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DIREITO PENAL 1 DIREITO PENAL 2 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 04 2. TEORIA DA NORMA PENAL..................................................................................................... 20 3. TEORIA GERAL DO CRIME ...................................................................................................... 36 4. FATO TÍPICO ........................................................................................................................... 41 5. ILICITUDE ................................................................................................................................. 53 6. CULPABILIDADE ...................................................................................................................... 61 7. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA ................................................................................................. 68 8. CONCURSO DE PESSOAS ........................................................................................................ 71 9. CONCURSO DE CRIMES .......................................................................................................... 75 10. PUNIBILIDADE ....................................................................................................................... 82 11. PENAS ................................................................................................................................... 86 12. LIVRAMENTO CONDICIONAL .............................................................................................. 115 13. EFEITOS DA CONDENAÇÃO ............................................................................................... 117 14. CRIMES EM ESPÉCIE ........................................................................................................... 123 15. LEGISLAÇÃO PENAL ESPECIAL ............................................................................................ 170 DIREITO PENAL 3 DIREITO PENAL 4 INTRODUÇÃO CONCEITO DE DIREITO PENAL Direito Penal é o ramo do direito que trata das regras para aplicação das normas incriminadoras, ou seja, aquelas que representam uma seleção dos comportamentos mais gravosos para os bens jurídicos, cominando-lhes as respectivas sanções, que, no Brasil, são penas ou medidas de segurança. Assim, “o Direito Penal tem por objeto condutas humanas descritas em forma positiva (ações) ou em forma negativa (omissão de ações) de tipos legais de condutas proibidas”.1 Justifica-se a aplicação do Direito Penal quando meios menos eficazes, como os adotados por outros ramos do Direito não são suficientes para proteger eficazmente os bens jurídicos, daí extraindo-se que tem – ou deveria ter - caráter secundário ou de ultima ratio. CARACTERES O Direito Penal positivo possui três caracteres principais: valorativo, finalista e sancionador. O caráter valorativo se manifesta pela tutela dos valores mais elevados da sociedade, uma vez que o Direito Penal os dispõe em uma escala hierárquica e valora os fatos de acordo com a sua gravidade. “Quanto mais grave o crime, o desvalor da ação, mais severa será a sanção aplicável ao seu autor.” 2 A lei penal é finalista porque pretende prevenir lesões aos bens e interesses jurídicos merecedores de tutela mais eficiente, por meio da ameaça legal de aplicação de sanções de maior poder intimidativo (a pena). Assim, essa prevenção é a maior finalidade do Direito Penal. Ainda, o Direito Penal possui caráter sancionador, pois reforça a tutela jurídica dos bens já regidos pela legislação extrapenal. No entanto, não podemos esquecer que a lei penal atinge também bens jurídicos não tutelados pelas leis extrapenais. FUNÇÕES DO DIREITO PENAL Seguem abaixo as principais funções do Direito Penal. a) proteção de bens jurídicos: A principal função do Direito Penal é de instrumento de proteção de bens juridicamente relevantes.4 Não se admite a criação de norma incriminadora que não vise à proteção de um bem jurídico; b) controle social: a ameaça de penalização de condutas danosas, em teoria, contribui para a paz pública. No entanto, ante a incerteza da efetiva aplicação da norma e da ausência de políticas públicas que visem à redução da criminalidade, não se consegue promover um efetivo controle social; 1 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral. 5ª edição. Florianópolis: Conceito Editorial, 2012. p. 3. 2 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. 28ª edição. São Paulo: Atlas, 2012. V. 1, p. 4. 4 GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de; BIANCHINI, Alice. Direito penal – introdução e princípios fundamentais. São Paulo: RT, 2007. V.1, p. 222. DIREITO PENAL 5 c) função ético-social: parte da doutrina entende que o Direito Penal exerce função de proteção dos valores elementares da consciência, de caráter ético-social. No entanto, o Direito não tem função pedagógica, o que cabe a outros mecanismos de controle social, de modo que a adoção dessa perspectiva viola a ideia do Direito Penal como “ultima ratio”5; d) função de garantia: o Direito Penal também tem como função limitar o poder punitivo estatal, de modo a garantir ao cidadão que não será alvo de arbitrariedades por parte do poder público; e) função simbólica: é o efeito psicológico que a proibição gera na sociedade. A criminalização de uma conduta vem carregada de um simbolismo que visa produzir um efeito psicossocial nos cidadãos de que o Estado está agindo efetivamente para reprimir determinados comportamentos; f) função promocional: atribui-se ao Direito Penal uma função de transformação social. Para estes autores, a criminalização não depende dos valores da sociedade, pois a criação de delitos serve justamente para transformar tais valores; g) prevenção de vingança privada: o Direito Penal, ao conferir ao Estado o monopólio da pretensão punitiva, exerce o papel de evitar que vítimas façam justiça com as próprias mãos; h) função motivadora: por meio da ameaça de uma sanção, o Direito Penal motiva os indivíduos a não realizarem determinadas condutas. A CIÊNCIA CONJUNTA DO DIREITO PENAL: DOGMÁTICA PENAL, POLÍTICA CRIMINAL E CRIMINOLOGIA Franz Von Liszt, Penalista Alemão, cunhou a expressão “Ciência Conjunta do Direito Penal”, como a integração entre Dogmática Penal, Criminologia e Política Criminal. Estas três, entretanto, apesar de serem complementares, são disciplinas autônomas, com características e objetos de estudo próprios. a) Criminologia: é uma ciência empírica, descritiva e interdisciplinar que tem como objetos de estudo o crime e suas causas, o criminoso, a vítima e o controle social de comportamentos criminosos. Tem como função, entre outras, apontar os problemas sócias decorrentes da aplicação do Direito Penal, fornecendo dados para a formulação de políticas criminais. a.1.) Escola Positiva Italiana: a criminologia surge como criminologia positivista (com enorme influência das ciências naturais, como a biologia) e buscava explicar as causas naturais do crime (etiologia criminal), entendendo o crime como uma doença e o criminoso como um doente que poderia ser tratado. Tem como principais expoentes Cesare Lombroso, que desenvolveu a teoria do criminoso nato, indivíduo que seria biologicamente predisposto à prática de crimes; Enrico Ferri, que fundamentava a responsabilidade penal no determinismo social, afastando a tese do livre arbítrio; e Rafaelle Garofalo, que idealizou a teoria 5 BUSATO, Paulo César. Direito Penal. São Paulo: Atlas, 2013, p. 10. DIREITO PENAL 6 psicologicistasegundo a qual os criminosos irrecuperáveis deveriam ser afastados do convívio social pela deportação ou pela morte. a.2.) Criminologia Crítica: a criminologia desenvolveu-se e atualmente as correntes mais populares entendem o crime como um fenômeno social que tem suas causas não em fatores biológicos, mas em problemas e conflitos sociais, de forma que critica a estrutura social, o Direito Penal e o controle institucional de crimes, como a atuação das polícias, por exemplo (esta corrente tem diversas divisões). a.3.) Criminologia da Reação Social: é uma corrente de origem norte-americana, que entende a sociedade como uma rede de interações sociais que origina símbolos (chamada por isso de interacionismo simbólico). O crime é um desses símbolos criados pela interação social, de forma que o crime não tem existência ontológica (ou natural) e, portanto, o criminoso é alguém que foi etiquetado pela sociedade (teoria do etiquetamento ou labelling approach). Tem como principal expoente Howard Becker. b) Política Criminal: é a ciência que estuda e sistematiza estratégias para a prevenção e repressão estatal eficiente da criminalidade, de forma a maximizar a segurança pública sem violação de direitos fundamentais dos cidadãos (inclusive o criminoso). As políticas criminais são papel da política e sua implementação, portanto, depende da atuação dos legisladores. Entretanto a Política Criminal enquanto ciência não se trata das políticas concretas existentes em um país, mas do estudo de estratégias para fazer boas políticas criminais. Ademais, a criminalização de condutas e aumento das penas não são os únicos meios recomendados pela Política Criminal para a diminuição da criminalidade, sendo preferíveis políticas preventivas e sociais. c) Dogmática Penal: como já referido, é atividade de