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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA ____ VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO ACRE O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por meio do procurador da República signatário, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais, com fulcro nos arts. 127 e 129 da Constituição Federal, no artigo 1º, IV, da Lei n. 7.347/85, nos artigos 5º, I, “h”, II, “b”, 6º, VII, “b”, XIV, “f”, da Lei Complementar n. 75/93, vem propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido de antecipação de tutela em face do MUNICÍPIO DE RIO BRANCO , pessoa jurídica de direito público interno, com sede na Rua Rui Barbosa, 285, bairro Centro, CEP 69.900-901, em Rio Branco/AC, podendo ser citado na pessoa do Prefeito Municipal Marcus Alexandre Médici Aguiar Viana da Silva ou por meio da Procuradoria-Geral do Município, situada na Avenida Getúlio Vargas n. 1521, 2º piso, bairro Bosque, CEP n. 69.000-000, pelas razões adiante expostas. Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 1 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO 1. DO OBJETO A presente ação civil pública tem por escopo impelir o Município de Rio Branco/AC a implementar o controle eletrônico biométrico de frequência para todos os servidores públicos da área da saúde, em especial, para os médicos e odontólogos, bem como determinar a instalação em local visível das salas de recepção de todas as unidades públicas – inclusive hospitais públicos, unidades de pronto-atendimento, postos de saúde, postos do programa “Saúde da Família” e outras eventualmente existentes – de quadros que informem ao usuário, de forma clara e objetiva, o nome de todos os médicos e odontólogos em exercício na unidade naquele dia, sua especialidade e o horário de início e de término da jornada de trabalho de cada um deles. Visa, assim, garantir a existência de mecanismos de controle que inibam irregularidades nos serviços executados pelo Sistema Único de Saúde, tanto a fim de propiciar aos seus usuários a efetiva fiscalização sobre a qualidade da prestação dos serviços (cumprimento da jornada pelos médicos e odontólogos), como também para materializar a transparência que deve existir nos atos da Administração. Com base nesses objetivos, busca-se o cumprimento das obrigações dos agentes e servidores públicos da área da saúde, em especial, dos médicos e odontólogos que prestam serviços para o SUS – Sistema Único de Saúde – no município de Rio Branco/AC, no que tange à pontualidade e à assiduidade, bem como quanto à publicidade devida dos atos da Administração Pública, dado o significativo problema existente na fiscalização do cumprimento das obrigações dos médicos atendentes na rede pública, uma vez que o controle de frequência por folha de ponto mostra-se ineficiente. A apuração dos fatos que deram azo ao ajuizamento da presente ação civil pública foi realizada no âmbito do Inquérito Civil n. 1.10.000.000682/2014-62, com cópia juntada em anexo. Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO 2. DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO O artigo 196 da Constituição Federal dispõe que “ a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Com efeito, o direito à fruição de um serviço de saúde de qualidade e uma administração eficiente e voltada ao bem comum são interesses difusos, pois afetos a toda a coletividade e difundidos entre número indeterminado de pessoas. Dentre as funções institucionais do Ministério Público Federal, previstas no art. 129, III, da atual Carta Magna, consta a de "(...) promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos ". Nesse mesmo sentido, as disposições da LC n. 75/93 (art. 5º, II, “d” e III, “d” e o art. 6º, VII, “a” e “b” e XIV,”g”) e Lei n. 7.347/85 (art.1º, I e IV, e art. 5º). Some-se a isso que “ o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis ” (art. 127, caput, da CF/88). É, portanto, atribuição do Ministério Público promover as medidas necessárias para que o Poder Público, por meio dos serviços de relevância pública, respeite os direitos assegurados na Constituição Federal, como o direito à informação, à saúde e ao irrestrito acesso a atendimentos e a tratamentos médicos condizentes com a dignidade da pessoa humana. Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO 3. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL Nos termos do disposto no artigo 109, inciso I, da Constituição Federal, compete aos juízes federais processar e julgar “ as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho”. Os recursos que compõem o Sistema Único de Saúde são oriundos da seguridade social, da União, dos Estados e dos Municípios, além de outras fontes, conforme prevê o artigo 198, § 1º, da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional n. 29, de 13 de setembro de 2000. O reformador constituinte também acrescentou os §§ 2º e 3º ao mencionado dispositivo constitucional, os quais dispõem que: Art. 198 As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: (...) §2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: I – no caso da União, a receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro, não podendo ser inferior a 15% (quinze por cento); (...) § 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá: (...) II – os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais; A Lei Complementar n. 141, de 13 de janeiro de 2012, foi editada para regulamentar o § 3º do artigo 198 da Constituição Federal e, em seu artigo 18, dispõe que: “Os recursos do Fundo Nacional de Saúde, destinados a despesas com as ações e serviços Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO públicos de saúde, de custeio e capital, a serem executados pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios serão transferidos diretamente aos respectivos fundos de saúde, de forma regular e automática, dispensada a celebração de convênios ou outros instrumentos jurídicos”. Assim, a transferência dos recursos para despesas com ações e serviços da saúde ocorrem ordinariamente por meio de repasses automáticos fundo a fundo, sendo excepcionais as transferências de recursospela via voluntária de celebração de convênios para finalidades específicas, tal como, por exemplo, para aquisição de ambulâncias ou equipamentos hospitalares. Quanto à fiscalização da aplicação correta dos recursos, o artigo 33, § 4º, da Lei n. 8.080/90, estabelece, expressamente, a competência do Ministério da Saúde para acompanhar, através de seu sistema de auditoria, a conformidade à programação aprovada da aplicação dos recursos repassados a estados e municípios, sendo que, em hipótese de malversação, desvio ou não aplicação dos recursos, caberá ao Ministério da Saúde a aplicação das medidas legais. O artigo 3º do Decreto n. 1.233/94 também prevê a fiscalização exercida pelos órgãos de Controle Interno do Poder Executivo e do Tribunal de Contas da União sobre os recursos transferidos pelo Fundo Nacional de Saúde aos fundos estaduais e municipais de saúde1. A Lei Complementar n. 141/2012 manteve esse sistema de auditoria federal nas hipóteses de transferências automáticas do Fundo Nacional de Saúde aos fundos estaduais e municipais, conforme se depreende do teor do seu artigo 39, §5º2. 1 Art. 3º. Os recursos transferidos pelo Fundo Nacional de Saúde serão movimentados, em cada esfera de governo, sob a fiscalização do respectivo Conselho de Saúde, sem prejuízo da fiscalização exercida pelos órgão de Controle Interno do Poder Executivo e do Tribunal de Contas da União. 2 Art. 39 (…) §5º O Ministério da Saúde, sempre que verificar o descumprimento das disposições previstas nesta Lei Complementar, dará ciência à direção local do SUS e ao respectivo Conselho de Saúde, bem como aos órgãos de auditoria do SUS, ao Ministério Público e aos órgãos de controle interno e externo do respectivo ente da Federação, observada a origem do recurso para a adoção das medidas cabíveis. Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO A presente ação tem por objetivo implementar, no município de Rio Branco/AC, mecanismo de controle eletrônico de ponto para todos os profissionais da área da saúde que prestem serviços no âmbito do SUS, o qual se mostra mais eficiente e menos suscetível a fraudes, sendo evidente o interesse federal em evitar a malversação dos recursos investidos na área da saúde, que são, em parte, provenientes do Fundo Nacional de Saúde. Nesse sentido, também entende o TCU quanto à presença do interesse federal e fiscalização por parte daquela corte de contas, em se tratando de verba federal transferida ao fundo estadual ou municipal, automaticamente. Confira-se: Ora, embora incorporadas ao fundo estadual ou municipal, as verbas transferidas não deixam de ser federais, pois, conforme entendimento do Tribunal de Contas da União, o conjunto de objetivos e compromissos que a legislação impõe aos integrantes do SUS caracteriza relação convenial entre a União e as demais esferas de governo. Assim, os recursos permanecem sujeitos à fiscalização do órgão federal de controle. A competência fiscalizadora do TCU decorre da natureza federal dos recursos repassados fundo a fundo pelo FNS para Estados, Distrito Federal e Municípios. Mediante a Decisão – TCU n. 506/1997 – Plenário – Ata 31/97, o Tribunal firmou entendimento, no sentido de que os recursos repassados pela União no âmbito do SUS, aos Estados, Distrito Federal e Municípios constituem recursos federais e, dessa forma, estão sujeitos à fiscalização do TCU as ações e os serviços de saúde pagos à conta desses recursos, quer sejam os mesmos transferidos pela União mediante convênio, quer sejam repassados com base em outro instrumento ou ato legal, como a transferência automática fundo a fundo. Os recursos transferidos fundo a fundo pelo Ministério da Saúde – MS não deixam de ser federais por passarem a integrar os Fundos Estaduais, do Distrito Federal e Municipais de Saúde ou por estarem previstos nos orçamentos de Estados e Municípios. Trata-se de exigência orçamentária fixada nas Leis n. 4.320/1964 e 8.080/1990 (vide também NOB/MS n. 01/93, item 5, subitem 4.1.1). Logo, há necessidade de se prestar contas ao órgão repassador dos recursos recebidos, segundo as normas aplicáveis ao SUS. O fato de não ser a União nem fundação, autarquia ou empresa pública federal autora ou ré da presente ação não afasta a presença do interesse federal, que se depreende do art. 109, I, da CF e justifica a competência da Justiça Federal. Esse ponto é esclarecido por Alexandre Amaral Gavronski3: 3 Manual do Procurador da República. Ed. 2. Salvador: Juspodium, 2014, p. 647 e 650. Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 6 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO (…) para configurar o interesse federal de que trata o inciso I do art. 109 não é imprescindível que os entes nele referidos figurem formalmente no polo ativo, bastando que interesses por ele utilizados (interesses federais) estejam sendo defendidos pelo Ministério Público Federal em razão de uma coincidência total ou parcial desses interesses com aquelas cuja defesa é incumbido o Ministério Público. (…) Para fixar a competência da Justiça Federal a partir da identificação de interesse federal em ação promovida pelo Ministério Público Federal impende identificar a presença de interesse jurídico, não meramente econômico, da União ou dos demais entes federais referidos no inciso I do art. 109 que seria suficiente, ao menos em tese, a legitimar a inclusão desses entes no polo ativo, pois, como visto, a competência cível se fixa, de regra, em razão da pessoa. Além disso, conforme será minudenciado a seguir na parte dos fundamentos jurídicos, o Ministério da Saúde, no exercício de sua competência de direção nacional do Sistema Único de Saúde, editou norma de caráter geral, a qual vincula todos os entes integrantes do sistema, a saber, a Portaria n. 2.571, de 12 de novembro de 2012, a qual estabelece o ponto eletrônico biométrico como mecanismo obrigatório de controle de frequência dos profissionais da saúde no âmbito do SUS. Desse modo, estando o Município de Rio Branco/AC descumprindo tal norma de caráter geral, editada pelo Ministério da Saúde 4, e sendo nítido o interesse federal consistente no repasse de verbas efetuado ao Município de Rio Branco/AC pela União, manif estas a competência da Justiça Federal e a legitimidade do Ministério Público Federal. Além disso, está em discussão o direito dos usuários do SUS, o cumprimento e o controle da carga horária prevista na Portaria 2.488/2011 do Ministério da Saúde e, por conseguinte, a qualidade do serviço de saúde prestado à coletividade. Aquela mesma portaria estabelece requisitos mínimos para manutenção da transferência dos recursos públicos federais específicos para os municípios que implantarem as equipes de saúde da família. Havendo a inobservância desses requisitos, o repasse federal será suspenso, conforme 4 Segundo o Procurador da República Edílson Vitorelli Diniz Lima, no artigo 'Atribuição do Ministério Público Federal em matéria de Saúde', “ as regras do SUS se encontram regulamentadas não só pela Constituição e por leis, mas também por atos normativos expedidos pelo Ministério da Saúde – as portarias.” Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 7 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO preceitua a sobredita portaria: O Ministério da Saúde suspenderá os repasses dos incentivos referentes às equipes e aos serviços citados acima, nos casos em que forem constatadas, por meio do monitoramento e/ou da supervisão direta do Ministério da Saúde ou da Secretaria Estadual de Saúde ou por auditoria do DENASUS ou dos órgãos de controle competentes,qualquer uma das seguintes situações: I - inexistência de unidade básica de saúde cadastrada para o trabalho das equipes e/ou; II - ausência, por um período superior a 60 dias, de qualquer um dos profissionais que compõem as equipes descritas no item D , com exceção dos períodos em que a contratação de profissionais esteja impedida por legislação específica, e/ou; III - descumprimento da carga horária mínima prevista para os profissionais das equipes; e IV - ausência de alimentação de dados no Sistema de Informação definidos pelo Ministério da Saúde que comprovem o início de suas atividades. (sem realce no original) Tanto há interesse federal que, se não for cumprida a carga horária mínima na estratégia de saúde da família, a União pode suspender os repasses dos incentivos para o município. Importante destacar, por fim, que a jurisprudência sedimentou a competência da Justiça Federal para todas as demandas em que o Ministério Público Federal figurar como legitimado para promoção da ação. Nesse sentido, citem-se as seguintes decisões do Superior Tribunal de Justiça: CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÕES CIVIS PÚBLICAS PROPOSTAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E ESTADUAL. CONSUMIDOR. CONTINÊNCIA ENTRE AS AÇÕES. POSSIBILIDADE DE PROVIMENTOS JURISDICIONAIS CONFLITANTES. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. A presença do Ministério Público federal, órgão da União, na relação jurídica processual como autor faz competente a Justiça Federal para o processo e julgamento da ação (competência 'ratione personae') consoante o art. 109, inciso I, da CF/88. 2. Evidenciada a continência entre a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em relação a outra ação civil pública ajuizada na Justiça Estadual, impõe-se a reunião dos feitos no Juízo Federal. 3. Precedentes do STJ: CC 90.722/BA, Rel. Ministro José Delgado, Relator p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, DJ de 12.08.2008; CC 90.106/ES, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, DJ de 10.03.2008 e CC 56.460/RS, Relator Ministro José Delgado, DJ de 19.03.2007. 4. DECLARAÇÃO DA COMPETÊNCIA Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 8 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO DO JUÍZO FEDERAL DA 15ª VARA CÍVEL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO PARA O JULGAMENTO DE AMBAS AÇÕES CIVIS PÚBLICAS. 5. CONFLITO DE COMPETÊNCIA JULGADO PROCEDENTE (CC 201000897487, PAULO DE TARSO SANSEVERINO - SEGUNDA SEÇÃO, DJE DATA:01/12/2010). CONFLITO DE COMPETÊNCIA – AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL – CONVÊNIO ENTRE MUNICÍPIO E ENTE FEDERAL – UTILIZAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS PÚBLICOS – AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA IDÊNTICA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – CONVÊNIO RELATIVO AO PROGRAMA "SAMU-192" – ATRIBUIÇÃO DO TCU DE FISCALIZAR CORRETA APLICAÇÃO DO REPASSE – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. Nos termos do inciso I, do art. 109, da CF/88, a competência cível da Justiça Federal define-se pela natureza das pessoas envolvidas no processo – rationae personae –, sendo desnecessário perquirir a natureza da causa (análise do pedido ou causa de pedir), excepcionando-se apenas as causas de falência, de acidente do trabalho e as sujeitas às Justiças Eleitoral e do Trabalho. 2. O mero ajuizamento da ação pelo Ministério Público Federal, por entender estar configurado ato de improbidade administrativa, fixa a competência na Justiça Federal, nos termos da norma constitucional citada. 3. Ainda que não se entenda como exclusivo o critério subjetivo, a Súmula 208/STJ afirma que a natureza federal do órgão fiscalizador fixa a competência para o feito na Justiça Federal. 4. Manutenção da decisão que conheceu do conflito de competência para declarar competente o Juízo Federal da 5ª Vara de Ribeirão Preto - SJ/SP, suscitado. Agravo regimental improvido.(ARARCC 200900591428, HUMBERTO MARTINS - PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA: 04/09/2009). Diante do contexto constitucional e infraconstitucional, extrai-se que o Ministério Público Federal pode e deve promover todas as medidas necessárias – administrativas e/ou jurídicas – para a defesa do patrimônio público e dos interesses tutelados na presente ação, que no caso, visa assegurar o cumprimento da jornada dos profissionais municipais vinculados ao SUS, e, por consequência, garantir a real, concreta e escorreita aplicação dos recursos públicos federais, na forma da legislação supra mencionada, além de garantir parâmetros mínimos para qualidade do serviço de saúde. 