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[leitura obrigatória] WOLF A É tica a Nicômaco de Aristóteles (Cap 3 A Arete Ética) OCR

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C A P I T U L O TERCEI RO
A arete ética 
(II—IV 15)
ma arete ética corresponde mais ou menos ao que chamaríamos de uma 
virtude, uma boa propriedade do caráter. Por muito tempo a temática do caráter 
foi negligenciada na filosofia. Nesse meio-tempo, porém, alguns filósofos da 
moral chegaram à concepção de que seria possível superar certas carências 
presentes na vigente teoria moral kantiana se fossem completadas ou substituídas 
por uma moral das virtudes1. Como o novo interesse pela concepção aristotélica 
da arete ética se deve quase exclusivamente à teoria moral, também a palavra 
“virtude”, pela qual se substituiu tradicionalmente a arete, restringe-se, no debate 
atual, na maioria das vezes, ao seu sentido moral. Vimos, porém, que Aristóteles 
aconselha viver no exercício das aretai éticas, não a partir de questões morais. 
Antes, a investigação da arete ética prende-se diretamente em I 6 e I 13, explici­
tando o modo de vida correspondente como uma das duas formas de eudaimonia 
humana ou do bem viver individual. O aspecto moral da arete ética só ocupa o 
lugar central no Livro V, que tem por tema o conceito de justiça.
No Livro II, de forma genérica, Aristóteles desenvolve a teoria da arete ética 
como meio-termo (mesotes). Mas essa explicação é incompleta. Como sabemos, 
a partir de I 13, a faculdade desiderativa está bem constituída quando obedece 
à razão. A razão tem, por seu lado, suas próprias aretai; aquela que se refere à
1. Uma perspectiva panorâmica do debate de hoje sobre a ética das virtudes é fornecida 
por R ippe, Schaber 1998. Para esse capítulo, cf. também W olf 1995.
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AARETE ÉTICA ( II- IV 15)
deliberação ética é a phronesis. Como veremos nos Livros III e VI, a areie ética 
e o bem agir ético que provém daquela, a eupraxia, só alcançam seu sentido 
pleno quando a arete ética e a areie intelectual da phronesis entram em acordo. 
Assim, a interpretação que se segue não vai avante sem antecipações, e alguns 
fins desconexos só serão acoplados em capítulos posteriores. Explicita primeira­
mente a teoria geral da arete ética (nas seções 1-3); só então, na seção 4, vêm alguns 
exemplos das aretai concretas, que Aristóteles apresenta em III 8-1V 15. A esse 
emprego pertence ainda o Livro V, que trata da justiça, que será abordado de modo 
específico no próximo capítulo, visto apresentar uma investigação abrangente 
relativamente autônoma. O texto principal é II 1-5. Está construído de tal modo 
que II 1-3 contém reflexões sobre o surgimento da arete, enquanto a definição 
da arete aparece em II 4-5. Encontramos em II 2 importantes enunciados para 
a compreensão de II 4-5, de tal modo que II 2 precisa ser avaliado junto com II 
4-5. Em II 6-9 seguem-se um resumo, uma lista das aretai concretas e algumas 
observações posteriores. Na medida do possível, vamos integrar também os prin­
cípios acrescidos em II 6,8 e 9. Em II 7 há uma lista de aretai éticas completas, 
precedendo assim como introdução da quarta subdivisão do capítulo.
1. 0 SURGIMENTO DA ARETE ÉTICA (I11 E 3)
a) O surgimento da arete ética pelo hábito (il 1)
No final do Livro I, Aristóteles adota a distinção de dois tipos de arete, a
da parte racional da alma, a arete dianoética, que surge pela educação, e a arete
ética, que não surge pela educação (1103a 14-18). Se a arete ética não surge pela 
educação, então é evidente considerá-la um dom natural (1103al8 s.). Mas Aristó­
teles exclui essa possibilidade. Com efeito, segundo a argumentação, na capaci­
dade natural, a posse precede a capacidade do exercício (nós temos, por exemplo, 
a capacidade de percepção a partir da natureza e só depois a atualizamos [ 1103a26- 
b2]). Mas na arete ética, ao contrário, como é o caso também na tekhne, o exercício 
de determinadas atividades precede o possuir a arete. Só nos tomamos mestres 
na construção pelo reiterado construir, e tomamo-nos retos pelo reiterado exercício 
de ações retas. Segundo Aristóteles, só resta concluirmos então que a arete ética 
reside no hábito. E claro que a capacidade de alcançar a arete pressupõe também 
um dom natural, a saber, a dynamis natural (capacidade, faculdade, aptidão), para 
poder adotar a arete ética.
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Como resultado do hábito, surge tanto um bom preparo para agir quanto um 
mau (1103b2 ss.). Por natureza temos, por exemplo, aptidão para tocar violino, 
mas só podemos adquirir a tekhne de tocar violino pelo reiterado exercício dessa 
atividade. Nesse exercício, na fase do aprendizado orientado, uns mostram ser 
melhores, outros piores, e assim uns alcançam a arete na arte de tocar violino, 
outros não. O que no ensino representa a tekhne é na arete ética o exercício da 
educação. É por isso que no fim do parágrafo (1103b23 ss.) Aristóteles acentua 
a importância da formação, do hábito correto desde a infância. Por exemplo 
(1103bl3 ss.): desde a infância temos a aptidão para sentir medo ou coragem. 
São aquelas afecções que determinam nossa reação diante de situações de perigo. 
Aquele que se habitua a agir firmemente nessas situações ou quem se habitua a 
elas toma-se um homem cada vez mais corajoso, desenvolve a arete ética da 
coragem. Aquele que se habitua a fugir e à covardia em lugar da coragem alcança 
a kakia (a maldade, o vício, a falha ética, a baixeza), a covardia.
b) Um aparente paradoxo (II 3)
Mas como é isso de alcançarmos uma arete ética, por exemplo a justiça, ao 
agirmos de modo correto em situações relevantes, quando o agir correto já pres­
supõe que sejamos corretos (II 3)? Aristóteles pergunta de imediato se na tekhne 
não surge igualmente o paradoxo pelo qual alguém que aprende uma tekhne ne­
cessita já executar as atividades nas quais esta é praticada.
Aristóteles se adianta em esclarecer que no caso da tekhne o paradoxo é apenas 
aparente. Se alguém expressasse um conhecimento gramatical correto por acaso 
ou sob orientação, nem por causa dessa única manifestação concluiríamos que é 
alguém que se expressa gramaticalmente bem. Antes, só lhe atribuiríamos essa ca­
pacidade quando seus enunciados gramaticais fossem na maioria das vezes corretos 
e quando os fizesse por si mesmo e sem orientação alheia. É necessário distinguir 
aqui ações singulares da posse duradoura de um saber-e-poder-da-teWtne. Então, o 
paradoxo só pode ser resolvido no âmbito da tekhne, do seguinte modo: o saber-e- 
poder-da-tekhne implica expressar-se em ações singulares, enquanto não há impli­
cação na outra direçção. Uma única ação pode dar-se pelo acaso ou pela influência 
alheia, não sendo suficiente como critério para a posse de uma tekhne. Indepen­
dentemente da ocorrência da ação, no caso da tekhne, vale porém: mesmo que o 
enunciado gramatical seja verdadeiro apenas por acaso, e o orador não seja real­
mente um perito gramatical, o enunciado continua a ser verdadeiro. A verdade de 
uma frase depende de situações de fato e não de capacidades daquele que fala.
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A ARETE ÉTICA (II - IV 15)
Uma vez que o paralelismo entre tekhne e arete não persiste em todos os 
pontos, será preciso investigar agora se o paradoxo pode ser resolvido igualmente 
também no âmbito da ética. Diversamente do âmbito da tekhne, no âmbito da 
ética não é possível separar a avaliação da ação da constituição do agente, e 
assim o paradoxo só pode ser resolvido, aqui, se levamos em consideração que 
a fala “fazer ações corretas” contém dois significados. O fato de alguém fazer 
uma ação correta pode ser empregado primeiramente em sentido fraco e signifi­
car que ele faz uma ação com a mesma constituição como se fosse feita por uma 
pessoa justa. Todavia, alguém só age realmente de modo correto, em sentido 
próprio e verdadeiro, quando ele próprio faz a ação a partir de uma compleição 
constitutiva determinada.
Aristóteles cita três condições para a existência dessa constituição apropriada 
(1105a30 ss.): a ação deve acontecer, em primeiro lugar, de modo ciente (eidos); 
em segundo lugar, pmairoumenos (baseada numa decisão, intencionalmente); 
em terceirolugar, firmemente e de modo imperturbável. Enquanto os primeiros 
dois pontos são explicitados apenas no Livro III, o paradoxo do âmbito ético já 
pode ser resolvido com a ajuda do terceiro ponto (1105b6 ss.): sob orientação, 
por exemplo, alguém pode fazer ações retas sem ser ele próprio reto, no sentido 
de que pode fazer ações iguais às que faria uma pessoa reta nessa situação. Ações 
retas em sentido autêntico e próprio só podem ser feitas por aquele que possui 
a justiça como uma disposição de caráter duradoura, agindo a partir dessa cons­
tituição ética.
2. A DEFINIÇÃO DÊ ARETE SEGUNDO 0 GÊNERO (II 4)
Seguindo as reflexões precedentes em I I 1-3, agora em 4-5 irá ser determinado o 
que é a arete ética, e quiçá segundo o procedimento usual da definição, indicando 
o gênero e a diferença específica; em I I4 determina-se o gênero, em I I5 a espécie. 
