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1 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Teologia das Religiões. 
 
 
Rumo a um inclusivismo bíblico. 
 
 
 
 
 
 
 
 
Sílvio Murilo Melo de Azevedo 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2 
 
Sinopse 
 
Esta pesquisa trata da complexa e difícil questão da teologia das religiões, com especial 
atenção à salvação no mundo pós-moderno, o papel salvífico das religiões não Cristãs, e a 
consequente relevância da mensagem cristã no mundo globalizado. Nosso quadro teórico é a 
teologia sistemática e a hermenêutica teológica. Apesar de ser uma obra introdutória 
(oferecendo uma visão panorâmica das principais teorias envolvidas na discussão), ela 
também pretende oferecer soluções para os problemas propostos, seja por fazer delas uma 
crítica baseada na Escritura, seja por desenvolver uma teoria bíblica para substituí-las, naquilo 
que não estão concordes com o texto bíblico. Nossa conclusão é contra o pluralismo e o 
inclusivismo. O pluralismo não é útil prática ou teologicamente falando. Com o objetivo de 
tratar todas as religiões como parceiras no mundo globalizado, ela destrói suas 
particularidades, esvazia seu discurso e experiência religiosa de um significado soteriológico 
factual e com isto nega sua relevância. Contra o inclusivismo institucional, nós usamos 
argumentos históricos tentando levar a Igreja de volta aos termos pré-constantinianos. 
Buscando nos evangelhos e no NT elementos para a construção de uma teologia bíblica das 
religiões, defendendo um tipo de inclusivismo, cujos esforços são para incluir pessoas não 
outras instituições. O objetivo desta investigação é criar uma proposta teórica de teologia das 
religiões biblicamente fundamentada, que mantenha intacta nossa obrigação de pregar, mas 
também o respeito e a consideração pelo outro religioso, não considerando as culturas 
inferiores ou sem valor, nem fazendo da pregação uma forma de calar as outras vozes. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3 
 
Abstract 
 
 
This research deals with the complex matter of Theology of Religions, with special emphasis 
upon the salvation in post-modern world and the non Christian religions’ role in this, as well 
the importance and relevance of Christian message in a pluralistic world. Our frameworks are 
systematic theology and hermeneutic theology. Despite of being an introductory work 
(offering a survey of more important theories and methodological concepts), it intend to offer 
solution for many of the problems discussed, either for doing a biblical critic of the shown 
theories or developing a biblical theory to replace those found not fitting. Our conclusion is 
against pluralism and inclusivism in defense of biblical inclusivism. Pluralism is not useful, 
practical or theologically speaking, for in order to treat all religions as equal partners in global 
world, it dismiss all theirs idiosyncrasies, empts their addressing and experience of factual 
meaning and denies their relevance. Against institutional inclusivism, we argue with historical 
arguments trying to carry up the Church back into pre-constantinian terms, searching in the 
gospels and NT elements for building a biblical theology or religions, defending a kind or 
inclusivism which efforts to include people not institutions. The aim of this investigation is a 
proposal of a theory for theology of religions biblically grounded, which keep our preaching 
obligation, as well the respect and consideration for the religious other, not considering its 
culture inferior or valueless, nor making preaching a form of intolerance against other 
religious institutions. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 
 
 
Sumário 
 
1. Introdução. A odisseia pós-moderna no oceano religioso..………………………………………………..7 
1.a. Entre Cylla e Caribde...........................................................................................................8 
 1.a.1. A demanda empírica..........................................................................................10 
 1.a.1.a. Secularismo..........................................................................................11 
 1.a.1.b. Pós-modernidade................................................................................18 
 1.a.1.c. Globalização.........................................................................................25 
 1.a.1.d. Mundialização do Cristianismo............................................................28 
 1.a.1.e. O testemunho da história....................................................................33 
 1.a.2. A demanda escriturística....................................................................................35 
 1.a.2.a. Hermenêutica Teológica......................................................................37 
 1.a.2.a.1. Fenomenologia da religião....................................................38 
 1.a.2.a.2. Hermenêutica Pós-moderna.................................................42 
 1.a.2.a.3. Hermenêutica normativa......................................................45 
1.b. Status questionis da Teologia das Religiões......................................................................46 
 1.b.1. Introdução..........................................................................................................46 
 1.b.2. Algumas taxonomias classificatórias..................................................................56 
2. Capítulo II. Exclusivismo.......................................................................................................64 
2.a. Introdução.........................................................................................................................64 
2.b. Igreja Pré-constantiniana..................................................................................................66 
 2.b.1. Evangelhos: textos polêmicos............................................................................67 
 2.b.2. O contexto religioso neotestamentário.............................................................69 
2.c. Exclusivismo Católico Romano..........................................................................................79 
2.d. Exclusivismo Protestante..................................................................................................81 
 2.d.1. Karl Barth............................................................................................................83 
 2.d.2. Emil Brunner.......................................................................................................88 
2.e. Exclusivismos de Organizações Ecumênicas, Evangélicos, Independentes e 
Pentecostais.............................................................................................................................91 
 2.e.1. Organizações Ecumênicas..................................................................................91 
 2.e.2. Evangélicos…………………………………………………………………………………………………….97 
 2.e.2.a. Robert Sproul e Ronald Nash...............................................................99 
 2.e.2.b. Gabriel Frackre..................................................................................103 
 2.e.2.c. John R. W. Stott e J. E. Sanders..........................................................104 
 2.e.3. Independentes.................................................................................................108 
 2.e.3.a. Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias...........................109 
 2.e.3.b. Igreja Adventista do Sétimo Dia........................................................110 
 2.e.4. Pentecostais.....................................................................................................111 
 2.e.4.a. Veli-Matti Kärkkäinen........................................................................112 
2.f. Conclusão.........................................................................................................................1143. Capítulo III. Inclusivismo....................................................................................................115 
3.a. Introdução.......................................................................................................................115 
3.b. Inclusivismo Evangélico-Pentecostal..............................................................................118 
 3.b.1. Clark Pinnock....................................................................................................119 
 3.b.2. Amos Yong........................................................................................................124 
5 
 
3.c. Inclusivismo Católico Romano.........................................................................................130 
 3.c.1. Karl Rahner.......................................................................................................133 
 3.c.2. Jacques Dupuis.................................................................................................136 
 3.c.3. Edward Schillebeckx.........................................................................................140 
3.d. Conclusão........................................................................................................................144 
4. Capítulo IV. Pluralismo.......................................................................................................145 
4.a.Introdução........................................................................................................................145 
4.b. Pluralismo Particularista.................................................................................................146 
 4.b.1. Jüngen Moltmann............................................................................................149 
4.c. Pluralismo Sintético…………………………………………………………………………………………………….154 
 4.c.1. John Hick………………………………………………………………………………………………………162 
 4.c.2. Paul Knitter…………………………………………………………………………………………………..170 
 4.c.3. Claude Geffré……………………………………………………………………………………………….175 
 4.c.4. Raimon Panikkar…………………………………………………………………………………………..179 
 4.c.5. Michel Amaladoss…………………………………………………………………………………………187 
 4.c.6. Hans Küng…………………………………………………………………………………………………….190 
 4.c.7. Stanley Samartha………………………………………………………………………………………….194 
4.d. Conclusão…………………………………………………………………………………………………………………..196 
5. Capítulo V. O “reino de Deus” e a Teologia das Religiões..................................................201 
5.a. Introdução.......................................................................................................................201 
5.b. Escatologia da época de Jesus........................................................................................204 
 5.b.1. Essênios............................................................................................................212 
 5.b.2. Profetas de sinais.............................................................................................214 
 5.b.3. Profetas da destruição.....................................................................................214 
 5.b.4. Fariseus............................................................................................................216 
 5.b.5. Zelotes..............................................................................................................222 
5.c. A escatologia de Jesus.....................................................................................................224 
 5.c.1. O conceito de santificação de Jesus.................................................................226 
 5.c.2. A taumaturgia de Jesus.....................................................................................236 
5.d. Jesus e os Gentios...........................................................................................................242 
 5.d.1. A mesa aberta e o banquete escatológico.......................................................246 
 5.d.2. A purificação do templo...................................................................................250 
 5.d.3. O julgamento ético-práxico..............................................................................252 
 5.d.4. Abba.................................................................................................................254 
5.e. Os Gentios e o programa missiológico de Jesus na redação das Fontes.........................256 
 5.e.1. Marcos..............................................................................................................256 
 5.e.2. Mateus.............................................................................................................260 
 5.e.3. Lucas-Atos........................................................................................................265 
 5.e.4. João..................................................................................................................267 
5.f. Outras convergências neotestamentárias.......................................................................273 
 5.f.1. Paulo.................................................................................................................273 
5.g. Conclusão........................................................................................................................277 
6. Capítulo VI. Conclusão Final...............................................................................................281 
7. Referências.........................................................................................................................291 
6 
 
