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Tópicos Especiais em Tutelas Difusas e Coletivas (Optativa) Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. 3 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a APRESENTAÇÃO INTRODUÇÃO/OBJETIVOS 1. Nesta disciplina vamos estudar os direitos difusos e coletivos, seus conceitos e princípios, e a sua tutela no ordenamento jurídico brasileiro, no âmbito material e processual. Além do mais, pretendemos dar ao aluno subsídios necessários para situá-lo no âmbito dos direitos difusos e coletivos, de sorte a torná-lo apto a enfrentar e solucionar os problemas desses tipos de direitos, que se tornam cada vez mais importantes na vida cotidiana. Para tanto, serão ministradas questões práticas, em relação às quais o aluno fará uso dos ensinamentos provenientes da aula teórica do curso, além da leitura de livros doutrinários feita previamente. 2. Considerando-se que será você quem administrará seu próprio tempo, nossa sugestão é que se dedique ao menos quatro horas por semana para esta disciplina, estudando os textos sugeridos e realizando os exercícios de autoavaliação. Uma boa forma de fazer isso é já ir planejando o que estudar, semana a semana. 3. Para facilitar seu trabalho, apresentamos na tabela abaixo os assuntos que deverão ser estudados e, para cada assunto, a leitura fundamental exigida e a leitura complementar sugerida. No mínimo, você deverá buscar entender muito bem o conteúdo da leitura fundamental, só que essa compreensão será maior se você acompanhar também a leitura complementar. Você mesmo perceberá isso ao longo dos estudos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Básica MANCUSO, Rodolfo de Camargo: Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. MAZZILLI. A defesa dos interesses difusos em juízo. MELO, Nehemias Domingos de. A defesa do consumidor em juízo. SOUZA, Moutari Ciochetti de. Interesses difusos em espécie. Complementar DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação civil pública. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação popular. SMANIO, Giapaolo Poggio Smanio. Interesses difusos e coletivos. 5 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a TÓPICOS ESPECIAIS EM TUTELAS DIFUSAS E COLETIVAS (OPTATIVA) Unidade I MODULO 1 Os direitos, tais como conhecemos nos dias de hoje, foram conquistados paulatinamente, na medida em que o homem e a sociedade evoluíam, desde um primeiro momento, em que não havia direito algum, até a conquista do direito à vida e à liberdade. Posteriormente, objetivou-se a conquista dos direitos da coletividade que, como é amplamente reconhecido hoje, levou-se muito tempo. Tendo em vista a gradual evolução pela qual passou o reconhecimento das diversas espécies de direitos cumpre realizarmos uma breve abordagem das “gerações de direitos”. Com relação aos direitos de primeira geração, podemos afirmar, com base na literatura jurídica e histórica, que a luta por esses direitos vai começar, de maneira contundente, durante o que se convencionou denominar de “era das revoluções liberais”, da qual a mais emblemática é a Revolução Francesa. Nesse contexto de inúmeras revoltas, as declarações de direitos que se seguiram à Revolução Francesa traziam em seu bojo o indivíduo como sujeito e a liberdade como objeto. E isso é claro de se observar, na medida em que as revoluções ocorreram porque os indivíduos não tinham direitos, tampouco liberdade. Essas declarações de direitos visavam à proteção do indivíduo contra o próprio indivíduo, mas, principalmente, contra o Estado, eis que o Estado, na ótica dos revolucionários, era o maior inimigo da liberdade individual. Os direitos que foram reconhecidos durante esse contexto histórico são denominados direitos de primeira geração, tendo como objetivo libertar o indivíduo do absolutismo de um ou de alguns sobre todos, promovendo a liberdade e a igualdade. Costuma-se afirmar, na literatura jurídica, que os direitos de primeira geração impõem uma abstenção ao Estado, ou seja, o Estado, que, até então, não se submetia ao ordenamento jurídico por ele mesmo elaborado, daquele momento em diante, teria de obedecer às regras que por ele (Estado) mesmo haviam sido impostas. Assim, o indivíduo passava a ser resguardado de eventuais práticas abusivas que antes eram perpetradas pelo ente estatal. Nesse mesmo contexto histórico-jurídico, é que nasce o Estado de Direito, significando que todos, inclusive o ente responsável pela elaboração das regras jurídicas, com vistas a disciplinar as relações sociais, passaram a submeterem-se ao ordenamento jurídico. Com as consequentes mudanças havidas no mundo, especialmente no fim do século XIX e começo do século XX, acentuadas após a Primeira Grande Guerra (1914-1918), a consciência política mundial se altera, sobretudo no que tange à percepção de que os direitos até então conquistados não eram suficientes para a assegurar a plena realização do ser humano. Assim, considerando que os direitos de primeira geração já se encontravam incorporados nos diversos ordenamentos jurídicos, bem como que a população dos Estados já tinha consciência quanto a esses direitos, iniciou-se a busca por direitos voltados às questões sociais, tendo em vista a flagrante desigualdade social existente em inúmeros Estados. Temos, então, a segunda geração dos direitos. 