre comércio" . E que a Fran-
ça e outros países reagem, argumen-
tando que a cu ltura não é uma mer-
cadoria como as outras, merecendo 
tratamento diferenciado, com o Es-
tado tendo o direito de controlar o 
mercado cultural interno de seu país 
e de proteger a sua produção de bens 
e serviços simbólicos. Tenta-se, assim, 
evitar que a discussão sobre a maté-
ria vá parar na Organização Mundial 
de Comércio. Tudo isso apenas mos-
tra a importância do que hoje se cha-
ma "economia da cultura", que, en-
trelaçando-se à "economia do lazer", 
é um dos setores mais dinâmicos da 
economia mundial. O comércio in-
ternacional de serviços move, anual-
mente, cerca de 2 trilhões de dóla-
res. O Brasil é um país exportador de 
26 
MINISTÉRIO DA CULTURA 
bens e serviços culturais. Nossos fil-
mes repontam no exterior . Nossa 
música popular tem hoje uma já no-
tável presença no mundo. E nossas 
telenovelas circulam planeta afora. 
Isto é importante não apenas para a 
captação de algumas divisas, mas, so-
bretudo, para a nossa afirmação na-
cional no mundo. Mas a nossa parti-
cipação no comércio internacional de 
bens e serviços culturais ainda é mui-
to tímida . E precisa ser incrementada 
- a partir, é claro, não só da iniciati-
va privada, mas, principalmente, de 
uma ação estatal centralizada no 
Mine. No plano interno, o estudo 
"Diagnóstico dos Investimentos da 
Cultura no Brasil " , realizado em 
1998 pela Fundação João Pinheiro, 
para avaliar o impacto dos investi-
mentos públicos e privados em cu l-
tura no país, nos fornece números 
reveladores. Impressionantes, mes-
mo. Alguns exemplos: 
Em 1994, já havia 510 mil pesso-
as empregadas na produção cultu-
ral brasileira . Um contingente 90 % 
maior do que o empregado na fa-
bricação de equ ipamentos e mate-
rial elétrico e eletrônico; 53 % supe-
rior ao da indústria automobilística 
e de autopeças; e 78 % superior ao 
empregado em serv iços industria is 
de utilidade pública (energia elétri-
CADERNOS DO DO-IN ANTROPOLÓGICO 
ca, distribuição de água e esgotos e 
equipamentos sanitários) . Mais. Para 
cada mi lhão de reais investido, a eco-
nomi a da cultura - que movimen-
tou, em 1997, cerca de 6,5 bilhões 
de reais - , chega a gerar, em média, 
160 empregos diretos. E com um sa-
lário médio que é o dobro da mé-
dia do conjunto das atividades eco-
nômicas, no que parece ser uma ten-
dência constante do setor. Enfim, 
o panorama traçado por este estu-
do, realizado sob encomenda do 
Ministério da Cultura, dá conta de 
um quadro dinâmico e promissor, 
que não refluiu de 1998 para cá. E que, 
também, precisa ser incrementado. 
UM NOVO MINC 
Por t udo o que foi dito, é funda-mental , urgente mesmo, que o 
Mine ocupe um lugar central no es-
paço da produção cultural brasilei-
ra , formulando políticas e implan-
ta ndo projetos, no momento mes-
mo em que o Estado retoma o seu 
lugar no movimento concreto da so-
ciedade brasileira . 
Com as mudanças necessárias para 
a confi guraçãoplena de uma políti-
ca cultural do Governo Lula, tendo 
por base um projeto brasileiro de ci-
vilização, o Mine - um novo Mine, 
-, 
Página da Carta de Pero Vaz de Caminha 
ao Rei Dom Manoel 1, dando conta do 
achamento da Terra de Vera Cruz, Porto 
Seguro, 1° de maio de 1500 
será mais exato dizer - poderá cum-
prir a sua parte no projeto de recons-
trução da dignidade de nosso povo, 
através da inclusão sociocultural, e 
no processo de afirmação do Brasil 
na cena planetária, através da vei-
culação internacional de nossas "vi-
sões de mundo", expressando-se em 
bens e serviços culturais. 
Assim, a cultura assumirá , de 
fato, uma dimensão estratégica no 
caminho da nação que desejamos 
construir . 
27 
Manto da Apresentação 
(Arthur Bispo do Rosário, Museu Nise da 
Silveira, Rio de Janeiro) 
28 
MINISTÉRIO DA CUL lURA CADERNOS DO DO-IN ANTROPOLÓGICO 
DISCURSO DO MINISTRO GILBERTO GIL 
NA BIENAL DA UNE 
RECIFE, 14 FEVEREIRO 2003 
á 35 anos, cheguei aqui ao Recife para fazer uma 
série de shows organizados pelo Teatro Popular do 
Nordeste. Os tempos são outros, mas questões im-
portantes para aquela época, e para as pessoas com 
as quais tive então contato em Pernambuco, per-
manecem atuais-e muitas delas são centrais para 
esta Terceira Bienal de Cultura da UNE, da qual te-
nho a alegria de participar. 
Entre essas pessoas que me convidaram para os 
shows, havia muitos estudantes universitários, to-
dos interessados em cultura popular. Eles me apre-
sentaram músicas e mais músicas: cirandas e cocos, 
por exemplo. E me levaram para Caruaru, onde tive uma das experi-
ências estéticas mais importantes da minha vida, ao ouvir a Banda de 
Pífanos daquela cidade. Chorei quando eles tocaram "Pipoca Mo-
derna" . Aquilo tinha uma aparência de rústico, de primário, mas 
era, na verdade, altamente sofisticado. Era muito moderno, como o 
t ítulo da canção, orgulhosamente, anunciava. E aquela composição 
29 
radicalmente nordestina me fez en-
tender de fato, e pela primeira vez, 
o "primitivismo" moderno e comple-
xo que soava no ritmo seguro das 
guitarras do "rock and roll " . Ou seja: 
a cultura popular pernambucana me 
ensinou a amar os Beatles. 