Abreviaturas 
 
AR Approaching religion 
Ag. Ap. Against Apion 
Ant. Antiguidades Judaicas 
ATh Acta theologica 
BR Bible Review 
BEThS Bulletin of the Evangelical Theological Society 
BThT Biblical Theology Bulletin 
CBR Currents Biblical Research 
CR Cerpit Review 
Ciberteologia Revista de Teologia e Cultura 
Concilium International Journal of Theology 
CTP Cadernos de Teologia Pública 
EA Estudio Agustiniano 
EAPR East Asian Pastoral Review 
EF Educação e Filosofia 
EMQ Evangelical Missions Quarterly 
ER Ecumenical Review 
Études 
Guerra Guerra dos Judeus 
Horizons 
HTR Harvard Theological Review 
HTS Hervormde Teologiese Studies 
IR An International Review 
IRM International Review of Mission 
JES Journal of Ecumenical Studies 
JETS Journal of the Evangelical Theological Society 
Jeevadhara 
JHCS Journal of Hindu-Christian Studies 
JTR Journal of Theological Reflection 
L&S Letter & Spirit 
LS Louvain Studies 
Micromega 
Missiology An International Review 
NIB New Interpreters Bible 
NRT Nouvelle Revue Théologique 
Numen Revista de Estudos e Pesquisa da Religião 
PI Promotio Iustitiae 
Ribla Revista de interpretação bíblica latino-americana 
RTL Revue Theologique de Louvain 
RHPR Revue du Histoire et Philosophie Religieuse 
RP Raisons Politiques 
RS Religião e Sociedade 
ReS Religious Studies 
Spiritus 
SM Studia Missionalia 
ST Selecciones de Teología 
ST Scripta Theologica. 
Teocomunicação 
ThT Theology Today 
TC Teología y Cultura 
TD Theology Digest 
TJ Trinity Journal 
TS Theological Studies 
TTJ Torch Trinity Journal 
TV Teologíay Vida 
VE Verbum et Ecclesia 
Voices 
WFI World Faiths Insights 
 
As abreviaturas da Bíblia seguem as da versão Revista e Atualizada de João Ferreira de Almeida. 
 
 
7 
 
INTRODUÇÃO 
 
1. A odisseia Pós-moderna no oceano religioso 
1. a. Entre Cylla e Caribde 
Como lembra Paul Ricoeur, o Cristianismo nasceu sob o signo da hermenêutica1. 
Primeiramente, porque vem ao mundo como interpretação do Antigo Testamento à luz do 
advento de Jesus Cristo e de sua pregação – sem esquecer que o próprio AT também vem à 
existência como esforço de entender a ação de Deus em Israel; depois, porque esta mesma 
interpretação canônica agora dirige um convite aos ouvintes de outros tempos que também 
interpretem sua existência à luz do texto. Portanto, temos aí uma cadeia de interpelações 
cíclicas em que Deus se manifesta aos homens, chamando-os a conhecê-lo e à sua salvação, e, 
por outro lado, cada nova geração também interroga a Palavra em busca da compreensão. Isto 
ocorre porque nem o texto que questiona os homens nem estes que são questionados são 
entidades genéricas. A Palavra de Deus foi registrada e transmitida por homens santos de 
certo lugar e tempo e não primariamente destinada a seus ouvintes atuais. Cada leitor que não 
pertence a este círculo hermenêutico original é convidado a empreender novamente o vórtice 
hermenêutico, infelizmente, descendente, num processo dialético, como entendido por Sto. 
Agostinho: (crê para compreender e compreende para crer) crede ut intelligas et intellige ut 
credas. 
Em suma, cada novo tempo faz novas perguntas ao texto bíblico, para que, pelas 
inesgotáveis riquezas da revelação divina, possam ser respondidas, e é esta traducibilidade, ou 
seja, esta capacidade de falar a todos os homens, independendo de tempos e lugar (de suas 
condições históricas, sociais, econômicas e geográficas), que possibilitou ao Cristianismo 
tornar-se a religião de maior expansão mundial. 
 
1
 Paul Ricoeur. Le conflit des interprétations. Essais d’Hermeneutique (Paris, Éditions du Seuil, 1969), p. 372. 
8 
 
Entretanto, uma conclusão tão pronta e evidente esconde perigos. Por exemplo, em que 
medida deve-se fazer depender a mensagem bíblica da capacidade ou incapacidade de seus 
leitores de interpretá-la? A traducibilidade da Escritura não pode ser entendida em termos 
meramente humanos. A incapacidade pode resultar da contumácia e rebeldia dos ouvintes 
(por causa de sua condição caída e parcialmente destituída da imago Dei) e não da falta de 
habilidade contextualizadora dos pregadores. Também pode ser agravada pela rigidez de 
instituições seculares e religiosas e de contextos histórico-sociais desfavoráveis a certas 
verdades. Ou seja, os questionamentos humanos à Palavra de Deus não devem ser 
considerados todos legítimos. Cada nova questão imposta pelos tempos à Palavra deve ser 
examinada pela hermenêutica teológica, para que os homens e as culturas também possam ser 
postos em questão por ela. 
Dentre as novas questões que os tempos nos trazem, queremos destacar em especial 
uma referida ao âmago mesmo do Cristianismo, porque lida com sua identidade e seu legado 
num contexto onde tais coisas têm sua importância limitada ao âmbito afetual: o mundo pós-
moderno. Nesta sociedade de relativismos tão onipresentes cabe perguntar: o Cristianismo 
ainda possui uma mensagem sui generis a dar ao mundo, ou, pelo contrário, sua mensagem 
religiosa é uma entre outras? Mantida a singularidade, impõe-se nova indagação: como pode o 
evangelho relacionar-se com os ensinos das demais religiões sem ofendê-las e sem ofender 
aqueles que, ainda acreditando-se cristãos, creem que o multiculturalismo e o pan-
ecumenismo são valores? 
Com justa razão diz-se que o problema hermenêutico atual é um “impasse de área”2, 
dado o número extraordinário de teorias antagônicas que se apresentam para resolver o 
proposto problema. Alguns pensam que a mensagem cristã deve adotar um tom mais ameno e 
conciliador, o que significa, por exemplo, considerar legítimos os esforços salvíficos das 
 
2
 Michel Barnes. Theology and the dialogue of religions (Cambridge: Cambridge University Press, 2002), p. 13. 
9 
 
outras religiões. Outros creem que fazer isto implicaria tornar imperativo o descarte de todas 
as passagens bíblicas que enfatizem a especificidade, a singularidade e exclusividade religiosa 
do Cristianismo, o que não estão dispostos a fazer. 
E aqui o impasse: não podemos fazer uma coisa ou outra, mas tampouco deixar de fazer 
algo. Esta necessidade de contextualização da mensagem cristã nos empurra para uma práxis 
que ainda hoje não conta com suficiente iluminação teórica, ainda que tão necessária. 
Lidamos com duas demandas igualmente importantes que exigem de teólogos, missiólogos e 
evangelistas uma solução salomônica, cujo objetivo é a preservação da vitalidade e da 
validade do Cristianismo. Por vitalidade entende-se a capacidade de falar ao coração dos 
homens de todas as eras; por validade, a habilidade de dizer a mesma coisa aos homens de 
todas as eras, a saber, que todos pecaram e carecem da glória de Deus (Rm. 3: 23). 
Esta não é uma situação inteiramente nova. Sempre que quando mudanças ideológicas 
muito profundas são experimentadas nas sociedades humanas a hermenêutica teológica é 
solicitada. O diferencial é que hoje o cumprimento da missão de pregar o evangelho ao 
mundo globalizado está revestido de tantas dificuldades que a prudência nos recomenda o uso 
da palavra crise. Pois para manter a relevância da mensagem cristã devemos atender a ambas 
as exigências: a contextualização e a preservação, numa medida de conciliação que anda 
longe do consenso. 
A propósito, há os que preferem ver na questão acima um problema sem solução, que é 
bem definido por meio de um oxímoro: ou negamos a essência das Fontes _discurso absoluto 
sobre Deus e sobre a condição humana, e isto o evangelho nos proíbe categoricamente; ou 
abrimos mão da proclamação da mensagem ao mundo, e isto o evangelho nos obriga 
terminantemente. Dito de outra forma: (a) entregamos as Fontes pela rejeição de seu 
exclusivismo essencial, na tentativa de tornar o evangelho relevante para o homem 
10 
 
contemporâneo, então, por este mesmo feito, fazemo-la irrelevante por relativizá-la; ou (b) 
não as entregamos e com isto fazemo-la perder de igual modo a relevância por 
incompatibilizá-la com o entendimento de seu ouvinte contemporâneo. 
Nos relatos homéricos há uma passagem que já serviu de ilustração para muitos 
discursos e que agora cai-nos como luva. Trata-se da difícil travessia de Ulisses, pelo estreito 
de Messina, entre dois rochedos onde viviam duas criaturas monstruosas, cujos nomes eram, 
Cylla e Caribde. O primeiro rochedo escondia um monstro cujo tragar produzia um 
sorvedouro onde desapareciam navios juntamente com suas tripulações; o segundo, ocultava 
uma criatura, de quem só se conheciam os longos braços arrebatadores dos marinheiros 
atarefados em livrar a embarcação de Cylla. 
Este episódio, citado mais de uma vez para ilustrar dilemas difíceis, quando algum tipo 
de consequência funesta é inevitável (cabendo, portanto, fazer a opção menos danosa) serve 
bem para representar a atual situação do Cristianismo, que, por um lado não pode deixar de 
responder à situação na qual está seu ouvinte; por outro, tampouco pode entregar as Fontes. 
Duas exigências, duas demandas, que impelem a fé cristã a se repensar e a se reposicionar 
face ao mundo. (a) Uma exigência empírica: o mundo a que deve dirigir uma mensagem; e (b) 
uma demanda teológica: a necessidade de conservar a validade de suas Fontes, que recém 
completam três milênios e seis séculos de existência e nunca antes tão questionadas. 
1.a.1. A demanda empírica 
O que aqui se chama demanda empírica refere-seà necessidade de a mensagem cristã 
adequar-se a seus ouvintes no transcurso das eras que atravessa e das que ainda atravessará até 
que todos a tenham ouvido. Nenhum período da história tem sido mais pródigo de tantas 
cosmovisões; nenhum, tão repleto de opções ideológicas. Nenhuma delas, entretanto, parece 
11 
 