interpretação e sistematização do direito positivo que busca estabelecer o alcance, os limites e os objetivos das normas penais, estabelecendo critérios para sua aplicação. Está mais vinculada ao direito positivo do que a Criminologia e a Política Criminal. FONTES DO DIREITO PENAL Por fonte do Direito deve ser entendida a origem primária do Direito, identificando-a com a gênese das normas jurídicas. Nesse sentido, seria todo fator real ou fático que condiciona o aparecimento da norma jurídica. Distinguem-se as fontes do Direito Penal em materiais (ou de produção) e formais (ou de cognição ou conhecimento). As últimas podem, ainda, ser imediatas ou mediatas. FONTE MATERIAL OU DE PRODUÇÃO Relaciona-se à gênese da norma penal, com respeito ao órgão encarregado de sua elaboração. Fonte de produção é o Estado (não os Estados-Membros que compõem a Federação brasileira, mas sim esta última). Conforme preceitua o art. 22, I, CF, compete privativamente à União legislar sobre direito penal. Assim, cabe tão somente à União, como única fonte de produção, ditar normas gerais de Direito Penal, bem como proibir ou impor determinadas condutas (comissivas ou DIREITO PENAL 7 omissivas), sob a ameaça de sanção. A Constituição, ao referir-se à competência privativa da União, quer dizer que somente a conjugação da vontade do povo, representado pelos seus deputados, com a vontade dos Estados, representados pelos seus senadores, e, ainda, com a sanção do Presidente da República, é que pode inovar em matéria penal. Excepcionalmente, porém, prevê o parágrafo único do art. 22, CF, que “lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo”. Objetivando a regionalização de determinadas questões penais, mostra-se, em tese, admissível que a União autorize os Estados-membros a criminalizar determinada conduta, prevendo delito peculiar a certa parte do País. Não obstante não se tenha notícia de tal prática, o certo é que a norma penal deve possuir alcance nacional, a fim de manter a integridade do sistema, sendo impensável a possibilidade de legislação, em matéria penal, por parte dos Estados-membros. FONTES FORMAIS OU DE COGNIÇÃO OU DE CONHECIMENTO Dizem respeito ao modo de exteriorização do Direito Penal e podem ser imediatas (ou direta) e mediatas (ou indiretas ou secundárias). FONTE FORMAL IMEDIATA A única fonte formal imediata é a lei, à qual se recorre para saber se determinada conduta praticada por alguém é proibida pelo Direito Penal. Observe-se que somente a lei, em sentido estrito, pode criar crimes e cominar penas. Outras espécies legislativas: a) lei complementar: pode legislar sobre matéria penal, uma vez que possui processo legislativo mais complexo do que a lei ordinária (ex.: art. 10, LC 105/01, que instituiu o crime de quebra de sigilo fora das hipóteses autorizadas na mesma Lei). Há, no entanto, posição em contrário6, sustentando que o rol da lei complementar é exaustivo na Constituição, não incluindo nenhuma hipótese de criação de lei penal, além de que é exigido quorum qualificado para elaborar uma lei complementar, o que iria engessar o Congresso Nacional se houvesse necessidade de modificar lei penal que fosse criada pelo processo qualificado; b) lei delegada: é aquela elaborada pelo Presidente da República por delegação do Congresso Nacional, não podendo veicular norma penal, pois o art. 68, § 1º, II, CF, veda a delegação em matéria de direitos individuais, entre os quais está o Princípio da Reserva Legal (art. 5º, XXXIX, CF). Além disso, o procedimento legislativo, que exige intenso debate dos congressistas sobre as propostas de alteração da legislação penal, restaria enfraquecido, sem trâmite pelas duas Casas Legislativas e sem apresentação de emendas; c) medida provisória: não pode disciplinar matéria penal em face de expressa vedação constitucional (art. 62, § 1º, I, b, CF), conforme alteração advinda pela Emenda Constitucional n. 32/01. Antes de tal EC, no entanto, a matéria gerava certa controvérsia, tendo ocorrido casos de leis penais criadas por MPs, como a Lei 6 CERNICCHIARO, Luiz Vicente; COSTA JR., Paulo José da. Direito Penal na Constituição. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1991, p. 46-7. DIREITO PENAL 8 7.960/89 (Lei da Prisão Temporária), acrescendo tipo penal à Lei 4.898/65, que trata do abuso de autoridade; d) emenda à constituição: pode, em tese, criar lei penal, já que é fruto do Poder Constituinte Derivado ou Reformador, mesmo porque não há vedação expressa a respeito. No entanto, a teor do art. 60, § 4º, CF, a EC não poderá restringir direitos e garantias individuais. FONTES FORMAIS MEDIATAS São fontes formais mediatas o costume, os princípios gerais de direito e o ato administrativo, embora já tenham sido também elencados os tratados e convenções, a equidade, a doutrina, a jurisprudência e até mesmo a analogia.8 COSTUME É a repetição da conduta, de maneira constante e uniforme, em razão da convicção da sua obrigatoriedade jurídica. Em virtude do Princípio da Reserva Legal, o costume não pode criar crimes e nem cominar penas, embora continue eficaz em outros ramos do Direito, principalmente naqueles pautados pela common law. São elementos do costume: a) objetivo: a constância e uniformidade dos atos (consuetudo); e b) subjetivo: a convicção da obrigatoriedade jurídica (opinio necessitatis). O costume não se confunde com o hábito, uma vez que neste inexiste a convicção da obrigatoriedade jurídica do ato. Como características do costume, pode-se apontar a sua uniformidade, pois pressupõe sensível e múltipla repetição da mesma prática; sua constância, pois não pode ser interrompido, sob pena de descaracterizar-se como norma jurídica; sua publicidade, porque obriga a todos e por todos deve ser conhecido; e sua generalidade, no sentido de alcançar todos os atos e todas as pessoas e relações que realizam os pressupostos de sua incidência. Espécies de costume:a) costume secundum legem: é o chamado costume interpretativo, auxiliando a esclarecer o conteúdo de certos elementos do tipo penal; b) costume praeter legem: é o chamado costume integrativo, que preenche ausência ou lacuna da lei; c) costume contra legem: é o chamado costume negativo, que contraria a lei. Das três espécies, os costumes secundum legem e praeter legem poderão ter validade para o Direito Penal, já que não atuam além dos limites do tipo ou em sua oposição, mas agem na intimidade da norma para que o seu sentido se ajuste às concepções sociais dominantes. Atenção: o costume contra legem não revoga a lei penal, em face do que dispõe o art. 2º, § 1º, LINDB, segundo o qual uma lei só pode ser revogada por outra lei9. 8 Nesse sentido: MAGALHÃES NORONHA, Edgard. Direito Penal (introdução e parte geral). 30ª ed., vol. 1, São Paulo: Saraiva, 1985, p. 59. 9 A propósito: O sistema jurídico brasileiro não admite possa uma lei perecer pelo desuso, porquanto, assentado no princípio da supremacia da lei escrita (fonte principal do direito), sua obrigatoriedade só termina com sua revogação por outra lei. Noutros DIREITO PENAL 9 PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO Tratando das lacunas na lei e demonstrando a completude do direito (sua não- lacunosidade), dispõe o art. 4º, LINDB: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Os princípios gerais de direito são premissas éticas que são extraídas, mediante indução, do material legislativo. As lacunas da lei, ao serem preenchidas pelos princípios gerais de direito, obrigam à criação de regras formuladas pelos princípios morais que informam a legislação onde ocorre o caso omisso. Tais princípios não podem ser fontes de incriminação de condutas. No entanto, no campo das normas não-incriminadoras, poderão ampliar as causas de exclusão da ilicitude ou da culpabilidade. No caso da mãe que fura as orelhas da filha para colocar-lhe brincos, não obstante a concepção moderna indique uma atipicidade - em face do princípio da adequação social -, alguns penalistas10 irão aplicar os princípios gerais de direito para afastar a ilicitude do fato. ATO ADMINISTRATIVO Em algumas normas penais em branco, o complemento da definição da conduta criminosa dependerá de um ato da Administração Pública. No delito de omissão de notificação de doença, previsto no art. 269, CP, é um ato administrativo11 que irá elencar o rol de doenças cuja notificação é compulsória, servindo, dessa forma, como fonte formal mediata do Direito Penal. PLEBISCITO E REFERENDO COMO FONTES DO DIREITO PENAL De acordo com a Constituição, cabe ao Congresso Nacional autorizar referendo e convocar plebiscito (art. 49, XV). Tais instrumentos, no entanto, apenas poderão aprovar ou rejeitar lei penal a ser criada ou já materializada pelos parlamentares. PRINCÍPIOS BÁSICOS PENAIS PRINCÍPIO REITOR: DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Com o advento da Constituição de 1988, a dignidade da pessoa humana foi alçada à categoria de princípio fundamental (art. 1º, III). O princípio constitucional da proteção e da promoção da dignidade da pessoa humana deve influenciar o sistema penal (amplamente considerado), para que ele funcione com respeito aos direitos humanos fundamentais e para que se baseie, precipuamente, no paradigma humanitário. Juridicamente, a noção da dignidade humana está ligada aos movimentos constitucionalistas modernos, sobretudo aos constitucionalismos francês e americano. A constituição moderna, de caráter nitidamente liberal, surgiu com a finalidade de declarar direitos, de fundamentar a organização do governo e de limitar o poder político, termos, significa que não pode ter existência jurídica o costume contra legem. STJ, REsp 30.705-7, 6a T., Rel. Min. Adhemar Maciel, unânime, DJU 3-04-1995. 