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Teologia das Religiões Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Elton de Oliveira Nunes Revisão Textual: Prof.a Me. Sandra Regina F. Moreira Delineamento da Teologia das Religiões (TR) dentro da Ciência Teológica Acadêmica • Introdução; • Capítulo 01 – A Definição e o Lugar da TR; • Capítulo 02 – Síntese Histórica; • Capítulo 03 – Objetivos e Propostas da TR. · Apresentar um panorama sobre a TR e seu lugar dentro da ciência teológica. OBJETIVO DE APRENDIZADO Delineamento da Teologia das Religiões (TR) dentro da Ciência Teológica Acadêmica Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas. Entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Delineamento da Teologia das Religiões (TR) dentro da Ciência Teológica Acadêmica Introdução A Teologia das Religiões é uma das mais fecundas áreas de pesquisa e produção teológica. Seus objetivos visam à busca da paz mundial. No início do século XXI temos razões para nos preocupar com esse tema. A paz mundial é urgente e necessária. O século XX foi taxado como o século das guerras e no início do século XXI temos cerca de setenta guerras ocorrendo pelo globo. Fome, miséria, sofrimento, doenças e a pior crise de deslocamento de pessoas que o mundo moderno já presenciou. A Teologia das Religiões tem a ambição de poder contribuir para o fim das guerras e instaurar uma era de diálogo cooperativo entre os povos. Conhecer a Teologia das Religiões é, pois, imprescindível ao estudante de teologia. Capítulo 01 – A Definição e o Lugar da TR Uma das áreas de estudo dentro da Ciência Teológica que traz uma série de de- safios para a Teologia como um todo é a chamada Teologia das Religiões, também conhecida como Teologia do Pluralismo ou Pluralismo Religioso. A TR (Teologia das Religiões) é a mais nova área de pesquisa que se destacou apenas no século XX, mas sua história remonta ao século XVII. Os historiadores e teólogos apontam o Iluminismo e o crescimento do Deísmo como a base que alçou a TR a lume. Filosoficamente, o Liberalismo é apontado como uma das bases que acabaram por estabelecer os meios para o nascimento da TR. Podemos definir o Liberalismo Teológico como uma forma de normatização do conceito de autoridade. A autoridade, no Liberalismo, não parte da Tradição, mas da crítica da ciência à história, à cultura e à religião. Alguns apontam o século dezessete, a partir do pensamento de René Descartes, como o ponto de partida do Liberalismo Teológico. Ao longo do tempo, o Libera- lismo Teológico identificou-se com o Racionalismo e o Iluminismo. Entre os expo- entes desse longo período, estão nomes como Baruch Spinoza, Gottfried Wilhelm Leibniz, Gotthold Ephraim Lessing, John Locke, Jean-Jacques Rousseau, Immanuel Kant, Friedrich Schleiermacher, Albrecht Ritschl, Adolf von Harnack, entre outros. Outro movimento importante e que contribuiu para o Liberalismo Teológico é o movimento que ficou conhecido no século dezessete como Deísmo. Entre os expoentes, destacam-se John Toland, Matthew Tindal, Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, Thomas Paine, entre outros. O Deísmo foi um movimento filosófico e teológico que se coadunava com a visão mecanicista do universo. A divindade é uma hipótese de origem do universo como hipótese racional e não revelatória. Assim, não há um Deus pessoal como 8 9 expressa a tradição judaico-cristão, mas uma divindade – hipótese filosófica dentro de uma revisão da filosofia grega, como o primeiro motor de Aristóteles. Outro movimento na esteira da formação e desenvolvimento do Liberalismo, e apontado por muitos, é o Iluminismo dos séculos XVII e XVIII. O Iluminismo foi um movimento cultural, social e religioso que se desenvolveu na Europa entre a Revolu- ção Inglesa e a Revolução Francesa. Os grandes expoentes desse movimento foram Immanuel Kant, Jean D’Alembert, Denis Diderot, François-Marie Arouet, Voltaire, Christian Wolff, Leibniz, Hermann Reimarus, Moses Mendelssohn, entre outros. Os influxos do Iluminismo para a Teologia foram principalmente na área da An- tropologia. O ser humano, segundo o Iluminismo, alcançou a maturidade racional libertando-se da tutela de autoridades externas, como a Bíblia. O Iluminismo era justamente a maturidade do ser humano