4. RESUMO DOS FATOS O inquérito civil n. 1.10.000.000682/2014-62 foi instaurado na Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 9 data:01/12/2010 data:04/09/2009 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO Procuradoria da República no Acre a partir dos Ofícios Circulares n. 4 e 5/2014/PGR/5ª CCR/MPF. Por meio desses, a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal solicitou a adesão dos Procuradores da República na busca pela melhoria da qualidade do serviço público de saúde prestado à população dos municípios de todos os estados da Federação. No último Encontro Nacional da 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, decidiu-se implementar ações sobre o direito à saúde, bem como metas de coordenação nacionais, que permitissem que ações bem-sucedidas no âmbito local fossem reproduzidas nacionalmente. A fim de instruir os autos do inquérito civil n. 1.10.000.000682/2014- 62 foi expedida a Recomendação n. 12/2014, de 21/07/2014, ao Município de Rio Branco/AC, nas pessoas do Secretário Municipal de Saúde e do Prefeito Municipal, para: a) providenciar, no prazo de 60 (sessenta) dias, a instalação e o regular funcionamento de registro eletrônico de frequência dos servidores públicos vinculados ao Sistema Único de Saúde e, de modo especial, dos médicos e odontólogos; b) determinar, no mesmo prazo, a instalação em local visível das salas de recepção de todas as unidades públicas, inclusive hospitais públicos, unidades de pronto atendimento, postos de saúde, postos do programa “saúde da família” e outras eventualmente existentes, de quadros que informassem ao usuário, de forma clara e objetiva, o nome de todos os médicos e odontólogos em exercício na unidade naquele dia, sua especialidade e o horário de início e de término da jornada de trabalho de cada um deles. O quadro deveria informar também que o registro de frequência dos profissionais estaria disponível para consulta de qualquer cidadão; c) determinar às unidades públicas de saúde que fosse disponibilizado, para consulta de qualquer cidadão, o registro de frequência dos profissionais que ocupam cargos públicos vinculados, de qualquer modo, ao Sistema Único de Saúde; Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 10 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO d) providenciar, no prazo de 60 (sessenta) dias, a disponibilização, na internet, do local e horário de atendimento dos médicos e odontólogos que ocupam cargos públicos vinculados de qualquer modo ao Sistema Único de Saúde; e) estabelecer rotinas destinadas a fiscalizar o cumprimento do disposto na Recomendação, sob pena de responsabilidade pelas ilegalidades que viessem a ocorrer. Em resposta datada de 7 de outubro de 2014, o Município de Rio Branco informou que, mesmo compartilhando da preocupação do Parquet com a necessidade de se ter absoluto rigor na garantia da transparência e zelo com os recursos públicos e na qualidade de atendimento de saúde oferecido à população, não dispunha, no momento, de orçamento para implantação de controle de jornada eletrônico, hajavista que o já escasso recurso disponível para investimento na rede de assistência estava sendo priorizado para ampliação do acesso à estratégia saúde da família e aos serviços básicos, bem como a ampliação e qualificação dos serviços de apoio diagnóstico, tratamento e ações preventivas. Afirmou que o controle das atividades dos profissionais da área de saúde do município de Rio Branco é feito por meio da gerência das unidades de saúde a que estão vinculados, além do Departamento de Gestão de Pessoas da Secretaria Municipal de Saúde, que visita as unidades regularmente. O Município informou, ainda, que já se encontram disponíveis, em todas as unidades de saúde, as escalas de servidores, bem como os seus respectivos pontos manuais, os quais são acessíveis a todos os interessados que os queiram solicitar. Além disso, afirmou que as unidades de saúde são dotadas de um quadro com especificações dos serviços, servidores, horário de funcionamento e telefones úteis, como Ouvidoria e Conselho Municipal de Saúde5. 5 Ressalte-se, quanto a esse ponto, que, em pese o alegado pelo Município de Rio Branco, não há, nos autos, provas efetivas de que houve a devida implantação das escalas nas unidades de saúde, fazendo-se necessária, também quanto a esse ponto, provimento judicial apto a determinar o seu implemento pelo réu. Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 11 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO Frente a justificativa apresentada pelo Município de Rio Branco quanto ao não atendimento total ao que recomendado, com a finalidade de garantir a devida compreensão do procedimento objeto da recomendação, além de apresentar proposta de celebração de termo de ajustamento de conduta, foi designada reunião com o prefeito municipal e o secretário de saúde de Rio Branco para a data de 15 de abril de 2015. No dia 15 de abril de 2015, compareceram à reunião, realizada na sede desta Procuradoria da República, Marcus Alexandre Médici Aguiar Viana da Silva, Prefeito Municipal de Rio Branco; Maria Jesuíta Arruda, Secretária Adjunta de Saúde Rio Branco; e Maria Reginalda Lima da Silva, servidora da secretaria municipal de saúde de Rio Branco. Na ocasião, o prefeito afirmou, quanto ao controle eletrônico de jornada, que fora realizada licitação para aquisição e instalação dos pontos eletrônicos, estando pendente somente a formalização da contratação. Contudo, declarou, durante a reunião, que os conselhos dos profissionais de saúde, principalmente o CRM e o COREN, não ficaram satisfeitos com a ideia do cumprimento da recomendação proposta, sob o fundamento de que há profissionais de saúde que realizam atividades externas – atendimento residencial, etc – e que não seria possível o deslocamento diário até a unidade de saúde em que trabalha para registro diário de entrada e saída (principalmente os médicos do programa saúde da família). Quanto a esse ponto, o signatário asseverou, durante o encontro, que o ideal seria que houvesse o registro eletrônico de entrada e saída desses profissionais na unidade de saúde em que trabalham, mesmo havendo a realização de serviços externos durante a jornada de trabalho. Entretanto, afirmou que, dependendo do número de profissionais lotados na unidade de saúde, poderia haver a ressalva quanto à necessidade do registro eletrônico de frequência – conforme previsto na minuta do termo de ajustamento de conduta entregue durante a reunião, podendo tal situação ser negociada antes da formalização do TAC. Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 12 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO Ao final da reunião ficou acordado, conforme consignado em ata, que o Município de Rio Branco encaminharia, até o final do mês de maio , resposta quanto ao interesse na celebração do termo de ajustamento de conduta proposto, com as considerações que achasse pertinentes. Passado o prazo concedido para análise do interesse do município de Rio Branco na celebração de termo de ajustamento de conduta, sem que houvesse sido encaminhada resposta, este Órgão Ministerial oficiou ao município solicitando o seu posicionamento quanto a proposta de TAC. Em resposta, o município de Rio Branco informou que não haveria possibilidade na instalação de registro eletrônico de frequência dos servidores públicos da área da saúde, uma vez que o município não dispunha de recursos para a sua instalação, tendo em vista que a capital acriana, no ano de 2015, enfrentou grave enchente, o que ocasionou uma “quebra” da situação de normalidade orçamentária e fez com que o município replanejasse suas ações previstas para 2015 visando amenizar os danos, prejuízos e custos extras decorrentes da enchente. Dessa forma, diante das diligências empreendidas no inquérito civil n. 1.10.000.000682/2014-62, ficou clara a recusa da Administração Pública municipal em exigir de todos os profissionais da área da saúde o controle de frequência por meio digital. Isso demonstra a urgente necessidade de padronização na aferição da frequência de todos os servidores da área da saúde, bem como da adoção de meio eficiente para tal finalidade (ponto eletrônico). Ora, é notório o descontentamento da população pelo serviço de saúde prestado pelo SUS, sendo as principais queixas referentes ao longo tempo de espera para o agendamento de consultas, à curta duração das consultas – que às vezes não chegam a cinco minutos – e à ausência de médicos nas emergências. Tais reclamações da população se devem, em parte, à adoção desarrazoada de um controle absolutamente deficiente por parte do ente público. Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 13 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO Paralelamente, é sabido que médicos e odontólogos não costumam se dedicar exclusivamente ao serviço público, desempenhando diversas outras ocupações privadas, o que expõe o serviço público ao risco de que a carga horária do trabalho não seja cumprida, como, de fato, há indícios de que não é. O modelo de controle de frequência manual não é adequado para grandes estruturas, como a saúde, pois favorece a existência de fraudes. De fato, a folha de ponto permite irregularidades, como preenchimentos retroativos e inconsistentes com a realidade e descredibiliza o controle de frequência. A ausência de um sistema de controle eletrônico de jornada incentiva o descumprimento da carga horária para a qual o profissional de saúde foi contratado, prejudicando sobremaneira a prestação de um serviço de saúde de qualidade. O profissional médico e odontólogo é a peça central do atendimento de saúde e, portanto, a sua ausência, em desconformidade com a jornada pactuada, resulta em prejuízo para todo o Sistema Único de Saúde, causando filas de atendimento, atrasos em diagnósticos e tratamentos e, em casos mais graves, a morte de pacientes. No intento de proporcionar o cumprimento das medidas supra e por consectário a satisfação dos interesses da população diretamente afetada, deliberações foram tomadas por este Órgão Ministerial, como o alargamento de prazo para o oferecimento de respostas e adoção das medidas recomendadas, bem como para manifestação quanto ao interesse de celebração de termo de ajustamento de conduta. Contudo, o Município de Rio Branco não mostrou interesse na adoção das providências necessárias ao cumprimento integral das medidas recomendadas. Portanto, diante da recalcitrância da Administração Pública municipal, necessária a intervenção do Poder Judiciário na proteção dos preceitos constitucionais, impondo-se a adoção de providências judiciais aptas a determinar a instalaçãode registros eletrônicos de frequência para os servidores públicos vinculados ao SUS, bem como a garantir Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 14 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO o direito à informação dos usuários do SUS e o dever de transparência da Administração. 5. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS A Constituição Federal erigiu a saúde a direito fundamental, ao defini- la em seu artigo 6º como direito social. Já em seu artigo 196, a Carta Magna estabeleceu que: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Nesse contexto, é assente na doutrina que o direito à saúde, tal como assegurado na Constituição Federal, configura direito fundamental de segunda dimensão (geração), na qual são igualmente compreendidos os direitos sociais, culturais e econômicos, caracterizados por demandarem prestações positivas do Estado, devendo este deve agir operativamente para a consecução dos objetivos perfilhados na Constituição Federal. Cumpre ressaltar ainda que o art. 197 da Constituição Federal qualifica como de relevância pública as ações e os serviços de saúde. Tal dispositivo possui o evidente propósito de realçar, ainda mais, o caráter de essencialidade do direito fundamental à saúde na nova ordem constitucional, porquanto todo serviço instituído para concretizar um direito fundamental ostenta o caráter de relevância pública, independentemente de ser prestado diretamente pelo Estado ou por meio de entes privados. Comentando acerca da definição do direito à saúde como matéria de extrema relevância pública, asseveram os especialistas em Direito Sanitário Guido Ivan de Carvalho e Lenir Santos6: 6 Sistema Único de Saúde – Comentários à Lei Orgânica da Saúde, 3ª edição, Editora da Unicamp, p. 317. Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 15 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO Ao qualificar os serviços e ações de saúde como de relevância pública, não pretendeu o legislador constituinte dizer que os demais direitos humanos e sociais não têm relevância; quis o legislador talvez enunciar a saúde como um estado de bem-estar prioritário, fora do qual o indivíduo não tem condições de gozar outras oportunidades proporcionadas pelo Estado , como a educação, antecipando-se, assim, à qualificação de “relevância” que a legislação infraconstitucional deverá outorgar a outros serviços, públicos e privados. (realce no original) A principal consequência do enquadramento de uma norma na categoria dos direitos fundamentais é o reconhecimento de sua supremacia hierárquica – não apenas do ponto de vista formal, mas também sob a ótica axiológica – e, consequentemente, de sua força normativa diferenciada. Como corolário, a saúde surge como bem jurídico fundamental e a sua não salvaguarda por parte do Estado representa violação à Carta Política. Nessa conformidade, a fundamentalidade de que se revestem tais princípios não pode passar despercebida pelo intérprete, a quem cabe, através da hermenêutica constitucional, extrair- lhes o significado que proporcione maior possibilidade de gerar resultados concretos. É patente, pois, o dever do Estado (gênero) de disponibilizar os recursos necessários para que o direito subjetivo dos indivíduos à saúde, tratado extensivamente pela Constituição Federal, seja levado a efeito. Mas a prestação desse serviço público essencial deve se dar de modo imediato, sem que seja admitida qualquer espécie de escusa ou justificativa e, ainda, de maneira perfeita e acabada, conforme se depreende do artigo 198 da Constituição Federal, in verbis: Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: (...) II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; (sem grifo no original) A competência para legislar sobre a proteção e defesa da saúde, Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 16 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO conforme estabelece o artigo 24, inciso XII, da Constituição Federal, é concorrente entre os entes políticos da federação, cabendo à União estabelecer normas gerais. O artigo 198 da Constituição Federal estabelece, por sua vez, que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único. Assim, todas as esferas da federação – União, estados, Distrito Federal e municípios, participam, de forma coordenada , do sistema de saúde implantado, com direção única, por meio de rede descentralizada, regionalizada e hierarquizada. O sistema passou, com a Constituição de 1988, a ser unificado e não mais difundido por vários órgãos e ministérios, mas com direção única, gerida, em nível Federal, pelo Ministério da Saúde, a quem compete a direção de política nacional, e nos Estados e Municípios pelas respectivas Secretarias de Saúde. Entre as normas gerais estabelecidas pela União, encontram-se a Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, que regula, em todo o território nacional , as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito Público ou privado. O citado diploma legal dispôs em seu artigo 4º que constitui o Sistema Único de Saúde (SUS) o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, podendo a iniciativa privada participar do sistema, em caráter complementar. Já seu artigo 27, caput, estabelece que: Art. 27. A política de recursos humanos na área da saúde será formalizada e executada, articuladamente, pelas diferentes esferas de governo, em cumprimento dos seguintes objetivos: (…) IV – valorização da dedicação exclusiva aos serviços do Sistema Único de Saúde – SUS. Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 17 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO Vê-se a existência de norma de caráter geral, de observância obrigatória de todos os entes integrantes do SUS – União, Estados e Municípios – erigindo como princípio da política de recursos humanos do sistema único a valorização da dedicação exclusiva dos servidores da saúde. Na linha de tal princípio, o Ministério da Saúde, no âmbito de direção de política de recursos humanos, estabeleceu por meio da Portaria n. 2.571, de 12 de novembro de 2012, o uso do controle eletrônico de ponto para registro de assiduidade e pontualidade dos servidores públicos lotados e em exercício nos órgãos do Ministério da Saúde em todo o território nacional. Art. 1º Esta Portaria define o uso do controle eletrônico de ponto para registro de assiduidade e pontualidade dos servidores públicos lotados e em exercício nos órgãos do Ministério da Saúde. Parágrafo único. O controle eletrônico de ponto será aplicado em todos os órgãos do Ministério da Saúde em território nacional. É evidente que o Ministério da Saúde editou tal norma no uso de sua competência de direção nacional do Sistema Único de Saúde, constituindo a mesma norma de caráter geral de observância obrigatória a todos os profissionais que prestem serviços no âmbitodo SUS. O objetivo do Ministério da Saúde foi justamente o de padronizar os métodos de controle de recursos humanos de todos os entes integrantes do SUS, sendo o controle de ponto eletrônico regra de observância obrigatória à União, aos Estados e aos Municípios. Assim, nesse ponto, não há discricionariedade por parte das esferas de governo integrantes do sistema, mas sim, estrita observância à mencionada regra geral e cogente editada pelo Ministério da Saúde. A instalação de pontos eletrônicos, além de não atrair gastos excessivos para o Estado, tendo em vista o baixo custo do equipamento, é mecanismo que a Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 18 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO longo prazo tende a beneficiar não