Para adiantar a resposta: segundo o genus ou o gênero, a arete ética é uma hexis, 
segundo a espécie é uma mesotes, portanto um modo especial de meio-termo.
a) A arete ética como hexis
O gênero é encontrado pelo procedimento de exclusão. Aristóteles cita ini­
cialmente três possíveis candidatos (1105b20), a saber, pathos (paixão, afecção,
A ÉTICA A NICÔMACO DE ARISTÓTELES
moção irracional), dynamis (capacidade, habilidade, aptidão) e hexis (proprie­
dade compleiÇ*0 constitutiva, habitus, postura fundamental firme), e por fim 
estabelece a qual desses gêneros a arete não pertence: ela não é afecção, não é 
urna disposição, de modo que só resta ser uma hexis (1106al 1 s.).
Segando Aristóteles, as aretai éticas não podem ser afecções, visto que, enquan­
to partes constitutivas de nossa dotação natural, não são boas nem ruins (1105b28- 
1106a6). Não louvamos ou censuramos as pessoas por vivenciarem determinadas 
nfrqfos»; não é quem sente raiva que é censurado, mas quem faz isso de modo 
errôneo (1106al). A arete ou a kakia, porém, é precisamente onde se baseia o 
louvar ou a censura. De modo semelhante, exclui-se a “aptidão” como postulante 
ao gênero da arete (1106a6-10) porque os juízos de valor sobre as pessoas, tanto 
o louvor como a censura, não se referem à aptidão de poder sofrer afecções.
Se as afecções e aptidões possuem um valor neutro em relação ao sentir as 
afecções, então arete e kakia, precisamente o que é louvado ou censurado, devem 
incidir em outro gênero. Das opções citadas, só resta que pertençam ao gênero da 
hexis. A palavra hexis designa mais ou menos aquilo que chamamos hoje de dis­
posição de caráter, uma postura duradoura, que determina tanto a reação afetiva 
como a ativa diante das situações. O próprio Aristóteles explica o significado da 
palavra como impostação, pela qual nos portamos de modo correto ou falso em 
relação às afecções (1105b25 ss.). Mas então, mesmo que a hexis ética não seja 
uma afecção, o ser afetado tem um significado central enquanto objeto da ética, 
de modo que é preciso que esclareçamos o conceito de afecção.
b) Sobre o conceito de afecção
Em EN II, Aristóteles apenas cita exemplos de afecção, restringindo-se à 
indicação lapidar de que afecção seria tudo aquilo a que se segue prazer ou des­
prazer (1105b23). É claro que isso não é uma explicitação suficiente, visto que 
a concepção do próprio Aristóteles é de que ao lado das afecções há ainda outras 
coisas que vêm acompanhadas de prazer e desprazer, como sentimentos sensoriais 
ou atividades. As afecções são parte constitutiva da faculdade desiderativa, con­
tendo além disso apetites e desejos2. Exemplos de afecções são raiva, bravura,
2. Sobre esse tema, cf. mais extensivamente R icken (1976, cap. IV); em relação a toda a 
problemática do nexo de pertença entre afecção, prazer, arete e eudaimonia, cf. ibid., cap. 
V e VI. Sobre o ser afetado, cf. também Rjedenauer 2000, cap. IV
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inveja, amor, compaixão. Umpaíhos é literalmente algo que sofremos. De modo 
mais preciso, na afecção está em questão o fato de a faculdade desiderativa ser 
afetada pela percepção de um estado de coisas. Como mostram os exemplos, 
esses estados de coisas têm a ver, na maior parte das vezes, com nossa relação 
com outras pessoas.
Podemos encontrar algumas exposições mais extensas sobre afecções em 
outros textos, sobretudo na Retórica. Ali, por exemplo, Aristóteles explica a 
afecção da ira do seguinte modo (1378a30 ss.): ira é uma aspiração carregada 
de desprazer, que busca vingança, em virtude de um suposto ou real menosprezo 
sofrido por nós próprios ou por alguém que pertence ao nosso círculo. Trata-se 
portanto de um fenômeno com diversos aspectos, com uma estrutura relativa­
mente complexa:
(i) A afecção é provocada cada vez por um estado de coisas, implica a opi­
nião de que se dê um determinado estado de coisas, de que a situação se compõe 
desse ou daquele modo. No exemplo da ira: aquele que é atingido imagina ser 
menosprezado.
(ii) Ali estão em questão sempre estados de coisas significativos para a vida ou 
para o bem viver da pessoa. Poderíamos dizer, portanto: na habilidade desiderati­
va, no ser afetado, se dá um reporte valorativo em relação à vida própria.
(iii) A afecção reage a esse estado de coisas, contendo cada vez um componente 
de prazer ou desprazer. No caso de uma afecção negativa, como a ira, enquanto 
uma resposta de alguém que é acometido por algo de ruim, em sua pessoa ou em sua 
eudaimonia surge um desprazer. Por isso, as afecções são valorativas: referem-se 
a nosso bem viver, na medida em que permitem a experiência de sermos atingidos 
pelo sentimento de algo bom ou ruim para nós.
(iv) A afecção é inicialmente uma reação passiva a um estado de coisas, mas 
nos leva igualmente a uma aspiração. Um estado de coisas acompanhado de pra­
zer nos leva à aspiração de conservá-lo; um estado de coisas acompanhado de 
desprazer, como no exemplo da ira, provoca a aspiração de eliminar esse estado 
de coisas, como no exemplo da aspiração por vingança. Diversamente da afecção, 
a aspiração, também em estados de coisas que prejudicam a pessoa, não contém 
apenas desprazer, mas desencadeia também prazer, que consiste na esperança 
de afastar o mal. Aqui, temos uma importante indicação para o que vem a seguir: 
Aristóteles está certamente preocupado em determinar a arete ética de modo a 
levar claramente em consideração o aspecto subjetivo do agradável, pertencente 
ao conceito cotidiano de eudaimonia, mas que não é visível sem mais na defini­
ção “científica” do conceito de eudaimonia em I 6.
AARETE ÉTICA (II- IV 15)
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A ÉTICA A NICÔMACO DE ARISTÓTELES
3. A DEFINIÇÃO DA ARETE SEGUNDO A ESPÉCIE
(112,115, II 6 até 1107a8)
Como vimos, quanto ao gênero, a arete ética é uma hexis. Para determinar que 
hexis é ela, Aristóteles desenvolve a doutrina do meio-termo (mesotes), tão conhe­
cida quanto mal compreendida. O primeiro passo é geral e apoia-se na teoria do 
continuum, apresentada por Aristóteles em seus escritos teóricos (1106a26-b 16); 
o segundo passo transfere essa reflexão para a arete ética (1106b 16 ss.).
a) O significado geral de meio-termo (1106a26-b16)
Um continuum é algo divisível, do qual podemos tomar mais, menos ou o 
mesmo tanto. Podemos compreender esse mesmo tanto de dois modos. De um lado, 
pode tratar-se do meio aritmético, como 6 é o meio-termo entre 2 e 10. A fala 
sobre o meio-termo pode ser também proporcional em relação a nós (ou talvez 
também em relação a outras coisas). No que diz respeito à comida, uma certa 
quantidade de calorias é muito, uma outra, pouco; o meio-termo correto não é o 
meio-termo numérico, mas diferente para cada pessoa, a cada vez de acordo com 
sua situação3. A pessoa que pratica esportes precisa de mais calorias do que aquela 
que trabalha num escritório, por exemplo; para o primeiro, portanto, o meio-termo 
está mais próximo ao maximum, para o outro mais próximo ao mínimo.
Ora, a tese geral é de que a boa execução de um ergon objetiva sempre ao 
justo meio-termo, e quiçá também no caso da tekhne e da episteme. Quem quer 
construir alguma coisa, por exemplo uma casa, deveempregar os elementos ma­
teriais apropriados, aqui pedras e vigas, na quantidade correta e na ordem correta4. 
Donde sabe o mestre de obras quanto material precisa empregar? O correto não 
é o meio-termo, contado entre o muito e o pouco, mas o correto é proceder de 
modo médio no sentido de tomar de cada material o tanto de modo que o produto 
resulte na melhor casa possível, realizando sua tarefa, a construção da casa, do 
melhor modo possível. Relativamente, o meio-termo determina-se, portanto, como 
a boa execução do ergon, e na medida em que a arete sustenta essa execução ela 
tende ao meio-termo entre o demais e o muito pouco.
3. Se para Aristóteles as diferenças dependem sempre da situação ou se podem residir 
também na pessoa é uma questão controversa, mas que pode Ficar em aberto no momento. 
Para isso, cf. L eighton 1996.
4. O exemplo provém de Platào, Górgias 503el ss., em que já encontramos uma repre­
sentação parecida.
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A ARETE ÉTICA ( I l- IV 15)
b) A arete ética como meio-termo (mesotes) (1106b 16-1107a8, II 2)
A transferência dessa reflexão à arete ética segue-se de modo bastante breve 
em II 5; explicações mais detalhadas encontram-se nos trechos não levados em 
consideração até aqui em I I2, pertencentes ao contexto da questão do surgimento 
da arete. Ali se explica que nossa aptidão natural para sentir afecções pode ser 
desenvolvida, de modo que, pelo hábito, acaba por transformar-se em diversas 
hexeis. O hábito que leva à arete é habituar-se a sentir adequadamente alegria ou 
sofrimento diante da situação, e realizar as ações corretas com prazer e as ações 
ruins com desprazer (1104b 12 ss.)- Lançando mão de dois exemplos, esclarece-se 
então o que esse surgimento da arete e sua conservação têm a ver com um meio- 
termo, por que a demasia e o muito pouco lhe são prejudiciais (1104al 1 ss.).