através do uso da razão contra o obscu- rantismo da História, da Tradição e da Religião. O terceiro movimento relevante para o entendimento do Liberalismo Teológico é o Modernismo. O Modernismo nasce no século dezenove. O grande expoente nesse período é Immanuel Kant. Para ele, o Cristianismo trazia a ética absoluta, o que se coadunava com a razão, mas não era a religião verdadeira, pois se baseava em uma pessoa, Jesus Cristo. Assim, a religião nada mais é que um código de princípios éticos naturais, dedu- zíveis pela razão. Ela não é baseada em uma revelação particular ou histórica, mas na própria natureza da vida humana. Com isso, podemos identificar uma série de movimentos que acabaram por desenvolver o Liberalismo Teológico. Para uma visão de conjunto, apresentamos: Liberalismo Deismo Iluminismo Modernismo Figura 1 – Referente aos Movimentos Impulsionadores do Liberalismo Teológico Fonte: Adaptado de BETTENSON, Henry, 2017 Podemos dizer, então, que há um liame histórico, filosófico e teológico que liga o Pluralismo a movimentos importantes ocorridos dentro da Modernidade e que possibilita o nascimento do Pluralismo Religioso com a Teologia das Religiões. Junto com outras pesquisas que foram alcançando status de área da Teologia no século XX, a TR vem apresentando pontos da discussão que desafiam a Teologia Clássica, principalmente a Teologia Cristã em suas diversas ramificações. Não apenas a Teologia Católica, mas a Teologia Protestante, a Teologia Pentecostal e a Teologia Neopentecostal são desafiadas a repensar suas bases. 9 UNIDADE Delineamento da Teologia das Religiões (TR) dentro da Ciência Teológica Acadêmica Assim, para recordar e tentar entender a TR, apresentamos seu posicionamento dentro da estrutura da Ciência Teológica. A Teologia Acadêmica Cristã pode ser dividida em áreas de estudo e disciplinas. Dessa forma, temos as diversas áreas da Teologia dispostas como: a Teologia propriamente dita, ligada ao Texto Sagrado (no caso, a Bíblia) em que derivam cincograndes áreas de estudo: a Teologia Textual (Bíblica), a Teologia Sistemática, a Teologia Histórica, a Teologia Prática e a Teolo- gia Pública. Essas Teologias orbitam o Texto Sagrado na sua análise, na sua prática e vivência. Porém, essas não são as únicas áreas da Ciência Teológica. Existe uma área especulativa que busca responder a uma série de questões derivadas de situações filosóficas, políticas e sociais que aprofundam o conhecimento teológico. Assim, temos diversas áreas de pesquisa dentro da Ciência Teológica que surgiram ao longo do tempo para dar conta das demandas do próprio indagar teológico. Podemos elencar algumas: • A Teologia Dialética; • A Teologia Liberal; • A Teologia Negra; • A Teologia Feminista; • A Teologia Política; • A Teologia Existencial; • A Teologia da Secularização; • A Teologia da Cultura; • A Teologia da História; • A Teologia da Libertação; • A Teologia Ecumênica; • A Teologia das Religiões. Essas áreas de pesquisa teológica surgem no século XX, fruto da crise social e política do planeta e dos grandes desafios perante a própria Teologia em dar respostas a esses desafios. Para uma visão sistemática, podemos apresentar o seguinte quadro: Área I Teologia Área II Textual Sistemática Prática Histórica Pública Teologias, Filosó�cas, Políticas e Sociais Figura 2 – Referente à Ciência Teológica Fonte: Adaptado de GIBELLINI, Rosino, 2005 Portanto, no estudo da Teologia Cristã Acadêmica, cabe-nos conhecer essa importante área de pesquisa teológica e ter uma visão panorâmica sobre os temas que a TR nos apresenta. 10 11 Capítulo 02 – Síntese Histórica A Teologia das Religiões é de elaboração recente. Alguns apontam que seu desenvolvimento se deu no século XIX quando dos esforços missionários dos pro- testantes na Ásia, África e América Latina. Nessa ocasião, a Teologia Liberal abriu oportunidades para o diálogo inter-religioso e trocas de experiências que suscita- ram a construção de uma Teologia Ecumênica. É em Paul Tillich que teremos uma abertura teológica significativa com um texto que, publicado postumamente, já abria alguns pontos que seriam desenvolvidos décadas mais tarde. O texto: “O significado da história das religiões para um teólogo sistemático”, publicado em 1966, no livro: The future of