Voltei de Pernambuco para o Rio 
de Janeiro disposto a mudar tudo na 
minha música - e na minha relação 
com a música. Essa disposição veio a 
se tornar, em seguida, um dos ele-
mentos fundadores do tropicalismo, 
que, no início, foi um movimento 
terrivelmente mal compreendido por 
outros universitários que também 
pensavam estar defendendo a "ver-
dadeira" cultura popular brasileira. 
O problema era que tínhamos vi-
sões diferentes sobre como defender 
essa cultura, sobre o que seria "ver-
dadeiro" nessa cultura e sobre essa 
própria cultura. Ao chamar os meni-
nos e a menina Rita Lee dos "Mu-
tantes " para tocar comigo "Domin-
go no Parque", eu sabia estar sendo 
fiel àquilo que tinha aprendido com 
a Banda de Pífanos de Caruaru. Mas 
fui vaiado por uma platéia universi-
tária muito parecida, fisicamente, 
com a que vejo aqui hoje. 
O que diferenciava as nossas vi-
sões de cultura popular e identidade 
brasileira, o que separava os tropi-
30 
MINISTÉRIO DA CULTURA 
calistas dos estudantes que nos vaia-
vam por cantarmos acompanhados 
de guitarras elétricas, era uma ques-
tão fundamental. Tínhamos manei-
ras diferentes de pensar, conceituar, 
exercer e viver a cultura, o que se faz 
e o que é feito na dimensão simbóli-
ca da existência nacional brasileira. 
Para quem nos vaiava, o que era po-
pular e brasileiro já estava definido 
de antemão - e não podia ser muda-
do, muito menos com guitarras elé-
tricas, como se o piano e o violão não 
fossem invenções européias, assim 
como a língua portuguesa. 
Para os tropicalistas- e para o pen-
samento que defendo até hoje -, a 
cultura não é uma coisa, uma estru-
tura já definida e cristalizada, mas um 
processo, um continuum múltiplo e 
contraditório, paradoxal até, que exis-
te ao ar livre. fora do "freezer", e não 
se contém em compartimentos imó-
veis. Cultura é sinônimo de transfor-
mação, de invenção, de fazer e refa-
zer, no sentido da geração de uma 
teia de significações que nos envol-
ve a todos - e que sempre será mai-
or do que nós, em seu alcance e em 
sua capacidade de nos abrigar, sur-
preender e iluminar. Foi por esta 
compreensão que nunca quisemos 
ser os donos da verdade. Porque a 
cultura brasileira é feita pelo povo 
CADERNOS DO DO-IN ANTROPOLÓGICO 
capa do d isco-manifesto da "Tropicália" , 1968 
' ' PARA OS TROPICALISTAS -
E PARA O PENSAMENTO QUE 
DEFENDO ATÉ HOJE-, A CULTURA 
NÃO É UMA COISA, UMA ESTRUTURA 
JÁ DEFINIDA E CRISTALIZADA, MAS 
UM PROCESSO, UM CONTINUUM 
MÚLTIPLO E CONTRADITÓRIO, 
PARADOXAL ATÉ, QUE EXISTE AO AR 
LIVRE, FORA DO "FREEZER", E NÃO SE 
CONTÉM EM COMPARTIMENTOS 
IMÓVEIS.CULTURA É SINÔNIMO DE 
TRANSFORMAÇÃO, DE INVENÇÃO, DE 
FAZER E REFAZER, NO SENTIDO DA 
GERAÇÃO DE UMA TEIA DE 
SIGNIFICAÇÕES QUE NOS 
ENVOLVE A TODOS ' ' 
brasileiro - e não por um punhado 
de pessoas que se julgam esclarecidas 
e detentoras do sentido e do destino 
histórico do país. 
Sendo assim, o trabalho do artis-
ta, assim como o do Ministério da 
Cultura, jamais estará na vã tentati-
va de completar o incompleto ou de 
solucionar paradoxos, domesticando-
os em fórmulas fáceis - e, por isso 
mesmo, falsas. Não estamos em cena 
para determinar o que seria verda-
deiramente brasileiro, porque o Bra-
sil de verdade vai nos surpreender 
sempre. Nosso trabalho é tornar cada 
vez mais evidente a incompletude, 
o risco, a riqueza, o paradoxo. É apos-
tar na criatividade vital de nosso 
povo. Mesmo porque a nossa cultu-
ra tem se configurado à revelia das 
elites, das instituições socialmente 
dominantes e do Estado. Foi assim 
que nasceram o samba, o frevo e a 
escola brasileira de futebol. 
Fiquei contente, ao ler no "site" 
estudantenet, da UNE, o texto escri-
to por Ernesto Valença, coordenador 
do Cuca da USP, sobre o debate que 
possibilitou que a cultura popular se 
tornasse o tema desta Bienal. Ernesto 
toca em pontos sobre os quais gosta-
ria de chamar a atenção de todos. E 
vou comentá-los aqui . 
Primeiro, a diversidade da cultu-
31 
ra brasileira . Diferentes brasile iros 
produzem de maneiras diferentes 
suas visões de mundo e seus estilos 
de vida, incluindo aí sua definição 
circunstancial do ser brasileiro e do 
que é e não é " brasileiro ". Essas de-
fi nições, na verdade, competem 
umas com as outras, buscando im-
por seu ponto de vista e conquistar a 
hegemonia no espaço mental da na-
ção. Mas nem todas elas têm o mes-
mo poder. Algumas aparecem e de-
saparecem rapidamente. Outras são 
sustentadas por interesses econômi-
cos e políticos tão bem organizados 
que ganham durabilidade e condi-
ções de abafar as outras, embora a 
"unidade" assim criada tenha pernas 
curtas, nunca seja eterna. É uma "uni-
dade" falsa, precária, efêmera. Por-
que o país e sua cultura não só se 
configuram a partir de focos diver-
sos, como se acham em permanente 
mudança. O Brasil pode não ser si-
nônimo de feijoada, mas de tucupi . 
Pode não ser sinônimo de orla marí-
tima, mas de pororoca. Pode não ser 
sinônimo de orixá, mas do Bom Je-
sus da Lapa. E é com essa diversida-
de interna que temos de nos haver. 