10 Como Mirabete e Damásio de Jesus. 11 Portaria n.° 104, de 25 de janeiro de 2011, do Ministério da Saúde. DIREITO PENAL 10 limitação essa que era o maior anseio dos mentores burgueses setecentistas. Assim, o valor moral da dignidade da pessoa humana foi consagrado como preceito constitucional na Declaração de Direitos de Virgínia, que precedeu a Constituição americana de 1787, e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que resultou da Revolução Francesa. Apesar de ser possível sua dedução dos textos constitucionais mais antigos que tutelavam as liberdades fundamentais, a expressa positivação do ideal da dignidade da pessoa humana é bastante recente. Com algumas exceções, somente após sua consagração na Declaração Universal da ONU de 1948 é que o princípio foi expressamente reconhecido na maioria das Constituições. Com o advento da Constituição brasileira de 1988, restou consagrado o valor da dignidade da pessoa humana como princípio máximo, elevando, de maneira inconteste, o princípio em comento a uma categoria superlativa em nosso ordenamento, na qualidade de norma jurídica fundamental. Tal princípio é, portanto, o regente dos demais princípios, sendo que toda lei que violar a dignidade da pessoa humana será inconstitucional. PRINCÍPIOS PENAIS FUNDAMENTAIS RELACIONADOS AO DIREITO PENAL PRINCÍPIO DA EXCLUSIVA PROTEÇÃO DE BENS JURÍDICOS O principal objetivo do Direito Penal é efetivamente a proteção de bens jurídicos, uma vez que não há crime sem a existência de lesão ou perigo de ofensa a um bem ou interesse juridicamente tutelado. A noção de bem jurídico adquiriu, dentro do Direito Penal, uma importância particular logo após a Segunda Guerra Mundial. Neste sentido, seu valor principal foi o de legitimar ou dar validade às normas penais com fundamento no princípio que diz não poder haver lei penal sem um bem jurídico para tutelar. É exatamente aqui que reside a ideia de princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos. Isso porque a noção de bem jurídico supõe critérios evidentes de taxatividade e de delimitação daquilo que se quer proteger. De tal perspectiva, a noção de bem jurídico buscou impedir que se façam difusos ou intangíveis os conteúdos cuja afetação pode ser objeto de imputação de consequências penais. O bem jurídico converteu-se, então, em núcleo do conceito material de crime. Com esse conteúdo, o bem jurídico pretendeu ancorar a atividade legislativa da política criminal somente a certas realidades ou interesses relevantes para a convivência social, deixando fora dessa competência os campos da privacidade e as crenças pessoais. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE A Constituição traz um princípio geral de legalidade no inciso II de seu art. 5º, segundo o qual: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Do ponto de vista penal, a legalidade assume feição mais estrita, nos termos do inciso XXXIX do art. 5º, assim redigido: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, cujo texto é análogo, aliás, ao do art. 1º, CP. Cuida-se de regra antiga, já consagrada no brocardo latino “nullun crimen, nulla poena sine lege”, do qual se retira a tipicidade penal, de modo que o cidadão saiba quais são os comportamentos proibidos. DIREITO PENAL 11 Destarte, o princípio da legalidade proíbe que a) a retroatividade da lei penal seja utilizada como meio de criminalização ou agravação da pena de fato anterior; b) o costume seja aplicado como fonte de criminalizações e agravações de penas; c) a analogia seja empregada como método de criminalização de condutas; e d) haja indeterminação dos tipos legais e das sanções penais.12 Não há violação do princípio da legalidade: a) na interpretação sistemática de váriosdispositivos legais aplicáveis, como no caso da orientação “predominante no Supremo Tribunal Federal no sentido de que o cometimento de falta grave, durante a execução da PPL, implica, por exemplo, a necessidade de reinício da contagem do prazo de 1/6 (um sexto) para obtenção da progressão no regime de cumprimento da pena” (STF, HC 99093, Ellen, 2ª. T., u., 24.11.09); b) na especialização de vara para julgamento de crimes sexuais contra crianças ou adolescentes, por ato administrativo do tribunal (STF, HC 91509, Grau, 2ª. T., u., 27.10.09); c) na utilização de medida provisória em favor do réu, como no caso daquelas que: “abolem crimes ou lhes restringem o alcance, extingam ou abrandem penas ou ampliam os casos de isenção de pena ou de extinção de punibilidade” (STF, RE 254818, Pertence, Pl., u., 8.11.00). Há violação do princípio da legalidade: a) na Resolução de TRE que afirma caracterizado o crime do art. 347 do Código Eleitoral em caso de descumprimento da Resolução, quando o delito exige ordem individualizada e dirigida ao agente (STF, ADI 2283, Gilmar Mendes, Pl., m., 15.2.06). ANALOGIA Analogia é a técnica de colmatação das lacunas da lei consistente na aplicação de uma regra legal a uma situação não prevista na norma, mas assemelhada aquela que está regulamentada. Em Direito Penal, admite-se a analogia in bonam partem, ou seja, a favor do réu, desde que se trate de uma lacuna involuntária, e não de uma opção deliberada do legislador de dar tratamento diverso à matéria (STF, HC 94777, Direito, 1ª. T., u., 5.8.08). É vedada, porém, a analogia in malam partem, ou desfavorável ao réu, por violar o princípio da legalidade estrita ou tipicidade cerrada, que exige lei formal para a veiculação de normas penais (STF, Inq. 1145, Corrêa, Pl., u., 19.12.06). Não há vedação, porém, à aplicação analógica da lei penal, assim entendido a extensão de uma regra a casos assemelhados, com base em expressa autorização legal, como no caso da alínea c do inciso II do art. 61, CP, que prevê uma agravante para o crime praticado: “à traição, 12 SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal – Parte Geral. 5ª edição. Florianópolis: Conceito Editorial, 2012. p. 19. DIREITO PENAL 12 de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido”. Nesse caso é possível, por expressa autorização legal, a aplicação da lei penal em caso de utilização de outros recursos que não a traição, a emboscada ou a dissimulação, desde que tenham dificultado ou tornado impossível a defesa da vítima. NORMA PENAL EM BRANCO Norma penal em branco é aquela de conteúdo incompleto, que requer complementação por outra norma jurídica, usualmente extra-penal. O fundamento do uso da técnica da norma penal em branco é permitir a adequação da norma penal ao conteúdo de outros ramos do direito, permitindo, assim, uma atualização automática da norma penal em caso de modificação da norma complementar. Além disso, a técnica confere maior agilidade em caso de necessidade de atualização da norma, que poderá ser feita por ato da autoridade administrativa, e não da lei formal, em um procedimento mais complexo e moroso, sujeito, ainda, às complexidades políticas inerentes ao parlamento. A norma penal em branco poderá ser: Modalidade Complemento Exemplo Homogênea ou em sentido lato Lei extra penal art. 237, CP Heterogênea ou em sentido estrito Norma infra-legal (Decreto, regulamento, portaria, etc.) art. 33, Lei 11.343/06 PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE Mas não basta que os comportamentos penais estejam previstos em lei. O art. 5º, XXXIX, CF, e o art. 1º, CP, já mencionados, também exigem que a lei penal seja anterior ao fato em julgamento, de modo que o cidadão esteja devidamente advertido da ilicitude do seu comportamento. Em caso de norma penal em branco, somente serão consideradas criminosas as condutas praticadas depois da entrada em vigor da norma complementar (STF, Inq. 1915, Pertence, Pl., m., 5.8.04). PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE Corolário da anterioridade é a irretroatividade da lei penal mais gravosa, pois de nada adiantaria estabelecer a anterioridade se esse princípio fosse esvaziado pela possibilidade de uma lei penal retroativa, que tornaria ineficaz a garantia13. Bem por isso, assim reza o art. 5º, XL, CF: “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. O princípio em exame aplica-se também às normas de execução penal (STF, HC 68416/DF, Brossard, 2ª. T., u., 8.9.92). Não se pode, então, por exemplo, negar o indulto ao delito incluído no rol dos crimes hediondos pela Lei 8.930/94, ainda que o Decreto exclua os 13 NUCCI, Guilherme de Souza. CP Comentado. 7 ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 41. DIREITO PENAL 13 crimes hediondos, se o fato em questão foi cometido antes da lei nova mais gravosa (STF, HC 101238/ SP, Grau, 2ª. T., u., 2.2.10). O princípio em exame não se aplica às normas processuais penais, que tem vigência imediata (STF, AI 177313 AgR-ED/MG, Mello, 1ª. T., u., 18.6.96). PRINCÍPIO DA RETROATIVIDADE DA LEI BENÉFICA Como visto acima, a vedação da retroatividade da lei penal não se aplica a lei que beneficiar o acusado, como explicita, aliás, o parágrafo único do art. 2º, CP, nos seguintes termos: “A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”. Na mesma linha o art. 107, III, CP, que arrola como uma das causas da extinção da punibilidade a: “retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso”. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA Segundo tal princípio, o Direito Penal só intervirá na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens, interesses esses que não podem ser eficazmente tutelados de forma menos gravosa. Tem origem na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que determina, no seu art. 8º, que a lei só deve prever as penas estritamente necessárias. A lei penal, portanto, só deve intervir como ultima ratio, ou seja, quando absolutamente necessária à sobrevivência da comunidade. Isso porque o uso excessivo do Direito Penal – e da própria pena – não garante uma maior proteção aos bens, mas, ao contrário, condena o sistema penal a uma função meramente simbólica e negativa. Subdivide-se em princípio da fragmentariedade e princípio da subsidiariedade. PRINCÍPIO DA FRAGMENTARIEDADE Apenas as condutas mais graves, consideradas socialmente intoleráveis e endereçadas a bens efetivamente valiosos, é que podem ser objeto de criminalização. Como fragmento é parte de um todo, o Direito Penal, visto como fragmentário, só poderá ocupar-se de ações ou omissões que lesem, verdadeiramente, a vida em sociedade. PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE Só haverá intervenção do Direito Penal quando outros ramos do Direito não resolverem de forma satisfatória o conflito. O Direito Penal, portanto, é a ultima ratio. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL Concebida por Hans Welzel14, a teoria da adequação social significa que, não obstante determinada conduta se amolde formalmente ao modelo legal, não será considerada típica se for socialmente adequada ou reconhecida, ou seja, se estiver de acordo com a ordem social da vida historicamente condicionada. A ação será socialmente adequada quando realizada dentro do âmbito da normalidade admitida pelas regras de cultura do povo. 14 WELZEL, Hans. Derecho penal alemán. Trad. Juan Bastos Ramírez e Sérgio Yáñez Perez. 11a ed., Santiago: Jurídica de Chile, 1997, p. 85. DIREITO PENAL 14 Assim, as pequenas lesões desportivas que advêmda violação de normas cuja inobservância é prática corriqueira no jogo, e o corte coativo de cabelo do calouro aprovado no vestibular, por exemplo, são comportamentos que, a despeito de serem considerados típicos pela lei penal, não afrontam o sentimento social de justiça, ou seja, aquilo que a sociedade tem por certo e justo. Atenção: o STF, no julgamento do HC 104467, entendeu inaplicável o princípio da adequação social em relação ao art. 229, CP (“manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente”), crime que permanece típico, uma vez que caberia somente ao legislador o papel de revogar ou modificar a lei penal em vigor. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU BAGATELA A introdução do princípio da insignificância no sistema penal deve-se a Claus Roxin15, que reconhecia a insignificância como auxiliar interpretativo, e não como característica do tipo delitivo, objetivando restringir o teor literal do tipo formal, conformando-o com condutas socialmente admissíveis, em decorrência de suas ínfimas lesões a bens juridicamente tutelados. Em face do princípio da insignificância, que Klaus Tiedemann chamou de princípio da bagatela, mínimas ofensas a interesses protegidos pela norma penal não justificam a incidência do Direito Penal, que se mostra desproporcionado ao castigar fatos de importância manifestamente insignificante. É imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Como a tipicidade penal exige um mínimo de lesividade ao bem juridicamente tutelado, sempre que a lesão for insignificante, a ponto de tornar-se incapaz de ofender o interesse protegido, não haverá adequação típica. O princípio da insignificância é hoje tomado como causa excludente da tipicidade material, impedindo a configuração do injusto típico. Observações: a) natureza jurídica: é causa supralegal de exclusão da tipicidade material; b) quatro condições essenciais para a aplicação do princípio da insignificância17: mínima ofensividade da conduta, inexistência de periculosidade social do ato, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão provocada; c) não cabe em crimes praticados com violência ou grave ameaça contra pessoa, como roubo e resistência (Inf. STJ 439 e 441); d) não cabe no crime de moeda falsa (Inf. STJ 437) e no crime de tráfico de drogas (STJ, HC 248652, j. 18/09/2012); 15 Roxin fala do princípio da insignificância, pela primeira vez, em 1964, e depois volta a repeti-lo em sua obra Política Criminal y Sistema del Derecho Penal, partindo do adágio latino minima non curat praetor. 17 Segundo STF e STJ DIREITO PENAL 15 PRINCÍPIO DA CONFIANÇA O princípio da confiança baseia-se na expectativa de que as outras pessoas ajam de um modo já esperado, ou seja, normal. Consiste, portanto, na realização da conduta de uma determinada forma na confiança de que o comportamento do outro agente se dará conforme o que acontece normalmente. O motorista que, conduzindo seu veículo pela preferencial, passa por um cruzamento, confia que o outro automóvel, que se encontra na via secundária, aguardará sua passagem, por exemplo; havendo acidente, não terá o primeiro agido com culpa. O princípio da confiança tem sido tratado, hoje, como causa supralegal de exclusão da culpa e, por consequência, do próprio fato típico. PRINCÍPIO DA CONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS PENAIS Decorre do princípio da Supremacia Constitucional, segundo o qual a Constituição está no ápice do ordenamento jurídico nacional e nenhuma norma jurídica pode contrariá-la, material ou formalmente, sob pena de advir uma inconstitucionalidade. Disso resulta uma presunção relativa (juris tantum) no sentido de que todas as normas atinentes a Direito Penal estão em consonância plena com a Constituição, sob pena de não serem recepcionadas e, como consequência, de serem afastadas pelo ordenamento constitucional superior. PRINCÍPIO DA COMPLEMENTARIDADE Conforme tal princípio, a conjunção dos princípios constitucionais é que afirma o modelo fundamental, no qual se arrima toda a construção jurídico-normativa da sociedade estatal, pelo que se caracterizam e pela complementaridade que os anima. Dessa forma, embora não estejam expressamente previstos na Constituição, os princípios modernos norteadores do Direito Penal – como a intervenção mínima, a insignificância, a ofensividade e a proporcionalidade, entre outros – podem ser invocados e reconhecidos no sistema pela complementação natural entre eles e o princípio da reserva legal. PRINCÍPIOS PENAIS FUNDAMENTAIS RELACIONADOS AO DELITO PRINCÍPIO DA EXTERIORIZAÇÃO OU MATERIALIZAÇÃO DO FATO O Direito Penal somente poderá intervir quando o agente, por meio da sua conduta voluntária, exteriorizar ações ou omissões concretas. Não se pode punir o pensamento, o estilo de vida, a orientação sexual, a ideologia, a personalidade. O Direito Penal moderno caracteriza- se como um direito penal do fato (pune-se o sujeito pelo que fez), e não mais como um direito penal do autor (pune-se o sujeito pelo que é). Atenção: a contravenção penal da vadiagem (art. 59, LCP), embora formalmente vigente, é tida por muitos autores como não recepcionada pela CF, já que representaria o indesejável direito penal do autor. PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE OU LESIVIDADE DIREITO PENAL 16 Segundo tal princípio, não se pode conceber a existência de qualquer crime sem ofensa ao bem jurídico (nullum crimen sine iniuria). O princípio da ofensividade do fato decorre de outro princípio geral de direito, que é o neminem laedere. O princípio atua em dois âmbitos: ao legislador determina que não pode criminalizar condutas em que não haja previsão de uma lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico; ao julgador determina que deve interpretar os tipos penais de forma a verificar se houve lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal, pois apenas neste caso existe de fato um crime. A partir da ofensividade discute-se na doutrina brasileira a constitucionalidade dos crimes de perigo abstrato, nos quais o perigo é presumido. Atenção para a arma de fogo desmuniciada: A posição amplamente majoritária no STJ é que haverá crime, tanto no porte de arma desmuniciada quanto no porte de munição (STJ, HC 328697/SP, j. 15/09/201518). No entanto, o mesmo tribunal vem entendendo que, no roubo praticado com arma desmuniciada não incide a majorante do emprego de arma, punindo-se o agente por roubo simples (STJ, AgRg no REsp 1536939/SC, j. 15/10/201519). Importante: o bem jurídico atingido deve pertencer a terceira pessoa, ou seja, a prática criminosa pressupõe conduta que transcenda a esfera individual do agente. Por isso o princípio da ofensividade deve ser complementado pelo princípio da alteridade (altero: o outro) ou transcendentalidade, fazendo com que a autolesão e a própria tentativa de suicídio restem impuníveis. Exceção: a autolesão configurará crime em duas hipóteses: se cometida com o fim de fraudar seguro caracterizará estelionato (art. 171, § 2º, V, CP), e se praticada para criar incapacidade física que inabilite o convocado para o serviço militar, poderá constituir-se em crime militar (art. 184, CPM). PRINCÍPIOS PENAIS FUNDAMENTAIS RELACIONADOS AO SUJEITO PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE PESSOAL Como o indivíduo só pode ser responsabilizado penalmente pelos próprios atos, descabe a aplicação de pena criminal por fato alheio. PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA Para que o agente seja punido penalmente, não basta a mera prática material do fato, já que se requer, também, a presença do dolo ou da culpa. Isso significa que não há mais lugar, hodiernamente,para a chamada responsabilidade penal objetiva. Observe-se, a propósito, o art. 19, CP: “Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente”. 