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Para proteger o cuidado1: As separações parentes-crianças com finalidade terapêutica Tradução: Fernanda Abi-Chahin. Eu vou começar por uma banalidade: Na conjuntura das numerosas situações clinicas, é preciso levar em conta o ambiente no qual faz parte o indivíduo e seus cuidados. Em particular, a clínica mostra que certos sujeitos que apresentam algum sofrimento psíquico não podem realizar um trabalho no mundo interno, se estes forem separados de seus objetos originais, parentes, família ou substitutos. É o caso de certas crianças que vivem ou viveram sua infância em algum ambiente caótico. Por de trás de uma aparência normal, eles apresentam problemas psíquicos grandes próximos da psicose, sob diferentes formas2, particularmente apresentando alucinações frequentes. Essas crianças pervertem3 a sua relação com as outras pessoas, induzidas por um sentimento maldoso com o interlocutor. Muito frequentemente, são chamadas como ‘’crianças selvagens’’, nesse sentido, crianças que não possuem nenhuma noção de que existe uma conexão com o objeto ou de que existe uma relação com o outro. Eles não conhecem outra coisa que não a colagem4, a fuga, ou o ataque destrutivo e um estágio mais ou menos avançado de alucinações. Como pretendo mostrar, esse estado é guardado ou revivido por certas experiências atuais5, em particular pela repetição das situações traumáticas da pequena infância. Isto é, a separação criança-parente, que são incapazes de modificar o seu modo operacional6 que podem progressivamente se construir/encontrar objetos7 ressentidos 1 Na nota de Rodapé número 14, esclareceremos a ambivalência da palavra ‘’soin’’. 2 Aqui entendemos o ‘’sob diferentes formas’’ (tradução literal para o português da frase: ‘’sous différentes formes’’) como estágios ou níveis diferentes de psicose. 3 Aqui traduzimos de forma literal, porém, podemos atribuir o entendimento para uma forma de sabotagem da relação interpessoal. 4 A tradução literal dessa palavra é confusa, podendo ser tanto ‘’colagem’’ como ‘’degolar’’, optamos por manter o que fazia mais sentido. 5 Ou seja, que o presente seja a todo momento interpelado pelo passado. 6 Uma espécie de modus operandi ou modus vivendi. 7 Aqui ‘’objetos’’ pode se referir a determinados indivíduos que passaram por traumas na infância e não o sentido de ‘’objeto’’ literal. com sua criação, quer dizer que estes objetos podem exercer uma certa manutenção da realidade no lugar de ter o sentimento de não ter um responsável8. Esses objetos são ao mesmo tempo percebidos como exteriores a eles, quer dizer que eles podem progressivamente fundamentar e se identificar com eles. Assim, será necessário um longo período de tempo para descobrir que este não terá uma relação com uma pessoa parecida com ele, e por isto, estes devem passar para os objetos intermediários reais, construir as cabanas ‘’de verdade’’ por meses com a figura educadora9, antes de poder desenhar ou brincar antes de considerar um cenário imaginário, passar para contatos corporais e eleger objetos pessoais, eles irão perceber que não será possível construir uma relação securizante com a pessoa confiável e resistente, mas que ainda assim estes serão constituídos de uma história, ainda que não seja a melhor das histórias. Neste momento, a criança necessita dos cuidados de um psicoterapeuta para aprender sobre a sua realidade. Tendo em vista a origem desses problemas, encontramos uma patologia psíquica muito importante nos parentes, que se traduz entre outras coisas, por atitudes educativas profundamente ‘’desorganizativas’’. Esses parentes se encontram abertamente delirantes ou paranoicos, considerando diversos sistemas de crença; ou psicopatias mais ou menos viciantes ou prostituidas, em erro perpétuo; ou ainda apresentam uma chamada ‘’psicose branca’’, sem nenhum tipo de sintoma que não um sistema educativo cujo não se realizam pelo aspecto “aberrativo”. Assim, estes são os tipos de parente que tem involuntariamente submetido suas crianças à importantes distorções pelas mudanças corporais e linguísticas depois dos primeiros meses de sua vida. Outro ponto em comum, é que esses parentes revelam-se inacessíveis a um tratamento de reuniões familiares, seja por conta de seu sistema de convicções rígido, seja porque eles são muito delirantes, seja porque eles se sentem constrangidos por toda frase que coloca o terapeuta e costumam reagir de maneira violenta, seja pelo absenteísmo praticado de maneira repetitiva. Nessas circunstâncias, os cuidados psíquicos que são dados à criança são pouco eficazes, tratando-se de psicoterapias individualizadas ou em grupo, ou em admissões nos hospitais do dia. 8 ‘’Maîtriser’’ pode significar tanto ‘’Mestre’’ quanto ‘’dominar’’ ou ‘’conter algo/alguém/a si próprio’’. Optamos por considerar o que fazia mais sentido, tendo em vista a proposta do texto. 