O primeiro exemplo refere-se ao posicionamento em relação ao prazer sensí­
vel, por exemplo ao prazer de comer, que não é porém uma afecção. Quem vive 
de tal modo que procura constantemente o prazer sensível e não renuncia a 
nenhum prazer que se lhe oferece toma-se imoderado. Por outro lado, quem não 
frui de nenhum prazer toma-se insensível. Ambas as hexeis, a imoderação (a 
busca demasiada de prazer) e a insensibilidade (a total falta de busca de prazer), 
são as formas extremas da maldade (kakia) no trato com o prazer sensível. No 
entremeio delas está a arete voltada para o prazer sensível que tende ao meio- 
termo, que procura a medida correta no prazer, a moderação (sophrosyne). O 
mesmo vale para a afecção do medo: quem desenvolve o hábito de considerar 
tudo perigoso, fugindo constantemente, acaba por tomar-se covarde; quem nada 
teme e de nada foge toma-se temerário. A arete encontra-se novamente entre 
essas duas hexeis', reside na coragem, que representa a hexis mediana entre teme­
ridade e covardia.
A questão decisiva para compreender essa teoria está no significado preciso 
da representação segundo a qual a arete ética é uma mesotes, uma hexis mediana. 
Uma coisa é clara. Decerto Aristóteles não quer aconselhar alguma meia medida 
na ação e nas posturas de caráter. O discurso sobre o meio-termo de modo algum 
serve de critério para o que é correto na prática; em diversas perspectivas, serve, 
ao contrário, para explicar a compleição constitutiva da arete ética e a ação por 
ela provocada. Assim, o próprio Aristóteles acentua que a arete deve ser definida 
como uma hexis mediana segundo a espécie, mas em relação ao seu valor nada 
tem de meias medidas, encontrando-se antes no topo (1107a6-8)5.
5. Cf. também H artmann 1957, p. 193.
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A ÉTICA A NICÔMACO DE ARISTÓTELES
Todavia, como se deve compreender a ideia de meio-termo? É um tema difícil 
de ser conhecido, já em virtude de suas formulações mutáveis. Por um lado, a 
arete é o meio-termo entre dois extremos, a hexis mediana entre duas maldades. 
Depois, porém, a areie é definida também como aquela hexis que intenta o meio 
(ft? meson) (1106b28). A isso se acrescenta que Aristóteles aplica o discurso do 
meio-termo tanto à hexis como à afecção, mas também à ação (1104b 14,1106b24 s.). 
Assim, é de supor que na teoria da mesotes estão sobrepostos diversos aspectos, 
que o próprio Aristóteles não separa muito claramente. Podemos distinguir pelo 
menos três significados diversos, que possuem um sentido distinto, embora no 
resumo em 1106b36-l 107 sejam combinados por Aristóteles:
(i) Toda e qualquer arete ética é um meio-termo num continuum, em cujo fim está 
respectivamente uma maldade.
(ii) Afecções e ações delas resultantes atingem o meio-termo quando são adequa­
das ao estado de coisas que as desencadeia.
(iii) As afecções e as ações correspondentes atingem o meio-termo quando têm em 
vista o ergon do homem. Mais precisamente: as afecções são medianas, então, 
quando possibilitam o ser-ativo de acordo com a razão, e as ações atingem o 
mediano quando nelas se realiza a eudaimonia do agente.
Talvez pudéssemos dizer que o significado (i) se adapta primeiramente à 
hexis, o significado (ii) se adapta primeiramente às afecções, e o significado
(iii) primeiramente à ação.
(i) O fato de que toda e qualquer arete representa o meio-termo entre duas mal­
dades pode ser compreendido na perspectiva da base afetiva. Em relação às afecções, 
o discurso sobre o meio-termo parece ter certo sentido em uma escala entre dois 
extremos, visto que as afecções apresentam na realidade um aspecto quantitativo 
e podem ser mais fortes ou mais fracas6. O contexto no qual é plausível afirmar 
que, num continuum aleatoriamente divisível, não se deve possuir nem de mais 
nem de menos de uma afecção é o contexto da educação. Aristóteles é de opinião 
de que a grande maioria das pessoas não alcança deliberar com autonomia sobre 
o que é bom fazer, vivendo ao contrário sob impulsos momentâneos, precisando 
assim ser constantemente educada pelo Estado. Para aquela pessoa que não possui 
a capacidade deliberativa, só resta a indicação vaga de que, em relação à afecção 
e à aspiração que reage àquela, não deve possuir nem de mais nem de menos.
6. U rmson (1980, p. 161) defende que o sentido central da teoria do m eio-term o está 
referido à afetividade.
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A ARETE ÉTICA ( I l- IV 15)
Aristóteles dá esse conselho, em sentido quantitativo, nas explanações populares 
que apresenta em III9: uma vez que é difícil atingir com precisão o que é correto, 
é preciso manter-se longe dos extremos, sobretudo daquele extremo ao qual tende­
mos por natureza. Por fim, devemos guardar-nos diante do sentimento de prazer, 
visto que o prazer muitas vezes nos move a praticar ações injustas.
Mas, como veremos no Livro VI, também aquele que está corretamente 
habituado nem por isso já possui a arete ética em sentido pleno, pois para Aris­
tóteles o decisivo não são os hábitos, mas seu exercício, e o exercício correto; 
ao lado da disposição de caráter apropriada, a phronesis, exige também a capaci­
dade de julgar corretamente a situação, transformando-a numa ação correta na 
perspectiva do ergon humano. Então, em analogia com o exemplo da tekhne, po­
deríamos tentar interpretar a representação quantitativa do meio-termo do seguin­
te modo: as afecções são os materiais que se dão de antemão e naturalmente na 
alma. O educador que pretende formar a alma deve tomar dos materiais o tanto 
que possibilite alcançar o ergon humano, a execução do ser-ativo racional7. Isso 
deveria significar que uma determinada afecção, como a ira, não pode nos afetar 
com uma virulência relativamente grande, para não impedir a deliberação racional. 
Todavia, olhando mais de perto, essa explicação se mostra inapropriada, pois 
numa pessoa que tem uma hexis ruim mesmo uma afecção fraca poderia desa­
tivar a razão; ao contrário, numa pessoa que tem uma boa hexis, mesmo uma 
forte afecção poderia estar orientada à razão. Assim, numa frase em que procura 
descrever o meio-termo de forma quantitativa (1106b 18-23), Aristóteles apresen­
ta uma formulação totalmente diferente:(ii) Podemos irar-nos de mais ou de menos, assim continua Aristóteles, 
sentir medo de mais ou de menos etc., porém o mediano e melhor seria sofrer 
a respectiva afecção quando, em que, diante de quem e como é devido (hos dei). 
Essa formulação remete a um importante modo de ser, próprio das afecções. 
Não são simplesmente fenômenos do sentimento, mas como se diz hoje possuem 
também um conteúdo cognitivo, na medida em que se referem a uma opinião 
sobre um estado de coisas, à interpretação de uma situação, que pode ser ver­
dadeira ou falsa, podendo estar referida a outros juízos. Por isso, as afecções 
podem ser mais ou menos justificadas ou adequadas. Quem por exemplo, numa 
situação de perigo de vida, é acometido de grande medo possui uma afecção 
adequada, teme quando, como etc. é devido. Quem por exemplo entra em pânico
7. Encontramos uma formulação semelhante no autor da Magna moralia (1208a8 ss.) — seja 
ele quem for —, que defende seguramente uma posição no mesmo sentido de Aristóteles.
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A ÉTICA A NICÔMACO DE ARISTÓTELES
ao ver um rato demonstra um medo não adequado à coisa em questão, porque 
nessa situação sua vida não é ameaçada por um grande mal.
Uma afecção é adequada quando sua intensidade corresponde à grandeza 
da ameaça ou da exigência que o estado de coisas que desencadeia essa exigência 
representa para a eudaimonia do agente. A morte ou o ser ferido em guerra repre­
sentam os maiores perigos, e aqui, portanto, é adequado sentir um grande temor. 
Se compreendemos, desse modo, o atingimento do meio-termo no sentido da ade­
quação objetiva da afecção, surge então um problema no nível da ação: a ação 
adequada ao temor muito intenso é a fuga. Então é preciso saber como é possível 
haver uma ação desejável e corretamente corajosa numa situação de perigo de 
vida, por exemplo na guerra.
Uma possibilidade seria compreender moralmente a adequação ou correção 
da ação corajosa. Assim, Aristóteles adota as qualificações da adequação (o que, 
como, a quem, como se deve etc.) por meio da palavra to deon (o que é devido, 
o que é correto, 1107a4). As expressões to deon e hos dei, em grego, represen­
tam os termos paradigmáticos para designar o que é correto moralmente. Como 
vimos, as aretai éticas correspondem em parte ao que chamamos de virtudes 
morais, e como foi indicado também na EN Aristóteles tem como fim ancorar 
a moral em seu princípio da eudaimonia8. Na interpretação das aretai singulares 
veremos até que ponto isso desempenha algum papel na concepção da arete. No 
contexto em que nos movemos agora, o fato de o “como se deve” não se referir 
ao sentido estritamente moral fica claro quando nos voltamos para o terceiro 
sentido do mediano, decisivo para o nível da ação.