18 “É típica a conduta de portar arma de fogo sem autorização ou em desconformidade com determinação legal ou regulamentar, ainda que desmuniciada, ‘por se tratar de delito de perigo abstrato, cujo bem jurídico protegido é a incolumidade pública, inde- pendentemente da existência de qualquer resultado naturalístico’”. 19 “Conforme o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o emprego de arma de fogo desmuniciada tem o condão de configurar a grave ameaça e tipificar o crime de roubo, no entanto não é suficiente para caracterizar a majorante do emprego de arma, pela ausência de potencialidade lesiva no momento da prática do crime”. DIREITO PENAL 17 PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE A culpabilidade exerce a função de limite material do jus puniendi, sendo vedada a responsabilização penal objetiva. Afora isso, a culpabilidade tem graus, exercendo importante papel na determinação da pena (art. 59, CP). Atenção para a tese da coculpabilidade de Zaffaroni: fundamenta-se na possível influência do meio social sobre a personalidade do agente, ou seja, seria a “sociedade marginalizadora” concorrendo para a prática do crime, podendo ser considerada uma atenuante inominada (art. 66, CP). PRINCÍPIO DA ISONOMIA OU IGUALDADE Está previsto especialmente no art. 5º, CF (“todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”), impondo a igualdade da lei (a lei não pode fazer qualquer espécie de discriminação) e a igualdade perante a lei (não deve haver qualquer discriminação na aplicação da lei). É por isso que, no caso do concurso de agentes, a decisão do recurso interposto por um dos réus, se fundado em motivos que não sejam de caráter exclusivamente pessoal, aproveitará aos outros (art. 580, CPP). PRINCÍPIO DA PESSOALIDADE De acordo com o art. 5º, XLV, CF: “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”. Do princípio em referência decorrem as seguintes consequências: a) extinção da punibilidade pela morte do agente (CP, art. 107, I); b) a impossibilidade de substituição do condenado por terceiro no cumprimento da pena, ainda que se trate de PSC (STF, HC 68309, Mello, 1ª. T., 27.11.90). PRINCÍPIOS PENAIS FUNDAMENTAIS RELACIONADOS COM A PENA PRINCÍPIO DA HUMANIDADE O poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da pessoa humana ou que lesionem a constituição físico-psíquica dos condenados. Estabelecem a Declaração dos Direitos do Homem (1948): “todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal (art. III), e ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante (art. V)”; o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1966): “ninguém será submetido a tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Será proibido, sobretudo, submeter uma pessoa, sem seu livre consentimento, a experiências médicas ou científicas” (art. 7º); a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984) define e pune a tortura (arts. 1º e 4º). DIREITO PENAL 18 O princípio da humanidade do Direito Penal é, atualmente, o maior entrave para a adoção da pena capital e da prisão perpétua, apresentando-se como verdadeira diretriz garantidora de ordem material e restritiva da lei penal. Atenção: com base no princípio da humanidade, as Cortes superiores, em algumas decisões recentes, vêm entendendo que o prazo máximo de duração da medida de segurança aplicável aos inimputáveis é ou o de trinta anos, previsto no art. 75, CP20 (STF, HC 107432, 24.5.11), ou o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito (STJ, , HC 91602, 6ª. T., 20.9.12). PRINCÍPIO DA LEGALIDADE Não há crime sem lei anterior que o defina e nem pena sem prévia cominação legal (art. 1º, CP, e art. 5º, XXXIX, CF). PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE Não obstante remonte à Antiguidade, foi com o Iluminismo, especialmente com Cesare Beccaria, que o princípio da proporcionalidade se firmou como postulado penal. Em sentido amplo, a proporcionalidade pressupõe: a) adequação ou idoneidade; b) necessidade ou exigibilidade; e c) proporcionalidade em sentido estrito. Gomes Canotilho21 refere que a adequação (chamada por ele também de conformidade) trata de controlar a relação de adequação medida-fim; a exigibilidade, por sua vez, não põe em crise a adoção da medida (necessidade absoluta), mas sim a necessidade relativa da providência, ou seja, perquire se o legislador poderia ter adotado outro meio igualmente eficaz e menos desvantajoso para os cidadãos; e a proporcionalidade em sentido estrito sopesa as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim. No âmbito penal, o princípio da proporcionalidade ensina que as penas devem estar proporcionadas ou adequadas à intensidade ou magnitude da lesão ao bem jurídico representada pelo crime, não tendo cabimento o exagero, de um lado, e a liberalidade extrema, de outro. Ofenderia a proporcionalidade punir um latrocínio, por exemplo, com pena de multa. Observações: a) sobre individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF), deve ser lembrada a Súmula 471 do STJ: “Os condenados por crimes hediondos ou assemelhados cometidos antes da vigência da Lei n.º 11.464/2007 sujeitam-se ao disposto no art. 112 da Lei n.º 7.210/1984 (LEP) para a progressão de regime prisional”. b) princípio da personalidade, pessoalidade ou intranscendência da pena: de acordo com a Constituição (art. 5º, XLV), “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”; 20 Cumpre esclarecer que o tempo máximo de cumprimento de pena privativa de liberdade foi ampliado para 40 anos, conforme nova redação do art. 75, CP, dada pela Lei 13.964/19. 21 GOMES CANOTILHO, José Joaquim. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 5a ed., Coimbra: Almedina, 2002, p. 262-3. DIREITO PENAL 19 ocorre que há duas exceções: a reparação do dano e a decretação do perdimento de bens, que podem ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; c) deve-se analisar a necessidade concreta da pena; lembre do perdão judicial (art. 121, § 5º; art. 129, § 8º), quando o magistrado, mesmo diante da culpabilidade do réu, decide pela desnecessidade concreta da pena; d) deve-se analisar a suficiência da pena alternativa (substituição da PPL por restritiva de direitos, na forma do art. 44, CP); e) princípio da proibição de excesso (Übermassverbott) ou do garantismo negativo: a proporcionalidade é utilizada como proteção contra os excessos ou abusos do Estado (proibição da pena de morte, por exemplo); f) princípio da proibição de insuficiência (Untermassverbot) ou do garantismo positivo: a proporcionalidade é utilizada como proteção contra a omissão estatal diante dos direitos fundamentais (punir o crime de extorsão mediante sequestro com pena mais grave que a do homicídio significa violação à necessária tutela do bem vida). PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA A pena, por imposição constitucional, é individualizada (art. 5º, XLVI, CF), o que representa uma manifestação do princípio da proporcionalidade, no sentido de que a pena deve ser adequada, em justa relação com o ato e a culpa do agente, sem excesso, sendo que a fundamentação individualizada constitui direito subjetivo do sentenciado (STF, HC 72.992, Mello,1ª T., u., DJ 14.11.96). O processo individualizador se dá em três fases, a saber: a) legislativa, quando são escolhidos os fatos puníveis, as penas aplicáveis, seus limites e critérios de fixação; b) judicial, que se dá na sentença, quando o juiz estabelece as penas previstas dentre as cominadas, seus quantitativos e eventuais substituições; c) executiva, por ocasião do cumprimento da pena. Corolário lógico do processo de individualização é que, ao final deste, possam ser condenados a penas diferentes corréus no mesmo feito (STF, HC 70022/RJ, Mello, 1ª. T., u., 20.4.93; STF, HC 70.900, M. Alves, RTJ 157/138), conforme variarem as circunstâncias referentes a uns e outros, até mesmo por aplicação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, impondo-se a diferenciação para corréus cuja participação no crime foi distinta (TRF4, EIAC 97.04.47112-2, Sarti, 1ª S., m., 2.9.98, DJ 7.10.98).Não há, de outro lado, obrigatoriedade de se chegar a penas diferentes. Assim, poderão ocorrer casos em que, idênticas as circunstâncias objetivas e subjetivas, impor-se-á a mesma pena (STF, HC 70931/RJ, Pertence, 1ª. T., u., 14.12.93; STF, HC 72.992, Mello, 1ª T., u., DJ 14.11.96). Em outras palavras, o fato de se cuidar de um processo de individualização não sugere, necessariamente, apenamento em quantitativos diferentes. A diferenciação no resultado final dependerá, então, da existência de circunstâncias diversas, devidamente referidas na sentença, não sendo razoável o tratamento diferenciado dado a corréus, no mesmo processo, sem que tenha sido declinado o fundamento para tanto (STJ, REsp. 225.398/PR, Félix Fischer, v.u.u., DJ 28.2.00) ou DIREITO PENAL 20 quando o juiz afirma presentes as mesmas circunstâncias (TRF4, AC 