9 Aqui, entendemos que estas crianças que sofreram por trauma na infância, quando crescem, tentam construir relações por vezes com figuras que poderiam apresentar a securidade que os pais poderiam ter lhes dado. Ou seja, quando essa farsa se desmonta, é passível de reviver os traumas. Por vezes, diante dessa incapacidade de certos parentes de proporcionar um mínimo de estabilidade à sua criança, uma separação parente-criança já foi feita pelas instâncias judiciais ou sociais. Mas, nós podemos reafirmar que essas separações não podem mais ser pensadas em termos psíquicos, mas somente em termos sociais, como paliativo da incapacidade parental. Eu apuro que uma separação jamais será terapêutica nela mesma (e dessa forma, não existe um local familiar terapêutico em si), mas ele permite o desdobramento de cuidados sem a destruição imediata de seus efeitos. Sem o cuidado concomitante, uma separação não faz mais do que colocar no ‘’congelador’’ as dificuldades psíquicas do sujeito, que correm risco de reaparecer enquanto pode ser refeito um contato com seus parentes ou durante certas experiências de sua vida. Uma tal separação não realizada com o rigor dos cuidados e para os cuidados10, para permitir que se instale uma atividade psicoterapêutica. Apenas esse argumento permite manter, de defender o que podemos dizer assim mesmo, o quadro da separação frente a impetuosidade ideológica11, que nós constataremos, mantêm-se cada vez que analisamos. Deve ser lembrado que nossas atuações visam a melhor forma de ser das crianças. Tendo em vista o quadro da antecipação, não podemos vislumbrar a punição dos parentes pela sua incompetência educativa. De tais separações, constituem-se dispositivos factíveis a serem gerados afetivamente e tecnicamente. No mais, eles são sempre decididos muito tarde. Com efeito, as interações patológicas são frequentemente interiorizadas desde os três meses de idade, e quando seus efeitos desorganizativos aparecem e direcionam-se para uma separação, nós podemos dizer que esta medida não terá nenhum efeito preventivo ou curativo. Este tipo de conduta é simplesmente a menos pior das soluções. Devo acrescentar que decidir uma separação constitue uma aposta assustadora, porque nós tomamos assim a responsabilidade do destino da criança. Essa decisão torna- se uma das formas que leva a origem do sujeito, a origem de sua história. E se a sua evolução é insatisfatória na sequência, não existe nenhuma argumentação por trás para se refugiar, então ainda que uma psicoterapia não produza os efeitos esperados, ela é sempre passível de invocar as resistências do objeto (da criança) ou de seus parentes. 10 Grifo de Maurice Berger. 11 Ibidem. Certas crianças nos colocam um problema ainda mais complexo, porque eles são reativos ao menor contato com seus parentes, mesmo quesimplesmente epistolativo12 ou telefônico, para uma gravação de seu estado durante várias semanas. Trata-se de situações clínicas próximas daquelas que Myriam David e Hanna Rothmann consideram como muito graves e resistentes a todo tipo de terapia. Elas são sempre a consequência de separações tardias seguidas de reencontros não mediados. Nesses casos, nós tivemos que resolver aplicar as separações totais durante um longo período, por vezes de dois anos ou dois anos e meio. Essa decisão repousa sobre a constatação clínica seguinte: as crianças em questão aqui não percebem os parentes da maneira que são, mas de uma maneira alucinatória, aterrorizante, que incita a desorganização de todas as relações interpessoais. Ainda Sakina, 6 anos, posta em família de recepção, reviu sua mãe que não via há 2 anos. Esta última, uma viciada de longa data, violenta e desatenciosa, está calma e adaptada ao curso dessa visita. Portanto, depois desse reencontro, Sakina regressa, depois de 2 meses, regressa ao estado psíquico no qual ela se encontrava há 2 anos. Ela apresenta novos estereótipos e uma fuga do contato e do contato visual. Dessa forma, o trabalho terapêutico foi anulado totalmente à medida que aconteciam as visitas aos parentes, como constatado nas situações similares. De todo modo, existe a possibilidade de reencontro parental sem risco de desorganização. Estes critérios são por exemplo a possibilidade de se representar a si mesmo como resistente às intrusões externas. Um critério importante é o fato da criança começar a impor uma maneira clara de questões que concernem suas origens, sua história e enfrentar fantasmas do passado. Assim, nós tentamos observar que a “questão dos parentes” remonta do interior da psique da criança, e não da forma de uma decisão judicial de repressão às visitas, normalmente arbitrária. O ideal consiste em poder produzir um movimento de transição, momento no qual a criança começa a ter uma representação interna de que poderia ser uma função parental e precisar encontrar seus parentes no meio exterior a ela. Baseando-se em Sakina, a palavra ‘’mãe’’ não possui nenhum sentido. Ela então será levada a criar uma mãe para que reencontre o sentido real de sua mãe original. 