(iii) Em relação ao ergon humano, se também as afecções intensas são justifi­
cadas apenas e a cada vez de acordo com a situação, isso não depende da quantidade 
(intensidade) do afeto, tampouco depende da quantidade proporcional (o meio- 
termo em relação a nós), mas de saber se ao sofrer as afecções, não importando 
de que intensidade sejam, se constrói uma certa distância reflexiva, que permita 
à razão obedecer. É só a isso que pode se referir o fato de às vezes Aristóteles 
expressar-se de tal modo que direciona a arete ao meio-termo (1106b28). Assim 
como as pedras na casa, a ser-afetado, então, deve encaixar-se no todo da vida 
humana, de modo que esse possa bem realizar seu ergon, e isso ocorre quando 
se orienta pelas diretrizes da razão.
8. T ugendhat (1993, p. 248) defende a ideia de que esse é o verdadeiro interesse de 
Aristóteles e de que é esse interesse que causa as dificuldades próprias do argumento do 
ergon, presente em I 6.
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A ARETE ÉTICA ( I l- IV 15)
Onde Aristóteles estende o discurso do meio-termo da afecção para a ação 
(1106b23 ss.) se mostra claramente que o meio-termo, ao qual objetiva a arete 
ética, deve ser encontrado no ergon do homem. Como veremos mais precisamen­
te apenas nos Livros III e VI, Aristóteles se representa o estabelecer-se de uma ação, 
na qual uma pessoa reage a uma afecção ou na qual se manifesta uma hexis ética, 
de tal modo que a aspiração afetiva aciona uma deliberação que leva a uma 
proairesis (decisão, escolha) sobre que ação concreta deve ser feita. Aristóteles 
antecipa essa representação no começo de II 6, ao determinar a arete ética como 
“uma hexis proairetike (postura de decisão, habitus do escolher, um firme com­
portamento voltado para a decisão); em relação a nós, essa hexis se encontra no 
meio, e esse meio-termo é determinado pelo logos (razão, plano correto), e 
quiçá pelo logos por meio do qual o phronimos (aquele que compreende, o inteli­
gente, o vidente) iria determiná-lo”. Mas, como veremos no Livro VI, o phronimos 
é aquele capaz de bem deliberar quanto ao todo da eudaimonia. O fato de uma 
ação atingir seu meio-termo significa que ela contribui para a eudaimonia da 
pessoa, que nela se realiza aqui e agora o afazer no sentido da eudaimonia. Toda­
via, uma vez que não podemos determinar de antemão e concretamente a 
eudaimonia de modo diverso do que os fins da tekhne, continua em aberto provi­
soriamente a questão de saber como devemos encontrar a ação que tem por fim 
o meio-termo.
Nós só poderemos nos ocupar com essa questão lançando mão do Livro VI, 
mas no contexto atual surge um problema, exposto acima, que continua sem 
solução: a vida no exercício da arete ética deve formar uma das duas formas da 
eudaimonia-, isso implica que as atividades nas quais se expressa a arete devem 
gerar alegria em si mesmas. Por mais adequado que seja sentir um intenso medo 
diante de um grande perigo, o medo é uma afecção que vem acompanhada de 
desprazer, isto é, um impedimento da realização da vida e, por conseguinte, um 
prejuízo para a eudaimonia. Encontrar o meio-termo, nesse caso, significa então 
que a afecção não toma conta totalmente da pessoa, mas deixa um espaço de jogo 
no qual podem atuar razões que superam o impedimento da realização da vida, 
de tal modo que, mesmo não gerando alegria, não permite pelo menos experi­
mentar desprazer (1104b7 s.) — postura difícil de manter diante do perigo de 
morte. Essas razões não estão no próprio ser-afetado, mas numa razão de segundo 
grau, a saber, no desejo de realizar o kalon (o nobre, o bem ético). O que se tem 
em mente com isso será investigado a seguir, com o auxílio de uma exposição 
das aretai singulares.
A ÉTICA A NICÔMACO DE ARISTÓTELES
4. AS ARETAI SINGULARES
A concepção aristotélica das aretai concretas foi negligenciada por longo 
tempo pelos intérpretes. O que descreve e aconselha aqui Aristóteles é, em 
parte, estranho à nossa representação cunhada pela tradição cristã, mas talvez 
não deixe de ser interessante, visto poder motivar-nos a questionar além do 
óbvio e evidente. Por outro lado, o substrato filosófico e o nível de dificuldade 
dos argumentos presentes nesses trechos do texto são bem menores do que os 
das outras partes da EN, de tal modo que aqui se pode renunciar a uma expli­
citação detalhada.
Em I I7, Aristóteles enumera os âmbitos singulares das afecções e das ações, 
citando os respectivos meios-termos, a arete que vem referida ao respectivo âm­
bito9. Aristóteles só trata das aretai singulares depois de ter discutido os conceitos 
de hekousion e de proairesis no Livro III (III 8-IV 15).
a) Lista das diversas aretai e kakiai (II 7)
Não fica claro como Aristóteles chegou a essa catalogação e como pretendia 
demonstrar seu caráter completo. Provavelmente se trate de um procedimento 
parcialmente empírico, mesmo que seja apenas aquilo que diz respeito à descober­
ta dos âmbitos de ação. Todavia, na realidade, as pessoas não se comportam sem­
pre no sentido da arete, de tal modo que a determinação das aretai não representa 
seguramente e apenas uma descrição do comportamento factual, mas também a 
recomendação de um comportamento correto. E visto que a força persuasiva 
dessa recomendação reside no fato de que, no exercício das aretai éticas,a vida 
se constitui numa das duas formas da eudaimonia, toma-se evidente para a inter­
pretação desse parágrafo a questão central que pergunta se Aristóteles consegue
9. Em II 6 (1107a8 ss.), Aristóteles remete a ações e afecções que implicam a maldade 
já em sua menção, de modo que nesse caso não se pode perguntar pelo meio-termo. A inveja, 
por exemplo, é uma afecção que, diversamente do medo ou da ira, não é neutra, mas já 
implica a menção da maldade. No máximo poderíamos perguntar de qual afecção neutra a 
inveja é um dos extremos negativos. De modo semelhante, naquelas hexeis que apresentam 
uma kakia, um vício, como é o caso da covardia, da injustiça etc., não é possível perguntar 
por uma hexis mediana, visto não haver meio-termo correto para uma kakia. Ao contrário, 
a arete da moderação, por exemplo, não possui excesso nem carência, uma vez que é o meio- 
termo correto.
78
AARETE ÉTICA (II- IV 15) 
demonstrar que toda e qualquer arete singular forma parte constitutiva de uma 
vida que designaríamos como eudaimon.
Na lista há diversas coisas que chamam a atenção. Embora se tenha deter­
minado uma hexis como uma postura diante de um âmbito de afecções, que 
depois se expressa em ações, é apenas de modo parcial que os exemplos são 
descritos de modo que nomeiem o âmbito de ação por meio de uma afecção como 
coragem, ira etc.; nos outros casos, apresenta-se de antemão apenas a ação, por 
exemplo dar e tomar dinheiro. Mas também ali onde a afecção determina o âm­
bito a arete é compreendida sempre como uma disposição para boas ações. 
Deve-se observar em particular que para a justiça, que será o tema do Livro V, 
ficam em aberto tanto o âmbito de ação como a base da afecção. Pudor e indigna­
ção, apresentados como adendos, não entram no esquema; representam um meio- 
termo numa afecção que não é uma arete num sentido verdadeiro e próprio, mas 
mesmo assim são louváveis.
O conteúdo dos livros relevantes desdobra-se do seguinte modo: após um 
parágrafo introdutório (III 8), trata-se da coragem (andreia) em III 9-12, e da 
moderação (sophrosyne) em III 13-15. A seguir Aristóteles dedica-se a duas 
virtudes relacionadas com o trato com dinheiro, a generosidade e a liberalidade 
(eleutheriotes), que se referem a todas as ações que envolvem dinheiro (IV 1-3), 
e à grandiosidade e à magnificência (megaloprepeia), que dizem respeito de modo 
especial ao uso apropriado naquilo que é grandioso (IV 4-6). A magnanimidade 
ou alto apreço (megalopsykhia), que se refere à honra, é o tema de IV 7-9; a 
virtude igualmente referida à honra, postada entre a ambição e a falta de ambição, 
e que não tem nome, é o tema de IV 10. Com relação à ira, igualmente (IV 11) a 
postura intermédia carece de designação; Aristóteles sugere “calmo” ou “manso”, 
indica porém que essa palavra nos faz pensar antes no extremo da falta de ira. 
Em IV 12-14, estão em questão três virtudes do relacionamento social, cordiali­
dade (TV 12), honestidade (IV 13) e destreza. Por fim, em IV 15, o objeto da in­
vestigação é a vergonha, que, assim como a ira, segundo Aristóteles, é uma 
afecção que não possui nenhuma arete.
As explanações a seguir não se ocupam com todos esse fenômenos, mas 
discutem apenas exemplarmente algumas aretai. Tratam, então, de b) coragem e 
ira, c) moderação, d) como tratar com dinheiro e honra. De modo algum vamos 
expor as aretai da convivência, visto que o comportamento em relação às outras 
pessoas será tematizado exaustivamente nos tratados sobre justiça (cap. IV) e 
sobre amizade (cap. IX).