2001.04.01.083970-0, Penteado, 8ª T., u., 11.6.03). PRINCÍPIO DA INCOLUMIDADE FÍSICA E MORAL O respeito à integridade física e moral dos acusados, em especial dos presos, é extraída dos seguintes incisos do art. 5º, CF: Art. 5º (...) III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; (...) XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prá- tica da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os execu- tores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; (...) XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; Sobre o tema, ver o Decreto 8.858/16 e a Súmula Vinculante 11 do STF, que tratam do emprego de algemas. TEORIA DA NORMA PENAL CONCEITO E DISTINÇÃO ENTRE NORMA PENAL E LEI PENAL Norma penal é o imperativo ou comando dirigido ao cidadão para realizar (mandamento) ou deixar de realizar (proibição) uma determinada conduta. É diferente da lei penal, que se trata de um ato formal e escrito por meio do qual os legisladores criam, publicizam e tornam obrigatórias as normas. Percebe-se, portanto, que embora sejam distintas, norma e lei se relacionam. Por exemplo, no homicídio, a lei penal (art. 121, CP) dispõe “Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos”, já a norma penal implícita é “não se deve matar”. Note-se: a lei penal apenas descreve uma conduta e vincula a ela uma sanção, a norma penal dá um comando (“não se deve”). ESTRUTURA DA LEI PENAL INCRIMINADORA A lei penal estrutura-se em dois elementos: a) Preceito primário ou disposição: descreve a conduta criminosa (ex: “matar alguém”). b) Preceito secundário ou sanção: fixa a sanção aplicável, sua espécie e os limites mínimo e máximo (ex: “reclusão, de seis a vinte anos”). O imperativo derivado do preceito primário da lei penal (chamado de norma de comportamento) dirige-se a todos os cidadãos, impondo o dever de realizar ou deixar de realizar uma conduta. O imperativo derivado do preceito secundário (chamado de norma de DIREITO PENAL 21 sanção), por outro lado, dirige-se aos julgadores, impondo o dever de punir aqueles que realizam a o preceito primário. São eles, portanto, os destinatários da norma de sanção. Este não pode se dirigir ao criminoso, pois inexiste dever de autopunição CARACTERÍSTICAS A lei penal possui as seguintes características:22 a) imperativa: é imperativa pois a violação do comando principal acarreta a pena; b) geral: é geral porque é destinada a todos, inclusive aqueles sujeitos à medida de segurança (inimputáveis); c) impessoal e exclusiva: é impessoal porque não é dirigida a pessoas determinadas e exclusiva porque só ela pode definir crimes e respectivas sanções. INTERPRETAÇÃO A interpretação ou hermenêutica é o meio utilizado para se alcançar o sentido dos termos constantes nas normas, sendo conceituada como o processo lógico que busca encontrar a vontade contida na norma jurídica. A seguir, elencamos as espécies de interpretação: - Quanto ao sujeito: a) autêntica: é a que procede da mesma origem que a lei e tem força obrigatória (por ex., a definição de funcionário público do art. 327, CP); b) jurisprudencial: é a orientação que os juízos e tribunais dão à norma, sem ter força vinculativa; c) doutrinária: é o entendimento dado pelos escritores ou comentadores do Direito (obviamente, essa interpretação não tem força obrigatória). - Quanto ao meio empregado: a) gramatical (literal): examina-se a “letra da lei”, buscando o significado das palavras ou expressões; b) lógica: quando a interpretação gramatical não for suficiente, busca-se a vontade da lei, por meio de um confronto lógico entre seus dispositivos; c) teleológica: apura o valor e a finalidade do dispositivo. - Quanto aos resultados: a) declarativa: ocorre quando o texto não é ampliado nem restringido, encontrando- se apenas o significado oculto do termo usado pela lei; b) restritiva: ocorre quando se reduz o alcance da lei para que se possa encontrar sua vontade exata; c) extensiva/analógica: ocorre quando se amplia o sentido da lei. 22 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. 28ª edição. São Paulo: Atlas, 2012. V. 1, p. 32. DIREITO PENAL 22 VIGÊNCIA A norma penal é uma norma jurídica, e, como tal, obrigatória, tomando a forma de um comando deôntico, a saber, um mandamento ou proibição. Quando elaborada pelo órgão legislativo competente, de acordo com as regras constitucionais, essa norma apresenta-se sob a forma de uma lei. A lei é a fonte formal do direito positivo e constitui a fonte principal do direito penal, além de ser a única fonte hábil a veicular normas incriminadoras, em razão do já mencionado princípio da legalidade. Como regra geral, as normas penais aplicam-se aos atos cometidos durante a vigência da lei que os tipificou, sem retroatividade, como já mencionado, com exceção da lei penal mais benéfica, que é retroativa, conforme também já analisado. A entrada em vigor da lei se dá na data de sua publicação no diário oficial, que conclui o processo legislativo, a não ser que a própria lei traga previsão de entrada em vigor posterior, o que é usual em se tratando de matérias complexas ou da publicação de um novo código, a fim de permitir que a sociedade e os profissionais tenham condições de absorver as modificações. O período em que a lei já publicada ainda não vigora é conhecido como vacatio legis. A lei vigora até que seja revogada, de forma expressa, ou seja, quando a lei posterior determina expressamente a revogação da anterior; ou tácita, revelada pela incompatibilidade entre a lei anterior e a posterior. Quanto à extensão, a revogação poderá ser: a) geral ou total, também chamada de ab-rogação; b) parcial, ou derrogação. INTEGRAÇÃO A integração é a superação de lacunas do ordenamento jurídico. Uma das características do ordenamento jurídico é suacompletude, ou seja, ele deve poder dar uma resposta a qualquer fato social que aconteça. Portanto, quando existe algum fato social para o qual não há regulação expressa, utiliza-se das técnicas de integração. As técnicas de integração comumente citadas pela doutrina são a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Todas essas técnicas são explicitamente citadas no art. 4º, LINDB: Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Os costumes e os princípios gerais de direitos são comumente apontados pela doutrina também como fontes formais mediatas do Direito Penal, de forma que já foram analisados em tópico acima. Portanto nos ateremos à analogia. ANALOGIA DIREITO PENAL 23 A analogia é a aplicação de regra prevista para caso semelhante ao caso para o qual não há expressa regulamentação legal. O fundamento é o brocardo ubi eadem legis ratio, ubi eadem legis dispositio (“onde há a mesma razão legal, aplica-se o mesmo dispositivo”). Para que seja possível o recurso à analogia, exigem-se dois requisitos: a) que o fato não esteja regulado pelo legislador e b) que haja norma regulando caso semelhante, cujo fundamento seja compatível com o caso não regulado23. Importante frisar que, por ser a analogia um método de integração do ordenamento jurídico pelo julgador, a não regulação deve ser involuntária e não uma opção deliberada do legislador de dar tratamento diverso à matéria (STF, HC 94777, Direito, 1ª. T., u., 5.8.08). ANALOGIA IN MALAM PARTEM O recurso à analogia é vedado em Direito Penal sempre que prejudicial ao réu, seja para punir um fato que não está criminalizado ou para agravar a punição de crimes existentes. Isso é uma consequência do princípio da legalidade, que em seu corolário da reserva de lei determina que crimes e sanções só podem ser fixados por lei. A 2ª Turma do STF declarou a atipicidade da conduta de condenado pela prática do crime descrito no art. 155, § 3º, CP24, por efetuar ligação clandestina de sinal de TV a cabo. Reputou-se que o objeto do aludido crime não seria “energia” e ressaltou-se a inadmissibilidade da analogia in malam partem em Direito Penal, razão pela qual a conduta não poderia ser considerada penalmente típica: “EMENTA: HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE RECURSAL DO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. INTERCEPTAÇÃO OU RECEPTAÇÃO NÃO AUTORIZADA DE SINAL DE TV A CABO. FURTO DE ENERGIA (ART. 155, § 3º, DO CÓDIGO PENAL). ADEQUAÇÃO TÍPICA NÃO EVIDENCIADA. CONDUTA TÍPICA PREVISTA NO ART. 35 DA LEI 8.977/95. INEXISTÊNCIA DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. APLICAÇÃO DE ANALOGIA IN MALAM PARTEM PARA COMPLEMENTAR A NORMA. INADMISSIBILIDADE. OBEDIÊNCIA A O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ESTRITA LEGALIDADE PENAL. PRECEDENTES. O assistente de acusação tem legitimidade para recorrer de decisão absolutória nos casos em que o Ministério Público não interpõe recurso. Decorrência do enunciado da Súmula 210 do Supremo Tribunal Federal. O sinal de TV a cabo não é energia, e assim, não pode ser objeto material do delito previsto no art. 155, § 3º, do Código Penal. Daí a impossibilidade de se equiparar o desvio de sinal de TV a cabo ao delito descrito no referido dispositivo. Ademais, na esfera penal não se admite a aplicação da analogia para suprir lacunas, de modo a se criar penalidade não mencionada na lei (analogia in malam partem), sob pena de violação ao princípio constitucional da estrita legalidade. Precedentes. Ordem concedida.” (HC 97261, Relator (a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 12/04/2011, DJe-081 DIVULG 02-05-2011 PUBLIC 03-05-2011 EMENT VOL-02513-01 PP-00029 RTJ VOL-00219- PP-00423 RT v. 100, n. 909, 2011, p. 409-415). 