6 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Nesse contexto, o indivíduo ainda é sujeito dos direitos humanos fundamentais, mas perde a sua individualidade abstrata para fazer parte de uma categoria concreta. Os valores individuais são gerados e mantidos nas relações sociais e, por isso, é nelas que devem receber uma proteção ativa do Estado, no qual se fazia necessário prevenir ou remediar o detrimento de uma categoria social por outra. Haveria que se proteger uma parte (mais fraca) da sociedade na sua relação com outra parte (mais forte). Variados por seu teor econômico, social ou cultural, tais direitos parciais sempre visam a garantir uma prestação do Estado – legislativa, administrativa, jurisdicional – a certas categorias de indivíduos, a fim de promover a igualdade social. Nesses direitos de segunda geração, não se exclui o Estado, mas, pelo contrário, chama-o para obter dele uma prestação efetiva, seja legislativa, seja judicial. Em outras palavras, ao contrário do que ocorre na primeira geração de direitos (na qual o Estado passa a ter uma conduta omissiva), na segunda geração de direitos, o Estado deve ter uma conduta positiva, sobretudo no que tange à concretização dos direitos sociais que até então estão previstos abstratamente no ordenamento jurídico. Antes de tratarmos da terceira geração de direitos consideramos necessário discorrermos a respeito de dois termos que constantemente são utilizados pela jurisprudência nacional, sobretudo dos Tribunais Superiores (STJ e STF). O primeiro deles é o constitucionalismo, termo criado para se referir ao movimento político-jurídico que propagava a ideologia no sentido de limitar o poder dos governantes, ou melhor, o poder estatal que até então era ilimitado. É interessante salientar que há uma correspondência entre o constitucionalismo e a primeira geração de direitos, tendo em vistaque a característica desta é a limitação do arbítrio estatal. O segundo termo refere-se ao neoconstitucionalismo, termo criado para se referir ao movimento que visa a implementação dos direitos de cunho social que se encontram previstos, abstratamente, nos diversos ordenamentos jurídicos, ou seja, com a limitação do poder estatal e a consequente garantia dos direitos individuais (civis e políticos) alcançados pela primeira geração de direitos. Nasce a necessidade de concretizar as previsões constitucionais e legais que tratam de questões relacionadas aos direitos sociais, econômicos e culturais. Da mesma forma que o constitucionalismo guarda correspondência com a primeira geração de direitos (por exigir uma conduta negativa do Estado) o neoconstitucionalismo relaciona-se com a segunda geração de direitos, simplesmente pelo fato de exigir uma conduta positiva, ou seja, uma ação estatal no que diz respeito à materialização de direitos sociais que estão previstos abstrativamente no ordenamento jurídico. Chegando à terceira geração de direitos, podemos destacar que essa surgirá após a Segunda Grande Guerra (1939-1945), em razão de todas as atrocidades cometidas contra a humanidade, com o intuito de proteger o indivíduo não contra o indivíduo, tampouco contra o Estado, mas contra a própria humanidade. No pós-guerra, com o desenvolvimento vertiginoso da tecnologia de transportes, de comunicação e de informação, os direitos humanos se internacionalizaram e a soberania estatal se relativizou mais ainda pela criação de organismos políticos e sistemas normativos supranacionais, a 7 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a TÓPICOS ESPECIAIS EM TUTELAS DIFUSAS E COLETIVAS (OPTATIVA) fim de gerar condições de progresso material para regenerar padrões morais de respeito à dignidade da pessoa humana, desgastados pela miséria econômica e social, extrema em muitas partes de um mundo em globalização. Surgem daí os direitos de solidariedade, que formam os direitos de terceira geração, aparecendo, primeiramente, em declarações internacionais ou supranacionais. A terceira dimensão ou geração de direitos, típica da legislação comunitária, que surgiu a partir dos meados do século XX, estende-se a todos os indivíduos, mas não os compreendendo em sua individualidade, porém em sua generalidade: como gênero humano. São direitos essencialmente sociais, em toda a sua compreensão e extensão: em toda a pureza e grandeza do conceito social. Defendem os valores humanos mais básicos, fundamentais e genéricos da sociedade humana. Na verdade, se estendem difusamente a toda a sociedade humana, considerada indistintamente em sua generalidade. Daí a razão por que lhes convém é o nome de direitos difusos. Por derradeiro, registre-se que alguns constitucionalistas estabelecem uma relação entre o lema da Revolução Francesa “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” e o consequente surgimento das gerações (ou, como alguns denominam, dimensões) de direitos. Dessa forma, os direitos de primeira geração corresponderiam à liberdade, os de segunda geração, à igualdade e os de terceira geração à fraternidade. Nesse sentido, note-se a interessante observação do Professor Paulo Bonavides[1] (2001, p. 516) em seu Curso de Direito Constitucional: Em rigor, o lema revolucionário do século XVIII, esculpido pelo gênio político francês, exprimiu em três princípios cardeais todo o conteúdo possível dos direitos fundamentais, profetizando até mesmo a sequência histórica de sua gradativa institucionalização: liberdade, igualdade e fraternidade. Atento à realidade da terceira geração de direitos, o legislador constituinte fez prevê-los na Constituição Federal de 1988 em várias passagens: O art. 1º da Constituição Federal, que trata dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, consagrou como tal, no inciso III, a dignidade da pessoa humana. Trata-se de típico direito de terceira geração. A dignidade nasce com a própria pessoa humana e é inerente à sua essência. É por tal motivo que o ser humano não pode ser considerado como simples meio – objeto – para satisfazer a vontade de outrem, mas sim como fim em si mesmo – sujeito – nas relações de que tome parte, seja com o Estado, seja com os particulares. E, ao interagir com a sociedade – afinal o homem é um ser social – sua dignidade ganha um acréscimo. A solidariedade aparece como objetivo da República Federativa do Brasil, no art. 3º, inciso I, que diz que é objetivo fundamental construir uma sociedade livre, justa e solidária. A solidariedade é própria da terceira geração de direitos. O Capítulo I do Título II da Constituição da República Federativa do Brasil trata dos direitos e deveres individuais e coletivos. Nesse contexto, registre-se serem os direitos coletivos típicos de terceira geração. 