só a sociedade, principal interessada, mas também os profissionais da área, no caso, médicos e odontólogos, que terão mais segurança quanto ao tempo de serviço efetivamente prestado ao ente público. Em verdade, qualquer posicionamento que fuja a este ideal é intolerável e injustificado, sendo, inclusive, violador de preceito normativo. Com efeito, além da existência de normas no sentido de que o controle seja por meio eletrônico (Portaria n. 2.571/2012 do Ministério da Saúde), sendo que a sua não observância fere o princípio da legalidade, a conduta do gestor público da unidade federativa demandada, ao autorizar que os servidores da área da saúde ainda tenham sua assiduidade verificada por meio de ponto manual, fere o princípio constitucional expresso da eficiência, além de atingir o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais sociais , implícito na Constituição. Tais princípios são vetores da conduta administrativa, conferem legitimidade às suas decisões e propugnam pela higidez do sistema de gestão estatal. Ao negligenciar o cumprimento da obrigação normativa de garantir o funcionamento eficiente dos serviços essenciais à prestação de assistência à saúde da população usuária do SUS, especialmente, àqueles correlatados à estratégia saúde da família - ESF, através da presença dos profissionais de saúde em seus locais de trabalho , durante o horário normal de expediente, o ente demandado põe em evidente perigo o direito à saúde dos usuários, incorrendo em conduta manifestamente ilícita, violando todo o arcabouço de normas relativas ao direito à saúde. 5.1. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE Conforme já citado, no âmbito de direção de política de Recursos Humanos, o Ministério da Saúde estabeleceu por meio da Portaria n. 2.571, de 12 de novembro de 2012, o uso do controle eletrônico de ponto para registro de assiduidade e Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 19 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO pontualidade dos servidores públicos lotados e em exercício nos órgãos do Ministério da Saúde em todo o território nacional. O Ministério da Saúde, ao editar a Portaria 2.571/2012, vinculou os administradores de todos os entes federados integrantes do sistema a seguir o modelo por ele adotado, estabelecendo uma política de eficiência na fiscalização de controle de horários dos profissionais do Sistema Único de Saúde, seguindo os ditames da valorização da dedicação exclusiva ao Sistema Único de Saúde (art. 27, inciso IV, da Lei 8.080/90), bem como da atuação coordenada e harmônica entre os entes federados.7 Eventuais alegações quanto a ausência de recursos para custear a aquisição do equipamento de ponto eletrônico não justificam o descumprimento dos preceitos normativos da Portaria n. 2571/2012 do Ministério da Saúde, os quais incisivamente determinam a instalação do dispositivo biométrico. Ratificando o entendimento hora explanado, merece destaque a exposição doutrinária mais abalizada. Nesse sentido: Por mais que os poderes públicos como destinatários precípuos de um direito à saúde, venha a opor – além da já clássica alegação de que o direito à saúde (a exemplo dos direitos sociais prestacionais em geral) foi positivado como norma de eficácia limitada – os habituais argumentos das ausências de recursos e da incompetência dos órgãos judiciários para decidirem sobre a alocação e destinação de recursos públicos, não nos parece que esta solução possa prevalecer, ainda mais nas hipóteses em está em jogo a preservação do bem maior da vida humana. O que se pretende realçar, por ora, é que, principalmente no caso do direito à saúde, o reconhecimento de um direito originário a prestações, no sentido de um direito subjetivo (individual ou mesmo coletivo, a depender do caso) a prestações materiais (ainda que limitadas ao estritamente necessário para a preservação da vida humana), diretamente deduzido do texto da Constituição, constitui exigência inarredável da própria condição do direito à saúde como direito fundamental, ou seja, como trunfo contra a maioria […]. (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, Curso de direito constitucional, 2014, p. 593) 7 Segundo Mônica de Almeida Magalhães Serrano, “A atuação das esferas federadas deve ser coordenada, cabendo à União, como já afirmado, a direção nacional do sistema único de saúde, aos Estados a direção no âmbito regional de cada Estado e, finalmente, aos Municípios a gestão das ações e recursos em matéria de saúde”, em O Sistema Único de Saúde e suas Diretrizes Constitucionais, Editora Verbatim, p 80. Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 20 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO A violação de disposições legais, seja de âmbito constitucional, legal ou infralegal, é prática que deve ser rechaçada, já que incompatível com a própria noção de ordem no sistema público, capaz de lesar o princípio da legalidade. No caso, é nítido o desrespeito manifestado pelos gestores públicos aos ditames mais basilares da estrutura do Sistema Único de Saúde mediante a falta de adoção de medidas para a melhoria da prestação dos serviços públicos na área da saúde no município de Rio Branco/AC. 5.2. PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA Atento à necessidade de conferir direitos aos usuários dos diversos serviços prestados pela Administração ou por seus delegados e estabelecer obrigações efetivas aos prestadores, o constituinte reformador, por meio da EC 19/1998, acrescentou ao caput do artigo 37 o princípio da eficiência.8 Assim, é dever constitucional de todos os agentes públicos fazer o melhor uso possível de sua competência, ou seja, o maior número de atividades no interesse público com o menor empenho de recursos possível. O município em questão, pelo que até então apurado, não implementou controle adequado do cumprimento da jornada de trabalho dos profissionais da saúde. O controle efetivo da jornada de trabalho proporciona melhor resultado na qualidade do serviço ofertado à população ao tempo em que possibilita o uso mais adequado de recursos humanos disponíveis. Ao se omitir na adoção de mecanismos mais efetivos de fiscalização 8 No esteio de tal princípio, o Decreto nº 1.867, de 17 de abril de 1996, dispõe sobre os instrumentos de registro de assiduidade e pontualidade dos servidores públicos federais da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional. Neste diploma normativo, há a expressa menção da obrigatoriedade do controle de frequência por meio eletrônico. Observe-se seu art. 1º: “Art. 1° O registro de assiduidade e pontualidade dos servidores públicos federais da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional será realizado mediante controle eletrônico de ponto.” Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 21 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NOESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO do cumprimento do horário de trabalho dos servidores da saúde, incorre a direção municipal do SUS em patente violação não só ao direito fundamental à saúde dos usuários, mas também em grave ofensa ao princípio constitucional da eficiência administrativa, pelo qual os recursos públicos devem ser despendidos com o máximo de proveito à finalidade a que se destinam. Em profícuo estudo desenvolvido sobre o tema, assinala Alexandre de Moraes9: Princípio da eficiência é o que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar desperdícios e garantir uma maior rentabilidade social. (...) A ideia de defesa do bem comum enquanto finalidade básica da atuação da Administração Pública decorre da própria razão da existência do Estado, norteando a adoção do princípio da eficiência. (...) O princípio da eficiência vem reforçar a possibilidade de o Ministério Público, com base em sua função constitucional de zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promover as medidas necessárias, judicial e extrajudicialmente, à sua garantia (CF, art. 129, II). Como decidiu o Superior Tribunal de Justiça, ‘a Administração Pública é regida por vários princípios: legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade (CF, art. 37). Outros também evidenciam-se na Carta Política. Dentre eles, o princípio da eficiência. A atividade administrativa deve orientar-se para alcançar resultado de interesse público. Assim, ante a violação do direito fundamental à saúde, inconteste é o dever imposto à Administração de efetivar as normas constitucionais e legais invocadas. E que não se venha falar em invasão da discricionariedade administrativa ou do tão propalado “poder discricionário da Administração”, uma vez que essa prerrogativa não concede ao administrador a possibilidade de optar pela manutenção de uma situação totalmente ilegal, visto que a única forma de os gestores do Sistema Único de Saúde cumprirem a lei é exercendo uma fiscalização eficiente do cumprimento da carga horária de trabalho dos 9 Princípio da Eficiência e Controle Jurisdicional dos Atos Administrativos Discricionários. Revista de Direito Administrativo n. 243, Ed. Atlas, p. 13-28. Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 22 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO servidores da saúde, bem como, divulgando as informações necessárias à fiscalização pelos próprios usuários, no interior dos estabelecimentos de saúde. Frise-se que qualquer outro comportamento implica em desobediência às normas referidas nessa postulação, o que requer imediata e eficaz atuação do Poder Judiciário, a fim de que cesse esse desrespeito à saúde das pessoas usuárias dos serviços públicos de saúde. De fato, a partir do momento em que não há mecanismos aptos a aferir com presteza o cumprimento da jornada semanal e diária dos servidores públicos, tem-se prejudicada a qualidade dos serviços prestados à população, em total afronta ao princípio da eficiência. A Administração Pública não pode estar isenta à evolução tecnológica contemporânea, sob pena de, ante a discrepância entre os mecanismos de gerência utilizados pelo Estado e o desenvolvimento da sociedade, deixar de cumprir o mandamento da eficiência e, no caso em concreto, subjugar-se a interesses corporativos e privados. Assim, é importante destacar que, mesmo que se entendesse que há discricionariedade no estabelecimento do ponto eletrônico por parte da administração municipal, ela deixa de existir na exata medida da sua ineficiência. Quando constatado, como se viu acima, que essa liberdade do administrador tem sido utilizada em evidente prejuízo ao efetivo cumprimento das obrigações dos servidores e em detrimento da comunidade local, adentra-se em desrespeito à própria constitucionalidade do ato por ferir frontalmente o princípio da eficiência. 5.3. PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS O princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais consiste Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 23 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO em atribuir, na interpretação das normas protetivas de tais direitos, o sentido de maior eficácia, utilizando todas as suas potencialidades. Em situações concretas, o intérprete deve fazer uma interpretação expansiva de tais normas, de forma a lhes conferir uma maior eficácia, tornando-as mais densas e fortalecidas. Tendo a saúde sido alçada pela Constituição Federal a direito social de todos, dúvida não há que a Administração deve, sempre, adotar a conduta que melhor garanta tal direito à população. Relativizar a importância desse direito social, é, em verdade, desconsiderar a magnitude do direito direito à vida, que, independentemente de previsão constitucional, é premissa inerente ao jus naturalis. Logo, é imperioso que todos os Poderes, em especial o Executivo – haja vista sua atividade típica de administrar e executar – ponham em prática os preceitos programáticos previstos na Constituição, de forma imediata e mediata, como é o caso da instalação de pontos eletrônicos de frequência, adotando assim, a conduta que melhor garanta o direito à saúde para toda a população. 5.4. POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO BÁSICA E DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA O Ministério da Saúde, usando de suas atribuições constitucionais e legais, por meio da Portaria GM/MS nº 2.488/2011, aprovou a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). A estratégia saúde da família é a “ forma prioritária para organização da atenção básica no Brasil ”. Segundo a referida portaria, uma das diretrizes da atenção básica é “ possibilitar o acesso universal e contínuo a serviços de saúde de qualidade e Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 24 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO resolutivos”. No que tange às competências, de um lado a portaria estabelece que compete ao Ministério da Saúde “ garantir fontes de recursos federais para compor o financiamento da Atenção Básica”, de outro, às secretarias municipais de saúde, cumpre destacar, competem: manter as diretrizes e os princípios gerais regulamentados na Portaria (inciso I); “ assegurar o cumprimento da carga horária integral de todos os profissionais que compõe as equipes de atenção básica , de acordo com as jornadas de trabalho especificadas no SCNES e a modalidade de atenção” (inciso XVI – destaquei). No item D da portaria, dispôs-se sobre “ os recursos que estão condicionados à implantação de estratégias e programas prioritários, tais como os recursos específicos para os municípios que implantarem as equipes de Saúde da Família, equipes de Saúde Bucal, de Agentes Comunitários de Saúde, dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família, dos Consultórios na Rua, de Saúde da Família Fluviais e Ribeirinhas, de Atenção Domiciliar, Programa Saúde na Escola (PSE), microscopistas e a Academia da Saúde”. Deve-se destacar o seguinte: 1. Equipes de Saúde da Família (SF): os valores dos incentivos financeiros para as Equipesde Saúde da Família implantadas serão transferidos a cada mês, tendo como base o número de Equipe de Saúde da Família (ESF) registrados no sistema de Cadastro Nacional vigente no mês anterior ao da respectiva competência financeira. […] 4. Núcleo de Apoio de Saúde da Família (NASF) O valor do incentivo federal para o custeio de cada NASF, dependerá da sua categoria (1 ou 2) e será determinado em portaria específica. Os valores dos incentivos financeiros para os NASF implantados serão transferidos a cada mês, tendo como base o número de NASF cadastrados no SCNES. O registro de procedimentos referentes à produção de serviços realizada pelos profissionais cadastrados nos NASF deverá ser realizado no sistema indicado pelo Ministério da Saúde, mas não gerarão créditos financeiros. 5. Agentes Comunitários de Saúde (ACS) Os valores dos incentivos financeiros para as equipes de ACS implantadas são transferidos a cada mês, tendo como base o número de Agentes Comunitários de Saúde (ACS), registrados no sistema de Cadastro Nacional vigente no mês anterior ao da respectiva competência financeira. Será repassada uma parcela extra, no último trimestre de cada ano, cujo valor será calculado com base no número de Agentes Comunitários de Saúde, registrados no cadastro de equipes e profissionais Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 25 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO do SCNES, no mês de agosto do ano vigente. Todavia, para efetivação das transferências dos recursos, há condicionantes bem claras, relacionadas com a inserção de dados mensalmente no Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde pelos gestores municipais e com o cumprimento da carga horária (para não suspensão). Sobre a efetivação do repasse dos recursos referentes ao item D A efetivação da transferência dos recursos financeiros descritos no item D tem por base os dados de alimentação obrigatória do Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, cuja responsabilidade de manutenção e atualização é dos gestores dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, estes devem: I - transferir os dados mensalmente, para o Departamento de Informática do SUS - DATASUS, por via magnética, de acordo com o cronograma definido anualmente pelo SCNES; Estes repasses podem ser suspensos pelo Ministério da Saúde em algumas situações, entre as quais está o descumprimento da jornada. Sobre a suspensão do repasse dos recursos referentes ao item D O Ministério da Saúde suspenderá os repasses dos incentivos referentes às equipes e aos serviços citados acima, nos casos em que forem constatadas, por meio do monitoramento e/ou da supervisão direta do Ministério da Saúde ou da Secretaria Estadual de Saúde ou por auditoria do DENASUS ou dos órgãos de controle competentes, qualquer uma das seguintes situações: […] III - descumprimento da carga horária mínima prevista para os profissionais das equipes; e IV - ausência de alimentação de dados no Sistema de Informação definidos pelo Ministério da saúde que comprovem o início de suas atividades. (grifei) 5.5. VIOLAÇÃO DA JORNADA DA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA – ESF Consigne-se, nesse passo, que a Portaria GM/MS nº 2.488/2011 dispôs sobre a jornada de trabalho dos profissionais que atuam na Atenção Básica. Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 26 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO Verdade que os servidores têm seu vínculo com os municípios e não com a União, todavia, os municípios, por sua vez, se obrigaram a cumprir as regras estabelecidas para o recebimento dos repasses de recursos. O vínculo, portanto, é entre os entes federados. Dispõe a referida portaria, por exemplo, que a carga horária dos profissionais integrados às equipes dos Estratégia Saúde da Família (PSF) de é 40h semanais, para todos os profissionais de saúde membros da equipe de saúde da família, à exceção dos profissionais médicos, cuja jornada poderá ser de 20, 30 ou 40h semanais, conforme caso especificado no diploma normativo referido, não deixando espaço, assim, para qualquer alteração no âmbito local, para os Municípios participantes da referida política de saúde, ao estatuir: Compete às Secretarias Municipais de Saúde e ao Distrito Federal: [...] XVI - assegurar o cumprimento da carga horária integral de todos os profissionais que compõe as equipes de atenção básica, de acordo com as jornadas de trabalho especificadas no SCNES e a modalidade de atenção. Especificidades da equipe de saúde da família São itens necessários à estratégia Saúde da Família: [...] IV - cadastramento de cada profissional de saúde em apenas 01 (uma) ESF, exceção feita somente ao profissional médico que poderá atuar em no máximo 02 (duas) ESF e com carga horária total de 40 (quarenta) horas semanais; e V - carga horária de 40 (quarenta) horas semanais para todos os profissionais de saúde membros da equipe de saúde da família , à exceção dos profissionais médicos, cuja jornada é descrita no próximo inciso. A jornada de 40 (quarenta) horas deve observar a necessidade de dedicação mínima de 32 (trinta e duas) horas da carga horária para atividades na equipe de saúde da família podendo, con-forme decisão e prévia autorização do gestor, dedicar até 08 (oito) horas do total da carga horária para prestação de serviços na rede de urgência do município ou para atividades de especialização em saúde da família, residência multiprofissional e/ou de medicina de família e de comunidade, bem como atividades de educação permanente e apoio matricial. Serão admitidas também, além da inserção integral (40h), as seguintes modalidades de inserção dos profissionais médicos generalistas ou especialistas em saúde da família ou médicos de família e comunidade nas Equipes de Saúde da Família, com Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 27 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO as respectivas equivalências de incentivo federal: I - 2 (dois) médicos integrados a uma única equipe em uma mesma UBS, cumprindo individualmente carga horária semanal de 30 horas (equivalente a 01 (um) médico com jornada de 40 horas semanais), com repasse integral do incentivo financeiro referente a uma equipe de saúde da família; II - 3 (três) médicos integrados a uma equipe em uma mesma UBS, cumprindo individualmente carga horária semanal de 30 horas (equivalente a 02 (dois) médicos com jornada de 40 horas, de duas equipes), com repasse integral do incentivo financeiro referente a duas equipes de saúde da família; III - 4 (quatro) médicos integrados a uma equipe em uma mesma UBS, com carga horária semanal de 30 horas (equivalente a 03 (três) médicos com jornada de 40 horas semanais, de três equipes), com repasse integral do incentivo financeiro referente a três equipes de saúde da família; IV - 2 (dois) médicos integrados a uma equipe, cumprindo individualmente jornada de 20 horas semanais , e demais profissionais com jornada de 40 horas semanais, com repasse mensal equivalente a 85% do incentivo financeiro referente a uma equipe de saúde da família; e V - 1 (um) médico cumprindo jornada de 20 horas semanais e demais profissionais com jornada de 40 horas semanais, com repasse mensal equivalente a 60% do incentivo financeiro referente a uma equipe de saúde da família. Tendo em vista a presença do médico em horário parcial, o gestor municipal deve organizar os protocolos de atuação da equipe, os fluxos e a retaguarda assistencial, para atender a esta especificidade. Além disso, é recomendável que o número de usuários por equipe seja próximo de 2.500 pessoas. As equipes com esta configuração são denominadas EquipesTransitórias, pois, ainda que não tenham tempo mínimo estabelecido de permanência neste formato, é desejável que o gestor, tão logo tenha condições, transite para um dos formatos anteriores que prevêem horas de médico disponíveis durante todo o tempo de funcionamento da equipe. O Ministério da Saúde, no exercício de sua competência constitucional de disciplinar, no âmbito do Sistema Único de Saúde, a forma de aplicação da legislação federal reguladora desse mesmo sistema, editou a Portaria nº 1.820, de 13 de agosto de 200910, que institui a Carta de Direitos dos Usuários da Saúde, enunciando, em seu art. 2º, que “ toda pessoa tem direito ao acesso a bens e serviços ordenados e organizados para garantia da promoção, prevenção, proteção, tratamento e recuperação da saúde ”, estatuindo ainda: Art. 3º - Toda pessoa tem direito ao tratamento adequado e no tempo certo para resolver o seu problema de saúde. 10 DOU – Seção 1, nº 155, 14 de agosto de 2009, p. 80-81. Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 28 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO Parágrafo único. É direito da pessoa ter atendimento adequado, com qualidade, no tempo certo e com garantia de continuidade do tratamento, para isso deve ser assegurado: I – atendimento ágil , com tecnologia apropriada, por equipe multiprofissional capacitada e com condições adequadas de atendimento; Ora, para que o usuário do SUS possa receber tratamento adequado e no tempo certo , além de atendimento ágil, com tecnologia apropriada, por equipe multiprofissional capacitada e com condições adequadas de atendimento, é óbvio que os servidores da saúde devem estar presentes nos estabelecimentos em que são lotados, durante todo o horário normal de expediente de trabalho, o que não tem sido regularmente cumprido nos serviços públicos de saúde municipais, gerando deficiências no atendimento disponibilizado à população em geral, especialmente à imensa parcela desprovida de recursos financeiros, totalmente dependente do atendimento ofertado pelo Sistema Único de Saúde. 5.6. PROPORCIONALIDADE DO CONTROLE DE JORNADA POR MEIO ELETRÔNICO É inadmissível a persistência dessa anacrônica realidade no interior da máquina pública, que tem viabilizado, a um só tempo, prejuízos aos usuários dos serviços públicos de saúde e fraude prejudicial contra União. Como se viu acima, cumpre à Secretaria Municipal de Saúde proceder o controle da jornada dos profissionais, sendo tal medida uma das condicionantes para continuar recebendo os repasses mensais. Compete às Secretarias Municipais de Saúde e ao Distrito Federal: [...] XVI - assegurar o cumprimento da carga horária integral de todos os profissionais que compõe as equipes de atenção básica, de acordo com as jornadas de trabalho especificadas no SCNES e a modalidade de atenção. A partir do momento em que não há mecanismos aptos a aferir com Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 29 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO presteza o cumprimento da jornada semanal de 40 horas por profissionais que atuam no âmbito da Estratégia Saúde da Família e de toda Política de Atenção Básica, incentivada com recursos públicos advindos da União, tem-se prejudicada a qualidade dos serviços prestados. E outra não pode ser a conclusão: é patente a necessidade da implantação do controle eletrônico da jornada dos profissionais atuantes no âmbito da Política de Atenção Básica pelo Município de Rio Branco, ante à total omissão da Administração Pública municipal. Sob o aspecto financeiro, eventual objeção quanto ao custo decorrente da implementação de novos métodos de fiscalização das jornadas não é aceitável, notadamente porque não é tão alto, além de que é em muito superado pelo benefício que acarretará aos usuários dos serviços. Outrossim, maior ainda é o prejuízo mensal que vem se imprimindo à União – porque se está recebendo os repasses dos recursos indevidamente. Impende, ainda, destacar que é melhor para a municipalidade realizar uma pequena despesa para efetivar o controle da jornada dos profissionais atuantes na Política de Atenção Básica do que se deparar com a suspensão feita pelo Ministério da Saúde dos incentivos financeiros referentes ao Estratégia Saúde da Família, por exemplo. Diante da omissão deliberada do gestor municipal, necessária a intervenção do Poder Judiciário para garantir a proteção aos preceitos constitucionais e a probidade administrativa, além de dar mais efetividade ao direito fundamental à saúde. O meio, qual seja, a implementação do controle eletrônico de frequência, não só é justificável e proporcional, como também é a forma eficaz e adequada para obtenção do resultado pretendido pela Lei e pelo interesse público. 