23 ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor E. Rios. Direito Penal Esquematizado. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 179. 24 Art. 155. Subtrair para si ou para outrem, coisa alheia móvel: (...) § 3º Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico. http://www.jusbrasil.com.br/topicos/11756866/artigo-35-da-lei-n-8977-de-06-de-janeiro-de-1995 http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/110300/lei-8977-95 DIREITO PENAL 24 A posição consagrada pelo STF não vem sendo seguida pelo STJ, consoante se conclui do julgado abaixo colacionado: “RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CAPTAÇÃO IRREGULAR DE SINAL DE TELEVISÃO A CABO. ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA. NECESSIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. EQUIPARAÇÃO À ENERGIA ELÉTRICA. POSSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. Não há na impetração a cópia da denúncia ofertada contra os recorrentes, documentação indispensável para análise da alegada atipicidade da conduta que lhes foi atribuída. 2. O rito do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direito alegado, devendo a parte demonstrar, de maneira inequívoca, por meio de documentos que evidenciem a pretensão aduzida, a existência do aventado constrangimento ilegal suportado pelo paciente. 3. Assim não fosse, tomando-se por base apenas os fatos relatados na inicial do mandamus impetrado na origem e no aresto objurgado, não se constata qualquer ilegalidade passível de ser remediada por este Sodalício, pois o sinal de TV a cabo pode ser equiparado à energia elétrica para fins de incidência do artigo 155, § 3º, do Código Penal. Doutrina. Precedentes. 4. Recurso improvido.” (RHC 30847/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 20/08/2013, DJe 04/09/2013). RESUMINDO: Como caracterizar a conduta de interceptação clandestina de sinal de TV a cabo? Supremo Tribunal Federal: conduta atípica, inadmitindo a analogia in malam partem (HC97261). Superior Tribunal de Justiça: caracteriza-se como furto simples, a partir da interpretação do art. 155, § 3º, CP (RHC 30847/RJ). ANALOGIA IN BONAM PARTEM O recurso à analogia, com aplicação de regra semelhante para caso não regulado expressamente pelo legislador, é admitida quando favorável ao réu, restringindo o poder punitivo do Estado. A analogia em benefício do réu é muitas vezes necessária para que não se chegue a soluções absurdas a casos semelhantes. Portanto, se não é punível a subtração de coisa comum fungível, cujo valor não exceda a quota a que tem direito o agente (art. 156, CP), igualmente não poderá ser punível o dano de coisa comum fungível nas mesmas circunstâncias. A admissão da analogia in bonam partem e a vedação da analogia in malam partem segue uma tendência geral do Direito Penal de sempre, no conflito entre a liberdade individual e o poder de punir do Estado, privilegiar a primeira. DIREITO PENAL 25 APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI PENAL Admite-se, entretanto, a chamada “aplicação analógica da lei penal”, que ocorre quando a própria lei penal autoriza a aplicação de uma regra a casos semelhantes, normalmente após um rol exemplificativo. É o que ocorre, por exemplo, no art. 121, § 2º, I, CP, segundo o qual o homicídio é qualificado se é cometido “mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe”. Ou seja, paga e promessa de recompensa são exemplos dados pela lei de motivos torpes, entretanto a lei autoriza o julgador a considerar qualificado o homicídio se houver outra motivação torpe, semelhante a essas duas. ANALOGIA E PROCESSO PENAL A utilização da analogia é comumente admitida no processo penal. O art. 3º,CPP, dispõe que: Art. 3º A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito. APLICAÇÃO DA LEI PENAL LEI PENAL NO TEMPO CONFLITOS DE LEIS PENAIS NO TEMPO Visto o tema da vigência da lei penal, e considerados os princípios da legalidade, anterioridade e irretroatividadeda lei penal, com exceção da mais benéfica, é chegado o momento de examinar os casos de sucessão de leis penais ou conflito de leis penais no tempo, à luz daqueles mesmos princípios. De considerar, ainda, na matéria, o art. 2º, CP: Art. 2º Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica- se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado. Visto isso, podem ser antevistas as seguintes situações: Situação Conceito Efeito Fundamento Lei descriminadora ou abolitio criminis Lei nova que deixa de considerar o fato como crime Retroativo, incluindo processos em fase de execução penal arts. 5º, XL, CF, 2º e 107, III, CP, e 66, I, LEP Novatio legis in mellius Lei nova que favorece o agente. Retroativo, incluindo processos em fase de execução penal. arts. 5º, XL, CF, 2º e 107, III, CP, e 66, I, LEP DIREITO PENAL 26 Lei nova incriminadora. Tipifica uma conduta que não era considerada criminosa. Limitado aos fatos posteriores a sua entrada em vigor arts. 5º, XXXIX, CF, e art. 1º, CP Novatio legis in pejus Lei nova que desfavorece o agente, aumentando, por exemplo, o prazo prescricional ou o tempo necessário para a obtenção de progressão de regime (Lei 11.464/07). Limitado aos fatos posteriores a sua entrada em vigor arts. 5º, XXXIX, CF e art. 1º, CP Não há abolitio criminis quando sobrevém lei nova que dá nova disciplina à matéria, mantendo, na essência, a proibição da prática das condutas, embora revogue expressamente a lei anterior. Assim, os crimes de tóxicos ocorridos na vigência da Lei 6.368/76 não deixaram de ser fatos criminosos em virtude da revogação daquela lei pela superveniência da Lei 11.343/06, que manteve, em essência, a proibição daquelas condutas. Em casos tais, deve ser aplicada a lei anterior em relação aos fatos ocorridos na sua vigência, e a lei nova para os fatos ocorridos após a sua entrada em vigor. Afirmar o contrário seria admitir que, com a entrada em vigor de um novo Código Penal, a revogação do anterior implicaria em descriminação de todos os fatos criminosos ocorridos na vigência do diploma anterior, embora as condutas continuem sendo proibidas. Assim também quando a alínea d do art. 95, Lei 8.212/91, foi substituída pelo art. 168-A, CP, quando foi reconhecida, igualmente, a continuidade normativo-típica (STF, RHC 88144, Grau, 2ª. T., u., 4.4.06). Como se vê: 1. A lei penal não retroage, exceto em favor do réu; 2. A lei penal mais favorável tem então, efeito ultrativo, pois continua sendo aplicável aos fatos ocorridos durante sua vigência, que não são alcançados pela lei nova mais prejudicial. a) Crimes Permanente e Continuado É de ver que, nos termos da Súmula 711 do STF: “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”. O fundamento da súmula é o fato de que o acusado perseverou na prática criminosa, embora advertido da nova penalidade cominada, de modo que não haveria, aí, ofensa ao princípio da anterioridade. b) Combinação de Leis Predomina o entendimento de que não é permitida, nem mesmo em favor do acusado, a combinação de dispositivos de leis diversas, com a criação de uma terceira norma (lex tertia) por representar violação aos princípios da legalidade, da anterioridade da lei penal e da separação de poderes (STF, CJ 5195, Gallotti, Pl., 3.6.70; STF, HC 96844, Barbosa, 2ª. T., u., 4.12.09). DIREITO PENAL 27 Nesse sentido a Súmula 501/STJ: “É cabível a aplicação retroativa da Lei n. 11.343/2006, desde que o resultado da incidência das suas disposições, na íntegra, seja mais favorável ao réu do que o advindo da aplicação da Lei n. 6.368/1976, sendo vedada a combinação de leis”. c) Leis Excepcionais ou Temporárias As leis excepcionais ou temporárias seguem sendo aplicadas mesmo depois de decorrido seu período de vigência, sendo dotadas de ultratividade, como preceitua o art. 3º, CP, do seguinte teor: “A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência”. A lei excepcional é aquela publicada em razão de uma circunstância específica, como guerra, estado de sítio, calamidade pública, estando destinada, portanto, a uma vigência temporária, determinada pela persistência, ou não, das circunstâncias que determinaram sua aplicação. A lei temporária é aquela que já traz em seu texto a previsão do período da sua aplicação, não sendo necessária lei nova para revogá-las. Ex.: Lei Geral da Copa do Mundo de 2014 (Lei 12.663/12). Em ambos os casos, a lei segue sendo aplicável depois de sua vigência, pois, do contrário, seria despida de qualquer efeito coercitivo, uma vez que todos saberiam de antemão da impossibilidade de sua aplicação com a cessação do prazo de vigência ou das circunstâncias excepcionais que autorizaram sua publicação. d) Norma Penal em Branco Em caso de alteração do complemento da norma penal em branco, a modificação acidental do complemento não implica descriminação, como no caso da revogação ou alteração da tabela de preços em caso de crime contra a economia popular caracterizado pela violação do tabelamento (STF, RE 80544, Cordeiro Guerra, 2ª. T., 29.4.75). Quer dizer, somente haverá revogação se a modificação for essencial, como segue: “Em princípio, o artigo 3º do CP se aplica a norma penal em branco, na hipótese de o ato normativo que a integra ser revogado ou substituído por outro mais benéfico ao infrator, não se dando, portanto, a retroatividade. - Essa aplicação só não se faz quando a norma, que complementa o preceito penal