religions, tor- nou-se paradigmático no assunto. Já no Campo Católico, podemos anotar o Concílio Vaticano II como evento que irá impulsionar a construção de uma Teologia das Religiões. No período do Concílio, entre 1962 e 1965, no próprio processo do Concílio, construiu-se uma ética do diálogo inter-religioso. Da vasta produção documental produzida pelo Concílio sobre o tema, uma em especial, a “Declaração sobre a Liberdade Religiosa”, foi percebida como das mais paradigmáticas e que mais contribuiu para uma mudança de visão institucional e teológica a respeito das outras tradições religiosas. Com o Concílio Vaticano II, houve uma reviravolta na Soteriologia e na Missio- logia Cristã, indagada sobre o plano de Deus expresso nas Escrituras para a huma- nidade. O que significa “salvação” para a divindade? Desse modo, um novo capítulo se abriu na Teologia com profundas provoca- ções para as disciplinas como Cristologia, Eclesiologia, Teologia da Missão, entre outras. Porém, como afirmamos há pouco, esse foi um processo de construção que passou por diversas etapas. Do processo de reconhecimento das religiões até a construção de uma Teologia das Religiões (ou Teologia do Pluralismo Religioso, como alguns preferem), decor- reu-se um extenso caminho. Para se entender esse processo, devemos retroceder para a década de 1970, período em que se cunhou o termo Pluralismo, tornando-se a circular no Campo Científico das Ciências Sociais a partir das discussões sobre epistemologia. Desse período em diante, a expressão: “Pluralismo metodológico” passa a ser utilizada para fazer frente às situações relacionadas às teorias epistemológicas e paradigmas que competem pela primazia em uma determinada ciência. Os defensores do pluralismo metodológico rejeitavam a exclusividade de uma única metodologia e defendiam a utilização de vários métodos de análise. Dessa forma, o pluralismo metodológico abriu caminho para a Fenomenologia, o Estru- turalismo, os Neomarxismos e o relativismo filosófico como fontes metodológicas de análise. 11 UNIDADE Delineamento da Teologia das Religiões (TR) dentro da Ciência Teológica Acadêmica Para muitos teóricos, o Pluralismo constituiu uma das características da Moder- nidade, outros associaram-no à secularização. Enquanto algo que se constitui uma parte da Modernidade, o Pluralismo está relacionado com a heterogeneidade da sociedade e com temas como o etnocentrismo. Etnocentrismo é um conceito da Antropologia definido como a visão demonstrada por alguém que considera o seu grupo étnico ou cultura o centro de tudo, portanto, num plano mais importante que as outras culturas e sociedades. Ex pl or Fonte: https://goo.gl/GJbfL5 O fato é que na segunda metade do século XX, as sociedades ocidentais tornaram-se cultural, religiosa e etnicamente ainda mais diferenciadas. Em parte, devido às massivas ondas migratórias pós II Guerra Mundial. Assim, os problemas econômicos, sociais e políticos, além de situações como a fome, a miséria, o desemprego, a violência, dentre outros, são apresentados como justificadores desse processo de deslocamento urbano e rural. Já na área dos estudos de religião, o Pluralismo foi desenvolvido pela Sociologia da Religião que definia o Pluralismo religioso como um processo de privatização da religião. Assim, a privatização e a diversidade religiosa conduzem à “religião civil” ou a uma “comunidade moral”. Para outros teóricos, como Peter Berger, o Pluralismo implica numa relativização das visões de mundo e na precarização das estruturas religiosas. Na área da Teologia, apontam o conceito de globalização como fundamental para entender a gênese da Teologia das Religiões. A categoria globalização, enten- dida na Teologia como categoria complexa, é utilizada para descrever o mundo atual. Esse conceito tem uma vasta produção acadêmica. Globalização, enquanto con- ceito, é amplo, plural e de diversos matizes. Na área de Antropologia, há uma grande resistência quanto à aplicação do conceito como evento histórico. Muitos utilizam palavras como: “mundialização”, “internacionalização”, “glo- balidade” e “globalismo” como sinônimo ou características da categoria globa- lização. Dessa forma, a crítica é que o conceito acaba por ser demasiado elástico para comportar eventos complexos. Na França, prefere-se a expressão “mundialização” e em determinados países de língua inglesa, incluindo a Alemanha, na academia local utiliza-se “globalização”. Entre os teólogos, preferencialmente entre os teólogos da libertação, utiliza- -se globalização como sinônimo de mundialização. A dúvida de alguns é se os conceitos são idênticos. Importante é entender o que se define como globalização. Dessa forma, esta- belecem que esse conceito destaque um processo de aumento das relações e fluxos que se estabelecem entre os mais diversos povos e regiões do planeta. 