79
A ÉTICA A NICÔMACO DE ARISTÓTELES
A f e c ç ã o /Â m b it o d e a ç à o
phobos (medo, 
angústia) e tharsos , 
(bravura, confiança
hedone (prazer) e lype 
(desprazer, dor)
dar e tomar dinheiro 
ou a posse em coisas 
pequenas
dar e tomar dinheiro 
ou a posse em grandes 
coisas
time (honra) e atimia 
(desonra, infâmia, 
opróbrio) em grandes 
coisas
time (honra) e atimia 
(desonra, infâmia, 
vergonha) em coisas 
pequenas
orge (ira)
to alethes (o 
verdadeiro)
to hedy en paidia 
(aquilo que é 
divertido no jogo e o 
que é agradável no 
entretenimento social)
A rete
andreia (coragem, 
bravura)
sophrosyne
(temperança,
moderação)
eleutheriotes
(generosidade,
liberalidade)
megaloprepeia
(grandiosidade,
magnificência,
prodigalidade)
megalopsykhia 
(magnanimidade, 
apreço, munificência, 
alto apreço)
Sem nome
praotes (calma, 
mansidão, 
"tranquilidade 
impassível” )
aletheia (veracidade, 
honestidade)
eutrapelia (destreza, 
modos, destreza com 
o social)
P r im e ir a k a k ia
thrasytes (insanidade 
— temeridade)
akolasia
(intemperança.
desmesura,
indisciplina)
asotia (esbanjamento, 
mania de esbanjar)
apeirokalia kai 
banausia (insipidez 
e burguesia, gasto 
insípido e gabola)
khaunotes (vaidade, 
jactância, ostentação, 
vanglória,
philotimia (ambição)
orgilotes
(intempestividade,
irascibilidade,
“irritabilidade
violenta")
alazoneia (sem- 
vergonhice, 
presunção, jactância)
bomolokhia (falta de 
educação, palhaçada, 
bufonaria)
areskeia (adulação, 
servilismo) e kolakeia 
(bajulação, sujeição)
S e g u n d a k a k ia 
deilia (covardia)
anaisthesia
(obtusidade)
aneleutheria 
(banalidade, avareza)
mikropepeia
(parcimônia,
mesquinhez)
mikropsychia
(desalento,
ansiedade,
abatimento,
mediocridade)
aphilotimia (falta de 
ambição, indiferença, 
não ambição)
aorgesia (debilidade, 
apatia quanto à ira)
eironeia (ironia, falsa 
ou fingida modéstia, 
pretensa ignorância)
agroikia (estupidez, 
falta de cultura, 
rudeza, estultícia)
aphilia
(contenciosidade,
grosseria,
litigiosidade)
to loipon hedy (outras philia (amabilidade,
coisas divertidas na cordialidade)
vida, as demais coisas 
agradáveis da vida, 
convivência agradável 
em geral)
80
anaiskhyntía 
(sem-vergonhice, 
descaramento)
epikhairekakia 
(comprazer-se 
com o mal alheio)
esse âmbito fica dikaiosyne (justiça)
em aberto
AARETE ÉTICA ( II- IV 15)
aidos (vergonha) aidos (pudor, kataplexis (timidez,
delicadeza) idiotice)
alegria e dor a respeito nemesis (indignação, phthonos (inveja,
daquilo que se abate justa revolta) malevolência)
sobre nosso próximo
b) A coragem e o comportamento em relação à ira
Em III 9-12, trata-se inicialmente da coragem em sentido estrito, como 
comportamento, sobretudo diante do perigo de morte na guerra; a seguir um 
adendo sobre representações análogas em outros âmbitos (III 11). Em III 9 
determina-se a região de objetos da coragem, em I I I10 explicita-se de que modo 
a coragem é uma postura mediana. A ira é tema de IV 11.
(i) O âmbito de ação da coragem (III 9). Aristóteles começa com a indicação 
de que a coragem seria o meio-termo justo em relação ao medo e à confiança, mas 
na determinação do âmbito se orienta primeiramente no medo. A pessoa reage com 
a afecção do medo ao compreender que irá sofrer um mal. Aristóteles chega à con­
clusão de que a coragem não se refere a todas as formas de mal. Assim, há males, 
como o opróbrio e a desonra, causados por uma má ação, e é esse mal que se deve 
temer, contribuindo para evitá-lo. Nem sempre é possível evitar outros males, como 
a doença ou a pobreza; é apenas num sentido figurado que Aristóteles chama de 
corajosa a postura adequada em relação a esses males. Para ele, a coragem em 
sentido estrito refere-se aos maiores medos, e assim sobretudo à morte, aqui 
porém não à morte pela doença ou à morte no mar, mas à morte “nobre” (kalos) 
na guerra, que é uma morte honrosa. Aristóteles delimita pois esse conceito de 
tal modo que seu objeto são aqueles males que são especialmente grandes, que 
em princípio poderiam ser evitados e dos quais se poderia fugir.
(ii) A coragem enquanto uma mesotes ( I I I10). Já indicamos por que é difícil 
expor a coragem como parte desejável e constitutiva da eudaimonia: um grande 
temor é adequado diante de um perigo que ameaça a vida. Mas uma afecção nega­
tiva e forte vem ligada com desprazer, impede a realização da vida, significando 
assim uma diminuição da eudaimonia. Além disso, o medo provoca a aspiraçãode 
fugir, e onde o medo é adequado também essa aspiração deve ser adequada. Ao 
contrário, a coragem exige manter-se firme em seu posto. Há duas estratégias de
81
A ÉTICA A NICÔMACO DE ARISTÓTELES
como se pode direcionar corretamente esse dado, e correspondem ao modo de inter­
pretação da teoria da mesotes, citada acima em 3, b, pontos (i) e (iii).
Primeira solução. Uma vez que, no caso da coragem, diversamente daquilo que 
aconteceu com as outras aretai, Aristóteles não opera com uma afecção como base, 
mas com duas, o medo e a confiança, poderíamos dizer que o meio-termo das 
afecções aqui não reside entre o muito medo e o pouco medo, mas entre medo diante 
do mal e a confiança na salvação. Diante de um grande perigo, então, o corajoso 
não teria medo, mas também não teria confiança. A falta de confiança significa, 
porém, se não desprazer, pelo menos falta de alegria no ser-ativo. Esse modo de ver 
desembocaria então, por fim, no ideal que prega o estar livre das afecções (apatheia), 
como é recomendado posteriormente por Epicuro: para evitar toda e qualquer per­
turbação pelo desprazer, deveríamos desfazer-nos totalmente das afecções. Na EE 
(1222a4) Aristóteles analisa a concepção de vida a partir da apatheia, de modo que 
oscila entre a alternativa de o corajoso sentir um medo justo ou estar totalmente 
livre dele (1228b27 ss.). Refuta esse ideal porque, junto com as afecções negativas, 
acabariam por se perder também as afecções positivas e a alegria na realização da 
vida. Se o corajoso está livre tanto do medo como da confiança, isso significa a 
perda de sua vida e portanto, também, que sua própria vida se toma indiferente.
Com essa primeira proposição, dificilmente se pode dizer que conseguiu de­
monstrar a atividade da coragem como realização da eudaimonia. Além do mais, 
o discurso do meio-termo em 3, b (ii) depõe contra essa solução, afirmando que a 
afecção atinge o termo médio quando é adequada ao estado de coisas a que se 
refere. Nesse sentido, Aristóteles acentua que há males tão grandes que não se pode 
esperar que os homens possam resistir a eles, e que há outros males ainda maiores, 
mas há também males que se mantêm no âmbito das medidas humanas, os quais 
o corajoso suporta, mas que nem por isso deixa de temer (1115bl 1 ss.). Parece ser 
temível ao corajoso aquilo que realmente deve ser temido (1229b26). A morte 
e o ser ferido são dolorosos para o corajoso, e não são queridos (1117b7 ss.), e 
seria adequado que ele não os temesse.
Segunda solução. Então torna-se óbvio compreender a recomendação da 
coragem ou do agir corajoso no sentido de 3, b {iii). O meio-termo da areie teria 
a ver, então, com o modo como alguém sente medo, em que o medo se justifica, 
de tal modo que, apesar de tudo, esse alguém está livre e aberto para um agir 
correto, adequado à razão. Na linha da critica ao ideal da apatheia, esse modo de 
vida poderia ser recomendado como o meio-termo entre a tarefa do ser próprio 
e o mergulhar nele sem critérios. Todavia, de antemão, essa recomendação ainda 
não está suficientemente justificada. O modo de agir correspondente parece ser
82
AARETE ÉTICA ( II- IV 15)
apenas um pressuposto da eudaimonia, mas ainda não esclarece como o resistir 
racional diante de um grande mal que impede a alegria na atividade da vida pode 
constituir-se em parte integrante da eudaimonia.
O pensamento pelo qual Aristóteles edifica e transfere o desprazer do medo 
para a concepção de eudaimonia ultrapassa também o que foi dito até aqui. 
Como se diz em EN 1115b 11 ss., as coisas que provocam medo aos interesses do 
homem, o corajoso as teme de modo adequado, de acordo com o orthos logos; 
suporta-as todavia por causa do kalon (o nobre, o bem ético), que é o fim da 
arete. O kalon é aquilo que faz que a afecção do medo retome ao pano de fundo; 
apesar de ser adequada, essa afecção vem carregada de desprazer e impede a 
realização da vida. Naquela pessoa que conquistou a arete correspondente, essa 
afecção é suplantada por um prazer próprio do segundo nível, a alegria de levar 
a efeito o kalon (1115bl0 ss., 1117b7 ss., 1105al).