merecer maior e mais urgente consideração do que o problema da relação do Cristianismo 
com as outras religiões num ambiente globalizado. 
Antes, porém, de seguir nesta direção, faz-se necessário um breve exame de demandas 
de outros tempos, que, somadas a esta, formam a matriz cultural atual. Não caímos no estado 
atual de paraquedas. O que somos hoje é a soma do que vimos sendo há duzentos anos. Do 
ponto de vista histórico-ideológico nossa atual condição é complexa e merece consideração 
cuidadosa. O entendimento dos fenômenos analisados ficaria muito prejudicado não fossem 
considerados também fatores que, se hoje não estão mais na ordem do dia, permanecem 
influenciando o comportamento social. Com efeito, as contradições de nosso tempo são 
produto desta mescla de elementos que não se excluem, mas se completam e se unem para 
tornar mais complexa a nossa missão de entender o que está acontecendo ao mundo ao qual 
devemos uma mensagem. 
1.a.1.a.Secularismo 
A primeira demanda empírica de nosso tempo é o secularismo, processo de 
obsolescência das instituições religiosas ora em curso no Ocidente. Seu fiat perde-se nos 
alvores do século XIX, quando o Iluminismo já se entronizara como ideologia dominante no 
Ocidente. Há uma expressão weberiana que pretende esclarecer em parte o que nos ocorreu: 
“o desencantamento do mundo” (die Entzauberung der Welt), entendido como a 
racionalização das relações sociais e a consequente separação da dominação estatal daquela 
exercida pelas instituições religiosas. Esta racionalização, por sua vez, teria sido resultado de 
uma racionalização da religião cristã provocada pelo aparecimento de um Protestantismo de 
natureza logocêntrica, em que aspectos litúrgicos e cúlticos característicos do Catolicismo 
Romano perdem importância e espaço. Segundo o entendimento de M. Weber os homens 
neste ambiente racionalista e dessacralizado são levados a destituir o discurso religioso de sua 
12 
 
autoridade, substituindo-o pelo discurso de outras instituições societárias mais seculares: as 
instituições políticas, produtivas, acadêmicas e midiáticas. Em outras palavras: 
[Secularização é] um processo pelo qual o abrangente e transcendente sistema 
religioso é reduzido nas sociedades funcionalmente diferenciadas a um subsistema 
ao lado de outros subsistemas, perdendo neste processo sua prerrogativa de incluir 
os outros subsistemas. Como resultado o significado social da religião é 
grandemente diminuído3. 
 
O processo não ocorreu da mesma forma e com a mesma intensidade em todos os 
lugares da Europa. Na França foi motivado por um anticlericalismo herdeiro da Revolução 
Francesa, como expressão do repúdio à aliança do alto clero Católico Romano com a nobreza 
francesa, cujo consórcio produziu o empobrecimento da população. Na Alemanha é resultado 
de uma longa linha de defensores da autonomização e individualização da religião que 
começa por Martinho Lutero, passa por Kant e termina na crítica textual dos séculos XVIII e 
XIX. Na Inglaterra foi produto de uma teologia da prosperidade de que nasceu a Revolução 
Industrial e cujas origens radicam no Calvinismo4. Obviamente, trata-se de ênfases histórico-
sociais e não de exclusividades dos países acima relacionados. 
Peter Berger aduz a partir da perspectiva da sociologia do conhecimento que o principal 
problema da religião cristã é uma “perda de plausibilidade”, explicada da seguinte forma: a 
principal função da religião é a “cosmificação” da realidade, ou seja, a organização do mundo 
humano que inclui tanto o mundo natural como o social. É a constituição de um mundo de 
significados que serve para legitimar a lei e a ordem societária e dar à sociedade e à vida dos 
indivíduos um sentido que ultrapasse o mundo concreto e caótico. Ocorre que em nossos dias 
o aspecto mais importante desta cosmificação não ocorre mais por meio do discurso religioso, 
 
3
 K. Dobbelaere apud Katarzyna Zielinska. “Concepts of religion in debates on secularization” (AR, volume 3, 
no. 1, 2013) , p. 27. 
4 Max Weber. A ética protestante e o “espírito” do Capitalismo (São Paulo: Companhia das Letras, 2007). 
13 
 
mas através da linguagem científica5. Parece que a religião perdeu a capacidade de dar uma 
visão unificadora da realidade. Os mitos científicos têm para o homem contemporâneo mais 
plausibilidade porque parecem satisfatórios na realização desta tarefa. 
Com efeito, a cosmificação religiosa é a modalidade mais antiga e eficaz6 e tem 
acompanhado a humanidade desde os seus primórdios. O Ocidente, porém, a partir do 
Renascimento, o vem abandonando gradativamente. No início foi o monólogo religioso do 
Teocentrismo medieval, depois adotou paralelamente motivos seculares que caracterizaram o 
Antropocentrismo renascentista. A mudança paradigmática ocorre por uma divinização do 
humano e por uma humanização do divino em todas as áreas da vida social: na política, na 
filosofia, na literatura, nas ciências e nas artes. A decadência espiritual da Igreja Católica, a 
opulência material das cidades e o consequente afrouxamento dos estames societários da 
Idade Média, o desenvolvimento das ciências da natureza e a redescoberta dos clássicos 
gregos, contam-se entre os principais fatores que levaram a alta sociedade desta época a uma 
espécie de ateísmo prático. 
P. Berger diferencia o secularismo deles do nosso dizendo que o secularismo 
contemporâneo atingir todas as camadas populacionais do mundo Ocidental e não apenas a 
parte mais educada da sociedade, como é o caso renascentista: 
Provavelmente, pela primeira vez na história, as legitimações religiosas do mundo 
perderam sua plausibilidade não apenas para uns poucos intelectuais e outros 
indivíduos marginais, mas para amplas massas de sociedades inteiras. Isto ocasionou 
uma crise aguda não apenas para a nomização das grandes instituições sociais, mas 
também para a das biografias individuais. Em outras palavras, surgiu um problema 
de ‘significado’ tanto para instituições como o Estado e a economia, quanto para as 
rotinas ordinárias da vida cotidiana. O problema é claro, tem se colocado de modo 
intenso para vários teóricos (filósofos, teólogos, psicólogos, etc.), mas há boas 
razões para se crer que também tem sido bastante agudo para pessoas comuns que 
 
5
 P. Berger. O dossel sagrado. Elementos para uma teoria sociológica da religião (São Paulo: Edições Paulinas, 
1985), p. 40. Cf. Lestor R. Kurtz. Gods in the global village. The world’s religion in sociological perspective 
(Thousand Oaks, CA: Pine Forge Press, 1995). 
6
 Ibid.. 
14 
 
não são dadas a especulações teóricas e apenas procuram resolver as crises de suas 
próprias vidas. 7 
 
Outro sociólogo do conhecimento, também de origem germânica, Niklas Luhmann 
opina que não se trata apenas de a religião ter perdido sua capacidade “nomizante”8, haja vista 
não ser mais a principal agência de construção ideológica da sociedade. Sua conclusão é ainda 
mais pessimista. Na atual fase da história humana o sistema religioso entra em fase terminal, 
havendo perdido sua autonomia em relação aos outros sistemas. O subsistema religioso tende 
daqui em diante a ter seu espaço invadido pelos outros subsistemas (política, arte, ciência, 
medicina, etc.), os quais lhe subtraem gradativamente as atribuições até que nada mais lhe 
reste, senão uma vaga função interpretativa, que melancolicamente se reduz na distinção entre 
o absoluto do relativo9, com quase nenhuma aplicação prática. Luhmann está correto, a visãoholística do mundo provida pela religião perdeu-se e foi substituída pela visão atomizada da 
ciência. A religião já não consegue reunir em seu discurso toda esta realidade fragmentada do 
mundo contemporâneo e, pior, é atacada de todos os lados. 
Mas o Cristianismo não pode assistir sua expulsão da vida do Ocidente de braços 
cruzados. Muitos teólogos procuraram dar uma resposta à nova situação cultural e social. 
Com este mesmo propósito, desde a segunda metade do século XIX, a teologia Protestante 
europeia, principalmente a alemã, já procurava alinhar-se ao projeto iluminista de Kant e 
Hegel, dando nascimento ao que mais tarde ficaria conhecido como Teologia Liberal. O 
resultado, infelizmente, não foi ter tornado a mensagem cristã mais aceitável na Alemanha 
secularizada, antes expandiu o secularismo para dentro das igrejas protestantes. Mais tarde, na 
virada do século XIX para o XX, o fracasso moral e espiritual desta geração de teólogos 
tornou-se patente pelo fato de seus mais ilustres membros terem subscrito um vergonhoso 
 