12 Aqui traduzimos literalmente a palavra ‘’épistolaire’’ que não tem uma tradução literal para o português. Essa é a lei da psique: ‘’eu não posso considerar como real e me apropriar daquilo que já criei no interior de mim mesmo’’. Eu não descreverei agora a gestão complicada dessas separações, que compreendem a gestão das relações com as famílias de origem, com as famílias figurativas ou com os internatos, a mediação dos reencontros entre criança-parente. Agora, me debruço sobre os tipos de ataques feitos ao objeto: - Ataque pelos parentes; - Ataque pela criança a ela mesma; - Ataque de numerosos interventores, psiquiatras, psicólogos, educadores, trabalhadores sociais, etc. Antes de mais nada, os ataques parentais. Esses ataques podem ser diretos, sob a forma de ameaça, de contestação de decisões, de demandas de constrangimento à criança e seu domicílio. É imprescindível enfatizar que os parentes são criadores de todo a sua desesperança; eles não se deprimem, não apresentam a menor alteração no plano psíquico e são indiferentes aos acontecimentos devastadores que engendram a separação criança-parente. Os parentes seguem iludidos de uma maneira que podem prolongar a ausência de seus filhos. Por outro lado, os cuidadores têm maiores dificuldades de suportar o sofrimento. A relação cuidador-parente é repleta de conflituosidade. Cada interventor é passível de identificação com a criança traumatizada. Identificação esta que pode ser reciproca pela criança que busca uma relação segura e confiável, que pode gerar resultados perigosos.13 Quais são verdadeiramente suas capacidades relacionais, eles conseguem apreender a realidade? Eles apresentam problemas cognitivos graves, significando uma defeituosidade da constituição de seu pensamento? Com qual regularidade os parentes vão visita-los? Como são eles (os parentes) capazes de se ocupar realmente das suas crianças e por quanto tempo? Uma outra forma de ataque dos parentes, indiretamente dessa vez, se produziu ao curso das visitas. Os parentes mantêm uma visão de retorno idílico possível com suas 13 A partir daqui o autor inicia uma série de questionamentos com relação às relações interpessoais do objeto. crianças. Além disso, o momento relativamente restrito de encontros faz com que habitualmente os parentes consigam se mostrar mais adaptados à sua criança, o que permitiria imaginar um futuro completamente livre de conflitos. Agora é necessário retomar o pensamento de que a extrema dificuldade das crianças separadas de elaborar o movimento de ambivalência no que diz respeito a seus parentes. Assim, quando não existir o contato da criança com seus parentes, é provável que estes sejam idealizados e amados pelos objetos, ou brutalmente rejeitados de forma que não exista retorno à elaboração de compromisso pelo objeto. A segunda forma de ataque vem das crianças. Isto que caracteriza os cuidados14 é com efeito a violência dos ataques cujo eles são objetos por parte das crianças. Repreendendo certas ideias de René Roussillon, nós podemos distinguir, dentro dos cuidados, três sortes de situações: - As situações ‘’clássicas’’, nas quais o sujeito pode elaborar um mínimo de conflituosidade intrapsíquica. - As situações ‘’limites’’, nas quais o sujeito é submetido a interações paradoxais, e o próprio submete em seguida seu terapeuta a uma transferência paradoxal, descrita por D. Anzieu. - As situações ‘’extremas’’, nas quais a desesperança já está instaurada, e o sujeito desenvolve “estratégias da desesperança”, segundo d’A Green (1990). A lógica do prazer não segue mais o princípio dominante. No seu lugar, instala-se uma economia de sobrevivência. Quanto aos cuidados, nesse mesmo temos: 1) A impotência, a desesperança. Nós podemos remarcar que as crianças não poderão mostrar a intensidade de sua desesperança, e a um momento de acabar com as esperanças do terapeuta, é quando o quadro de sua existência torna-se coerente. 2) A raiva de ver todos os seus esforços de conexão colocados em cheque, por vezes por eventos mínimos e caóticos. 14 A palavra ‘’soins’’ possui múltiplos significados. Neste caso, nos pareceu mais apropriado e lógico adotar ‘’cuidado’’. 