(iii) O significado do kalon. É difícil traduzir a palavra kalon. Como agathon, 
é uma palavra de valor comum, cujo significado se entrecruza parcialmente com 
esta, e em parte possui também outras nuances significativas, as quais, ademais, 
são um tanto controversas entre os intérpretes. Aqueles que traduzem essa pala­
vra por “o nobre” podem reportar-se ao fato de que muitas passagens nas quais 
Aristóteles descreve o corajoso lembram o ideal da fama do herói e da honra da 
guerra, ao modo como era costume na época arcaica. Como veremos abaixo, na des­
crição do ideal do varão magnânimo e generoso, essas representações poderiam 
muito bem ainda ecoar em Aristóteles, influindo quiçá também no conteúdo de 
suas representações10. A vantagem dessa concepção de kalon é que ela mostra 
claramente como o kalon possui uma força motivadora suficiente para resistir ao 
justificado medo diante dos grandes perigos. O perigo que ameaça a vida é abso­
lutamente o maior de todos os perigos, e, correspondentemente, as razões para 
suportá-lo devem possuir força e atratividade enormes. Parece que uma razão 
adequada para tal seria a conquista da fama eterna do herói.
A desvantagem dessa compreensão é que Aristóteles já não vive na época dos 
heróis e que o significado do conceito de valor se deslocou para os condicionamen­
tos da convivência na pólis. Podem apoiar-se nessa ideia aqueles que equiparam o 
kalon ao bem ético. Na verdade, em Aristóteles (como, ademais, na literatura grega), 
encontramos passagens que equiparam o kalon ao prepon (o pertinente), assim 
como ao hos dei (como se deve), coisa com que já deparamos. Essas expressões
10. U rmson (1988, p. 1 s.) acentua que não podemos compreender os gregos se não temos 
clareza de que essas representações estão ancoradas profundamente em seu passado.
83
A ÉTICA A NICÔMACO DE ARISTÓTELES
correspondem mais ou menos ao que chamamos de o que é moralmente correto, 
aquilo que exigem os costumes sociais". Ali, no conceito grego do kalon, é impor­
tante o aspecto intersubjetivo ou social, pelo qual a pessoa é valorizada e honrada 
ao agir de modo conespondente. Que isso se constitui no significado central de 
kalon para Aristóteles fica claro numa passagem (EE 1249ab ss.) em que ele dis­
tingue o significado de agathon e kalon do seguinte modo: um agathon, um bem, 
é algo desejado por causa de si mesmo, como é o caso da saúde. Mas esse bem 
não pode ser designado por kalon; agathon e também kalon são, antes, apenas as 
ações adequadas à arete, visto não apenas serem queridas em si, mas também serem 
louváveis e honoráveis individualmente. A motivação para a ação corajosa, então, 
seria o desejo de louvor e honra12. Talvez essa motivação seja mais fraca do que o 
desejo de fama eterna próprio do herói, mas, uma vez que para os gregos a vida é 
essencialmente vida na pólis, essa razão poderia ser forte o bastante.
Mesmo assim, essa interpretação do kalon é insuficiente, pois, em primeiro 
lugar, veremos que nem todas as aretai recomendadas por Aristóteles como parte 
constitutiva de uma das duas formas de eudaimonia possuem caráter social. Em 
segundo lugar, e mais importante, já em 13 Aristóteles acentuou que a honra ocupa 
o segundo plano em relação à arete (1095b30); como confirmação de que possuímos 
e praticamos a arete não queremos a honra como tal, mas queremos ser louvados 
pelos bons, que praticam a arete. Ademais, o ponto final da ação ética, o termo mé­
dio ou kalon, não foi definido com base em critérios morais, mas deve estar ali 
onde é determinado pelo orthos logos. A phmnesis, todavia, que está em condições 
de encontrar o orthos logos, é definida como a capacidade de bem deliberar em 
relação à eudaimonia. De fato, muitas vezes Aristóteles chama de eudaimonia aquilo 
que é maximamente kalon, embora em 1 12 ele tenha distinguido a eudaimonia da 
arete pelo fato de a última ser objetode louvor, enquanto a eudaimonia, ao contrá­
rio, não o seria, visto ser algo divino e origem de todos os bens.
Se a eudaimonia é tanto o supremo agathon como o supremo kalon, então 
aqui kalon não significa “louvável” nem “moralmente bom”, expressando apenas 
um determinado aspecto do sumo bem13. É natural, portanto, compreendê-lo em
11. Owens (1981) defende que kalon significa sempre “correto”. K ra u t (1995) argumenta 
que a opinião de Aristóteles de modo algum é que o agir próprio da arete ética seria digno de 
ser preferido como um mero dever moral.
12. Em relação a isso, cf. Rogers 1993, item II. Em grego, traduz-se muitas vezes kalon 
por admirável. Todavia, parece claro que para Aristóteles o aspecto da avaliação ocupa um 
segundo plano em relação ao valor próprio da ação (cf. 1095b28 ss.).
13. A interpretação do kalon na EE feita por B uddensiek (1999, cap. 5) fundamenta o 
que vem a seguir.
AARETE ÉTICA (II- IV 15)
sentido estético-ontológico, sentido já intencionado por Platão na ideia do bem, ao 
caracterizá-lo na perspectiva de seu brilho, de sua atratividade. Do mesmo modo 
que na introdução à EE, também a EN pretende caracterizar a eudaimonia como 
o que há de melhor, de mais belo (kalliston) e de mais prazeroso (1099a24 ss.). 
Como veremos com mais precisão no Livro X, o melhor e o mais belo é uma vida 
pautada na atualidade pura e constante, só passível de ser alcançada pelos homens 
de maneira aproximativa, enquanto o sumo ente divino, o movente imóvel, realiza 
a eudaimonia perfeita num ser-atuante duradouro; ele possui a eudaimonia per­
feita porque sua atividade é prazerosa e absolutamente desejável de modo ininter­
rupto e sem impedimentos; com efeito, ele é livre da matéria, de onde surgem as 
contrariedades que interrompem a atividade humana. Realizar uma ação por 
causa do kalon, então, significa agir a fim de aproximar-se o máximo possível 
de uma atividade racional constante, ao modo do ente supremo.
É bem verdade que essa interpretação metafísico-ontológica não se adapta 
muito bem aos nossos interesses de tomar a teoria aristotélica das virtudes fecun­
da para nossa filosofia moral hodierna. Todavia, parece ser a única interpretação 
consistente da concepção pela qual aquele que é eticamente bom age por causa do 
kalon, e igualmente a única interpretação que esclarece o forte acento da atividade 
em face da hexis.
Para confirmar essa explicação, perguntemos se o virtuoso pode ser descrito 
como alguém que realiza o kalon pelo fato de imitar a atividade ininterrupta do 
ente supremo. Ele corre o risco de perder sua vida, interrompendo assim seu ser- 
ativo. E, uma vez que Aristóteles acentua que não é sinal de virtude morrer para 
fugir de um mal como a pobreza ou a obsessão amorosa, será preciso esclarecer 
essa opinião dizendo que, sob o perigo de morte, o guerreiro procura defender a 
forma própria da eudaimonia (e quiçá também a da pólis), buscando assim salvar 
o kalon em seu todo. Como diz o próprio Aristóteles, não é toda arete que gera 
alegria no ser-ativo (no primeiro nível); nesses casos, a alegria só surge quando 
se alcança o fim (segundo nível), o kalon (1117bl5 s.). Este último pode ser reali­
zado de dois modos: ou o corajoso contorna o perigo, o que no primeiro nível lhe 
causa desprazer, mas realiza o kalon no segundo nível, operando, além disso, de 
tal modo que possa continuar realizando o kalon também no futuro; ou perde sua 
vida, conservando assim a unidade dela como uma completa realização do kalon, 
enquanto pela fuga do perigo demonstraria infidelidade ao seu compromisso com 
o kalon, entrando assim em conflitos internos (para isso, cf. abaixo cap. IX, 3).
(iv) Coragem em sentido mais amplo. Resta saber por que a coragem se 
refere apenas aos maiores perigos e não a todos os tipos de perigo. Em III 11,
85
Aristóteles mesmo apresenta outros tipos de coragem, que ele qualifica, todavia, 
como derivadas, uma vez que sua motivação não é o kalon, mas evitar a desonra 
ou o castigo, entre outras coisas. Um conceito mais amplo de coragem pode ser en­
contrado no tratado sobre a amizade. Em IX 4, se não de coragem, Aristóteles fala 
de covardia com relação ao agir em geral e não apenas em situações que ameaçam 
a vida. AH (1155b8 ss.) se diz que, por covardia e preguiça, os maus deixam de 
fazer o que parece ser o melhor para eles. Nesse caso, a covardia é compreendida 
de modo mais amplo do que se fosse uma postura de angústia extremada, que 
impede alguém de perseverar na perseguição de seus fins. Como faz o próprio 
Aristóteles aqui, considerando conjuntamente a covardia e a preguiça, podemos 
dizer que elas são uma postura diante de quaisquer fatores (e não apenas diante 
de situações de perigo) que impede nossa aspiração ou nossa ação. Nessa compreen­
são mais ampla, coragem seria algo assim como a persistência ou perseverança 
na perseguição de nossos fins ou desejos, diante de qualquer ordem de contrarieda­
des. A atualização dessa perseverança deveria ser explicada igualmente pela força 
motivadora do kalon em sentido metafísico-estético. Na realidade, Aristóteles 
explica o bom ser-ativo de tal modo que este implica a unidade da pessoa, o estar 
de acordo consigo mesmo pelo tempo de vida e além dele.