Engana-se, ao mesmo tempo, 
quem acha que essas várias culturas 
brasileiras existem como mundos iso-
lados, sem alianças e sem trocas en-
32 
MINISTÉRIO DA CUL lURA 
tre si. As fronteiras entre esses mun. 
dos são porosas, mudam de posição 
freqüentemente - e, para cada mon. 
tanha que isola, há um rio que apro-
xima, conduzindo pessoas e signos. 
As culturas populares das vá ri as 
regiões e micro-regiões do Brasil têm 
histórias de contato com as culturas 
eruditas e a indústria cultural. Não é 
um fenômeno recente. A polca, por 
exemplo, foi uma espécie de rock ou 
funk do século 19. Sem a polca,não 
haveria salsa, merengue, tango - ou 
o maxixe, elemento fundador na his-
tória moderna do nosso samba. E há 
coisas ainda mais distantes no tem-
po, anteriores à existência de esta-
dos nacionais. que hoje são aciona-
das para definir nações. O que signi-
fica que acreditar na autenticidade é 
apenas uma maneira de fingir que 
toda cultura não tem origem na im-
pureza, na troca, na mistura. 
Voltando à história da polca em 
terras americanas, podemos perceber 
um outro ponto, para o qual Ernesto 
Valença também chama a nossa aten-
ção, ao dizer que "as local idades e 
as comunidades continuam a inven-
tar suas formas de identificar seus 
iguais, de manterem-se diferentes 
apesar da tentativa de padroniza-
ção". Nada é mais fácil de constatar. 
É claro que poderosas forç as 
CADERNOS DO DO-IN ANTROPOLÓGICO 
homogeneizadoras estão em ação 
em todo o planeta. Mas cada cultura 
utiliza à sua maneira os elementos 
em jogo, gerando fenômenos híbri-
dos. como a salsa, a cúmbia e o tan-
go. rei nvenções da polca. E esses gê-
neros, por sua vez, saíram pelo mun-
do produzindo mais hibridismos e 
sincretismos culturais: a rumba, na 
sua via gem de Cuba para a África, 
muitas vezes através das ondas cur-
tas norte-americanas, gerou vários es-
t i 1 os do "pop" africano, como a 
rumba zairense ou o m'balax senega-
lês. E a rumba zairense influenciou o 
semba angolano e a chimurenga do 
Zimbábue. E assim por diante, numa 
viagem cultural que não tem fim. 
Estou usando exemplos musicais 
por uma questão de comodidade. 
Mas é certo que isso acontece em 
todos os campos do pensar, do fazer 
e do cri ar. O abstracionismo plástico 
europeu, por exemplo, acabou ge-
ra ndo, entre nós, o neoconcretismo 
- e, em seguida, os parangolés e 
penetráveis de Hélio Oiticica, que, 
por sua vez, passaram a influenciar a 
arte conceituai internacional. Antes 
disso, todavia, temos a capacidade 
de nos antecipar planetariamente, 
como nos casos da arquitetura de 
Niemeyer e da poesia concreta, quan-
do, pela primeira vez, uma vanguar-
Carmem Miranda e seus balangandãs 
(Arquivo da revista O Cruzeiro) 
' ' ASCULTURAS 
POPULARES DAS VÁRIAS REGIÕES 
E MICRO-REGIÕES DO BRASIL rtM 
HISTÓRIAS DE CONTATO COM AS 
CULTURAS ERUDITAS E A INDÚSTRIA 
CULTURAL. NÃO É UM FENÔMENO 
RECENTE. A POLCA, POR EXEMPLO, 
FOI UMA ESPÉCIE DE ROCK OU FUNK 
DO SÉCULO 19. SEM A POLCA, NÃO 
HAVERIA SALSA, MERENGUE, TANGO 
- OU O MAXIXE, ELEMENTO 
FUNDADOR NA HISTÓRIA MODERNA 
DO NOSSO SAMBA. ' ' 
33 
da estética e intelectual se afirmou 
pioneiramente num país da América 
do Sul - e para fazer sentir o seu in-
fluxo na poesia do mundo inteiro. 
Então, me parece óbvio que o 
mundo não está se tornando mais 
homogêneo. Marx errou nesta pre-
visão, quando sugeriu, no "Manifes-
to do Partido Comunista", que, à 
internacionalização dos mercados, 
corresponderia uma internacionali-
zação homogeneizada das culturas 
locais. As culturas populares mudam, 
sim, mas não convergem diretamen-
te para um padrão imposto pelos pa-
íses mais poderosos ou pela indús-
tria cultural norte-americana . A di-
versidade se mantém. Novas diferen-
ças aparecem o tempo todo - em 
todos os continentes. E a indústria 
cultural não consegue sequer deter-
minar os usos de seus produtos. 
Nas brechas e nas frestas, outras 
visões surpreendem. E essas brechas 
não são apenas produtos do encon-
tro das várias culturas populares com 
a indústria cultural. A própria dinâ-
mica interna dessas culturas gera ino-
vações. 
As pessoas que participam das vá-
rias brincadeiras brasileiras estão sem-
pre propondo elementos novos, ou 
novos arranjos para elementos que 
já existem. E uma brincadeira nunca 
34 
MINISTIRIO DA CULTURA 
existe isoladamente. Está sempre li-
gada em rede com outras brincadei. 
ras, trocando coreografias, ritmos, 
fantasias. Querer encontrar uma fór. 
mula que represente a verdadeira 
brincadeira, que nunca pode ser 
mudada, é decretar a sua morte como 
fenômeno cultural. Para fortalecer a 
brincadeira é preciso, ao contrário, in-
centivar a circulação das brincadeiras. 
Tem medo da invenção quem não 
confia na força das brincadeiras bra-
sileiras. Quem acha que só no con-
gelador elas estarão preservadas. 
Como não tenho medo de ser brasi-
leiro, pois tudo o que eu fizer será 
sempre brasileiro, confio totalmen-
te na capacidade das culturas popu-
lares brasileiras lidarem com o novo, 
com o desconhecido, com as infor-
mações internacionais - e saírem for-
talecidas desses contatos. 
Em resumo, novas e velhas tradi-
ções, signos locais e globais, lingua-
gens de todos os cantos são bem-
vindas ao curto-circuito antropoló-
gico. Não nos perderemos por isso. 