8 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Como visto, os direitos coletivos integram a terceira geração (ou dimensão) de direitos, sendo que a Constituição da República a eles faz expressa referência. No entanto, em que pese a Constituição Federal tratar, genericamente, dos direitos coletivos devemos consignar que há uma classificação desses direitos. Assim, temos que direitos coletivos consistem num gênero que abarca três espécies distintas. Essas, por sua vez, encontram-se definidas no parágrafo único do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor. Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. Dessa forma, encontramos, após a leitura do preceptivo do Código de Defesa do Consumidor, três espécies de direitos coletivos (direitos transindividuais): a) direitos difusos: direitos transindividuais, de natureza indivisível, cujos titulares são pessoas indeterminadas ligadas por circunstâncias de fato; b) direitos coletivos: direitos transindividuais, de natureza indivisível, cujos titulares são grupos, categorias ou classes de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; e c) direitos individuais homogêneos: direitos de origem comum: Como visto, a lei consumerista se refere a direitos ou interesses difusos e coletivos. Qual é a diferença entre eles? A grosso modo, nenhuma. Para Rodolfo de Camargo Mancuso[2] (2013, p. 48) o termo mais correto seria interesse, porque “apresenta a desejável flexibilidade, permitindo sua captação em graus ou dimensões diferentes, por modo que uma mesma ocorrência possa vir a refratar-se, judicialmente, em tutela a interesse difuso, coletivo em sentido estrito ou individual homogêneo, a depender da natureza do objeto e de como venha posto o pedido”. 9 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a TÓPICOS ESPECIAIS EM TUTELAS DIFUSAS E COLETIVAS (OPTATIVA) Para Roberto Senise Lisboa[3] (2012, p. 63), “o interesse difuso é necessidade de toda a sociedade,e não de grupos sociais determinados. É a conflittualitá massima impessoal, expressão esta que designa a ideia de conflito de interesse em seu grau máximo possível, em sociedade. Eis a razão da indeterminação de seus titulares. Sua tônica é, por conseguinte, a indisponibilidade dos direitos a serem tutelados, tornando-se extensa a ameaça ou lesão a direito, cuja necessidade seja dessa espécie, sem qualquer relação jurídica básica”. Todavia, a opção do legislador foi de não diferenciar direito de interesse, tratando os dois igualmente. [1] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001. [2] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Manual do consumidor em juízo. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013. [3] LISBOA, Roberto Senise. Contratos difusos e coletivos – a função social do contrato. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 10 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I MÓDULO 2 Antes de adentrarmos no estudo das disposições legais do Código de Defesa do Consumidor, cumpre realizarmos uma breve introdução sobre o surgimento da necessidade de se elaborar um diploma legal destinado a disciplinar o que veio a ser denominado de relação de consumo. Com o advento da Revolução Industrial (século XVIII), a configuração do espaço urbano foi alterada, tendo em vista a grande massa de pessoas que migrou do campo para a cidade. Consequentemente, essas pessoas que passaram a viver nos espaços urbanos deixaram a agricultura de subsistência para trabalhar nas inúmeras fábricas que surgiam. Assim, houve grande aumento na demanda dos itens essenciais à sobrevivência humana, o que implicou a necessidade de se aumentar a produção. Nesse contexto, abandona-se a produção de manufatura e inicia-se o processo de produção em série, ou seja, uma determinada indústria desenvolve determinado produto e o reproduz milhares de vezes com o objetivo de atender à demanda social. É oportuno salientar que essa produção em massa decorre das necessidades de uma sociedade de massa. Ademais, essa nova técnica de produção enseja a redução dos custos e a maximização dos lucros. Assim, abandonando-se a produção artesanal e iniciando-se o processo de produção em série era comum que determinados produtos ofertados ao mercado fossem comercializados com alguns problemas. Ocorre que o poder econômico industrial prevalecia até o advento de uma legislação destinada a regulamentar a relação jurídica entre o fornecedor de produtos e, posterirormente, de serviços, bem como o adquirente desses produtos/serviços ofertados. Dessa forma, mesmo que os produtos adquiridos se encontrassem danificados nada poderia o adquirente fazer. Na maioria das vezes, e este é o caso do Brasil até o advento do Código de Defesa do Consumidor no ano de 1990, aplicava-se às relações de consumo normas de direito privado, sobretudo, o Código Civil. No entanto, não era possível conceber que as previsões legislativas contidas no bojo do Código Civil pudessem ser aplicadas a regulamentação das relações entre fornecedor e consumidor. No âmbito do direito privado concebe-se que as partes celebrantes de um determinado negócio jurídico se encontram em nível de igualdade, logo, elas podem discutir, ou melhor, negociar, inúmeros aspectos do contrato a ser celebrado. O mesmo não ocorre no âmbito das relações de consumo, pois parte-se do pressuposto que o consumidor é a parte vulnerável da relação jurídica a ser estabelecida, tendo em vista a superioridade econômica e técnica dos fornecedores de produtos ou serviços, sobretudo dos grandes conglomerados econômicos. Ademais, na maioria das vezes o contrato celebrado entre o consumidor e o fornecedor já contém suas cláusulas pré-estabelecidas por esse, competindo ao consumidor aderir ou não às disposições contratuais. 