(v) Ira (IV 11). A afecção da ira coincide com a afecção do medo no fato de 
referir-se a um mal e quiçá no fato de nós próprios, ou nossos familiares, sermos 
vituperados ou desprezados por outros. Os dois modos extremos de reação diante 
disso seriam aqui: ira cega, que se transforma imediatamente em vingança, ou não 
irar-se nem defender-se. Como diz Aristóteles, a postura mediana carece de nome; 
por isso, ele a chama de mansidão ou calma (praotes), embora estas estejam mais 
próximas ao não irar-se. A afecção da ira lança problemas semelhantes aos do medo. 
E uma vez que há ocasiões em que a ira é adequada, e uma vez que a ira é uma 
afecção que reage a um mal, sendo acompanhada assim por desprazer, ela acaba 
por interromper ou inibir a realização da própria vida nas atividades prazerosas. 
Contrariamente ao que acontece com a coragem, não é fácil deduzir do texto como 
Aristóteles quer integrar a arete da calma na eudaimonia. As indicações oscilam 
entre as opções (i) e (iii), explicitadas acima no ponto 3, b. No sentido de (i), o 
meio-termo, em um continuum afetivo, se toma recomendável porque nos tomaría­
mos muito incômodos a nós próprios e aos outros irando-nos muito seguida e 
violentamente (1126a25 s.); por outro lado, quem não se ira de modo algum nada 
conserva de si e toma-se um escravo (1126a8). No sentido de (iii), a arete relacio­
nada com a ira consiste em irar-se de tal modo que se mantenha aberto em relação 
à razão, levando a ações que seguem a deliberação.
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A ÉTICA A NICÔMACO DE ARISTÓTELES
AARETE ÉTICA (II- IV 15)
Diferentemente do que ocorre no caso da coragem, aqui não se fala explicita­
mente de uma motivação positiva, do objetivo do kalon, que sobrepõe no segundo 
nível a indesejabilidade da situação e a afecção inibitória. A indicação de que a 
ira seria molesta, impedindo uma ação deliberada, parece dizer antes que essa 
postura é um pressuposto necessário para o ser-ativo racional. Nesse caso, as ativi­
dades da arete ética não seriam sempre parte constitutiva da eudaimonia, mas es­
tágios prévios, e só às vezes. Essa interpretação é problemática na medida em que 
o próprio ser-ativo de acordo com a arete ética deveria ser uma forma de eudai­
monia. Mas talvez também haja no texto indicações de uma motivação positiva, 
proveniente antes de representações valorativas cotidianas, as quais, ao lado do 
sentido metafísico do kalon, sempre desempenham um papel em Aristóteles, a partir 
do ideal do varão grande e livre; o modo de vida deste incorpora o kalon, supe­
rando assim o empecilho da ira como motivação do segundo nível.
c) A moderação (II113-15)
Em III 13 Aristóteles explicita o âmbito da moderação; em I I I 14 expõe seu 
caráter mediano; e I I I15 contém observações sobre o grau distintoda voluntarie­
dade de coragem e moderação. Diversamente das demais aretai, a arete da mode­
ração não se refere a uma afecção, mas ao apetite (epithymia), o âmbito do prazer. 
Para melhor delimitar esse âmbito, Aristóteles distingue diversos tipos de prazer. A 
moderação não se refere ao prazer próprio da alma, mas ao prazer próprio do âm­
bito dos sentidos, e também aqui não a todos os tipos de prazer sensível, a saber, 
não se refere ao prazer que surge do ver, ouvir, cheirar, mas apenas àquele relacio­
nado com o tato e com o paladar. Trata-se, portanto, daquele âmbito do apetite 
sensível, daqueles instintos que temos em comum com os animais (1118a25). Ade­
mais, Aristóteles faz distinção entre apetites naturais, comuns a todos, como é o 
caso da fome, da sede, e outros apetites específicos dos indivíduos, como é o caso 
do apetite por determinados alimentos (1118b8 ss.). Aristóteles emprega esse 
segundo tipo de apetite para explicar o surgimento de um apetite que extrapola 
a medida14. No caso dos apetites naturais, eles desaparecem ao ser satisfeitos, 
enquanto os apetites especiais estão direcionados ao prazer, a experiências agradá­
veis, das quais é possível buscar extrapolar a medida. A postura do meio-termo 
consiste em evitar essa medida extrapoladoTa. Como mostra Aristóteles, difícil-
14. Essa interpretação é de Y oung 1988, p. 532.
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A ÉTICA A NICÔMACO DE ARISTÓTELES
mente ocorre aqui o muito pouco, visto que, enquanto seres vivos, nós aspiramos 
ao prazer (1119a 10 ss.). Quem busca a demasia ou o falso prazer possui a kakia 
da desmesura (akolasia). Aquele que ppssui a arete da moderação apetece por 
coisas corretas e alegra-se nas coisas corretas.
Recoloquemos a questão sobre a contribuição dessa arete para a eudaimonia. 
Ela parece ser de outro tipo que a arete da coragem. Assim, Aristóteles mostra mais 
compreensão para com o covarde, que, tomado pelo medo, foge de uma situação 
de perigo, não escolhida intencionalmente por ele, do que para com o imoderado, 
que procura deliberadamente a cada vez o prazer (III 15). Diferentemente da co­
ragem e da calma, que se referem a afecções que não vêm carregadas de prazer, 
e a situações que inibem a vida, a moderação é uma arete que se refere a algo 
desejado. Essa arete se faz necessária na medida em que o excesso disso que se 
deseja, do sensivelmente agradável, a longo prazo, pode prejudicar sobretudo a 
saúde, uma das condições para o ser-ativo de acordo com a arete.
Aqui, de modo ainda mais claro do que no caso da ira, a contribuição dessa 
arete está referida simplesmente à sua utilidade para a eudaimonia-, a moderação 
não pertence àquelas aretai cujo exercício constitui uma das duas formas da 
eudaimonia, a eupraxia. Entre outras coisas, isso se deve ao fato de ela consistir 
num fruir sensível pleno, numa vivência, portanto, e não na execução de determi­
nadas atividades.
Como no caso da coragem, também no caso da moderação seria possível 
refletir se ela não poderia ser compreendida num sentido mais amplo. Um tal 
conceito de moderação mais amplo exigiria não nos deixarmos determinar cega­
mente por apetites sensíveis nem por quaisquer outros desejos, tomando, ao 
contrário, a cada vez uma distância reflexiva e orientando, portanto, o trato com 
eles pela reflexão.
d) As aretai no tra to com o dinheiro e a honra
Aristóteles descreve diversas virtudes referidas ao trato com dinheiro e honra, 
que não vou tratar em detalhes aqui. O que nos chama a atenção, de imediato, é que 
ele não fala de afecções como seu pano de fundo, mas apenas de âmbitos de ação 
e correspondentes disposições para a ação. O que está em questão no trato com 
o dinheiro é sobretudo um reto comportamento no ganho e um reto emprego do 
que se possui. Tomo como exemplo a arete da liberalidade (generosidade) porque, 
de modo especial, aqui a relação da arete com o kalon vem formulada de uma
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A ARETE ÉTICA ( I l- IV 15)
forma muito clara. A generosidade refere-se ao gasto dos bens e reside no justo 
meio-termo entre avareza e extravagância. O argumento contra a extravagância é 
indicado pela liberalidade como meio imediato para a eudaimonia-, os bens das 
propriedades não devem ser desperdiçados, visto pertencerem aos bens exteriores 
que são condicionantes da eudaimonia (1120a 1 ss.). O argumento contra o outro 
extremo, a avareza, assim como a explicitação da arete da liberalidade não são 
motivados em razão da utilidade, mas do kalon. O exercício da liberalidade per­
tence à realização da vida da arete ética. Isso já se mostra no fato de Aristóteles 
considerar o receber correto menos importante do que o reto dispender — o re­
ceber é passivo, enquanto a eudaimonia deveria consistir na atividade de acordo 
com a arete (1120al 1 ss.).
Nesse contexto, Aristótes recupera explicitamente sua tese geral segundo a 
qual as ações da arete representam o kalon e são executadas em função dele; são 
desejáveis e prazerosas nelas mesmas; em seu exercício, realizamos aquele modo 
de eudaimonia passível ao ser humano no ser-ativo duradouro e prazeroso. Aplican­
do isso à pessoa liberal: ela doa porque com isso está realizando o kalon e age corre­
tamente (1120a23 ss.), doa com alegria ou pelo menos sem arrependimento, pois 
se tivesse remorso do que doa as posses seriam para ela mais importantes do que 
o kalon. Aristóteles constata que, por natureza, as pessoas estão mais inclinadas à 
avareza, pelo que, aqui, temos como no caso da coragem um segundo nível de 
motivação. Liberalidade não significa a falta de uma ligação afetiva com as posses 
próprias; ao contrário, essa motivação está justificada no primeiro nível, todavia 
deve tornar-se um hábito, de tal modo que não impeça a motivação do kalon, a 
qual vem expressa na ação de acordo com o logos correto.