12 13 Assim, todos os campos do relacionamento acabam por interagir na vida dos grupamentos humanos, sejam os campos econômico, político, cultural e religioso. Outro ponto importante é o caráter ambíguo do conceito. Se tomarmos o conceito mundialização como globalização, podemos admitir que esse fenômeno seja parte da história humana e civilizacional, e, no Ocidente, esse fenômeno é marcado pelas tradições greco-romanas e judaico-cristãs. A história da Europa e a história do Cristianismo demonstram uma ação de expansão e de mundialização. O Cristianismo estatal no seu DNA missionário sempre esteve à frente de ações de expansão a fim de alcançar o mundo todo. Dessa forma, a mundialização compreende fenômenos tanto de internacio- nalização, quanto de globalização. O que é característico é que o conceitode globalização, como fenômeno histórico, deve levar em conta os processos mer- cantis que se desenvolveram até o advento do Capitalismo. Ou seja, a globalização, a partir do século XX, confunde-se com a ação expansiva, e de modo acelerado, do Capitalismo. Ora, o Capitalismo tornou-se um processo irreversível em uma dinâmica mundial, com o incremento do comércio entre os países e a internacionalização dos mercados. Por conta disso, o efeito do Capitalismo na globalização acabou por cunhar uma ideologia expansionista. Assim, alguns propõem que a ideologia do Capitalismo em relação à globalização tenha outro nome: “Globalismo”. O globalismo seria o aspecto expansionista do Mercado Mundial Neoliberal, que visa a submissão da política e de todas as outras instâncias culturais, sociais, civis, ecológicas e religiosas à “lógica do Mercado”. Entre suas características está o sacrificar as identidades antropológicas, culturais e religiosas em um processo contínuo de fragmentação. O globalismo, assim, revela a nova lógica mundial do Livre Mercado e do Capitalismo Hegemônico que é a face mais vil do Neoliberalismo em expansão, transformando tudo e todos em mercadoria. Por outro lado, destacam-se alguns aspectos positivos da globalização como o fenômeno do desvelar de uma nova era em que não mais os seres humanos podem ser vistos e classificados pela sua cor, raça, status social, mas como pertencentes ao planeta e dele participantes. Assim, a globalização seria a consciência que toma consciência de si mesma. A humanidade que se percebe humana, e não mais fragmentada e dividida. Dessa forma, a globalização é vista de forma positivo-negativa. De um lado, há uma resistência ao fenômeno e, por outro, um fascínio que identifica os seres humanos interligados como “filhos do planeta”. Apesar dessa indefinição para expressar esse complexo conceito, a globalização é utilizada como uma ferramenta eficaz para a compreensão da realidade. A partir desse conceito, a Teologia das Religiões anuncia que o Pluralismo Religioso é um fato, e não deve ser negado. Dessa forma, a ideia do Pluralismo é a 13 UNIDADE Delineamento da Teologia das Religiões (TR) dentro da Ciência Teológica Acadêmica ideia do reconhecimento da dignidade das religiões e a busca da verdade em torno do bem comum. Teólogos como Karl Rahner, Hans Küng, Yves Congar e Edward Schillebeeckx buscaram esse contato com as outras religiões. A partir do conceito de globalização, a Teologia das Religiões produziu pro- postas para o encontro dos diferentes, em um senso de fraternidade universal no entendimento de uma “cidadania planetária”. A realidade complexa de um mundo que se reconhece, fala e ouve tudo e todos ao mesmo instante, amplia os desafios, mas também amplia os horizontes de esperança. Por outro lado, os problemas desse fenômeno convertem-se em desafios mor- tais para o próprio planeta que está