11 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a TÓPICOS ESPECIAIS EM TUTELAS DIFUSAS E COLETIVAS (OPTATIVA) Considerando todas essas peculiaridades, surge a necessidade de se elaborar um regramento jurídico destinado a regulamentar as relações jurídicas entre fornecedores de produtos ou serviços e consumidores. É oportuno destacar que o Código de Defesa do Consumidor é fruto da imposição de uma norma constitucional. De acordo com a doutrina do Professor José Afonso da Silva[1], as normas constitucionais, quanto à sua eficácia, podem ser classificas em: normas de eficácia plena, normas de eficácia contida ou restringível e normas de eficácia limitada. As normas de eficácia plena são aquelas que não necessitam de nenhuma atuação do legislador infraconstitucional para sua aplicação, logo são de aplicabilidade imediata. As normas de eficácia contida são aquelas em que é facultado ao legislador infraconstitucional limitar o seu campo de atuação. Em que pese a possibilidade de terem seu campo de atuação restringido também são de aplicação imediata. Já as normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que dependem de uma atuação do legislador infraconstitucional para que possam produzir efeitos, logo sua aplicabilidade é mediata, ao contrário das normas constitucionais de eficácia pela e contida. E é nesta última categoria, na qual se insere o Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que o Poder Constituinte Originário, consignou no inciso XXXII do artigo 5º da Constituição da República que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Logo, temos que a Defesa do Consumidor é um direito fundamental aplicando-se a ele toda a teoria dos direitos fundamentais. Assim, ao prever que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor, o constituinte originário estava dando um comando para que o legislador infraconstitucional implementasse essa disposição constitucional. Ademais, é interessante notar que, além de ser um direito fundamental, a Defesa do Consumidor é um dos princípios que regem a Ordem Econômica no direito brasileiro. O mesmo constituinte que positivou a Defesa do Consumidor como direito fundamental consignou, no inciso V do artigo 170 da Constituição da República, essa mesma defesa como um dos princípios da Ordem Econômica. Registre-se, a título de conhecimento, que ao contrário do Brasil, que teve sua legislação consumerista somente no final do século XX, outros países, mais avançados industrialmente, já possuíam alguns diplomas legais destinados a regulamentar relações de consumo. Temos, como exemplo, os Estados Unidos da América que já no ano de 1890, ou seja, já no século XIX, possuía uma legislação de proteção ao consumidor, qual seja, a Lei Shermann. 12 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I Feita essa breve introdução temos que o Código de Defesa do Consumidor foi concebido como uma lei eminentemente principiológica, porque regula as relações de consumo de maneira geral, traçando conceitos e definindo princípios fundamentais. Assim, a toda e qualquer relação que seja definida como de consumo há de se aplicar os princípios inderrogáveis do Código de Defesa do Consumidor e toda lei que pretender regular uma determinada e específica relação de consumo deverá obedecer tais princípios, sob pena de invalidade ou nulidade. As normas do Código de Defesa do Consumidor são de ordem pública e interesse social, o que significa que elas não poderão ser alteradas, ou substituídas, pela vontade das partes, considerando-se nula qualquer convenção em sentido contrário as disposições legais. Temos, portanto, a característica da inderrogabilidade. Como ramo autônomodo direito o Direito do Consumidor é regido por alguns princípios, sendo que alguns desse se encontram positivados no bojo do próprio texto do Código de Defesa do Consumidor. Assim, temos, de acordo com o artigo 4º do CDC, alguns princípios: Princípio da transparência (caput): assegura ao consumidor o direito à total informação e plena ciência da exata extensão das obrigações assumidas pelas partes na relação de consumo. O princípio da informação de fornecedores e consumidores quanto aos seus direitos e deveres aparece de forma específica no inciso IV. Princípio da harmonia das relações de consumo (caput): busca o equilíbrio entre os interesses do fornecedor, das necessidades do consumidor e da proteção ao meio ambiente, assegurando o desenvolvimento econômico do País. Princípio do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor (inciso I): também tratado como princípio da isonomia, determina que os consumidores devem ser tratados de maneira desigual em relação ao fornecedor, a fim de se obter a igualdade real (isonomia material). Por conta da vulnerabilidade do consumidor, como parte mais fraca na relação de consumo, o Código assegura-lhe direitos básicos próprios com o objetivo de reequilibrar a relação. Princípios da boa-fé objetiva e do equilíbrio contratual (inciso III): a boa-fé objetiva impõe aos contratantes o dever de se comportar com lealdade e honestidade, com respeito à confiança e aos interesses mútuos. O equilíbrio contratual impede que uma parte obtenha vantagem excessiva em detrimento da outra. Princípio da coibição e da repressão de abusos no mercado de consumo e no âmbito da concorrência desleal: objetiva evitar a dominação do mercado, a eliminação da concorrência e do aumento arbitrário dos lucros, que são práticas empresariais nefastas e prejudiciais ao consumidor, porque retira-lhe o direito de livre escolha e da igualdade nas contratações, que é um dos direitos básicos do consumidor, definido no inciso II do artigo 6º do CDC. Após uma breve exposição de alguns dos princípios aplicáveis às relações de consumo, trataremos de alguns conceitos essenciais à compreensão da disciplina. 