em branco, importa real modificação da figura abstrata nele prevista ou se assenta em motivo permanente, insusceptível de modificar-se por circunstâncias temporárias ou excepcionais, como sucede quando do elenco de doenças contagiosas se retira uma por se haver demonstrado que não tem ela tal característica” (STF, HC 73168, M. Alves, 1ª. T., u., 21.11.95). e) Jurisprudência Não há direito subjetivo à ultratividade da jurisprudência mais favorável, podendo ser aplicada o entendimento mais rigoroso aos casos julgados, ainda que a nova orientação tenha se firmado depois da prática do fato (STJ, RE 113.601, M. Alves, 12.6.87; STF, HC 75793, Pertence, 1ª. T., u., 31.3.98). Não assim, porém, quando a mudança é firme, como nos casos em que o STF publica ou revoga uma súmula, ou declara a inconstitucionalidade de uma regra legal desfavorável, casos em que a aplicação aos casos anteriores é imperativa, sob pena de violação do princípio da DIREITO PENAL 28 igualdade. Assim ocorreu, por exemplo, com a determinação de que os condenados por crime hediondo cumprissem a pena em regime integralmente fechado, ainda que já tenha ocorrido o trânsito em julgado (STF, RE 534343, Peluso, 2ª. T., u., 16.12.08). f) Lei Processual Penal A lei processual penal tem incidência imediata, podendo ser aplicada aos processos relativos a fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor, ainda que desfavorável, nos temos do disposto no art. 2º do CPP, como é o caso da lei que aumenta os valores da fiança (STF, ARE 644.850-ED, Mendes, 18.10.11). No entanto, se o dispositivo legal for de caráter misto, contendo normas de direito material e processual, prevalecerá a parte penal, ainda que desfavorável, de modo que o dispositivo somente será aplicado a fatos ocorridos antes de sua entrada em vigor, como decidido em relação à alteração do art. 366 do CPP (STF, HC 83.864, Pertence, 1ª. T., 20.4.04). g) Regra Constitucional A regraconstitucional, ainda que disponha sobre matéria penal, como é o caso da previsão de perda dos direitos políticos aos condenados imposta pelo inc. III do art. 15 da CF aplica-se retroativamente (STF, RE 418.876, Pertence, 1ª. T., 30.3.04). h) Norma Extradicional As normas que regulam a extradição, veiculadas por lei nacional ou tratado internacional, aplicam-se mesmo a fatos anteriores a sua entrada em vigor, pois não tem natureza material (STJ, Ext 864, Pertence, Pl., 18.6.03). DO TEMPO DO CRIME De acordo com o art. 4º, CP: “Considera-se praticado o crime no momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado”. Como se vê, foi adotada expressamente a chamada teoria da atividade, segundo a qual se considera praticado o crime no momento da conduta, não importando o momento do resultado. O fundamento dessa teoria é a assertiva de que a norma penal atuaria como desestímulo psicológico ao crime, o que dar-se-ia no momento da ação e não por ocasião do resultado. Em caso de crime continuado (art. 171, CP), em que vários fatos são considerados como crime único, por ficção legal, considera-se como tempo do crime o período de todas as ações, o que dá fundamento à já mencionada Súmula 711/STF. De notar, porém, que o termo inicial da prescrição é o momento da consumação (art. 111, I, CP). CONTAGEM DO PRAZO De acordo com o art. 10, CP: “O dia do começo inclui-se no cômputo do prazo. Contam- se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum”. Quer dizer, em questões de direito penal material, como, por exemplo, a prescrição, o prazo é contado incluindo-se o dia do começo, ao contrário do que se dá no processo penal, DIREITO PENAL 29 conforme disposto no art. 798, § 1º, CPP, como segue: “Não se computará no prazo o dia do começo, incluindo-se, porém, o do vencimento”. CONFLITO APARENTE DE NORMAS PENAIS São frequentes os casos em que, à primeira vista, parece possível a aplicação de mais de uma norma penal, ambas em vigor, de modo a afastar a possibilidade de conflito de leis no tempo, marcado pela revogação, expressa ou tácita, de uma das normas, ou seja, por um conflito real de normas. O conflito aparente de normas penais deverá ser resolvido com base nos princípios adiante examinados. a) Princípio da Especialidade O princípio da especialidade pode ser assim resumido: a lei especial afasta a aplicação da geral (lex specialis derogat legi generalis). Uma norma é especial quando reúne os elementos da norma geral, acrescido de outros, chamados especializantes. Assim, por exemplo, o ato de “Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem” (art. 33, § 3º, Lei 11343/06), é especial em relação ao delito do art. 33, caput, da mesma lei. b) Princípio da Subsidiariedade Uma norma é considerada subsidiária quando a conduta nela prevista integra o tipo da principal, caso em que somente esta será aplicada. A subsidiariedade pode ser expressa, quando a própria norma condicionar a sua aplicação à inocorrência da modalidade mais grave (ex.: art. 132, CP) ou tácita, quando o fato previsto em uma norma figurar como elemento componente, majorante ou meio prático de execução de outra figura mais grave. c) Princípio da Consunção O princípio da consunção é aplicado quando um crime é considerado meio (crime-meio) para o cometimento de outro (crime-fim), sendo aquele absorvido. Não há absorção, em regra, quando os tipos em conflito aparente protegem bens jurídicos diversos, como é o caso do porte ilegal de arma e quadrilha, que tutelam, respectivamente, a incolumidade e a paz públicas (STF, RHC 83447, Mello, 2ª. T., u., 17.2.04). Nesse sentido a Súmula 17/STJ: “Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”. d) Princípio da Alternatividade O princípio da alternatividade é aplicado quando, conforme o caso concreto, uma ou outra norma penal podem ser aplicadas. É o que se dá, por exemplo, em relação aos delitos de falsificação (arts. 297-299, CP) e uso de documento falso (art. 304,CP), que é punível independentemente de determinação da autoria da falsificação, que é prova difícil de ser produzida. Os delitos têm uma relação de alternatividade. Quer dizer, ainda que não seja comprovada a autoria da falsificação, mas exista prova da utilização, a conduta será típica. LEI PENAL NO ESPAÇO LOCAL DO CRIME DIREITO PENAL 30 O CP adotou a teoria da ubiqüidade, quanto ao local do crime, como se vê da leitura do art. 6º, CP: “Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado”. Adotada essa teoria, fica resolvido o problema dos crimes à distância, ou seja, aqueles nos quais a ação se dá em lugar diferente daquele do resultado, como no exemplo da carta- bomba. Em tais casos, considera-se local do crime tanto o local da ação quanto aquele do resultado, concreto ou buscado pelo agente. Desse modo, aplica-se a lei brasileira se o crime, de algum modo, tocou o território nacional, como nos casos seguintes: 1. Latrocínio em que a vítima foi sequestrada no Brasil e morta no exterior, tendo sido subtraídos seus bens (STJ, HC 41892, Limaa, 5ª. T., 2.6.05); 2. De uso de passaporte português falso perante o controle de fronteiras do Brasil visando o ingresso nos EUA, onde a fraude foi detectada (STJ, CC 119645, Reis, 3ª. S., 28.3.12). TERRITORIALIDADE O princípio de direito penal internacional usualmente adotado é o da territorialidade da lei penal, que é aplicada, em regra, aos crimes cometidos no território de cada País (STF, Ext 1077, C. Lúcia, Pl., u., 20.6.07; STJ, HC 231633, Mussi, 5ª. T., 25.11.14), o que decorre da própria noção de soberania nacional, bem como de respeito à soberania dos demais países, os quais, usualmente, também aplicarão a sua própria lei a fatos ocorridos em seus respectivos territórios nacionais. Além disso, haveria dificuldades para investigar e aplicar a lei penal de um país a fatos ocorridos fora do seu território. É esse o critério adotado no Brasil, como deixa claro o art. 5º, CP. Art. 5º Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. Quer dizer, como regra geral, aplica-se a lei brasileira ao crime cometido em território nacional, independentemente da nacionalidade do autor ou da vítima, bem como dos bens jurídicos envolvidos. Além de estabelecer a aplicabilidade da lei brasileira aos crimes cometidos em território nacional, o dispositivo delimita o conceito de território nacional para fins penais. Conforme o art. 1º, Lei 8.617/93: “O mar territorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítima de largura, medidas a partir da linha de baixa-mar do litoral continental e insular, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil”. Quanto ao espaço aéreo, o Brasil adota a teoria da absoluta soberania em relação ao espaço sobrejacente ao território nacional e ao mar territorial, como se vê dos seguintes dispositivos legais: Código Brasileiro de Aeronáutica - Lei 7565/86/Art. 11. O Brasil exerce completa e exclusiva soberania sobre o espaço aéreo acima de seu território e mar territorial. Lei 8.617/93/Art. 2º. A soberania do Brasil estende-se ao mar territorial, ao espaço aéreo sobrejacente, bem como ao seu leito e subsolo. DIREITO PENAL 31 Com relação às aeronaves, assim dispõe o art. 3º do Código Brasileiro de Aeronáutica: Art. 3º Consideram-se situadas no território do Estado de sua nacionalidade: I - as aeronaves militares, bem como as civis de propriedade ou a serviço do Estado, por este diretamente utilizadas (artigo 107, §§ 1º e 3º); II - as aeronaves de outra
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