em constante perigo pela mercantilização da própria vida. O imperialismo do sistema econômico é gerador de miséria para a maioria da humanidade. A luta pela conquista do poder econômico e político não traz paz ao planeta, muito pelo contrário. Ela produz intolerância, violência, fome, miséria, guerras e morte. Cresce a urgência de uma transformação dos horizontes de compreensão para que a convivência seja possível e promotora de diálogo, paz e justiça. A globalização, em sua perspectiva política e ideológica, revela uma intencio- nalidade de concentração das riquezas e a devastação dos bens naturais. Dessa forma, o outro é o “objeto” a ser comprado, vendido, negociado, seja de forma simbólica, física, ou mesmo espiritual. O processo concentrador da globali- zação econômica é antissocial e vitimatório. Assim, transparece o caráter contraditório da globalização. A Teologia das Re- ligiões, em consonância com outros movimentos teológicos, apresenta-se como uma teologia do enfrentamento dos grandes problemas mundiais. Além disso, a globalização cultural provocou uma crise ao questionar o “mono- pólio religioso” de muitas tradições, especialmente a cristã. Assim, a insegurança atingiu altos graus dentro das próprias instituições religiosas cristãs, cuja reação foi despertar setores de resistência ocasionada pelo novo, o diferente, o desestabilizador. O que outrora não se questionava como a identidade cristã, sinônimo de de- tentora da única verdade possível, com a pluralidade de religiões a reivindicar o mesmo status de igualdade revelatória trouxe a insegurança e o medo para dentro das instituições religiosas. Assim, revelou-se outro aspecto da globalização, o de fomentador dos fundamentalismos. Um marco histórico que acabou por se tornar também um alerta para a Teologia foi a repercussão mundial do atentado aos EUA em onze de setembro de 2001. O chamado conflito entre Oriente e Ocidente, representados pelo Capitalismo Cristão e o Islã Fundamentalista, tornaram o diálogo entre as religiões um tema ao mesmo tempo urgente e dramático. Deve-se, no entanto, distinguir o que é Pluralismo nas sociedades de tradição cristã e o que é Pluralismo nas outras sociedades não cristãs, especialmente nas sociedades asiáticas. 14 15 Nas sociedades não cristãs, a natureza e a cultura são projetadas num mesmo plano, em um processo de assimilação recíproca. Ou seja, a identidade individual se mescla à identidade do grupo. Não há o interdito entre sagrado e profano. A religião e a ciência abarcam a totalidade da vida da comunidade. Já no Ocidente Europeu construiu-se uma separação entre sagrado e profano, entre ciência e religião, entre racionalidade e fé. Ora, o mesmo se deu na ideia de verdade e mentira. A verdade é uma só, tudo o mais que a contraria é mentira, falsidade, engano. Assim, na exclusividade do Cristianismo, a verdade é a própria religião, única, derradeira. Não pode haver duas verdades, apenas uma. No século XVI, com o advento da Reforma Protestante, os países europeus se dividiram em relação à sua conformidade em relação à religião. Nos países católicos, o Estado se submeteu à religião (Catolicismo), nos países protestantes, as religiões (Protestantes) se submeteram ao Estado. Desenvolveu-se, então, um conceito de tolerância civil, mas não de aceitação plena do outro, visto como “alguém que deve se converter”. A multiplicidade das religiões no Ocidente não trouxe, assim, a aceitação do outro em sua verdade, mas a “tolerância do outro que está perdido em sua mentira”. Essa visão e atitudes são diametralmente opostas no Oriente, que considera a existência de diversas verdades que muitas vezes são contraditórias, mas que expressam uma verdade maior em síntese. Assim, não se trata de combater religiões ou de conversão, mas de conviver com as diversas verdades que se apresentam no tecido da realidade que não é apenas material. Em um primeiro momento, o Ocidente concebeu a ideia de Pluralismo a partir do Cristianismo (Católico ou Protestante) como um encontro com o outro que precisa encontrar a verdade maior contida no Cristianismo. Capítulo 03 – Objetivos e Propostas da TR A TR se apresenta como um grande desafio das Teologias Confessionais e a Teologia Acadêmica. Para tentar compreender a TR em suas