13 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a TÓPICOS ESPECIAIS EM TUTELAS DIFUSAS E COLETIVAS (OPTATIVA) O primeiro conceito a ser estudado é o de fornecedor que, assim como outros, encontra-se sua definição no texto do CDC, nesse caso no artigo 3º. Assim, de acordo com o texto legal, conceitua-se fornecedor da seguinte forma: Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (Grifo nosso). Dessa forma, fornecedor é quem contribui, de alguma maneira, para a colocação de um produto ou serviço no mercado, pouco importando a sua forma de constituição, tendo em vista que o conceito estabelecido no CDC é o mais amplo possível, de sorte a não excluir – ou não permitir a exclusão – ninguém que não deva ser excluído. É importante registrar que a definição de fornecedor não está ligada ao conceito de empresário. O fornecedor pode ou não ser empresário. Não empresários (profissionais liberais, por exemplo) podem ser fornecedores. Pessoas físicas, pessoas jurídicas (de direito privado ou público) e até entidades que não tem personalidade jurídica podem ser fornecedores. Basta que ofereça produtos ou serviços no mercado de consumo. O segundo conceito a ser estudado é o conceito de produto que, de acordo com o § 1º do artigo 3º, é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. Outro conceito essencial ao estudo da matéria é o de serviço, tendo em vista que o fornecedor, na atualidade, não oferece ao mercado somente produtos, mas também serviços. Nesse sentido, o § 2º do artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor define serviço como qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. Antes de passarmos ao estudo do conceito de consumidor, registre-se, por oportuno, que, com o advento do CDC, alguns bancos (espécies de instituições financeiras) ajuizaram inúmeras demandas sustentando que a atividade por eles desenvolvida não se submetia, ou não deveria se submeter, às disposições da legislação consumerista. No entanto, em que pese o esforço despendido pelas instituições financeiras o Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou a questão, tendo, inclusive, editado a súmula de nº 297 que tem o seguinte teor: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Feito esse esclarecimento passamos ao conceito de consumidor. É preciso ver, desde logo, que a definição legal de consumidor assume três formas diferentes reconhecidas na lei, que devem sempre ser observadas para a adequada interpretação da vontade 14 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I protetiva emanada da norma legal: o consumidor stricto sensu, o consumidor por equiparação, e a coletividade. Analisemos, a seguir, essas três formas. Consumidor stricto sensu é o consumidor propriamente dito, aquele que efetivamente participou da relação original de consumo, adquirindo para si produtos ou serviços oferecidos no mercado. A sua definição encontra-se no art. 2º do CDC: Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Dessa definição, destacam três elementos: o subjetivo, o objetivo e o teleológico. Elemento subjetivo: o quem, a pessoa, sujeito do direito. O consumidor é uma pessoa, física ou jurídica. Elemento objetivo: o que, o objeto da relação. A aquisição ou utilização de produto ou serviços. Elemento teleológico: o como, a finalidade da relação. O consumidor é o destinatário final do produto ou serviço. O nosso sistema jurídico, para definir consumidor, adota a teoria finalista. Assim, qualquer pessoa (seja física ou jurídica) pode ser consumidor, desde que adquira o produto ou serviço como destinatário final. Destarte, é a destinação do produto que define o consumidor, de sorte que não será consumidor quem não adquire o produto para o seu próprio consumo, vale dizer, quem compra para revender ou, de qualquer modo, repassar para outrem, seja diretamente, seja incorporado a outro produto. O Código de Defesa do Consumidor, ao reconhecer os direitos difusos e coletivos, sinaliza para a proteção coletiva desses direitos. E, com absoluta razão, reconhece que não é apenas o consumidor padrão, stricto sensu, que merece proteção, equiparando outras pessoas, que não participaram diretamente da relação de consumo, a de consumidor. São equiparadas ao consumidor: a coletividade, as vítimas do evento, e as pessoas expostas a práticas abusivas. No que tange à coletividade, sua equiparação está prevista no parágrafo único do art. 2º do CDC. Art. 2º. (omissis) Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. O direito do consumidor é um direito difuso por excelência. Uma prática de consumo pode atingir indiscriminadamente um número indefinido de pessoas. Um produto que não funcione adequadamente ou que provoque danos à saúde do consumidor, uma vez colocado no mercado, pode atingir milhares de pessoas. É o que ocorreu recentemente com um anticoncepcional que foi colocado no mercado, mas não continha oprincípio ativo. Quantas pessoas consumiram aquele medicamento? É por isso que o CDC promove essa equiparação. Ao reconhecer esse grupo, ou essa coletividade de pessoas como consumidor, a lei está lhes garantido a proteção legal do CDC e legitimando as ações coletivas. 