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POR UMA COMPREENSÃO DA COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL Prof. Dr. Rudimar Baldissera UFRGS Aproximações Comunicação organizacional, antes de tudo, é comuni- cação. À afirmação, apesar de óbvia e tautológica, é necessá- ria, pois se tende a esquecer dessa premissa. E com ela boa parte da reflexão realizada nesse campo. É preciso ter pre- sente a compreensão de que se trata de um subcampo/subsis- tema do/no campo”/sistema da comunicação. Sabe-se que, no âmbito da práxis, a noção de comuni- cação organizacional tende a ser simplificada para dar con- ta das idéias de urgência e economia — uma constante, pois, em sentido amplo, grande parte das organizações afirma não dispor de tempo e recursos financeiros para a comunicação (exceção feita aos investimentos em assessorias de impren- 7 Vale lembrar que, para Bourdieu (1998), a noção de campo compreende um mi- crocosmos social de dominação e conflitos, com autonomia relativa, com regras de organização, lógicas, hierarquias e necessidades próprias, no qual, pelas lutas dos agentes, validam-se e legitimam-se representações. No campo classificam-se os signos, define-se o que é adequado e o que pertence ou não ao código de valo- res. Fundamentado na circulação de capital simbólico, o campo apresenta inte- resses e disputas específicos, não redutíveis ao funcionamento de outros campos. 32 BALDISSERA, Rudimar * Por uma compreensão da comunicação organizacional sa e publicidade). No entanto, se por um lado a noção de comunicação organizacional, particularmente aquela con- templada em/por planos, programas e/ou projetos, tende a ser simplificada (por razões diversas) para atender necessi- dades organizacionais, por outro, é equivocado pensar que a comunicação organizacional possa ser reduzida a isso, a essas práticas. Para além do planejado, do organizado, do gerenciável, existem fluxos multidirecionais de significação/comunicação, de diferentes qualidades e intencionalidades, somente detec- táveis/observáveis no acontecer. Fluxos esses que dialógica e recursivamente podem complementar, potencializar, qualifi- car, agilizar e/ou resistir, subverter, confundir, distorcer os processos formais/oficiais. Portanto, é na tensão “identida- de-alteridade (organização-o outro/seus públicos)”, em seu contexto específico, que os sentidos que serão individuados pelos sujeitos em relação de comunicação são transaciona- dos, disputados e/ou construídos. Então, os programas de comunicação desenvolvidos por uma determinada organiza- ção são parte da comunicação organizacional, mas não são “a comunicação” (o todo). Assim, nesta reflexão, em um esforço para melhor com- preender e explicar a noção de comunicação organizacional, bem como ressaltar algumas das tensões aí materializadas, assume-se a Complexidade como Paradigma, particularmen- te os seus três princípios básicos: o dialógico, o recursivo e o hologramático. De acordo com Morin, o princípio dialógico compreende a “[...] associação complexa (complementar, con- corrente e antagônica) de instâncias necessárias junto” à exis- tência, ao funcionamento e ao desenvolvimento de um fenô- meno organizado” (20004, p.201, grifo do autor); associa/une termos do tipo organização/desorganização, ordem/desordem, sapiens/demens, mantendo, assim, a dualidade no seio da O Diálogo Possível: Comunicação Organizacional e Paradigma da Complexidade 33 unidade. O princípio recursivo consiste em um “[...] proces- so em que os produtos e os efeitos são ao mesmo tempo cau- sas e produtores daquilo que os produziu” (MORIN, 2001, p.108); a sociedade constrói o sujeito que a constrói; o sujeito constrói a organização que o constrói. Por sua vez, o princí- pio hologramático atualiza a idéia de que “a parte não so- mente está no todo; o próprio todo está, de certa maneira, presente na parte que se encontra nele” (MORIN, 2002, p.101), sendo que parte e todo são, ao mesmo tempo, mais e menos. A seguir, discorre-se, primeiramente, sobre a noção de comunicação e, na sequência, procura-se enfatizar a compre- ensão que se assume de comunicação organizacional à luz do Paradigma da Complexidade. Sobre comunicação Mais do que realizar revisão teórica sobre a noção de comunicação, para os objetivos desta reflexão, importa que se apresente e explique o que se entende por comunicação, lugar de partida para se pensar a comunicação organizacional. Ressalta-se, desde aqui, que a comunicação é o “pro- cesso de construção e disputa de sentidos”* (BALDISSERA, 2004, p.128). Essa compreensão atenta para a importância que a significação assume na comunicação e permite pen- sar os sentidos complexamente articulados ao todo ecossis- têmico e atualizados em relações dialógico-recursivas — re- lações de disputa. Isso leva a destacar, primeiramente, o fato de que afir- mar que se trata de “disputa” não significa dizer que seja exer- cício de força física de um sujeito sobre outro. A idéia de * Compreensão apresentada na dissertação de mestrado (2000) e aprofundada na tese de doutorado (BALDISSERA, 2004). 