propostas, precisamos entender a situação mundial. A utopia proposta da Modernidade, com o advento do Iluminismo, era construir o paraíso na terra. A técnica, a racionalidade, a ciência e o Mercado trariam inevitavelmente o fim das guerras, o fim da fome, das doenças, das crises dos países, e o ser humano al- cançaria a paz mundial e a felicidade, ampliando o potencial humano e extrapolando seus limites. Até a morte seria superável e o ser humano seria imortal. O que ocorreu foi o contrário. O século XX foi o século das guerras. A começar pela Primeira Grande Guerra Mundial, passando pela Segunda Guerra Mundial, o mundo mergulhou em um caos de disputas políticas e ideológicas denominadas, de maneira simplista, como período da “guerra fria”: os países capitalistas e democráticoscontra os países da chamada “cortina de ferro”. 15 UNIDADE Delineamento da Teologia das Religiões (TR) dentro da Ciência Teológica Acadêmica Quer aprofundar o conhecimento sobre o tema? https://goo.gl/PxHJ4X Ex pl or Na divisão do continente africano e depois na divisão dos países árabes, a inserção do Estado de Israel no mundo árabe, a exploração dos recursos naturais e dos recursos fósseis levaram o mundo a um período das trevas. Quando observamos as guerras pelo mundo nesse período vemos a derrocada do projeto iluminista. Para uma visão sintética, apontamos: Tabela 1 – Referente às Guerras do Século XX Evento Data Guerra Civil 1918 – 1922 Evolução Russa de 1917 Guerra Russo-Japonesa 1904 – 1905 Guerra dos Bálcãs 1912 – 1913 Guerra do Contestado 1912 – 1916 Primeira Guerra Mundial 1914 – 1918 Guerra Civil Russa 1918 – 1922 Guerra do Chaco 1932 – 1935 Guerra Civil Espanhola 1936 – 1939 Segunda Guerra Mundial 1939 – 1945 Primeira Guerra da Indochina 1946 – 1954 Guerra Fria 1948 – 1989 Primeira Guerra Caxemira 1948 – 1949 Guerra da Coréia 1950 – 1953 Guerra da Argélia 1954 – 1962 Guerra Colonial Portuguesa 1961 – 1975 Guerra de Independência de Angola 1961 – 1975 Guerra de Independência da Eritréia 1961 – 1991 Guerra da Independência de Moçambique 1964 – 1975 Guerra do Vietnã 1964 – 1973 Guerra Civil na Colômbia 1964 Segunda Guerra Caxemira 1965 Guerra da Independência da Namíbia 1966 – 1988 Guerra dos Seis Dias 1967 Guerra de Bangladesh 1971 Guerra do Yom Kipur 1973 – 1973 Ocupação soviética do Afeganistão 1979 – 1989 Guerra Irã-Iraque 1980 – 1988 Guerra das Malvinas 1982 Primeira Guerra do Líbano 1982 Guerra de Nagorno-Karabakh 1988 – 1994 Guerra do Golfo 1990 – 1991 Primeira Guerra da Chechênia 1994 – 1997 16 17 Evento Data Guerra do Cenepa 1995 Guerra do Kosovo 1996 -1999 Guerra Etíope-Eritrea 1998 – 2000 Guerra de Kargil 1999 Guerra do Kosovo 1999 Segunda Guerra da Chechênia 1999 – 2004 Fonte: AUTOR, 2017. [Baseado em: KEEGAN, Jorge J. Uma história da guerra. São Paulo, CIA DAS LETRAS, 1995; SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Enciclopédia de Guerras e Revoluções do Século XX. São Paulo, CAMPUS, 2000] Ao contemplarmos essas informações, podemos perceber que o planeta está morrendo lenta e gradualmente por conta da ação humana. Nações constroem muros para separar multidões de desesperados e a possibilidade crescente de mais guerras aponta para a ameaça de um novo inverno nuclear. A Organização das Nações Unidas, em 2008, apresentou um comunicado de alerta sobre a crise do clima, a crise dos imigrantes e a crise humanitária. Após uma década, esse alerta não surtiu quase nenhum efeito. Em 20121 cientistas apontavam que uma em cada oito pessoas do mundo estavam sob os efeitos da subnutrição crônica, e que 868 milhões de pessoas sofriam de fome e mais de 2,5 milhões de crianças continuavam a morrer de subnutrição. Mesmo nos países desenvolvidos persistem dezesseis milhões de subnutridos. As mudanças climáticas e o aquecimento global devem piorar essa situação. Alguns projetam que comunidades e populações inteiras serão deslocadas de suas casas e países por causa das secas, das precipitações, das enchentes e da extinção de espécimes da fauna e da flora. Segundo o FAO (Fundo para a Agricultura e Alimentação), a subnutrição atinge um bilhão de pessoas no mundo. Os desnutridos chegam a quatorze por cento da população mundial, um em cada seis habitantes. A fome dizima uma criança com menos de cinco anos de idade