7
 P. Berger. O dossel sagrado. Elementos para uma teoria sociológica da religião, p. 137. 
8
 Termo originário da sociologia de E. Durkheim cujo radical é nomos, lei, e quer dizer que a principal função da 
sociedade é criar um sentido de ordem e de ética comportamental que biologicamente o ser humano não possui. 
A tese de Berger seguindo a sociologia clássica é a de que a religião é a principal força nomizante da sociedade. 
9
 Roberto Cipriani. Manual de Sociologia da Religião (São Paulo: Paulus, 2007), p. 305. 
15 
 
manifesto de apoio ao belicismo imperialista alemão no alvorecer da Primeira Grande 
Guerra10. 
A partir deste fato ultrajante surge um grupo de teólogos decididos a retomar os 
caminhos da teologia no lugar que os liberais haviam os haviam abandonado: o texto bíblico. 
Os dialéticos (F. Gogarten, E. Thurneysen, R. Bultmann, K. Barth e E. Brunner), cada um a 
seu modo, tentaram responder ao desafio de pregar a Palavra de Deus em um mundo 
secularizado. A princípio, o que os moveu foi uma atitude profética, instilada pelo socialismo 
religioso (Herman Kutter e Christoph Blumhardt). Além disso, houve o influxo da filosofia 
existencialista de S. Kierkegaard e a liderança teológica de Karl Barth. Mais tarde, porém, 
cada um adotou sua medida de conciliação com o Iluminismo e seu próprio caminho 
teológico. 
Uma parte da teologia Católica chamada progressista também tomou para si o mesmo 
encargo. Adotando uma perspectiva menos radical, a intenção era a mesma. Aproximar a 
pregação da Palavra de Deus dos homens do século XX. Promover a tradução de doutrinas 
historicamente sustentadas pelo Catolicismo Romano para uma linguagem supostamente mais 
contextualizada e compreensível ao homem contemporâneo e a seu modo de ver a realidade e 
o mundo. 
Entre os vários teólogos católicos que seguiram esta linha pode-se citar Edward 
Schillebeeckx, teólogo belga de língua flamenga, para quem o ouvinte da Palavra 
contemporâneo estaria sofrendo de “um déficit de experiência”11. Para ele a revelação tem 
duas fontes empíricas, a experiência originária dos escritores dos textos bíblicos e a 
experiência dos leitores modernos. Portanto, para se desvendar o sentido da Escritura deve-se 
 
10
 Rosino Gibelini. A Teologia do século XX (São Paulo: Loyola, 1998), p. 18. 
11 E. Schillebeeckx. Jesús, la historia de un viviente (Madrid: Ediciones Cristianidad, 1981), p. 58. 
16 
 
fazer uma correlação entre estas duas experiências12. Se ela não for feita, como costuma 
acontecer em nossos tempos, isto é indício de uma perda da dimensão hermenêutica do 
Cristianismo: 
A conversa sobre Deus e a salvação em Jesus, é expressa nos termos de uma 
cosmovisão de outros tempos, não fazendo sentido e nem sendo portadora de 
significado para os seres humanos, do ponto de vista intelectual ou prático13. 
 
A seu ver, a teologia esquecera que tanto o AT como NT são interpretações: o primeiro, 
da ação divina na história de Israel; o segundo, interpretação do AT à luz do evento 
escatológico de Cristo14. Para Schillebeeckx, portanto, a mesma busca de compreensão que 
nossos antepassados espirituais empreenderam deve acompanhar as leituras contemporâneas 
do Novo Testamento, ou seja, devemos interpretar a Escritura à luz de nossa própria condição 
de habitantes de um mundo secularizado. 
K. Rahner, um dos arquitetos do concílio Vaticano II, denunciou a teologia católica de 
seu tempo como portadora de uma doença teológica que ele chama de calcificação, 
endurecimento doutrinal (Fixierung). No século XIX a Igreja Católica estava acuada por 
ataques liberais (instilados pelas ideias de J. Locke) contra seus privilégios políticos. Esta 
situação de defensiva promoveu a hegemonia de um movimento ultraconservador na Igreja 
que ficou conhecido pela posteridade como “a era dos Pios”, responsável por várias ações 
autoritárias: o Silabus errorum (lista de livros proibidos pela Igreja por conterem ideias 
liberais), a declaração da infalibilidade do Magistério (ex cathedra), a proibição da 
diversidade teológica e o retorno do Tomismo (Neotomismo) à ordem do dia na filosofia da 
Igreja, etc. 
 
12
 E. Schillebeeckx. Jesus and the Christ (New York: Crossroads, 1981), p. 50. 
13 E. Schillebeeckx apud Marguerite Abdul-Masih. Edward Schillebeeckx and Hans Frei. A conversation on 
method and Christology (Toronto: Canadian Corporations for Studies in Religion, 2001), p. 59. 
14
 Rosino Gibelini. A teologia do século XX, p. 326. 
17 
 
Era uma reação natural a Igreja Romana erguer barreiras teológicas contra o mundo que 
a agredia15 e procurasse proteger seu status quo das investidas de setores da sociedade que 
desejavam diminuir ainda mais sua participação na vida civil, como viria a ocorrer com a 
laicização do Estado. Mas, para Rahner, teria também aumentado o isolamento do 
Catolicismo, fazendo-o perder sua capacidade hermenêutica. O medo do modernismo fizera-o 
parar de pensar, limitando-o à repetição de velhas fórmulas confessionais e conciliares, como 
se isto fosse sua raison d’etre. Deveria apenas tê-las tomado como ponto de partida para 
novas reflexões, conforme os tempos fossem exigindo16. E não sua transformação em 
dogmática morta, fiel à letra, mas desinteressada da realidade humana17. 
Em relação à Schillebeeckx, o projeto hermenêutico de Rahner, kantianamente, dá um 
passo atrás. Seu interesse teórico é a pré-condição do homem como ouvinte da Palavra, ou 
seja, a investigação sobre o que produz nos humanos a disposição para a escuta da Palavra de 
Deus. A preocupação de Rahner é o incondicionado divino e o a priori humano. Esta 
perspectiva antropológica o põe a salvo de cooptações ideológicas que, por exemplo, são 
riscos reais no projeto hermenêutico de E. Schillebeeckx. Rahner também percebe que os 
instrumentos teóricos fornecidos pelos conceitos neotomistas de seus colegas não lhe dariam 
condições de levar a cabo a tarefa e assim decide substituí-los por ferramentas conceituais 
mais adequadas aos novos tempos: Kant, os existencialistas e Heidegger, para assim abordar a 
compreensão por um nível mais profundo. Em suma, em hermenêutica “não se trata apenas de 
saber a fé, mas de compreender a vida”18. 
A oclusão semântica da mensagem cristã que vem aqui deplorada também foi 
preocupação de Hans Küng. A solução proposta, entretanto, é a de um historiador do 
 
15 Dermot Lane. The Experience of God: An Invitation to do Theology (New York: Paulist Press, 1981), p. 1. 
16 Karl Rahner apud Érico J. Hammes. “Conceito e missão da teologia em Karl Rahner” (CTP, Ano 1 . Nº 5, 
2004), p. 9. 
17 Idem apud ibidem. 
18
 Rosino Gibelini. Op. cit., p. 226. 
18Cristianismo, e não a de uma hermenêutica que corre atrás de novidades seculares, ou de um 
contínuo aggiornamento da mensagem cristã tão em voga em sua época. A nova 
hermenêutica deveria se inspirar nas fontes primordiais, longe da influência e interferência 
dos Concílios e do Magistério da Igreja, segundo ele, as raízes dos dogmatismos da 
atualidade: 
Não seria apropriado numa nova era, em vez de se estar simplesmente repetindo os 
velhos dogmas helenísticos, concentrarmo-nos outra vez na mensagem do Novo 
Testamento e interpretá-la de novo para os cristãos contemporâneos, tal como os 
teólogos helenistas uma vez corretamente fizeram para seu tempo?19 
 
Para Küng, a era de ouro da hermenêutica bíblica foi o segundo século de nossa era. 
Tudo o que se situe antes e depois, será, respectivamente, semitismo ou helenismo, ambos 
classificáveis como abordagens dogmáticas das Fontes, haja vista o enorme número de 
heresias que estes dois tempos produziram. De fato, a verdadeira abertura para o outro, tendo 
como projeto a inclusão religiosa do mundo não cristão, só ocorreria verdadeiramente com a 
teologia dos Pais Apologetas (Justino, Irineu e Clemente). Com isto o autor de Ser Cristão já 
dá os primeiros passos no terreno da Pós-modernidade apesar de inicialmente se situar entre 
aqueles cuja preocupação era o discurso da ciência. 
1.a.1.b. Pós-modernidade 
Alguns anos depois de as preocupações dos teólogos com o secularismo começarem a 
ocupar as páginas da literatura especializada um novo e inquietante desafio surge. Desta vez, 
por um excesso de experiência não por falta. Ou seja, a nova dificuldade hermenêutica do 
Cristianismo, ironicamente, ocorre num contexto de “revanche do sagrado”20, quando o 
interesse pela espiritualidade retorna em toda sua pujança. É a assim chamada Pós-
modernidade. 
 