34 —BALDISSERA, Rudimar * Por uma compreensão da comunicação organizacional disputa atualiza o aspecto de a comunicação caracterizar-se por ser relação (exigir relação) entre, pelo menos, dois — 'eu- outro” (identidade-alteridade; sujeito-sujeito; empresa-públi- co); e toda relação, de acordo com Foucault (1996, p.75), é relação de forças. Pode-se inferir, então, que se trata de dis- puta. Consiste na disputa dos sentidos postos em circulação na cadeia de comunicação e que serão apropriados e interna- lizados de diferentes formas pelos sujeitos em relação comu- nicacional, em um contexto específico. Portanto, os sentidos que serão individuados, em disputa interpretativa, sofrerão influências das escolhas que esses sujeitos realizarão (cons- cientemente ou não) a partir de seus lugares eco-sócio-histó- rico-culturais e de suas competências (psíquicas, lingúísti- cas, fisiológicas etc.). Isto é, a disputa de sentidos e a signifi- cação que será internalizada pelos sujeitos em relação de co- * A tensão 'eu-outro” não exige que esse 'outro' seja, necessariamente, exterior ao sujeito, mas, sob a perspectiva de sujeito fragmentado/multifacetado, pode ser uma das identificações possíveis amalgamada/tensionada sob a mesma identida- de. Hall afirma que a identidade é “[...] uma 'celebração móvel” [...]. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um 'eu' coerente. Dentro de nós há identidades contraditó- rias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas” (2000, p.13, grifos do autor). Nessa dire- ção, assume-se que a identidade é um [...] complexus de identificações, isto é, a identidade é a tessitura e a força que amalgama as várias identificações possíveis de um indivíduo-sujeito — portanto, também de uma organização, cultura e soci- edade” (BALDISSERA, 2004, p.104-5). Então, como um caso específico que atua- liza a relação 'eu-outro” no processo de disputa de sentidos que se passa sob o complexus (“o que é tecido em conjunto” [MORIN, 2001, p.20]) de identificações, pode-se tomar como exemplo a disputa mental que se realiza quando, em um dia frio de inverno, algo afirma (alerta, orienta, argumenta) a necessidade de se sair da cama para que se possa atender os compromissos sem atrasos e, por outro lado, outra força afirma (persuade, seduz, argumenta) que se deve permanecer no calor da cama por mais alguns minutos, ou seja, trata-se das disputas de sentidos realizadas por aquilo que, no nível do senso comum, é representado pelas ima- gens do “anjinho” e do “diabinho”. O Diálogo Possível: Comunicação Organizacional e Paradigma da Complexidade 395 municação sofrerão perturbações e influências de um con- junto de elementos-força,tais como a cultura, a história, o imaginário, a psique, as competências e os aspectos fisiológi- cos de cada sujeito. Observe-se que “o processo interpretati- vo tem, por força, que levar em conta onde (em que contexto) o sentido vai se produzir, porque o sentido é um ser do futu- ro, um vir-a-ser. Sentido é isso, portanto: futuro significado em contexto” (PINTO, 2008, p.82-3). Importa ressaltar, aqui, o fato de que o sujeito que dis- puta sentidos em processos de comunicação não é da quali- dade do passivo (simples receptor), mas, na perspectiva do afirmado por Morin (1996), pode ser compreendido e expli- cado como sujeito que, dentre outras coisas, é “[...] constru- tor e construção, tece e é tecido nos processos histórico-só- cio-culturais, objetiva-se pela consciência de si mesmo, cria, mas também sofre sujeição, experimenta a incerteza, é ego- cêntrico e tem autonomia-dependência, sofre constrições e contingências, e auto-eco/exo-organiza-se” (BALDISSERA, 2004, p.86-7). Como sistema vivo, sofre perturbações!” dos outros sistemas, do que lhe é externo, mas não é determinado por esse externo; aprende e se reorganiza. Assim, assume-se a postura epistêmico-teórica que se constitui “º “A autonomia dos sistemas vivos não pode ser confundida com uma indepen- dência. Os sistemas vivos não são isolados do ambiente em que vivem. Intera- gem com esse ambiente de modo contínuo, mas não é o ambiente que lhes deter- mina a organização. No nível humano, essa autodeterminação se reflete em nos- sa consciência como a liberdade de agir de acordo com as nossas convicções e decisões. O fato de essas convicções e decisões serem consideradas 'nossas' sig- nifica que elas são determinadas pela nossa natureza, no contexto da qual inclu- em-se nossas experiências passadas e nossa hereditariedade. Na mesma medida em que não somos constrangidos pelas relações de poder humanas, nosso com- portamento é determinado por nós mesmos e é, portanto, livre” (CAPRA, 2002, p.97, grifo do autor). 