5.7. AUSÊNCIA DE PUBLICIDADE E DA INEXISTÊNCIA DA ACCOUNTABILITY A Portaria n. 1820/2009 estabeleceu a “Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde”, aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) em sua 198ª Reunião Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 30 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO Ordinária, em 17 de junho de 2009. Trata-se de importante ferramenta para que o cidadão brasileiro, conheça seus direitos e possa ajudar o Brasil a ter um sistema de saúde com muito mais qualidade. O documento, que tem como base seis princípios básicos de cidadania, caracteriza- se como uma importante ferramenta para que o cidadão conheça seus direitos e deveres no momento de procurar atendimento de saúde, tanto público como privado. Dentre os direitos do usuário da saúde, a citada Carta estabelece, em seu art. 7º, § 3º, o dever da Administração de informar, em cada serviço de saúde, o horário de trabalho de cada membro da equipe ali atuante. Cite-se: Art. 7º - Toda pessoa tem direito à informação sobre os serviços de saúde e aos diversos mecanismos de participação. [...]; § 3º Em cada serviço de saúde deverá constar, em local visível à população: I - nome do responsável pelo serviço; II - nomes dos profissionais; III - horário de trabalho de cada membro da equipe, inclusive do responsável pelo serviço; e IV - ações e procedimentos disponíveis. § 4º As informações prestadas à população devem ser claras, para propiciar a compreensão por toda e qualquer pessoa. Tal disposição, além de viabilizar o acesso dos usuários às informações basilares quanto ao funcionamento dos serviços de saúde que lhes são disponibilizados, possibilita um exercício mais efetivo do controle social a que alude o art. 198, inc. III, da Constituição Federal, mediante a fiscalização cotidiana, pelos próprios destinatários do serviço público em questão, da presença dos profissionais no local de trabalho, no decorrer do correspondente horário de expediente. Como já salientado em linhas anteriores, o Município de Rio Branco não vem observando o texto normativo ora em destaque, deixando de divulgar no interior dos Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 31 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO estabelecimentos locais de saúde as informações básicas alusivas ao funcionamento do serviço, especialmente no que diz respeito ao nome e horário de trabalho dos servidores responsáveis pela prestação do atendimento em favor dos usuários, que devem constar de quadro exposto em local visível à população. Resta cristalino que, ao sonegar as informações necessárias sobre os serviços de saúde, a Administração fere o princípio constitucional da publicidade, previsto expressamente no art. 37, caput,da Lei Magna, que garante tal direito no que concerne ao funcionamento de serviços públicos. Nesse sentido, é de grande valia a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello11: Consagra-se nisto o dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos. Não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida. Insta observar, portanto, a notória falta de compromisso com os encargos daqueles que gerem bens e interesses da comunidade. Esses gestores da coisa pública, investidos de competência decisória, passam a ser autoridades, com poderes e deveres específicos do cargo, com responsabilidades e atribuições das quais não dispõem, eis que pertencem ao todo, ao coletivo. Nesse ponto, precisa é a lição de Hely Lopes Meirelles12: O poder tem para o agente público o significado de dever para com a comunidade e para com os indivíduos, no sentido de que quem o detém está sempre na obrigação de exercitá-lo. Se para o particular o poder de agir é uma mera faculdade, para o administrador público é uma obrigação de atuar, desde que se apresente o ensejo de exercitá-lo em benefício da comunidade. É que o Direito Público ajunta ao poder do administrador o dever de administrar. Impõe-se, assim, a necessidade de intervenção judicial a fim de 11 Curso de Direito Administrativo. Ed. 17. São Paulo: Malheiros, 2007. p.104. 12 Direito Administrativo Brasileiro. Ed. 33. São Paulo: Malheiros, 2007, p.105/106. Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 32 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO garantir o direito de acesso a informação, ampla e irrestrita, por parte dos usuários do Sistema Único de Saúde, determinando ao Município de Rio Branco a afixação, em cada estabelecimento de saúde gerenciado pelo Município, em local visível à população, de quadro de aviso contendo informações claras e acessíveis com o nome do responsável pelo serviço, os nomes dos profissionais, o horário de trabalho de cada membro da equipe, inclusive do responsável pelo serviço e, por fim, as ações e procedimentos disponíveis, na forma do art. 7º, inciso VI, da Lei nº 8.080/90, e do art. 7º, §§ 3º e 4º, da Portaria nº 1.820, de 13 de agosto de 2009, do Ministério da Saúde. Igualmente, no intuito de garantir a máxima publicidade na divulgação de tais informações, deverá ser disponibilizado na internet, através do endereço oficial da Prefeitura Municipal de Rio Branco, o local e horário de atendimento dos médicos, odontólogos, enfermeiros e demais profissionais da área de saúde que ocupem cargos públicos vinculados, de qualquer modo, ao Sistema Único de Saúde. 6. DA ANTECIPAÇÃO DA TUTELA O art. 12 da Lei n. 7.347/85, art. 273 e art. 461, § 3º, ambos do CPC, permitem o deferimento da tutela antecipada quando há verossimilhança e perigo da demora. Presentes no caso vertente o fumus boni iuris e o periculum in mora , que são os requisitos da medida, há necessidade de sua concessão que ora se requer. O fumus boni iuris encontra-se induvidosamente presente, assentado sobre os argumentos jurídicos que apontam para cristalina violação do princípio fundamental do respeito à dignidade humana (CF, art. 1°, III), da saúde como direito social (CF, art. 6°, caput) e como direito de todos e dever do Estado (CF, art. 196), instrumentalizada pela violação dos princípios da moralidade, publicidade e eficiência. A verossimilhança está Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 33 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO presente, eis que a matéria é quase que exclusivamente jurídica, tendo o autor demonstrado a forte plausibilidade da tese levantada. Com efeito, as inúmeras normas constitucionais e infraconstitucionais que consagram o direito à saúde mais do que evidenciam a necessidade de tutela imediata do interesse difuso concernente à adequada e eficiente prestação dos serviços públicos de saúde, mediante a adoção de mecanismos de controle do cumprimento do horário de trabalho dos correspondentes servidores, o que, nesse particular, vem sendo negligenciado pelo Poder Público. Embora norma infraconstitucional, a Portaria GM/MS 2.488/2011 determina que a Secretaria Municipal de Saúde deve “ assegurar o cumprimento da carga horária integral de todos os profissionais que compõe as equipes de atenção básica, de acordo com as jornadas de trabalho especificadas no SCNES e a modalidade de atenção”. De igual modo, o perigo do dano irreparável também existe, sendo notório, na medida em que a omissão dos gestores do SUS em solucionar tal deficiência e até cumplicidade causa transtornos aos usuários do sistema, que se encontram privados do acesso a um serviço de saúde eficiente e resolutivo, durante todo o horário previsto na sua criação, bem como, aos instrumentos básicos de controle social quanto ao funcionamento dos serviços de saúde neste município, consistente, no caso, na divulgação dos horários de trabalho dos servidores lotados nos estabelecimentos públicos de saúde. Ademais, a continuidade das irregularidades implicam elevado prejuízo à União, que mensalmente injeta recursos públicos para manutenção da política, cujo repasse é condicionado ao cumprimento da jornada de trabalho pelos profissionais da saúde, o que restou sobejamente demonstrado que há tempo não é observado pelo município. De outro lado, há ainda periculum in mora para os usuários pela possibilidade de o Ministério de Saúde suspender os incentivos financeiros referentes à Estratégia de Saúde da Família para os municípios, como corretamente tem feito nos casos de Al. Ministro Miguel Ferrante, 340 – Portal da Amazônia CEP 69.915-632 – Rio Branco/AC (068) 3214-1400 34 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO ESTADO DO ACRE PROCURADORIA REGIONAL DOS DIREITOS DO CIDADÃO descumprimento da carga horária por parte dos profissionais integrantes da Política de Atenção Básica13. Impor à coletividade, especialmente a parcela mais carente da população, este prejuízo porque os administradores municipais resolveram proteger certos profissionais descumpridores de seus deveres, como moeda de troca pela injusta remuneração, seria confirmar o ditado popular de que “a corda só quebra do lado mais fraco”, permitindo que o administrador agisse como se dono fosse da coisa e interesse públicos. No que concerne ao perigo ou inconveniente da demora, há que se lembrar que a tutela antecipada é uma técnica de distribuição do ônus “tempo processual” entre as partes. Se a tese levantada pelo autor, junto com os elementos de fato demonstrados, levam a crer na maior probabilidade de êxito da demanda, in justificável negar a tutela antecipada e fazer-lhe aguardar o tempo do processo. O tempo do processo há que ser suportado pela parte que apresenta menos chances de vitória. É acurada a percepção de Luiz Guilherme Marinoni 14, definindo a tutela antecipada como “técnica de distribuição do tempo do processo”: Como se vê, diante da evidência de que o tempo do processo sempre prejudica o autor que tem razão, não há outra alternativa, quando se deseja iluminar o processo comum com a luz do princípio da isonomia, do que se pensar em técnicas que permitam uma distribuição igualitária do tempo do processo entre as partes. Lembre- se que a tutela antecipatória nada mais é do que uma técnica de distribuição do ônus do tempo do processo, já que não há sentido em ver o autor que evidencia ao seu direito ser prejudicado pelo tempo necessário à definição do litígio. Desnecessária, portanto, a demonstração de uma situação gravíssima
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