3) A vergonha: Vergonha da criança quando constata sua incapacidade de se representar. Vergonha de ser incapaz de sentir culpa e demonstrar suas emoções com intensidade. 4) Uma extrema violência direcionada aos cuidadores. A este propósito é possível elencar a hipótese em certas situações, de certos parentes que anseiam destruir ou minar experiências construtivas e marcantes positivamente para as crianças. Neste momento é preciso evocar a confusão que reina ao redor da palavra “soin”15. Nós poderemos sempre cuidar ou ao menos reduzir o sofrimento de uma criança, de uma família, qualquer que seja sua patologia, a fim de tomar para si as questões preocupantes e dar atenção etc. O tratamento é direcionado a três objetivos que nos debruçaremos agora, à diferença de que se produzia antes da colocação em prática destas separações. 1) Evitar que estas crianças não se debilitem, e lhes permita a aprendizagem como ler, escrever e calcular. 2) Fazer com que sejam capazes de viver em grupo, isto que é tão importante para as capacidades ulteriores de trabalho em um grupo social. 3) Dar a estas crianças a capacidade mínima de afeição ‘’sã’’ com os outros, isto consiste em não destruir pessoas amadas e não se deixar destruir por elas.Este é o objeto mais difícil de ser obtido. A ideologia da ligação16 não repousa em um conceito teórico solido e também não encontra respaldo clinico, e sua superação seria colocar o sujeito no centro de sua existência. Nos podemos nos relembrar o que acontece com um bebe, em seu estado de vulnerabilidade e indiferenciação de dentro-para-fora, é mais a capacidade do bebe de adaptar-se ao ambiente do que adaptar-se a sua capacidade original biológica. 15 Como havia anteriormente mencionado, há um certo ruído quanto a definição dessa palavra. 16 No texto, a Ideologia da ligação trata-se de uma teoria pessoal do autor quanto aos interventores das crianças após o caso traumático. Nessa teoria, a necessidade de uma conexão entre parentes e crianças aparece como algo intocável e absoluto. Assim, essa teoria materializa-se toda vez que um interventor dialoga em prol da reconexão, mas não da separação dos laços momentaneamente. O autor rechaça este tipo de conduta. Em vias de conclusão: Nenhum sujeito pode funcionar de maneira harmoniosa psicologicamente se não for possível fabricar uma teoria concernente a origem insuficiente do desejo de criação familiar. Aqui, revela-se como impossível esse tipo de desfecho. A criança assistiu, principalmente, a cenas de violência ou sexuais e provavelmente jamais sentiu um desejo não-ilusório puro com caminhos concretos para se realizar. Corre-se o risco da criança viver no mundo da fantasia e jamais encarar a realidade, ao dar prosseguimento a fabricação de parentes para evitar a agonia do cotidiano. Enfim, adicionamos que a “a família é uma unidade simbólica” (J.M.Botta). O que nos faz ser “filhos de” ou “irmãos de”, é a possibilidade de assinarmos um contrato narcisista (P. Castoriadis) de família. Quer dizer, um movimento de identificação reciproco no qual cada membro da família se reconhece como semelhante ao outro sob certos aspectos fundamentais. De uma maneira sintética, podemos dizer que a ideologia da ligação é tomada pelo inverso do problema da ligação: pensar que uma criança deve viver sob qualquer circunstância próxima de seus parentes, é não realizar que o único meio útil para a psiquê é um meio de ligação em pensamento, que dizer que a representação que temos do outro e de experiencias vividas com o outro, não passam necessariamente por uma proximidade corporal.17 Finalmente, existe uma ultima forma de ataque particular que guardamos para o final. Eu gostaria de falar da indiferença de numerosos colegas psicanalistas a este tipo de caso. No meu ponto de vista, eles não podem ser organizados se não por pessoas formadas em psicanalise, o que é imprescindível para fornecer a argumentação clinica precisa que pode contrabalancear a ideologia da ligação ambiente. Pouquíssimos psicanalistas aceitam psicoterapias alternativas quando esta pode gerar imprevistos levando o terapeuta a perder o controle da situação ou arriscar-se. Como indica Stoleru, o paradoxo é que os psicanalistas aceitam consagrar depois de muito tempo atitudes antes não aceitas, quando os casos já são muito menos graves. A verdade é que qualquer que seja o resultado, existe uma espécie de segregação psicanalítica. Assim, por tempo 17 Na sequencia o autor retoma alguns vícios e fragilidade do que ele chama de ideologie du lien (ideologia da ligação, laço ou vinculo de proximidade) indeterminado continuaremos a ver erros psíquicos serem prolongados, e o destino tratará de corrigi-los.
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