15 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a TÓPICOS ESPECIAIS EM TUTELAS DIFUSAS E COLETIVAS (OPTATIVA) Veja-se, por exemplo, interessante decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP): Apelação. Indenização por danos morais. Número de telefone do autor equivocadamente divulgado. Consumidor por equiparação. Reparação da devida. Dano moral configurado. Majoração do valor da indenização e da multa astreintes. O autor teve seu número de telefone equivocadamente associado à rede de vendas no sítio eletrônico da ré, passando a receber inúmeras ligações telefônicas, diariamente, procurando pelos serviços daquela. Embora o autor não tenha figurado como destinatário final de qualquer serviço prestado pelas rés, ele foi vítima da utilização indevida do seu número de telefone, a demonstrar que estava exposto às práticas comerciais verificadas nas relações de consumo, assumindo, portanto, a condição de consumidor por equiparação. Empresas rés que respondem independentemente de culpa, pelo resultado causado, de acordo com o disposto nos artigos 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor. A responsabilidade objetiva decorre do risco da própria atividade econômica que exerce, à medida que expõe o consumidor a risco de dano. No caso, o dano moral tem natureza “in re ipsa” e, por isso, prescinde de demonstração. Indenização por dano moral fixada em R$ 3.000,00. Valor insuficiente a reparar o dano. Majoração a R$ 10.000,00. Astreintes fixadas em R$ 500,00. Valor adequado e que deve ser mantido. Recurso da ré não provido. Recurso do autor provido para majorar a indenização a R$ 10.000,00. (TJSP, 10ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 0010724-55.2010.8.26.0344, Rel. Des. Carlos Alberto Garbi, julgado em 12/3/2013). Note-se, também, interessante decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ): RECURSO ESPECIAL. CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO DE LOCAÇÃO DE MÁQUINA FOTOCOPIADORA COM SERVIÇO DE MANUTENÇÃO. INADIMPLEMENTO DA LOCATÁRIA PESSOA JURÍDICA. AÇÃO DE COBRANÇA DE ALUGUERES EM ATRASO. RELAÇÃO DE CONSUMO. INEXISTÊNCIA. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (ARTS. 2º E 4º, I). BEM E SERVIÇO QUE INTEGRAM CADEIA PRODUTIVA. TEORIA FINALISTA. MITIGAÇÃO (CDC, ART. 29). EQUIPARAÇÃO A CONSUMIDOR. PRÁTICA ABUSIVA OU SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE. NÃO RECONHECIMENTO PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. REVISÃO. INVIABILIDADE (SÚMULA 7/STJ). RECURSO DESPROVIDO. 1. “A jurisprudência desta Corte é no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor não se aplica no caso em que o produto ou serviço é contratado para implementação de atividade econômica, já que não estaria configurado o destinatário final da relação de consumo, podendo, no entanto, ser mitigada a aplicação da teoria finalista quando ficar comprovada a condição de hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da pessoa jurídica. O Tribunal de origem asseverou não ser a insurgente destinatária final do serviço, tampouco hipossuficiente. Inviabilidade de reenfrentamento do acervo fático-probatório para concluir em sentido diverso, aplicando-se o óbice da súmula 7/STJ.” (EDcl no AREsp 265.845/SP, Rel. Ministro MARCO BUZZI, DJe de 1º/8/2013) 2. Em situações excepcionais, esta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja propriamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade ou submetida a prática abusiva. 3. Na espécie, dada a desproporção entre as contratantes, é incontestável a natural posição de inferioridade da ré frente à autora e de supremacia desta ante aquela, o que, entretanto, por si só, não possibilita o reconhecimento de situação de vulnerabilidade provocada, a atrair a incidência da referida equiparação tratada no art. 29 do CDC. É que tal norma não prescinde da indicação de que, na hipótese sob exame, tenha sido constatada violação a um dos dispositivos previstos nos arts. 30 a 54 dos Capítulos V e VI do CDC. A norma do art. 29 não se aplica isoladamente. 4. As instâncias ordinárias, no presente caso, recusaram a incidência do Código do Consumidor, por não haverem constatado a ocorrência de 16 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I prática abusiva ou situação de vulnerabilidade na relação contratual examinada, mostrando-se inviável o reexame do acervo fático-probatório para eventualmente chegar-se a conclusão inversa, ante a incidência do óbice da Súmula 7/STJ. 5. Recurso especial desprovido. (STJ, Quarta Turma, REsp 567.192, Rel. Min. Raul Araújo, Julgado em 29/10/2014). Negritamos. Temos também as vítimas de um acidente de consumo, também chamados de bystander que são pessoas estranhas à relação original, mas que foram prejudicadas, de alguma maneira, por ela. Essa equiparação está prevista no art. 17 do CDC. Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. Assim, um acidente ocorrido numa relação de consumo pode atingir terceiros, que não participaram da relação original. Os convidados de uma festa que sofrem uma intoxicação alimentar por conta da comida servida pela empresa contratada pelo dono da festa são vítimas de uma relação de consumo da qual não participaram diretamente. O mesmo ocorre com um transeunte atropelado por um ônibus coletivo desgovernado. Pessoas, vítimas de um acidente de consumo, são equiparadas a consumidor e tem a proteção do CDC. Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. As práticas comerciais previstas aqui incluem a oferta de produtos, a publicidade, as práticas abusivas, a cobrança de dívidas, banco de dados e as cláusulas abusivas. Todas as pessoas expostas a essas práticas, sejam elas consumidores stricto sensu ou não, determináveis ou não são equiparadas a consumidor. Uma prática de consumo – como, por exemplo, uma propaganda abusiva – pode atingir uma pessoa individualmente considerada, um determinado grupo, ou até mesmo um número indefinido de pessoas. E todos serão considerados consumidor para efeito da proteção legal. Tendo observado os aspectos relativos à abrangência do termo consumidor, passamos ao estudo dos direitos básico que lhes são deferidos pela legislação e que estão previstos no art. 6º do CDC, sendo que podemos enumerá-los da seguinte forma: a) proteção da vida, saúde e segurança; b) educação para o consumo; c) informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços; d) proteção contra publicidade enganosa e abusiva; e) proteção contratual; f) efetiva indenização; 17 