19
 Hans Küng. Christianity. The religious situation in our time (London: SCM Press, 1995), p. 95. 
20
 Leszek Kolakowski. “A revanche do sagrado na cultura profana” (RS, Maio (1), 1977), pp. 153-162. 
19 
 
É sempre difícil apontar fatores causais nas Ciências Humanas, mas pode-se dizer que a 
Pós-modernidade é uma ambiência cultural produzida em grande parte pelos fracassos 
ideológicos sucessivamente apresentados no século XX como solução para os problemas 
humanos (Nazismo, Fascismo, Comunismo, Capitalismo). Reflete também o nascimento de 
uma consciência holística que surgiu como reação ao excesso de fragmentação epistemológica 
da ciência; o esgotamento do dogmatismo da Modernidade e de outros ‘ismos’ éticos e 
estéticos derivativos; o fim do humanismo, cujo canto de cisne foi J. P. Sartre; o surgimento 
de epistemologias fracas, mais ou menos ligadas às mudanças na forma de ver a matéria e a 
energia (Eisenstein, Einstein, etc.). 
Resumindo, é difícil arrolar tudo o que concorreu para o nascimento da Pós-
modernidade. Contudo, diante de tal massa de fatores, pode-se suspeitar que a Pós-
modernidade seja uma espécie de ressaca da modernidade, “uma forma extrema de 
decomposição do modelo racionalista da modernidade”21. Como se os destroços de tudo o que 
este modelo produziu repousassem agora numa imensa praia por onde passeiam os 
contemporâneos. Os conceitos, as ideias, os valores, todos os produtos de uma era estão aí a 
degradar-se ao sol já posto da razão calculadora, sob cujos raios gélidos já estarão 
amadurecendo as sementes da nova barbárie, parafraseando a bela imagem filosófico-
profética de Horkheimer22. 
Com efeito, do ponto de vista social, está em curso um processo de dissociação, 
desencadeado pela degradação das instituições criadas quando os grandes Estados nacionais 
foram inventados no século XVI. A Igreja teve suas funções reduzidas na nova composição 
do Estado laico. As instituições políticas que aparentemente haviam herdado dela as 
prerrogativas ideológicas sofreram em Maio de 1968 na França um golpe do qual ainda não se 
 
21
 Allain Touraine. Crítica da modernidade (Petrópolis : Vozes, 2002), p. 266. 
22
 Max Horkheimer. O Conceito de Iluminismo (São Paulo: Editora Abril Cultural, 1983), p. 109. 
20 
 
recuperaram, em que própria democracia perdeu sua representatividade e os dogmatismos 
ideológicos não interessam a mais ninguém. As instituições sociais antes garantes da razão 
instrumental perderam também sua capacidade de lastrear o processo de nomização, 
transferindo ao indivíduo, por inércia, este encargo: 
A situação do pós-social é o produto de uma completa separação entre a 
instrumentalidade e o sentido, a primeira é gerida por empresas, econômicas ou 
políticas, em concorrência entre elas nos mercados; o segundo, tornou-se puramente 
privado, subjetivo23. 
 
Este estado de impermanência que envolve tudo o que se encontra distraidamente 
atirado à nossa frente tem sua explicação filosófica no famoso conceito de Lyotard sobre “o 
fim das metanarrativas”24. As narrativas legitimantes (a ciência, a Revolução Industrial, o 
conhecimento acadêmico, o progresso, a moral burguesa, o Iluminismo, etc.) sobre as quais os 
modernos pretendiam colocar os fundamentos da razão, fora da transitoriedade dos discursos 
e ali reproduzir um raciocínio absolutamente isento, capaz de gerar verdades certas, seguras e 
indubitáveis encontram seu final quando se percebe que a mera possibilidade de existirem é 
uma ilusão. 
Com a virada linguística promovida por Wittgenstein ao criticismo kantiano, chegou-se 
à conclusão cética de que não há um fora da linguagem epistemologicamente falando (e se 
houvesse ninguém poderia saber, já que ninguém pode pensar sem linguagem). 
Consequentemente, é impossível qualquer tipo de dogmatismo. A certeza e a verdade só são 
possíveis dentro de sistemas linguísticos fechados; o erro, idem. Derrida, seguindo o conceito 
wittgensteiniano de jogos de linguagem, dirá “não há um fora-do-texto” (Il n’y a pas de hors-
 
23
 Allain Touraine. Crítica da Modernidade, p. 198. 
24 As metanarrativas, ou seja, as narrativas das narrativas, e são assim chamadas por terem a pretensão de se 
colocarem fora de si mesmas, num plano racional superior, sobre uma plataforma veritativa universal e 
transcendental, de onde supostamente poderiam julgar o transcurso da história humana. Cf. Jean-François 
Lyotard. La condición postmoderna (Madrid : Ediciones Cátedra, 1987), p. 4. 
21 
 
texte), o que significa que “não há nada de real que não seja textuado, construído, simbolizado 
e contextuado – interminavelmente”25. 
Resumindo, o ser humano está reduzido a uma imanência miseravelmente limitadora de 
sua capacidade de raciocinar e julgar. Aos homens, portanto, só restam razões menores para 
tomar decisões éticas, religiosas e estéticas e mesmo justificar sua existência: razões pessoais, 
afetuais. Sua condição de juiz do universo foi melancolicamente trocada pela de um 
caminhante solitário rodeando como “um turista o jardim da história, que considera um 
depósito de máscaras teatrais que podem ser usadas e abandonas conforme o seu prazer, o seu 
gosto, e a sua utilidade”26 . Apesar da falta de rigor de Lyotard ao falar do fim das 
metanarrativas, pela utilização de um argumento auto-refutante27, a condição pós-moderna 
pode ser definida como o naufrágio de um sujeito que sem referenciais já não consegue 
manter-se à tona da história e da própria realidade. 
Na verdade, a rigor, do ponto de vista epistemológico, não pode nem mesmo ser 
considerado um sujeito. Roland Barthes, interpretado além de si mesmo, pode dizer que para 
os pós-modernos o homem como sujeito deixa mesmo de existir, nada sendo exceto o que as 
máscaras que usa digam que é. A inferência parte da conclusão literária de Barthes sobre a 
morte do autor, presente em célebre passagem onde ele interpreta as observações de H. Balzacsobre a condição feminina ínsitas em Ilusões Perdidas. Segundo sua leitura, elas são apenas 
 
25
 Joseph Margolis. Interpretation radical but not unruly . The new puzzle of the arts and history (Berkeley CA: 
University of California Press, 1995), p. 172. 
26
 Rossano Pecoraro. Niilismo e (pós) modernidade: introdução ao“ pensamento fraco” de Gianni Vattimo (Rio 
de Janeiro: Editora da Puc, 2005), p. 70. 
27
 Segundo J. Habermas, Lyotard, ele mesmo, oferece com este argumento uma metanarrativa que pode ser 
chamada ironicamente de “a grande narrativa do fim das grandes narrativas”. Habermas chama nossa atenção 
para o fato de que o desmascaramento dos críticos da Escola de Frankfurt ou a desconstrução levada a efeito 
pelos pós-modernos só seria possível se eles possuíssem um padrão racional transcendental, ou seja, uma teoria 
que revelasse as máscaras da ideologia (Richard Rorty. “Habermas, Lyotard e a Pós-modernidade” – Educação e 
Filosofia, 4 (8), Jan – Jun – p. 76). Em suma, sendo toda e qualquer teoria imanente a determinado sistema nada 
pode dizer sobre as outras a não ser no campo opiniático. 
22 
 
as manifestações mais acabadas do espírito de uma época28, não podendo mesmo serem 
tributadas a Balzac como se ele fosse o autor de observações inteligentes sobre a alma 
feminina. 
Voltando à questão religiosa e concluindo, segundo os pós-modernos, o Cristianismo ou 
as religiões não têm meios para julgar umas às outras, dado que é impossível sair dos sistemas 
religiosos onde cada qual se diz, diz o mundo e diz Deus (não há ninguém capaz de abstrair-se 
aos seus próprios jogos-de-linguagem). Desaparece a questão da verdade ante a 
impossibilidade epistêmica de uma verdade universal. Há tantas verdades quanto crentes 
nelas. Esvai-se a noção de erro, posto que erro só o é dentro de um dado sistema. Como 
consequência assiste-se ao nascimento de um relativismo que não permite qualquer 
possibilidade normativa, exceto os normativismos menores, decorrentes de razões subjetivas e 
afetuais. O homem pós-moderno encontra-se, perdido dentro de um labirinto de imanência, 
sem o fio de Ariadne e sem as asas de Ícaro; não sabendo quem é, e muito menos de onde 
vem ou para onde vai. 
Como já se pode suspeitar, “a revanche do sagrado” não nos trouxe de volta aos marcos 
pré-modernos. A frustração com o não cumprimento das promessas das metanarrativas 
modernas não tornou as igrejas europeias e norte-americanas mais habilitadas a cobrir o atual 
hiato existencial humano. Afinal, o Cristianismo europeu foi partícipe do projeto fracassado 
da Modernidade, adotando os princípios iluministas, abraçou um racionalismo insuficiente 
para dar solução aos problemas humanos e que, pelo contrário, só tem causado novos e mais 
inquietantes. Não é por este motivo que a maioria das pessoas no Ocidente sente uma 
verdadeira ojeriza por posicionamentos religiosos estritos e exclusivistas, que buscam a 
conformidade e desprezam as diferenças? 
 
28
 Roland Barthes. O rumor da língua (Brasília: Editora Brasiliense, 1988), p. 284. 
23 
 
Neste contexto, qualquer atitude religiosa, ética e ideológica mais incisiva será 
considerada politicamente incorreta. A exclusiva pretensão veritativa hoje se tornou 
inaceitável pelo ressábio às diversas e fracassadas experiências dogmáticas pretéritas. O 
período moderno, com seus numerosos disputantes (racionalismo, empirismo, criticismo, 
empirismo lógico, filosofia analítica), não conseguiu estabelecer com absoluta segurança uma 
verdade, uma metodologia ou doutrina epistemológica exclusiva. De igual maneira, o fracasso 
de definir ideologias político-econômicas para solucionar os problemas econômicos 
(Fascismo, Nazismo, Comunismo, Capitalismo), lançaram o mundo em duas guerras totais. 
Como consequência, ocorre hoje um ethos onde as religiões e as ideologias são apeadas de 
sua metafísica e solicitadas a apresentarem-se apenas como práxis, pela qual passam a ser 
julgadas: 
É um clima no qual é natural pensar nas religiões como diferentes, mas igualmente 
válidos caminhos para a salvação, igualmente válidas respostas ao Real. As 
asserções religiosas apenas são verdadeiras no sentido estrito de serem 
existencialmente significativas29. 
 