a cada minuto no mundo. A fome mata mais pessoas que a AIDS, a malária e a tuberculose, enquanto bilhões de dólares são investidos em armamentos e material bélico. Em 2012, os gastos militares só aumentaram em dez anos. O mercado de armas convencionais, em 2016, chegou a oitenta bilhões de dólares2. Os EUA é um dos maiores vendedores de armas do mundo. O segundo lugar é ocupado pela França, seguido pela Rússia e a China. As vendas mundiais de armas e serviços militares das 100 maiores empresas de armamentos e equipamentos bélicos em 20113 ultrapassaram a casa dos 450 bilhões de dólares. A importação de armas em 2011 foi de 465.770 bilhões de dólares em 2011, contra 411 bilhões de dólares, em 2010. 1 Relatório ‘O estado da insegurança alimentar no mundo’. ONU – 2012. 2 Fonte: http://br.radiovaticana.va. Acesso em 2017. 3 Fonte: Instituto de Investigação da Paz, Estocolmo (SIPRI) – 17/09/2013 17 UNIDADE Delineamento da Teologia das Religiões (TR) dentro da Ciência Teológica Acadêmica O aquecimento global é outra preocupação. No Quinto Relatório de Avaliação (AR5) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC)4, o “Resumo para Formuladores de Políticas” mostra que a temperatura da superfície global deve aumentar 1,5°C no fim do século vinte e um. Em outros cenários, poderá elevar 2°C, superando o limite considerado seguro pelos especialistas. O documento destaca que há mais de 95% de probabilidade de que a ação huma- na causou mais da metade da elevação média da temperatura entre 1951 e 2010. Além disso, advertem que é provável que as temperaturas subam mais de dois graus Celsius em relação à média, chegando a uma variação de até três vírgula sete graus. Diversas outras formas de violência dominam o mundo. Hoje temos em torno de trinta e cinco milhões e oitocentas mil pessoas vivendo em regime de escravidão no mundo5. Esse quadro demonstra a situação de um mundo que agoniza sem esperança. A TR busca a partir de um dos seus expoentes, o teólogo Hans Küng, a paz mundial. Para ele, a começar pelo próprio Cristianismo que abarca uma miríade de igrejas, tendências e grupamentos, deve haver um esforço para a sobrevivência do planeta: “Não haverá sobrevivência sem uma ética mundial. Não haverá paz no mundo sem paz entre as religiões. E sem paz entre as religiões não haverá diálogo entre as religiões.” (KÜNG, 2001, p.07) Desse modo, o mundo só encontrará paz na busca incessante de diálogo, e este dialogo passa pelas religiões. O mundo necessita de paz e a paz é a construção da aproximação do ser humano consigo mesmo, com a própria natureza, com o outro e com a divindade. Assim, o principal objetivo da TR é levar as religiões ao diálogo, e essas às socie- dades onde estão inseridas. Para Hans Küng, é imperativo que as religiões tomem para si o compromisso do diálogo que leva a paz. 4 Fonte: IPCC – 10/10/2013. 5 Cf. Global Slavery Index 2014, relatório da Walk Free Foundation. 18 19 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Pela Estrada da Vida: Prática do Diálogo Inter-Religioso AMALADOSS, Michael. Pela estrada da vida: prática do diálogo inter-religioso. São Paulo, PAULINAS, 1996. Teologia e Novos Paradigmas ANJOS, Márcio Fabri dos. Teologia e novos paradigmas. São Paulo, LOYOLA- -SOTER, 1996. Modernidade, Pluralismo e Crise de Sentido BERGER, Peter. Modernidade, Pluralismo e crise de sentido. Petrópolis, VOZES, 2004. Religião e Diálogo Inter-Religioso BORGES, Anselmo. Religião e Diálogo inter-religioso. Portugal, IMPRENSA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, 2011. De Religiões e de Homens DELUMEAU, Jean. De religiões e de homens. São Paulo, LOYOLA, 2000. 19 UNIDADE Delineamento da Teologia das Religiões (TR) dentro da Ciência Teológica Acadêmica Referências BETTENSON, Henry. Documentos da igreja cristã. São Paulo: ASTE, 1998. CAIRNS, Earle. O cristianismo através dos séculos: uma história da Igreja Cristã. São Paulo: VIDA NOVA, 1995. DUPUIS, Jacques. Rumo a uma teologia cristã do Pluralismo religioso. São Paulo: PAULINAS, 1999. ELWELL, Walter A. (Ed). Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã. III Vols. São Paulo: VIDA NOVA, 1990. GEFFRÉ, Claude. Crer e interpretar. A virada hermenêutica da teologia. 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