Como escrevi certa vez numa can-
ção, o povo sabe o que quer, mas o 
povo também quer o que não sabe. 
Muitas vezes esteve nisso que não 
se sabe - e não no que está estabe-
lecido e cristalizado - o mel do me-
lhor do futuro. 
CADERNOS DO DO-IN ANTROPOLÓGICO 
Bandeira do Poeta - Homenagem a Waly Salomão e a Haroldo de Campos 
(Jose Roberto Aguilar. São Paulo. 2003) 
35 
36 
MINISTÉRIO DA CULTURA 
Baiana, autor anônimo, 
segunda metade do século XIX 
Museu Paulista, USP 
CADERNOS DO DO-IN ANTROPOLÓGICO 
DISCURSO DO MINISTRO GILBERTO GIL 
DANDO POSSE À NOVA DIRETORIA DA 
FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES 
BRASÍLIA, 11 DE FEVEREIRO DE 2003 
óaquim Nabuco chegou a dizer, certa vez, que a es-
cravidão era o sinal de Caim que a nação brasileira 
trazia na testa: o sinal da maldição fratricida. A frase 
é dura, pesada, mas é evidente que nem de longe tão 
dura, tão pesada e tão cruel quanto a realidade mes-
ma da escravidão, que marcou a nossa história du-
rante séculos-e cujas heranças ainda hoje carrega-
mos em nossa vida social, em nossa vida cotidiana. 
A abolição da escravidão foi talvez a maior revo-
lução social que marcou a história do Brasil. E aqui 
não podemos nos esquecer de duas coisas. De uma 
parte, que o escravo sempre foi o inimigo número 1 
da escravidão, resistindo de todas as formas às tentativas de reduzi-
lo ao estatuto de mera máquina produtiva. E isto significa que, ao 
contrário do que disseram e repetiram diversos estudiosos dos pro-
blemas brasileiros, os negros foram sujeitos ativos de sua própria 
história. De outra parte, que a luta pela abolição se deu através de 
37 
uma ampla aliança e de focos diver-
sos, das senzalas a segmentos signi-
ficativos do Exército, de negros fugi-
dos a grupos abolicionistas, de 
quilombos ao parlamento. O histo-
riador Luiz Felipe de Alencastro está 
certo quando diz que aquela foi uma 
vitória grandiosa, espetacular, espe-
cialmente se comparada com os pas-
sos tímidos que temos dado, até aqui, 
no caminho da reforma agrária . 
Mas a verdade é que, por mais 
grandiosa que tenha sido, aquela não 
foi uma vitória inteira, completa. O 
mesmo Nabuco, aliás, sempre insis-
tiu nessa tecla fundamental. Sempre 
enfatizou que abolir a escravidão era 
apenas a primeira tarefa, a meta ime-
diata, de curto prazo, do movimen-
to abolicionista. "Abolir a escravidão 
não basta", dizia ele. Porque o obje-
tivo maior do movimento abolicionis-
ta era, depois de liqüidado o sistema 
escravista, abolir da vida brasileira a 
herança perversa da escravidão. Abo-
lir esta herança através de uma vigo-
rosa ação política e social, que deve-
ria incluir os tópicos fundamentais 
da educação e da reforma agrária. E 
isto quer dizer que, mesmo hoje, 
mais de cem anos depois da aboli-
ção da escravidão em nosso País, a 
meta maior do abolicionismo, a meta 
de longo alcance, ainda não foi rea-
38 
MINISTÉRIO DA CUL lURA 
lizada. E que o ciclo de lutas e con-
quistas do abolicionismo ainda não 
se completou . 
Completar a obra abolicionista é, 
portanto, um compromisso que te-
mos a obrigação de assumir. Mas, 
para isso, não podemos desconhecer 
a realidade em que nos movemos. 
Não podemosceder à tentação das 
fantasias fáceis e dos maniqueísmos 
simplificadores. Não podemos nos 
contentar com a mera transposição 
mecânica, para a realidade sócio-ra-
cial brasileira, de discursos político-
acadêmicos em vigor nos Estados 
Unidos, cuja história, formação e si-
tuação são radicalmente distintas 
da nossa experiência como povo e 
nação. Pelo contrário: temos de re-
cusar imposições que pretendam 
universalizar os seus modelos e os 
seus particularismos. E temos de par-
tir de nós mesmos, de nossas pró-
prias experiências e formulações, de 
nossa própria especificidade. 
Penso esta questão, objetivamen-
te, a partir de minha realidade pes-
soal. Da minha condição de negro-
mestiço. Não pretendo driblar esta 
condição biológica e cultural por 
meio de truques ideológicos ou arti-
fícios jurídicos. E sei que ninguém vai 
entender o Brasil se não encarar, em 
toda a sua complexidade, os fenô-
CADERNOS DO DO-IN ANlROPOLÓGICO 
menos fundamentais da mestiçagem 
e do sincretismo. 
o problema é que a mestiçagem 
recebeu entre nós, nas primeiras dé-
cadas do século 20, uma leitura algo 
fantasiosa . Construiu-se, a partir de 
dados reais, um mito de natureza se-
nhorial, que se projetou afirmando 
a inexistência de preconceitos e dis-
criminações em nosso País. E nós sa-
bemos que isso não é verdade. Que 
os negromestiços sofreram e sofrem 
discriminações - e que se encontram 
nas faixas mais baixas de nossa hie-
rarquia social e econômica. A recen-
te reação ao mito senhorial, contu-
do, cometeu um equívoco elemen-
tar. Em vez de colocar a questão em 
seus devidos termos, resolveu, sim-
plesmente, abolir o problema, ten-
tando enquadrar o Brasil na moldu-
ra norte-americana da "regra de des-
cendência", do padrão racial dicotô-
mico. Mas a verdade é que nenhu-
ma borracha ideológica pode apagar 
dados e fatos históricos e culturais. 
Nenhuma classificação arbitrária, 
importada dos EUA, vai conseguir 
transformar o presidente Lula num 
branco ou num negro. Ele será, sem-
pre, um mestiço brasileiro. 