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a TÓPICOS ESPECIAIS EM TUTELAS DIFUSAS E COLETIVAS (OPTATIVA) g) facilitação no acesso à Justiça; h) facilitação de defesa de seus direitos; i) qualidade dos serviços públicos. Simplesmente pelo fato de ser a defesa do consumidor um dos direitos fundamentais tem-se que esse rol de direitos não é taxativo. Na verdade, os direitos básicos não excluem outros direitos, previstos no próprio CDC, em qualquer outra lei ou tratado internacional. Vejamos então, de maneira específica, em que consistem esses direitos:No que tange à proteção da vida, saúde e segurança, advirta-se que produtos e serviços colocados no mercado que, em razão de sua natureza, representem ou possam representar algum tipo de risco ao consumidor devem ter informações adequadas, claras e em destaques sobre isso. Na hipótese de que somente após a colocação do produto ou serviço no mercado o fornecedor venha a descobrir a potencialidade de risco à saúde ou segurança dos consumidores, deve, imediatamente, tornar o fato público, por meio de anúncios publicitários ou recall, além de promover a retirada do mercado. Em relação à educação para consumo é importante destacar que a educação dos consumidores e fornecedores é um objetivo a ser alcançado, como forma de tornar melhor a relação de consumo, pois é através da educação que as condições do mercado de consumo serão maximizadas. A educação é importante, ainda, para que o consumidor possa exercer seu direito de escolha dos produtos e serviços e a igualdade das contratações. O direito de informação é, sem dúvida alguma, essencial à defesa do consumidor, parte mais vulnerável na relação com o fornecedor. Assim, o consumidor deve sempre ser informado sobre os produtos e serviço que deseja contratar. Essa informação só será efetiva quando for clara e adequada. Ademais, essa informação, conforme dispõe o inciso III, do art. 6º do CDC, deve trazer especificações correta quanto à quantidade, característica, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que eles possam apresentar decorrente do uso inadequado. No tocante à publicidade tem-se que essa constitui a maior arma de que dispõe o fornecedor para expor seus produtos ou serviços. Por isso, o CDC protege o consumidor contra a publicidade enganosa e abusiva. É abusiva, segundo o CDC, a publicidade que incite à violência, explore o medo e a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e inexperiência da criança, desrespeite os valores ambientais e que seja capaz de induzir o consumidor a comportar-se de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. 18 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I De outro lado, é enganosa a publicidade inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. Considerando que fornecedores e consumidores não se encontram no mesmo nível de igualdade, o que implica preponderância do poder econômico, o legislador estabeleceu a proteção contratual como um dos direitos do consumidor. Assim, por conta da proteção contratual, os contratos de consumo não são inflexíveis. Pelo contrário, os contratos poderão ser modificados judicialmente quando estabelecerem prestações desproporcionais ou revistos em razão de fatos posteriores que possam causar dificuldade no cumprimento do próprio contrato por ter se tornado excessivamente oneroso. O legislador infraconstitucional também positivou, como direito do consumidor, a prevenção a danos, sejam materiais ou morais, considerando que evitar que o dano ocorra é infinitamente melhor do que a reparação do dano causado. É que, muitas vezes, em razão do dano ocorrido, não é possível sua reparação. No entanto, no caso de não ser possível a prevenção, a indenização do consumidor deve ser efetiva e a mais ampla possível, abrangendo os danos materiais e morais. Saliente-se, ainda, que não basta garantir a efetiva reparação dos danos: é preciso garantir, também, o acesso ao judiciário. Lembre-se que para cada direito deve corresponder uma ação, pois de nada vale o direito se não houver um meio adequado de efetivá-lo. Assim, o consumidor tem livre acesso a qualquer repartição pública ou à Justiça para poder ser indenizado pelos danos causados por produtos ou serviços defeituosos. Nesse aspecto, os Juizados Especiais Cíveis (Lei 9.099/99) exercem importante atuação. Temos então a facilitação no acesso à Justiça prevista expressamente no texto do Código de Defesa do Consumidor. Trata-se, na verdade, de corolário do princípio da inafastabilidade da jurisdição prevista no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição da República. Ademais, o consumidor, como parte vulnerável da relação, deve ter seu direito de defesa facilitado. Isso significa que, num processo judicial, a parte mais difícil caberá ao fornecedor, inclusive podendo o juiz determinar a inversão do ônus da prova. Veja-se, a título de exemplo, decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ): AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EXTRATOS BANCÁRIOS. DEVER DE EXIBIÇÃO. ART. 543- C DO CPC. MATÉRIA DECIDIDA SOB O RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. 1. A egrégia Segunda Seção, sob o rito dos recursos repetitivos, no julgamento do RESP nº 1.133.872/PB, em 14/12/2011, decidiu ser cabível a inversão do ônus da prova em favor do consumidor para o fim de determinar às instituições financeiras a exibição de extratos bancários, enquanto não estiver prescrita a eventual ação sobre eles, tratando-se de obrigação decorrente de lei e de integração contratual compulsória, não sujeita à recusa ou condicionantes, tais como o adiantamento dos custos da operação pelo correntista e a prévia recusa administrativa da instituição financeira em exibir os documentos, com a ressalva de que ao correntista, autor da ação, 19 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a TÓPICOS ESPECIAIS EM TUTELAS DIFUSAS E COLETIVAS (OPTATIVA) incumbe a demonstração da plausibilidade da relação jurídica alegada, com indícios mínimos capazes de comprovar a existência da contratação, devendo, ainda, especificar, de modo preciso, os períodos em que pretenda ver exibidos os extratos. 