36 BALDISSERA, Rudimar * Por uma compreensão da comunicação organizacional [...] em húmus que “faz surgir'/permite florescer” a compre- ensão de que a comunicação qualifica-se como lugar de su- jeitos-força em relações dialógico-recursivas. Esses [...] ca- racterizam-se como construtores e construções 'do' e 'no' processo. Pela/na comunicação, os sujeitos, como forças ati- vas, reativas, organizadoras, desorganizadoras, complemen- tares e antagônicas, são tensionados e, em diferentes graus e formas, exercem-se para direcionar, de algum modo, os sentidos que desejam (consciente e/ou inconscientemente) ver internalizados e digeridos pelo outro (BALDISSERA, 2004, p.129). Pode-se dizer que nos processos de comunicação, a na- tureza das disputas de sentidos é de diálogo” que presentifi- ca os sujeitos (identidade/alteridade) e, em diferentes graus, os tensiona como forças em relação. Isso exige reconhecer que a comunicação constitui-se em lugar e fluxo privilegia- dos para a materialização das inter-relações/interações cultu- rais e identitárias, de modo que, dialógica e recursivamente, construam-se/transformem-se mutuamente. Destaca-se, ainda, o fato de que os sujeitos em relação comunicacional nem sempre sabem que estão disputando sentidos, pois não se trata de algo necessariamente conscien- te. Em alguns casos essa disputa é materializada em expres- sões do tipo: “o que eu disse não foi isso”; “o que eu quis dizer é que...”; “isto é”; e “ou seja”. Exemplo da materializa- ção dessa disputa de sentidos pode ser encontrado em um fragmento do conto “Para uma avenca partindo”, de Caio Fer- nando Abreu, conforme segue: [...] entende, porque as vivemos apenas naquela dimensão em que é permitido viver, não, não é isso que eu quero dizer, não existe uma dimensão permitida e uma proibida, inde- ” Sobre a noção de diálogo, ver Bakhtin (1999). Além disso, pode-se pensar essa noção à luz dos três princípios básicos da complexidade, conforme apresentado. O Diálogo Possível: Comunicação Organizacional e Paradigma da Complexidade 37 vassável, não me entenda mal, mas é que a gente tem tanto medo de penetrar naquilo que não sabe se terá coragem de viver, no mais fundo, eu quero dizer, é isso mesmo, você está acompanhando o meu raciocínio? [...] (2001, p.102, grifos meus). Como se pode ver, nesse fragmento do conto de Caio Fernando Abreu, a todo momento ocorrem tentativas transa- cionais de ajustar/aproximar o que um personagem diz ao que o outro interpreta ou ao que o primeiro personagem julga que o segundo esteja interpretando, uma vez que a presença do segundo se dá em ausência de falas, somente em marcas de linguagem das/nas falas do primeiro. Há evidente disputa dos sentidos que o primeiro personagem deseja internalizados pelo segundo. No entanto, na maior parte das vezes, essa disputa é silenciosa (tende a não ser percebida), realizando-se no nível dos processos cognitivos. Também aqui se recorre a Caio Fer- nando Abreu, mais especificamente a fragmentos específicos de seu conto “O afogado”, para evidenciar essa disputa. — Há um morto jogado na praia! De repente ele interrompeu tudo que fazia para prestar aten- ção no grito. [...) Aconteceu alguma coisa, pensou entediado, como se aquilo se repetisse há muito tempo, e como se qualquer curiosida- de ou acontecimento fossem antigos e conhecidos, embora inesperados. Como se não houvesse mais nada a surpreen- der — pensou lentamente que alguma coisa havia aconteci- do. No mesmo momento ouvia que batiam — há quanto tem- po? - à porta do quarto, e uma voz gorda de mulher repetia: — Doutor, aconteceu alguma coisa na praia. Abriu a porta e desceu as escadas contando degraus, [...) Porque na realidade — dizia-se, e estava lão acostumado a esse diálogo consigo mesmo [...], porque na realidade ja- mais acontecera alguma coisa naquele lugar (2001, p.78-9). 