O relativismo contemporâneo gera a falsa ideia de que diminui a rejeição ao 
Cristianismo no mundo Ocidental. Se há esta sensação de aceitação, ela não é específica, mas 
dirige-se a todos os tipos de espiritualidades. Permanece aquele déficit de plausibilidade do 
Cristianismo constituído no contexto do secularismo. O discurso científico não foi suplantado 
ou substituído por narrativas religiosas cristãs. O que ocorreu foi um enfraquecimento da 
capacidade cosmificadora da ciência que faz com que os indivíduos busquem supri-la por 
outros meios: através de epistemologias fracas, pensamento holístico, a espiritualidade. A 
religiosidade, portanto, retorna pela porta dos fundos, pois as instituições societárias 
permanecem estruturadas como na época da Modernidade, sem dar acesso ao espaço público 
a estas modalidades de cosmificação. O Cristianismo, bem como as demais, continua exilado 
 
29 Clark H. Pinnock. A wideness in God’s mercy: the finality of Jesus Christ in a world of religions (Grand 
Rapids, MI: Zondervan, 1992), p. 10. 
24 
 
do espaço publico na Europa e na América, permanece ocupando o lugar em que o 
Secularismo o colocara, em nome do Estado laico: o espaço da vida privada30. Este é o 
principal motivo por o ambiente sociocultural ainda não lhe ser favorável. 
Para contrastar, basta observar como fora do Ocidente o discurso da ciência e suas 
conquistas tecnológicas não tiveram e nem têm os mesmos efeitos devastadores sobre as 
religiosidades locais. Os muçulmanos e as religiões orientais têm boa convivência com a 
ciência e não se sentem ameaçados por ela, porque aí a religião ocupa um espaço fundamental 
na vida societária, sua função nomizante permanece intacta. Ela cria uma estrutura de 
plausibilidade sobre o qual se sustenta todo o conhecimento compartilhado, o que só ocorre 
porque em seu caso a religião permanece ocupando o espaço público. 
Sem entrar na consideração do mérito, uma percepção ateística ou secularizada do 
mundo não tem mais base epistemológica do que a religiosa. Se ela domina o Ocidente hoje é 
porque as pessoas vivem em um ambiente onde Deus, religião, fé, são assuntos-tabu, seja por 
não serem consideradas informações relevantes, seja porque, simplesmente, delas as pessoas 
não tomam conhecimento por não estarem disponíveis. É uma questão de práxis. Tornar algo 
acessível, ou seja, introduzi-lo no espaço público, aumenta a possibilidade de tal coisa ser 
usada, por que, geralmente, as ações humanas na maior parte das vezes estão baseadas na 
imitação. Basta observar como a taxa de tabagismo cai nos países onde a propaganda do 
cigarro é proibida. O mesmo ocorre com as ideias: 
A maior parte do que ‘sabemos’ nós o tomamos por sabido baseados na autoridade 
dos outros, e é somente se os outros continuarem a confirmar este ‘conhecimento’ 
que ele permanecerá plausível para nós. É tal social compartilhamento, 
‘conhecimento’ socialmente tomado por óbvio, que nos permite mover-nos com 
alguma de confiança através da vida diária31. 
 
30
 Johann B. Metz. Passion for God. The mystical-political dimension of Christianity, J. Matthew Ashley (trad.) 
(Mahwah, NJ: Paulist Press, 1997). 
31
 Peter Berger. A rumor of angels. Modern society and the rediscovery of the supernatural (New York: 
Doubleday & Company, 1970), p. 19. 
25 
 
 
1.a.1.c.Globalização 
Outro fator que favorece o ambiente relativista atual é a Globalização, pois por meio 
dela torna-se mais evidente a diversidade culturale religiosa do planeta. As ondas migratórias 
hodiernas, produzidas pelas condições macroeconômicas, têm colaborado para aproximar as 
culturas e as religiões. Não por acaso, Os Estados Unidos, a nação mais rica do mundo, “tem 
se tornado [também] a nação mais religiosamente diversificada do mundo”32. A Europa, 
depois do boom econômico dos anos 90 também se tornou importante destino de levas de 
imigrantes. A França recebe sem acolher os mulçumanos oriundos de sua antiga colônia. A 
Inglaterra é anfitriã de hindus e a Alemanha, de turcos muçulmanos. As religiões vêm 
invadindo o Ocidente levadas na bagagem não só de imigrantes, mas de estudantes, turistas e 
homens de negócios, aventureiros, etc. Aquelas outras religiões que sabíamos existir em 
algum lugar remoto do mundo, põe agora sua cara em nossa janela, dispensando 
apresentações e discursos introdutórios. Além disso, na ‘aldeia global’ também é possível ter 
acesso direto às religiões pela internet, conhecendo seus ritos, sua espiritualidade, seus 
homens santos, etc. 
Mulçumanos, Budistas, Hindus, Xintoístas, Confucionistas agora estão entre nós. As 
palavras de Hans Küng resumem bem a atual situação: “pela primeira vez na história é 
impossível para qualquer religião existir em esplêndido isolamento, ignorando as demais” 33. 
As teorias interpretativas que até pouco tempo ajudavam o Ocidente a entender o legado 
cristão no contexto religioso mundial perderam sua utilidade. In nuce já estavam equivocadas, 
porque nasceram não com a intenção de compreender, mas de reduzir, de combater e dominar. 
 
32
 Diana Eck. A new religious America: How a Christian country has become the world most religiously diverse 
nation (New York: Harpercollins, 2001), pp. 4-5. 
33 Hans Küng. Ser Cristão (Rio de Janeiro: Imago, 1976), p. 89. 
26 
 
Hoje deixam de exercer qualquer atração sobre as pessoas, porque o que elas querem é 
conhecer e compreender aqueles que não adoram como elas e são seus vizinhos. 
Andrés T. Queiruga fala de duas grandes ampliações no mundo humano responsáveis 
por estas inquietantes constatações: (a) uma ampliação do horizonte histórico e (b) uma 
ampliação do horizonte geográfico, decorridas principalmente no século XX, que fizeram com 
que um Cristianismo ensimesmado, ocupado apenas com suas diferenciações paroquianas, 
perdesse sentido34. 
(a) A ampliação histórica. O Ocidente descobriu que antes que nascessem os profetas 
bíblicos já havia civilizações inteiras florescendo na Ásia, com cultura, tecnologia e religiões 
avançadas, como é o caso da chinesa, da indochinesa e da indiana. Sobre isto há a conhecida a 
tese do historiador Erik Voegelin, a qual fala a respeito do “alcance e significação da 
extraordinária experiência espiritual que surgiu simultaneamente em vários focos da 
civilização”35, num período que se estende do oitavo ao segundo século a. C.. Chamado por 
K. Japers de “era axial”36 este período foi testemunha do nascimento das mais importantes 
religiões mundiais. É deveras impressionante como todos estes movimentos religiosos e 
filosóficos em que estão incluídos, os grandes profetas reformadores do Antigo Testamento, 
Buda e os Pré-socráticos, apresentem uma “surpreendente homologia estrutural e temática em 
suas mensagens, operando uma verdadeira revolução no universo simbólico das grandes 
civilizações”37. Uma explosão criativa sobre o sagrado que muitos estudiosos atribuem à 
ampliação das relações comerciais entre as nações e ao advento de uma situação de 
prosperidade material inaudita. 
 
34 Andrés T. Queiruga. O diálogo das religiões (São Paulo: Paulus, 1997), p. 13. 
35
 Henrique C. de Lima Vaz. Escritos de Filosofia III. Filosofia e Cultura (São Paulo: Edições Loyola, 1997), p. 
202. 
36
 Apud Karen Armstrong. Uma história de Deus. Quatro milênios em busca do Judaísmo, Cristianismo e 
Islamismo (São Paulo: Companhia das Letras, 2008), p. 43. 
37
 Henrique C. de Lima Vaz, Escritos de Filosofia III. Filosofia e Cultura, p. 202. 
27 
 
(b) Ampliação geográfica. A contemporaneidade se caracteriza pelo espaço mais plural 
e simultaneamente menor, onde as diferenças tendem a ser absorvidas por um processo que 
envolve vários fatores. O transporte aéreo torna hoje possível que milhões se movimentem de 
um extremo ao outro do globo em algumas horas, permitindo que nós ocidentais vejamos 
rostos recém emersos de um contexto cultural bem diferente do nosso do modo como são, 
sem retoques. As redes sociais tornam a realidade social conhecida sem a interferência 
censora das instituições. 
De outra parte, grandes megalópoles como Mubai, São Paulo – Rio (São Paulo, Rio de 
Janeiro, Campinas e Santos), Bos-wash (Boston, New York, Filadélfia, Baltimore e 
Washington), Tokkaido (Tokyo, Kawasaki, Yokohama), a megalópole do vale do rio Reno 
(Amsterdã, Düsseldorf, Colônia, Bonn, Sttutgart) não só se constituem como conglomerados 
de cidades, mas também como conglomerados dos subúrbios que existem entre elas; enfim, 
lugares onde a distinção entre o rural e o urbano desaparece, o que os torna lugares mais 
tolerantes em relação aos diferentes. 
Há que se destacar também a natureza cosmopolita destes grandes conglomerados 
urbanos. Los Angeles, talvez a cidade mais cosmopolita do mundo, conta entre seus 18 
milhões de habitantes (Grande Los Angeles), asiáticos (chineses, japoneses, tailandeses, 
filipinos, vietnamitas, armênios, iranianos), afro-americanos e latinos (mexicanos, porto-
riquenhos, salvadorenhos, brasileiros, colombianos, etc.), além das tradicionais populações 
caucasianas originárias da velha Europa. Em LA estas populações se agregaram formando 
redutos étnicos: os filipinos vivem num bairro chamado Filipotown; os tailandeses, em 
Thaitown. O resultado prático disto é que não é preciso mais ir às Filipinas para conhecer o 
modo de vida dos sul-asiáticos (inclusive sua religião). 
28 
 