Deixemos de lado as aretai relacionadas com o trato com o dinheiro e volte- 
mo-nos para aquelas referidas à honra. Vou tomar aqui apenas o exemplo mais 
conhecido, a megalopsykhia (a magnanimidade, o apreço, o alto apreço). A 
magnanimidade é a postura correta em relação ao maior dos bens exteriores, em 
relação à honra e à desonra; o magnânimo porta-se de tal modo que seja digno 
de honra (1123b 19 ss.). Alguém é honrado idealiter pelo fato de agir bem na pólis. 
Por isso, o magnânimo deve ser alguém que age de acordo com a arete, e quiçá de 
acordo com toda e qualquer arete (1123b28 ss.), de tal modo que a magnanimi­
dade é considerada algo assim como um adomo das aretai (1124al s.). Diferente­
mente do que acontece com as demais aretai, aqui Aristóteles descreve detalha­
damente o comportamento do magnânimo; uma descrição tão notável, porém, 
que muitos intérpretes se perguntam se ela deve ser levada a sério ou se não 
representa antes uma caricatura daquilo que o grego culto se representa como o
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“homem nobre”1 s. Ele se move devagar, tem uma voz serena; pouca coisa em­
preende, mas quando faz algo trata-se de algo grandioso; é aberto e verdadeiro, 
pois leva em consideração os outros (1124bJ9); como quer ser excelente, pensa 
mais naqueles a quem fez o bem do que naqueles de quem recebeu um bem; por 
isso, de modo correspondente, sente desprazer em pedir qualquer coisa; tampouco 
se admira, pois nada lhe parece ser grande.
No que diz respeito à nossa questão central, temos a impressão de que a 
recomendação da atividade de acordo com essa arete provém mais das represen­
tações próprias dos cidadãos daquela época, de nobre descendência, do que da 
concepção filosófica sobre a realização do kalon nas atividades éticas.
5. RESUMO E AVALIAÇÃO
A teoria da arete ética contém importantes intuições, mas também algumas 
coisas confusas. Como sempre, o aspecto importante é o lado da teoria da ação. 
Enquanto a filosofia prática posterior trabalha quase sempre com um modelo de 
ação pontualizado e abreviado, Aristóteles parte com razão do fato de que não so­
mos simplesmente dotados de razão, desejos singulares e vivências sensoriais; 
somos, antes, organismos com aptidões naturais que se estabeleceme se firmam 
como disposições duradouras pelo exercício de reiteradas influências iguais vindas 
de fora. Correspondentemente, as ações singulares não são ocorrências isoladas, 
mas devem ser entendidas como atualizações dessas disposições. As hexeis éticas 
são sobretudo essas disposições pelas quais reagimos, de modo afetivo-passivo e 
também aspirante-ativo, a estados de coisas que se dão exteriormente (com exce­
ção da moderação, que não reage a estados de coisas, mas a objetos, e não tem a 
ver com afecções mas com apetites), e quiçá reagimos de um modo que contém 
sempre prazer ou desprazer. É importante ver tal coisa em questões relacionadas 
com a educação, assim como em questões de atribuição e responsabilidade (como 
veremos no capítulo V). Ao fato fundamental de que realizamos a vida tecendo 
passividade e atividade, dependendo portanto de circunstâncias exteriores, e de 
que estamos assim, potencialmente, sempre enfrentando contrariedades, acrescen­
ta-se ainda um segundo fato, a saber, a multiplicidade dos estados de coisas que 
exercem influência sobre nós, à qual corresponde a pluralidade dos âmbitos afe­
tivos. Como diríamos hoje, isso lança a questão sobre a integração ou unidade da
A ÉTICA A NICÔMACO DE ARISTÓTELES
15. Para um resumo dessas reações, cf. H a r d ie 1995, p . 65 s.
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A ARETE ÉTICA ( I l- IV 15)
pessoa, o que, de forma simplificada, vale também para o primeiro contexto, uma 
vez que aqui é preciso harmonizar razão e afetividade em seu todo16.
Na medida em que essas observações parecem ser corretas e sua considera­
ção pela teoria da ação ser irrefutável, a teoria da arete, enquanto um meio que 
aconselha um certo trato com as realidades citadas da vida humana, mostrou ser 
problemática. Capenga, de um lado, por buscar resolver diversos problemas ao 
mesmo tempo, e, por outro, por possuir pouco valor explicativo. Possui um tal 
valor, porém, para aquelas aretai que não constituem propriamente parte da eudai- 
monia, mas apenas garantem seus pressupostos, portanto moderação e coragem 
no sentido acima sugerido da perseverança nos objetivos próprios. Estas referem- 
se, de modo diverso, ao trato com o que se deseja, e implicam menos problemas 
de motivação17 do que aquelas aretai que se referem ao comportamento diante 
dos empecilhos para a realização das atividades da eudaimonia.
A motivação para estas últimas, que deveria compensar o desprazer encon­
trado no primeiro nível das afecções, era o kalon, aspirado no segundo nível, o 
nível reflexivo. Se esse nível é a eudaimonia, como o que é digno de ser desejado 
em última instância, que unifica a vida tanto temporalmente como em sua complei­
ção natural, então podemos dizer que também o kalon não nos é dado de antemão, 
plenamente, em seu conteúdo concreto. Exerce sua atratividade e sua força ordena- 
dora, antes, como uma espécie de ponto de fuga (skopos) para o qual tende toda 
e qualquer ação singular. Olhando com precisão, uma ação que alcança o kalon 
ou o meson não representa um meio para a eudaimonia ou uma parte constitutiva 
dela, mas uma articulação do kalon para a respectiva situação (cf. acima p. 53-54). 
Como vimos, então, em nada contribui falarmos de meio-termo, pois a realização 
do kalon na situação não pode dar-se como o meio-termo entre algo, mas se en­
contra ali onde é determinada pelo orthos logos, portanto pela deliberação prática. 
Todavia, deve-se observar que, na exposição das aretai singulares, ao lado da 
determinação filosófica do que é mediano e correto, Aristóteles apresenta também 
representações de conteúdo, que têm a ver com o conceito cotidiano de kalon, que 
caracteriza o que faz o “nobre”, o que é digno na pólis. E uma vez que essas re­
presentações não são simplesmente as representações factuais vigentes, mas 
passaram por uma purificação, poderíamos supor que Aristóteles talvez leve a 
efeito a realização do kalon, de modo que as convicções cotidianas de valor são 
analisadas e avaliadas na perspectiva do skopos vago do kalon. Essa questão da
16. Para isso, cf. Wou- 1999a, cap. 2.
17. Por que também essas, de certo modo, implicam tal coisa veremos no capítulo VII.
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determinação do correto meio-termo deverá ser retomada com o auxílio da teoria 
da phronesis, no Livro VI.
Depois de, até o presente momênto, as ações da arete ética terem se mostrado 
aconselháveis, por sua referência instrumental para com a eudaimonia ou como 
articulação concreta para ela, para o bem viver individual, a teoria aristotélica da 
arete ética, enquanto mesotes, parece nada ter a ver com questões morais, ao modo 
como são concebidas no interesse hodierno, no conceito de virtude. Num certo 
aspecto, isso é correto, em outro aspecto porém precisa ser mais bem explicitado. 
Inicialmente, para Aristóteles, a vida individual é essencialmente política, e assim 
a eudaimonia só é possível no contexto da pólis. Muitos tipos de afecção que 
formam a base das aretai éticas referem-se à relação com outras pessoas, como é 
o caso da ira, da compaixão, da vergonha, da inveja etc. Mas essa relação da arete 
ética com outras pessoas só será tratada nos quadros do conceito geral da justiça, 
no Livro V (cf. cap. IV). A teoria do meio-termo, ao contrário, é menos relevante 
para a teologia moral. O ponto de referência do meio-termo não é exclusivamente 
apenas a vida da pessoa, a realização da existência individual, com o mínimo de 
empecilhos possível (vida prazerosa), sua unidade que perdura pelo tempo afora 
e também em relação à sua complexidade intema e externa. Também ali onde se 
podia compreender a teoria da mesotes em relação às afecções em sentido literal 
a representação de um meio-termo não fornece nenhuma indicação plausível para 
o julgamento moral de comportamentos e ações. Assim, podemos admirar-nos de 
alguém que ajude a outro, ou que doe acima do meio-termo. No que respeita à 
avaliação moral, portanto, uma postura extrema poderia ser mais valiosa do que 
uma postura mediana. Mas, mesmo quando nos restringimos ao ponto de vista 
grego, refutando tal postura moral como não compatível com o ideal de pessoa do 
varão livre, resta ainda a objeção fundamental de que a questão moral não pergunta 
se a pessoa agente detém uma boa constituição, mas se aqueles que são visados 
pela ação são tratados corretamente e com justiça.
Mesmo assim, há um ponto em que a teoria do caráter e a moral se tocam. 
Diversamente do que o direito, pertence à moral o fato de ser exercida por pes­
soas que agem a partir da moral, pessoas motivadas pela moral. É esse aspecto 
do enraizamento da moral no caráter das pessoas que pode ser apreendido pela 
concepção de virtude na moral; de outro modo, não pode ser apreendido1®. A mo­
ral de virtudes não será então uma alternativa a um conceito de moral edificado 
sobre deveres e direitos, mas um complemento necessário.
A ÉTICA A NICÔMACO DE ARISTÓTELES
18. Semelhantemente T u g en d h a t 1993, p. 256; cf. também W o lf 1999c.
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