Quando enfatizo o caráter essen-
cial mente mestiço e sincrético do 
meu povo e da minha cultura, não 
quero dizer que isso não tenha ocor-
rido em outros lugares do mundo. É 
claro que ocorreu - e ocorrerá sem-
pre. Mas temos de atentar para três 
aspectos fundamentais de nossa con-
figuração histórica e cultural. Primei-
ro, para o alto grau de mestiçagem 
que marcou o Brasil. Isto foi - e con-
tinua sendo - um fato historicamen-
te digno de nota. Segundo, para o 
fato de que aqui culturas muito di-
versas entre si realmente se mescla-
ram em profundidade. A nossa cul-
tura, com todas as suas diversidades 
internas, é totalmente sincrética . Des-
de o seu início, já que os coloniza-
dores portugueses não conseguiram 
impor uma rígida linha divisória en-
tre a cultura dominante e as culturas 
dos dominados. Terceiro, para o fato 
de que, além de sermos mestiços, sa-
bemos nos ver e nos reconhecer como 
tais. Ao contrário do que se passa nos 
Estados Unidos, onde a pessoa ou é 
negra ou é branca, olhamos para as 
nossas peles e reconhecemos muitos 
matizes de cor. Os brasileiros, dife-
rentemente dos norte-americanos, 
querem assumir todos os seus ante-
passados. 
Neste passo é que temos de con-
testar o velho mito senhorial, em vez 
de fazer de conta que a mestiçagem 
não existiu e continua existindo. Te-
39 
mos de enfatizar, de sublinhar com 
cores vivas, que mestiçagem não é 
sinônimo de igualdade nem de har-
monia. Vivemos num país mestiço 
que, em termos de desigualdades so-
ciais, aparece aos olhos de todos 
como um escândalo. Ao mesmo tem-
po, a mestiçagem não exclui a diver-
sidade, o conflito, a contradição e 
mesmo o antagonismo. E é nesse ho-
rizonte que devemos encarar e dis-
cutir a questão sócio-racial brasilei-
ra. Encarar as desigualdades que con-
finam a maioria dos negromestiços 
brasileiros ao mundo da pobreza, 
não só por seu reduzido poder de 
compra, como pela sua imensa difi-
culdade de acesso aos bens e servi-
ços oferecidos pelo Estado. Caso con-
trário, estaremos falando de um país 
inexistente. 
Além disso, não podemos fechar 
os olhos para os avanços e as con-
quistas das lutas e dos movimentos 
anti-racistas e libertários que se de-
ram no Brasil da década de 1970 para 
cá. Demos passos significativos nesse 
campo, levando um número histori-
camente inédito de brasileiros a to-
mar consciência de aspectos cruciais 
da realidade sócio-racial brasileira. E 
o nosso discurso, hoje, tem de se ar-
ticular a partir dos avanços que se 
deram. Não podemos ficar para trás, 
40 
MINISTÉRIO DA CULTURA 
repetindo falas e posturas ultrapas-
sadas. Pelo contrário: temos de estar 
preparados para intervir, com ousa-
dia e criatividade, no movimento 
real da vida brasileira . E com relação 
às perspectivas de novos avanços, que 
deveremos impulsionar, no governo 
do presidente Lula . 
É nesse contexto geral que vejo a 
Fundação Cultural Palmares e a sua 
missão. Frisando definitivamente, em 
sua denominação, o vocábulo cultu-
ral. Porque é de cultura que se trata. 
Mas não de uma cultura qualquer -
e sim de uma das matrizes fundamen-
tais da formação cultural brasileira. 
Das culturas negras, africanas, que fe-
cu nda r a m e desenharam a nossa 
fisionomia e a nossa alma. Disse já 
que a mestiçagem não resolve, por 
si só, a questão da desigualdade, da 
discriminação racial. E é por isso mes-
mo que, conjunturalmente, deve-
mos insistir na multiplicidade, na di-
versidade de nossas definições e iden-
tidades, com destaque até mesmo ra-
dical, no caso, para o avivamento da 
identidade negra. E esta é uma tare-
fa da Palmares: reafirmar os valores 
das culturas negras na formação de 
nossa gente. 
Porque a Fundação Cultural 
Palmares não existe para resolver di-
ferenças econômicas nem para equa-
CADERNOS DO DO-IN ANTROPOLÓGICO 
Deta lhe do quadro "Caféu 
Cândido Portinari 
Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro 
cionar assimetrias sociais. Para isso, 
existem outros ministérios e secreta-
rias. A própria criação de uma Secre-
tari a de Promoção da Igualdade Ra-
cial, pelo presidente Lula, delimita 
com toda a nitidez o raio de ação da 
Palmares. O seu campo essencialmen-
te cultural de atuação. E será aqui, 
nesse campo específico, que a Palma-
res deverá honrar o nome com que 
foi batizada, convertendo-se num 
terreiro ou num quilombo estético, 
intelectual e cultural. 
' 'NENHUMA BORRACHA 
IDEOLÕGICA PODE APAGAR 
DADOS E FATOS HISTÓRICOS 
E CULTURAIS. NENHUMA 
CLASSIFICAÇÃO ARBITRÁRIA, 
IMPORTADA DOS 
EUA, VAI CONSEGUIR 
TRANSFORMAR O PRESIDENTE 
LULA NUM BRANCO OU 
NUM NEGRO. ELE SERÁ, 
SEMPRE, UM MESTIÇO 
BRASILEIRO. ' ' 
41 
MINISTÉRIO DA CULTURA 
O presidente Lula e Dona Mariza deixam o Congresso Nacional, após ser empossado 
(Foto Ricardo Stuckert!Pres1dência da República) 
42 
CADERNOS DO DO-IN ANTROPOLÓGICO 
PRONUNCIAMENTO DO MINISTRO GILBERTO GIL 
NA COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, CULTURA 
E DESPORTO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS 
AUDIÊNCIA PÚBLICA SOBRE A POLÍTICA 
CULTURAL DO GOVERNO LULA 
BRASÍLIA, 14 DE MAIO DE 2003 
xcelentíssimo senhor presidente, senhoras e se-
nhores deputados, senhoras e senhores presentes_ 
O meu propósito é estabelecer entre nós, entre 
o Ministério da Cultura e esta Casa, entre o minis-
tro e os deputados, o melhor entendimento possí-
vel, a comunicação mais clara, de modo que não 
haja qualquer equívoco acerca de conceitos, noções 
ou palavras. E digo isto por uma razão muito sim-
ples. Quando falamos de saúde, alfabetização, su-
perávit primário, preservação ambiental ou obras 
de infra-estrutura, por exemplo, todos sabem a que 
estamos nos referindo, todos têm uma noção mui-
t o precisa da matéria a ser tratada. Mas, quando empregamos a 
palavra cultura, não é bem isto o que acontece. Aqui, a nitidez pare-
43 
ce condenada a se perder, a seesfu-
maçar, e a imprecisão toma conta da 
cena . Seja numa conversa informal, 
seja numa conferência, num ensaio 
ou num discurso, a palavra cultura 
sempre se presta a interpretações múl-
ti pias. É como se cada um de nós tives-
se o seu próprio conceito de cultura -
e dele dificilmente se desprendesse. 