Toda esta proximidade só poderia produzir o desmantelamento de diversos mitos 
referentes às populações não cristãs. Hoje é inegável, por exemplo, o fato de estas tradições 
serem portadoras de uma sabedoria milenar que rivaliza com a ciência Ocidental (a medicina, 
por exemplo) e mesmo em se tratando de religião, seus ensinamentos contém muitas 
‘verdades’. A propósito disto, a superioridade moral do Cristianismo, tão decantada por 
teólogos e filósofos europeus e protestantes do século XIX – especialmente aqueles inscritos 
sob a rubrica do Idealismo alemão (von Harnack, Troeltscht, Ritschil, Herrmann)38, perdeu 
muito de sua persuasão depois que se descobriu que a assim chamada “regra de ouro” dos 
evangelhos, considerada marca singular da ética cristã – “faze aos outros aquilo que queres 
que te façam” – está presente em praticamente todas as grandes tradições religiosas 
mundiais39. Enfim, há nas religiões uma sabedoria incompatível com o lugar acanhado 
reservado a elas pelo Ocidente40. 
1.a.1.d.Mundialização do Cristianismo 
A atual situação do Ocidente inundado por tantos ritos e crenças não significa, 
necessariamente um Cristianismo acuado. Embora em seu território de origem isto seja 
verdadeiro por causa da expansão do Islã, do Secularismo e do Consumismo, a fé cristã cresce 
em outros terrenos fora da Europa. Dois terços dos cristãos hoje vivem em países da Ásia, 
África e América do Sul e é nestes países que o Cristianismo hoje enfrenta seus maiores 
desafios missiológicos. É aí onde o encontro dos Cristãos com as religiões mundiais ocorre 
mais inquietantemente. 
 
38 Rosino Gibellini. A teologia do século XX , p. 19. 
39 Mahabharata: Shanti parva CCLX21: “que nenhum homem cometa contra o outro, ato que não gostaria fosse 
cometido contra si mesmo”. Analectus de Confúcio, livro 12:2: “não faças aos outros o que você não quer que 
façamcom você. Udanavarga budista, v. 18: “não machuque os outros com algo que dói em você”. Andrew 
Wilson (org.). World Scripture. A comparative anthology of sacred texts (New York: International Religious 
Foundation/Paragon House Publishers, 1991. 
40
 Raimon Panikkar. “The pluralism of truth” (WFI, no. 26, 1990), p. 7. 
29 
 
Apesar de o Cristianismo europeu enfrentar uma consistente decadência que já dura um 
século, o que permite que alguns se refiram a ela como um processo de “descristianização” da 
Europa, que ao final produzirá um “Pós-cristianismo” 41, em outras partes do mundo os 
cristãos experimentam uma expansão sem precedentes, que nem os mais otimistas 
missiólogos do início do século XX imaginavam fosse ocorrer, tornando-se hoje o movimento 
religioso mais dinâmico do mundo. 
De fato, durante o século XX tornou-se a mais universal e extensiva religião da 
história. Há hoje cristãos e igrejas cristãs organizadas em todos os lugares habitados 
da terra. A Igreja é pela primeira vez na história, ecumênica no sentido literal da 
palavra: seus limites são coextensíveis com a oikumene, todo o mundo habitado42. 
 
O crescimento do Cristianismo na África é especialmente impressionante, 
principalmente após o fim do colonialismo, com a independência da maioria das nações 
africanas. No início do século XX havia apenas 8.7 milhões de cristãos no continente 
africano, algo ao redor de 9 % de sua população. Os mulçumanos nos superavam na 
proporsão de 4 por 1. Com o fim do período colonial o Cristianismo experimentou um rápido 
crescimento que começou com 60 milhões no fim da década de 80, pulou para 330 milhões 
em 1998 e em 2000 já atingia o patamar de 350 milhões43. Hoje, já há mais cristãos na África 
do que adeptos do Animismo, sua religião original (existem por volta de 300 milhões de 
animistas na África atualmente)44. E quando a Europa ameaça ser totalmente coberta pela 
bandeira verde do crescente, quem enche as igrejas vazias europeias são cristãos étnicos 
originários da África Central. “A grande Paris tem 250 igrejas étnicas protestantes, a maior 
parte delas formada por negros africanos”45. 
 
41
 Phillip Jenkins. God’s continent: Christianity, Islam and Europe’s religious crisis (Oxford: Oxford University 
Press, 2005). 
42
 David Barret, George Kurian and Todd Johnson. World Christian Encyclopedia: a comparative survey of 
churches and religions in modern world (New York: Oxford University Press, 2001), p. 15. 
43
 Lamin Sanneh. Whose religion is Christianity? The gospel beyond the West (Grand Rapids, MI: Wm. B. 
Eerdmans, 2003), pp. 14-15. 
44
 Chad Meister. Introducing Philosophy of religion (London/New York: Routledge, 2009), p. 6. 
45Phillip Jenkins. God’s continent: Christianity, Islam and Europe’s religious crisis, p. 94. 
30 
 
Na Ásia a mensagem cristã também se expande com grande velocidade. Há países quase 
completamente cristianizados como é o caso das Filipinas. Entre os que estão sendo 
evangelizados mais recentemente, está a China. Embora não haja dados confiáveis sobre a 
China (leis locais proíbem o proselitismo), sabe-se que os cristãos já se contam aos milhões 
neste país. Os dados oficiais do governo chinês somente levam em conta as congregações 
regularmente estabelecidas, por isso os dados oficiais que tendem a subestimar a taxa de 
crescimento do Cristianismo bem como o número total de seus adeptos, em 2006 havia 21 
milhões de cristãos na China, sendo destes 16 milhões Protestantes e 5 milhões Católicos. 
Fontes extraoficiais, entretanto, apontam para números bem mais realistas, algo por volta de 
12 milhões de Católicos e 30 milhões de Protestantes46. 
A Coreia do Sul é o caso missiologicamente mais interessante. Inicialmente um país 
budista (até o século XIX), hoje se encontra bastante cristianizado, cerca de 25 % da 
população professa a fé cristã47 (Católicos, Protestantes históricos e Pentecostais). Com pouco 
mais de cem anos de história as igrejas coreanas tem atingido notável crescimento em número 
e força. As megaigrejas coreanas redefiniram o significado da palavra mega para muito além 
do que pensa o Ocidente ao relacioná-la com igrejas, com megacongregações variando em 
tamanho entre 8 mil (Yodo Full Gospel Church) e 30 mil membros (Sung Rar Baptist 
Church)48, e que, apesar do tamanho, são extremamente organizadas, dividas em ministérios e 
com um fervor missionário que não arrefece. De 1995 para cá o Catolicismo os Pentecostais 
crescem na Coreia enquanto os Protestantes históricos, a exemplo dos Presbiterianos, estão 
estagnados49. De qualquer modo o dinamismo do Cristianismo coreano é inegável. 
 
46
 Lian Jiang. Visiting parents from China: their conversion experiences in America and contribution to 
Christianity at home (tese de doutoramento, Faculty of Bright Divinity School, 2006), p. 50. 
47
 Mark Mullins. “The Empire strikes back. Korean Pentecostal mission to Japan”. In Karla Powe (ed.). 
Charismatic Christianty as a global culture (Columbia SC: University of South Carolina Press, 1994), p. 88. 
48
 Ibid., pp. 89 e 90. 
49
 Han Soo Park. A study of missional structures for the Korean church for its postmodern context (An Harbor 
MI: Umi dissertation publishing, 2008), p. 42. 
31 
 
Na Índia há igrejas cristãs vigorosas e antiquíssimas, cuja fundação ocorreu há milênios, 
como é o caso da igreja Católica de rito siríaco. Outras chegaram ao final do século XIX com 
as missões de Metodistas, Presbiterianos e Batistas; e outras já no decorrer do século XX 
(Adventistas do Sétimo Dia e outros Independentes). Porém, apesar desta história milenar, O 
Cristianismo na Índia é apenas a terceira maior força religiosa, contando aproximadamente 24 
milhões de seguidores, o que significa 2.3 % da população total do país50, estando a grande 
maioria da população ainda sob a lealdade do Hinduísmo. Ou seja, isto significa dizer que os 
cristãos são minoria e que nem mesmo nas províncias mais expressivamente cristãos (Kerala) 
seus membros não ultrapassam os 10 % da população51 . E nem podemos dizer que 
experimentem um crescimento vigoroso por que os números oscilam em volta desta taxa, para 
mais ou para menos, há décadas. 
Com tudo isto e à medida que avançam os esforços e os resultados missionários 
cristãos, cresce a necessidade de se teorizar sobre os limites da aculturação de sua mensagem, 
face aos perigos que se escondem por atrás de pressões por um crescimento mais rápido: 
sincretismos, heresias, faccionismos, etc.. Esta teorização vem sendo chamada de teologia das 
missões e pretende justamente lidar com três aspectos da evangelização que necessitam ser 
equilibradamente abordados: (a) o texto bíblico, (b) a fé da comunidade e (c) o contexto 
missionário52. Sendo minoria, os Cristãos são constantemente tentados a facilitar a conversão 
de seus ouvintes, tendendo a descurar do texto bíblico, quando quer que haja grandes 
dificuldades transculturais. 
Quanto a isto, um dos ocorridos mais sérios do mundo das missões dá-se na Coreia do 
Sul. Relatos dão conta de que igrejas pentecostais estão sofrendo influências litúrgicas e 
 