2. Agravo regimental não provido. (STJ, Terceira Turma, AgREsp 1.210.456, Rel. Min. Ricardo Villas Boas Cueva). Note-se, ainda, decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP): DIREITO DO CONSUMIDOR. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. Ação Declaratória de Inexistência de Relação Jurídica e Indenização. Demanda em face de concessionária de serviço público na qual se questiona suposta irregularidade na medição e consumo de energia, postulando-se, ainda, indenização como decorrência da indevida interrupção no fornecimento de energia. Sentença de procedência dos pedidos, na origem, declarada a inexigibilidade do débito, bem assim condenada a requerida ao pagamento de indenização por danos morais, sem prejuízo da responsabilidade por verbas de sucumbência e litigância de má-fé. Recurso de Apelação da requerida. Exigibilidade do Débito. Concessionária requerida que não obstante as oportunidades processuais que lhe foram concedidas limitou-se a defender, de maneira genérica e teórica, a legalidade de sua conduta, calcada na emissão de Termo de Ocorrência (TOI) mencionando que o mesmo guardaria presunção de veracidade, situação, contudo, não caracterizada. Suposta irregularidade no equipamento de medição não demonstrada sob o crivo do contraditório. Hipótese de inversão do ônus da prova bem vislumbrada em primeiro grau. Medidor não preservado para perícia técnica judicial tal qual outrora postulado pela requerida. Inexigibilidade do débito por inteiro. Danos Morais. Impossibilidade de interrupção do fornecimento de energia em razão de débito não comprovado. Danos morais, porém, não caracterizados no caso concreto. Imóvel que se encontrava alugado à época dos fatos, já falecido, sob outro ângulo o “de cujus”, proposta a Ação pelo espólio, não se evidenciando, destarte, os danos morais afirmados na r. sentença. Regime sucumbencial.Contexto de decaimento recíproco a indicar vitórias e derrotas processuais, de parte a parte. Observação que se faz em relação ao afastamento, de ofício, da responsabilidade pela litigância de má-fé, matéria de ordem pública que comporta apreciação, por parte da Turma Julgadora, independentemente de expresso requerimento da parte. Caso concreto no qual não restaram caracterizadas as hipóteses previstas no artigo 17 do CPC. Recurso de Apelação da requerida provido em parte, com observação. (TJSP, 36ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 003550-56.2006.8.26.0272, Rel. Des. Alexandre Bucci, julgado em 10/12/2015). Agora, cumpre-nos tratamos das práticas abusivas, que se encontram previstas no art. 39 do CDC: Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos; II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes; III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço; IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços; V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; 20 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a Unidade I VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes; VII - repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos; VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro); IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais; X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços. XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério. XIII - aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido. É bom observar que o fornecedor não pode enviar ao consumidor produtos não solicitados. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, acima, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento. Veja-se também que o fornecedor de serviço será obrigado a entregar ao consumidor orçamento prévio discriminando o valor da mão-de-obra, dos materiais e equipamentos a serem empregados, bem como as condições de pagamento, as datas de início e término dos serviços. Salvo estipulação em contrário, o valor orçado terá validade pelo prazo de dez dias, contado de seu recebimento pelo consumidor. Uma vez aprovado pelo consumidor, o orçamento obriga os contraentes e somente pode ser alterado mediante livre negociação das partes. O consumidor não responde por quaisquer ônus ou acréscimos decorrentes da contratação de serviços de terceiros não previstos no orçamento prévio. Por derradeiro, quanto a este segundo módulo da disciplina Tópicos Especiais em Tutelas Difusas e Coletivas, temos que considerar as cláusulas abusivas. Registre-se, por oportuno, que grande parte das demandas ajuizadas envolvendo o Direito do Consumidor suscitam a discussão quanto à validade de determinadas cláusulas contratuais. De acordo com a legislação são consideradas abusivas e, por consequência, nulas as cláusulas contratuais que impliquem algumas das situações previstas no art. 51 do Código de Defesa do Consumidor. Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: 21 Re vi sã o: N om e do re vi so r - D ia gr am aç ão : N om e do d ia gr am ad or - d at a TÓPICOS ESPECIAIS EM TUTELAS DIFUSAS E COLETIVAS (OPTATIVA) I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código; III - transfiram responsabilidades a terceiros; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; V - (Vetado); VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem; VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor; IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais; XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias. É preciso observar, todavia, que a nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. [1] SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
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