Mesmo no âmbito mais propria-
mente intelectual, topamos com na-
da menos do que quatrocentos mo-
dos de definir o que é cultura. E é evi-
dente que esta proliferação concei-
tuai , atendendo a todos os gostos, 
correntes e opiniões, faz com que ca-
da um de nós, ao ouvir a palavra "cul-
tura", costume traduzi-la à sua pró-
pria maneira e em seu próprio dicio-
nário. Por isso mesmo, vou começar 
delimitando claramente o que nós, 
do Ministério da Cultura, queremos 
dizer quando usamos esta expressão. 
Tradicionalmente, a maioria das 
pessoas, diante da palavra cultura, 
pensa automaticamente no conjunto 
das formas canonizadas pela cultura 
ocidental-européia . Pensa em litera-
tura, em teatro, em pintura, em con-
certos musicais, em estilos de dança 
como o balé ou, mais modernamente, 
em cinema, depois que esta forma 
de criação foi consagrada, pelos in-
telectuais, no terreno da arte. Dito 
44 
MINISITRIO DA CULTURA 
de outro modo, as pessoas pensam 
automaticamente, no círculo restrit~ 
das formas que habitam o campo da 
assim chamada "cultura superi or" 
Agem, então, como se cultura fosse 
isso. O que não cabe nesse un iverso 
não merece ser definido pelo uso PU· 
ro e simples do vocábulo cultura. Tem 
de ser referido com a colocação de um 
anexo verbal para restringir o con. 
ceito - como no caso de expressões 
como "cultura de massas" e "cultura 
popular" - ou mesmo pela adoção de 
uma outra palavra, como "folclore". 
Existiria, então, acima de tudo, "a 
cultura ". E só em seguida manifesta-
ções laterais, secundárias, pitorescas 
ou inferiores, que deveriam ser vis-
tas como departamentos, setores ou 
guetos da "cultura propriamente 
dita ". Fica patente, nesta espécie de 
entendimento do fenômeno, a exis-
tência do preconceito cultural. Para 
nós, do Ministério da Cultura do Go-
verno Lula, de um governo essenci-
almente transformador e democrá-
tico, de um governo que pretende -
e va i - mudar o país, esta não é, de 
modo algum, uma visão saudável, 
lúcida ou justa da realidade cultural. 
E é por esta razão que não trabalha-
mos com um conce ito acadêmico, 
restritivo e elitista de cultura . Ado-
tar um conceito restritivo de cultura 
CADERNOS DO DO-IN ANTI!OPOLÓGICO 
seria também, por implicação lógi-
a fazer com que o Ministério fosse e , 
um órgão voltado para uma cliente-
la preferencial, para o atendimento 
excl usivo da assim chamada "classe 
artístico-i ntelectual", com todos os 
seus rituais de criação e consagração. 
E não é para isto que estamos aqui . 
Não foi para isto que nos engajamos 
num governo cujo objetivo maior é 
a recuperação da dignidade nacional 
brasileira, o que, entre outras coisas, 
significa uma concentração incansá-
vel no problema da inclusão social. 
o que nós queremos é justamente 
isto: incl uir. Incluir na cultura, fran-
queando a todos o acesso à produ-
ção e ao consumo dos bens e servi-
ços simbólicos. E incluir pela cultu-
ra , como setor dinâmico da econo-
mia, como atividade econômica ge-
radora de emprego e renda . 
Daí que a nossa visão de cultura 
seja a mais ampla e real ista possível, 
levan do em conta , radicalmente, 
tanto a unidade quanto a multiplici-
dade cultural brasileira, em suas di-
versas regiões geográficas e camadas 
sociais. Como disse no meu discurso 
de posse, quando falamos de cultu-
ra , estamos empregando a palavra 
em sua acepção plena. Em seu senti-
do antropológico. Cultura como a 
dimensão simbólica da existência so-
cial brasileira . Cultura como o con-
junto dinâmico de todos os atos cri-
ativos de nosso povo. Como tudo 
aquilo que, no uso de qualquer coi-
sa, se manifesta para além do mero 
valor de uso. Como aquilo que, em 
cada objeto que um brasileiro pro-
duz, transcende o aspecto meramen-
te técnico. Cultura como usina de 
símbolos de cada comunidade e de 
toda a nação. Como eixo construtor 
de nossa identidade. Como espaço de 
realização da cidadania . Cultura 
como síntese do Brasil. 
E isto num espectro amplo. Num 
espectro que, para dizer sinteticamen-
te, vai da tradição à invenção, do cul-
tivo da memória à aposta no novo. 