50
 Wikipedia, verbete: Christians in India (Government of India, Ministry of Home Affairs, Census 
commissions, Census 2001). 
51
 Leonard Fernando e G. Gilpert Sauch. Christianity in India. Two Thousand years of faith (New Delhi: 
Penguins Book India, 2004), xiii. 
52
 Charles R. van Engen. What is theology of missions (TC, ano 1, vol. 1, Ago, 2004), p. 45. 
32 
 
teológicas do animismo local, chegando a experimentar um processo de xamanização, com 
pastores emulando o papel dos xamãs coreanos, especialmente no que diz respeito às curas 
espirituais: 
Na sociedade tradicional coreana os xamãs (mudang) servem de link entre o povo 
comum e o mundoespiritual, habitado por inúmeros deuses, por ancestrais e 
espíritos. Através de rituais e oferendas os xamãs podem controlar o mundo 
espiritual, transformando espíritos malévolos em espíritos protetores; realizando 
curas e exorcismos e produzindo benefícios concretos aos indivíduos53. 
 
Andrew Walls escreve sobre a necessidade de teologizar todas as vezes que são 
cruzadas novas fronteiras culturais, já que em o fazendo o Cristianismo se depara com 
situações que lhe colocam novas questões intelectuais antes não consideradas54 . Esta 
necessidade se comprova pelos vários congressos missiológicos e teológicos convocados ao 
redor do mundo a partir do segundo quartel do século XX, quando se intensificou a 
penetração do evangelho no mundo não cristão55. 
Alguns historiadores do Cristianismo, contudo, defendem a livre propagação 
evangelística no mundo, ainda que com inovação doutrinal motivada por necessidades locais, 
o que ocorrendo seria até um indício de maturidade espiritual: 
Quando os teóricos das missões em décadas passadas falaram de três autonomias 
como meta para igrejas mais novas, incluíram o autofinanciamento, o autogoverno e 
a autopropagação. Eles não perceberam a autointerpretação ou a autoteologização 
como igualmente uma necessidade. Eles esperavam que a teologia continuasse sendo 
o que sempre foi, porque o significado do evangelho era perfeitamente entendido 
 
53 Ibid., p. 92. 
54
 Andrew Walls. “The rise of global theologies”. In Jeffrey P. Greeman e Gene L. Green. Global Theology in 
evangelical perspective. Exploring the contextual nature of Theology and mission (Downers Grove, IL: 
Intervarsity Press, 2012), p. 20. 
55
 “International Congress on World Evangelization in Lausanne (1974); Willowbank Consultation on Gospel 
and Culture (1978); International consultation on Simple Lifestyle (1980); Pattaya Consultation on World 
Evangelization (1980); International Consultation on the Relationship between Evangelism and Social 
Responsibility (1982); International Conferences for Itinerant Evangelists (1983, 1986); Lausanne II in Manila 
(1989); Theological Commission’s Consultation on the Unique Christ in our Pluralist World, Manila (1992); 
Mission Commission’s Iguassu Missiological Consultation; Forum for World Evangelization, Pattaya (2004). 
(Lamin Sanneh. Whose religion is Christianity?, p. 25-26). 
33 
 
pelas Igrejas mães, e tudo o que as mais novas deviam fazer era continuar 
proclamando a mesma mensagem56. 
 
Não podemos esquecer que nem todas as demandas locais devem ser satisfeitas, pois 
por trás delas, segundo as Escrituras, há uma humanidade caída, propendente ao mal e ao 
pecado. Como já foi afirmado no início desta investigação, cabe à Teologia analisar a 
legitimidade das demandas para que o evangelho não caia em armadilhas ideológicas, como já 
ocorreu no passado quando uma parte expressiva de Cristãos no II século d. C. adotou o 
Neoplatonismo como quadro ideológico por meio do qual a mensagem cristã passou a ser 
compreendida. Infelizmente, aquela experiência transcultural acabou degenerando em 
Gnosticismo. 
Deve-se discernir entre o transitório e o eterno, o que significa entender que muitas 
reivindicações culturais estão atreladas a conjunturas socioeconômicas que rapidamente 
desaparecem se são subtraídas de seus fatores predisponentes. A teologia da prosperidade é 
um exemplo bastante contundente do que pode acontecer à pregação do evangelho se as 
necessidades das massas forem as únicas guias dos pregadores. O que inicialmente poderia ser 
considerado um legítimo clamor popular por socorro divino diante de dificuldades 
relacionadas à própria sobrevivência (saúde, endividamento, dificuldades econômicas) acabou 
se degenerando em soberba espiritual, somada ao consumismo e ao materialismo, como hoje 
se vê. Em suma, as relações dos homens entre si e em relação a Deus distorcidas pela 
mediação da mercadoria e do capital (Karl Marx). 
1.a.1.e. O testemunho da história 
Ao longo da história, o Cristianismo, em especial a Igreja pós-constantiniana, tem sido 
marcado por uma atitude opressora em relação às religiões e às suas diversas não autorizadas 
 
56
 Justo Gonzales. Mañana. Christian Theology from Hispanic perspective (Nashville, TS: Abingdon, 1990), p. 
49. 
34 
 
mutações domésticas. Inúmeras vezes esta opressão se traduziu em violência e morte daqueles 
que não praticavam a doutrina hegemônica e isto hoje depõe contra os Cristãos, fazendo com 
que um sentimento de desconforto ante os fatos leve muitos líderes cristãos a considerarem o 
pluralismo como uma forma de compensação pela violência do passado. 
Não é metodologicamente adequada esta generalização; a história da Igreja cristã pré-
constantiniana é um pouco diferente. No primeiro e segundo séculos o Cristianismo formativo 
vingou num caldeirão cultural greco-romano, merecidamente designada como primeira 
globalização. Neste tempo as diversas correntes religiosas confluíram e conviveram dentro 
das fronteiras do império romano, de forma mais ou menos pacífica. Os romanos controlavam 
o crescimento das religiões, mas não o coibiam, senão excepcionalmente, visando à 
manutenção da pax romana. O Cristianismo não era hegemônico em relação às demais 
modalidades religiosas até que veio a se tornar a religião oficial do império a partir de 
Constantino e seus herdeiros a partir dele, no quarto século. Foi daí para frente que começou 
sua história de intolerância. 
Mais tarde, no século VII d. C. os cristãos se defrontaram com o avanço do Islã no 
Oriente próximo e na Europa, no período conhecido como o das Cruzadas, em que houve 
muito derramamento de sangue, e, excepcionalmente, na Ibéria ocupada pelos muçulmanos, 
um convívio pacífico entre as três religiões do livro (Cristianismo, Judaísmo e Islamismo), 
que coincidiu com o florescimento tecnológico e cultural sem precedentes. Com o poder 
mudando para a mão dos cristãos na Ibéria, depois da expulsão dos mouros, começa um 
processo de perseguição dos Judeus que só acaba com sua expulsão de Espanha e Portugal 
durante o período que ficou conhecido como ‘santa’ inquisição. 
Este espírito intolerante não foi, contudo, monopólio de Católicos. O século XVI 
também testemunhou perseguições se alastrando em terras Protestantes, contra minorias 
35 
 
religiosas na Alemanha e Suíça (Anabatistas, Menonitas e Espiritualistas, seguidores de 
Muntzen), lideradas ou pelo menos subvencionadas pelo silêncio dos reformadores e outras 
autoridades religiosas importantes. Até que o espírito intolerante crescente desencadeou uma 
hecatombe sangrenta que custou a vida de milhões de Católicos e Protestantes na Guerra dos 
Trinta Anos. 
Ainda no século XVI, nas Américas, uma das histórias mais infamantes reputada ao 
Cristianismo. Com a perda de territórios para o Protestantismo na Europa, os Ibéricos 
Católicos se voltaram para as Américas, vindo seu impulso missionário e civilizatório a se 
defrontar com as civilizações pré-colombianas, que não conheciam e ainda assim 
consideravam inferiores. Como resultado, o gigantesco morticínio que ceifou a vida de 
milhões de seres humanos, pelo único fato de não serem cristãos e viverem de forma 
diferente. Sabe-se que a difamação simbólica destes povos, foi não poucas vezes injustificada 
e produzida com o único objetivo de legitimar sua vergonhosa exploração57. 
Assim, com exceção das circunstâncias históricas excepcionais citadas, infelizmente, 
sustentadas não por iniciativa de Cristãos, o convívio do Cristianismo com outras religiões 
tendo sido violento, deixando genocídios e/ou etnocídios no rastro de sua passagem, provoca-
nos hoje com a pergunta: até que ponto o projeto ‘civilizatório’ desses cristãos é tributário das 
Fontes do Cristianismo? Ou, dizendo de outra maneira, há algo de intrinsecamente intolerante

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