Porque temos de preservar o que de 
melhor criamos e construímos ao lon-
go de nossa vida histórica, sob pena 
de girarmos a vácuo, de nos perder-
mos num presente instantâneo e 
desfigurador e de, assim, não reco-
nhecermos mais o nosso rosto. Na 
verdade, tentaram nos fazer acredi-
tar, nesses últimos dez anos, que os 
Estados e as culturas nacionais eram 
seres em vias de extinção. Que a 
globalização dissolveria os Estados e 
converteria cada alma nacional num 
mito inútil. Mas não é isto o que 
estamos vendo. As questões e os in-
teresses nacionais se encontram hoje 
45 
no centro mesmo das disputas nos 
mercados globalizados. E a cultura 
de cada povo passa a ser vista, mais 
e mais, como fator estratégico de afir-
mação interna e externa de cada na-
ção. É desta perspectiva que encara-
mos a nossa memória - e que apos-
tamos no novo. Porque o novo é tam-
bém fundamental para a nossa afir-
mação. E porque este jogo ou esta 
dialética permanente entre a tradi-
ção e a invenção tem sido um traço 
central da cultura brasileira, somado 
à nossa abertura crítica para a assi-
milação e a recriação de linguagens 
e informações produzidas nos mais 
variados cantos do planeta . Exemplos 
disso não nos faltam. Para citar ape-
nas alguns mais recentes, lembro 
aqui a Bossa Nova; o prodígio da 
construção de Brasília, em terras da 
antiga Capitania de Porto Seguro; e 
até mesmo uma vanguarda radical 
como a da poesia concreta. João Gil-
berto parte do samba de roda da 
Bahia, Niemeyer e Lúcio Costa não 
perdem Ouro Preto de vista, a poe-
sia concreta mistura o barroco, o 
ideograma chinês e as aventuras das 
vanguardas internacionais. 
O modo como as nossas cidades 
foram desenhadas e construídas, o ar-
tesanato nordestino como base de 
um novo desenho industrial brasilei-
46 
MINISTÉRIO DA CULTURA 
ro, o conhecimento íntimo que os 
caboclos detém acerca das riquezas 
amazônicas, a ousadia de Santos 
Dumont com o seu 14-Bis, a explosão 
do rap em meio aos jovens das fave-
las e dos subúrbios brasileiros, as nos-
sas diversas técnicas culinárias, a cri-
ação do parque nacional do Xingu, 
os nossos modos de participar da teia 
nervosa da Internet, os desdobra-
mentos do forró e da música caipira, 
os padrões abstratos da tecelagem ru-
ral, os terreiros de candomblé, as con-
dições que geraram o sindicalismo do 
ABC, o horizonte dos novos estilos ves-
tuais, a luta pela reforma agrária, os 
fragmentos culturais dos meninos de 
rua, os sobrados e os conventos bar-
rocos, as formas e práticas trazidas 
pelas migrações euroasiáticas do sé-
culo passado, as fortalezas coloniais, 
os novos passos de dança, os espaços 
de tolerância e de convívio, a nossa 
disposição para criar e recriar - tudo 
isso nos interessa, tudo isso nos diz 
respeito, tudo isso exige de nós o 
nosso olhar sensível. Um olhar que 
saiba dar conta da nossa riqueza aní-
mica. Que saiba reconhecer, em cada 
pequeno ou grande gesto que faze-
mos, uma expressão de nossos jeitos 
de estar, de sentir, de pensar e de fa-
zer. Porque, recusando a herança alie-
nada de nossas elites, que parecem 
CADERNOS DO DO-IN ANTROPOLÓGICO 
ter vergonha do que fomos, do que 
somos e do que fazemos, acredita-
mos na roda de samba, no futebol de 
várzea, na mestiçagem, no sincretis-
mo, na visão de homens como Má-
rio Pedrosa e Mário Schenberg, e na 
grandeza do povo brasileiro, por ter 
sido capaz, ao longo dos seus 500 
anos de existência,sob o fogo da ad-
versi dade e o afago de uma moldu-
ra natural paradisíaca, construir uma 
civilização exuberante, vigorosa e cri-
ativa, que a cada dia conquista e fas-
cina outros povos que se debatem 
nos seus impasses em busca de solu-
ções para conflitos político-sociais. 
Por tudo isso, podemos dizer, em 
suma, que vemos o Brasil como um 
fato de cultura . E que é por isso mes-
mo que, para nós, as questões da na-
ção, da identidade e da cultura se 
acham entrelaçadas. Nesse caso, aliás, 
o Brasi l se apresenta quase que como 
um paradoxo: a nossa multiplicidade 
cultural é um fato - a nossa unida-
de, t ambém. Construímos um país 
sincrético, múltiplo e diverso, mas ao 
abrigo da língua portuguesa. Parti-
lhamos, fundamentalmente, os mes-
mos valores e códigos de cultura . 
Cr iamos uma unidade dentro das 
nossas fronteiras, que é o que faz com 
que um peão gaúcho, um crioulo 
car ioca ou baiano, um caipira 
paulista, um lavrador mineiro, um 
dançarino de frevo de Pernambuco, 
uma rendeira do Ceará, um tocador 
de viola de Goiás, uma adolescente 
praiana de Santa Catarina ou do Es-
pírito Santo, um empresário parana-
ense e um caboclo da região amazô-
nica - apesar de todos os traços cul-
turais distintos e distintivos que car-
regam - se sintam, e de fato sejam, 
igualmente brasileiros. Não temos 
nada de equivalente a um "país 
basco" dentro do território nacional. 
Nossas fronteiras políticas se conver-
teram, historicamente, em fronteiras 
culturais, antropológicas. 
Mas a verdade é que ainda não 
somos uma nação por inteiro. Ainda 
não completamos a tarefa da cons-
trução nacional, no sentido maior 
que a expressão implica. O motivo, 
todos sabem. A cidadania não che-
gou para todos. As leis não vigoram 
para todos. O Brasil ainda não é o 
Brasil de todos, como dizia o presi -
dente Lula na campanha eleitoral, 
frisando a necessidade de construir-
mos um país mais solidário e mais 
fraterno. Porque a verdade é que um 
país que conta, em sua população, 
com cerca de 40 a 50% de "excluí-
dos" , pode ser um país, mas ainda 
não é uma nação, em toda a sua in-
teireza civilizacional. A nação ainda 
47 
está por completar a sua obra, elimi-
nando as desigualdades, as discrimi-
nações, o preconceito e a fome. E nós 
sabemos que a cultura tem um pa-
pel fundamental nessa tarefa conclu-
siva, a fim de dar completude ao pro-
cesso de construção nacional. Um 
papel que é, para usar uma imagem 
arcaica, o da argamassa que agregou 
os mais díspares materiais para a 
construção das sólidas bases do nos-
so patrimônio histórico e cultural. E, 
para usar uma imagem contemporâ-
nea, o papel do software num siste-
ma complexo de valores. 
Fica claro, então, porque falamos 
de cultura como espaço de realiza-
ção da cidadania. Mais ainda: como 
espaço de superação da exclusão so-
cial , seja pelo reforço da auto-esti-
ma e do sentimento de pertenci-
mento, seja, também, por conta das 
potencialidades inscritas no univer-
so das manifestações artístico-cultu-
rais, com suas várias possibilidades de 
inclusão sócio-econômica . Porque a 
cultura tem de ser vista, também, em 
sua dimensão econômica. Em sua 
capacidade de atrair divisas para o 
país - e de, aqui dentro, gerar em-
prego e renda . 
Um bem simbólico é, ao mesmo 
tempo, um produto cultural, políti-
co e econômico. O Brasil, hoje, mes-
48 
MINISTÉRIO DA CULTURA 
mo que de forma ainda tímida, é um 
país exportador de bens cultura is. 
Nossos filmes, nossas canções e nos-
sas telenovelas circulam hoje por todo 
o planeta . E isto significa captação 
de divisas. No plano interno, um es-
tudo realizado pela Fundação João 
Pinheiro mostrou que, em meados da 
década de 1990, já havia mais de SOO 
mil pessoas empregadas na produção 
cultural brasileira . Um contingent e 
90% maior do que o empregado na 
fabricação de equipamentos e mat e-
rial elétrico e eletrônico; 53% supe-
rior ao da indústria automobilística 
e de autopeças; 78% superior ao em-
pregado em serviços industriais de 
utilidade pública, como energia el é-
trica, distribuição de água e esgotos 
e equipamentos sanitários. E ma is: 
para cada milhão de reais investido, 
a economia da cultura chega a ge-
rar, em média, 160 empregos dire-
tos, com um salário médio que é o 
dobro da média do conjunto das ati-
vidades econômicas. Enfim, o pano-
rama traçado por este estudo dá con-
ta de um quadro dinâmico e promis-
sor, que não refluiu de 1998 para cá. 
E que, também, precisa ser incre-
mentado. 
Diante destes dados é impossível 
deixar de fazer uma constataçã o 
preocupante. Ao longo destes últi-
CADERNOS DO DO-IN ANTROPOLÓGICO 
mos dez anos, o Estado restringiu a 
sua ação no campo da cultura quase 
que exclusivamente à utilização dos 
mecanismos de incentivos fiscais. lna-
ceitavelmente, abdicou do papel de 
promover políticas de fomento e fi-
nanciamento dos produtores cultu-
rais e mesmo de políticas industriais, 
por exemplo, nos campos da música 
e do cinema, capazes de ampliar a 
esca la desta economia da cultura. No 
caso específico da produção musical 
brasi leira é preciso que se diga que o 
cresc imento da indústria fonográfica 
em nosso país, situada hoje entre as 
dez maiores do mundo, se deu inde-
pendentemente de qualquer políti-
ca pública voltada para o setor. 
Assim compreendida, a cultura se 
impõe, desde logo, no âmbito dos 
deveres estatais. É um espaço onde o 
Estado deve intervir. Não segundo a 
velha cartilha estatizante, mas mais 
distante ainda do modelo neoliberal 
que faliu . Vemos o Governo como 
um estimulador da produção cultu-
ral. Mas também, através do MinC, 
como formulador e executor de po-
líticas públicas e de projetos para a 
cultura. Ou seja : pensamos o Minis-
téri o da Cultura no contexto em que 
o Estado começa a retomar o seu lu-
gar e o seu papel na sociedade brasi-
leira. Daí que três desafios se impo-
Garrincha e Pelé, génios do futebol brasileiro 
Do livro: Para Nunca Esquecer, Negras Memórias, 
Memórias de Negro. Emanuel Araújo 
' ' ACREDITAMOSNA 
RODA DE SAMBA, NO FlITTBOL DE 
VÁRZEA, NA MESTIÇAGEM, NO 
SINCRE'TISMO, NA VISÃO DE HOMENS 
COMO MÁRIO PEDROSA E MÁRIO 
SCHENBERG, E NA GRANDEZA DO 
POVO BRASILEIRO, POR TER SIDO 
CAPA?., AO LONGO DOS SEUS 500 
ANOS DE EXISrtNCIA, SOB O FOGO 
DA ADVERSIDADE E O AFAGO DE 
UMA MOLDURA NATURAL 
PARADISIACA, CONSTRUIR UMA 
CIVILIZAÇÃO EXUBERANTE, 
VIGOROSA E CRIA llV A. ' ' 
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nham agora ao Ministério. Primeiro, 
retomar nosso papel constitucional 
de órgão formulador e executor de 
uma política cultural para o país, o 
que vai exigir a deflagração de um 
amplo processo participativo capaz 
de subsidiar a construção dessa polí-
tica . Segundo, fazer a nossa reforma 
admin istrativa e a nossa correspon-
dente capacitação institucional para 
operar tal política . Terceiro, obter os 
recursos financeiros indispensáveis à 
implementação desta política, inclu-
sive avançando propostas nas áreas 
de fomento e crédito às atividades de 
produção de bens e serviços culturais, 
instrumentos necessários a um ver-
dadeiro desenvolvimento cultural. 
Esses três desafios resultam da he-
rança que recebemos. Desde o Go-
verno Collor, o Ministério da Cultura 
definhou. Sua estrutura apequenou-
se. O Mine perdeu sua capacidade 
política, técnica e gerencial. Desman-
telado, foi incapaz, por exemplo, de 
operar integralmente os instrumen-
tos previstos no Programa Nacional 
de Apoio à Cultura, a conhecida Lei 
Rouanet. Mas o mais grave foi que o 
Ministério abandonou por comple-
to aquela que deveria ser a sua fun-
ção maior. Em vez de ter uma políti-
ca cultural para o país, simplesmen-
te entregou essa tarefa ao mercado, 
50 
MINISTÉRIO DA CULTURA 
aos departamentos de comunicação 
e marketing das empresas, pela via 
dos incentivos fi scais. E assim chega-
mos a uma situação absurda: a polí-
tica cultural

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