38 — BALDISSERA, Rudimar * Por uma compreensão da comunicação organizacional Nesse conto, conforme fragmentos, o personagem “dou- tor é perturbado pelo externo — grito, batidas na porta do quarto e o repetido enunciado “Doutor, aconteceu alguma coisa na praia”. Esses sentidos em circulação entram em rela- ção tensa, no nível dos processos cognitivos do personagem “doutor”, com um conjunto de significados (seu repertório construído, dentre outras coisas, a partir de suas próprias experiências naquele lugar) que lhe permite pensar/inferir (conforme o conto, o “doutor “[...] dizia-se, e estava tão acos- tumado a esse diálogo consigo mesmo”) que jamais acontece algo naquele lugar, portanto não é preciso ter pressa. Há, nessa situação, evidente disputa de sentidos que se dá no nível cognitivo. Porém, caso se atente para o comporta- mento do “doutor”, é possível reconhecer indícios de tal dis- puta, como por exemplo no fato de o 'doutor' descer as esca- das sem pressa. No entanto, se essa competência perceptiva não for empregada, como não há verbalização, a disputa ten- de a apenas ter relevância na mente do próprio “doutor, pas- sando despercebida, silenciosa, para os demais personagens. Esse exemplo corrobora a compreensão de que os senti- dos postos em circulação, voluntariamente ou não, por um sujeito (como força em disputa) são recebidos/percebidos por outro (ou outros) sujeito que, conscientemente ou não, os ar- ticula ao seu próprio repertório, suas competências (psíqui- cas, lingúísticas, por exemplo), seu meio social, cultura e imaginário, seu estado psicofisiológico etc. Dessa articulação, as perturbações, as disputas, a desorganização, a desordem e a possibilidade de uma nova ordem/organização em signifi- cados que assumem certa estabilidade, até serem novamente perturbados por novas relações, transações. Disso pode-se inferir que os processos comunicacionais também atualizam fraturas, fissuras, dobras, fugas, desvios e, ODiálogo Possível: Comunicação Organizacional e Paradigma da Complexidade 39 portanto, os sentidos propostos por um sujeito em comunica- ção não são, necessariamente, os mesmos sentidos que serão experenciados/interpretados/internalizados pela outra força em relação. Parece que tenderá a haver mais e menos; a so- brar e a faltar. Há intenções nas duas forças em relação (eu- outro), ou, como afirmado por Pinto sob a noção de permedi- atividade", “[...] há intenção nas instâncias produtoras das mensagens, mas também há intenção nas instâncias recepto- ras dessas mensagens, na medida em que somos vítimas de nosso próprio discurso, já que meus signos fazem parte de um repertório que vou adquirindo ao longo da vida” (2008, p.87). Nessa tensão toma lugar a disputa de onde resultam os sentidos que serão provisoriamente individuados pelos su- jeitos; trata-se da interpretação efetivada, dos significados atribuídos/internalizados pelos sujeitos em relação de comu- nicação. Ressalta-se, ainda, o fato de que a significação coloca o sentido em relação a uma dada situação, isto é, articula-o a uma dada contextura eco-psico-histórico-sócio-cultural. Con- forme Bakhtin, “a significação não quer dizer nada em si mesma. Ela é apenas um potencial, uma possibilidade de sig- nificar no interior de um tema concreto” (1999, p.131). Retomando-se a noção de comunicação como “proces- so de construção e disputa de sentidos”, importa observar que a idéia de “processo de construção” atualiza o fato de a significação não ser da qualidade do cristalizado, do definiti- “2 “A permediatividade leva em conta a instabilidade dos processos comunicativos, ela se centra nos sentidos, e não nos significados [...] O que a permediatividade do signo considera é que exercer linguagem é sinônimo de exercer um certo risco. Toda linguagem é indeterminada, toda linguagem é intransparente. O pró- prio caráter mediador da linguagem é a causa desse risco de indeterminação” (PINTO, 2008, p.85). 40 — BALDISSERA, Rudimar + Por uma compreensão da comunicação organizacional vo. Nessa perspectiva, recorre-se a Eco (1991, p.39-40) quan- do afirma que o signo não é uma entidade fixa e, sim, uma entidade em permanente construção/transformação. Da mes- ma forma, a significação experimenta o permanente (re)tecer, pois qualquer nova informação/experiência, independente- mente de sua natureza, permite ao sujeito “associar aos'/re- conhecer nos' mesmos signos significação diversa, mesmo que em pequenas porções. E mais, a mesma significação pode ser reconhecida/atribuída a signos diferentes, ampliando/restrin- gindo, organizando/desorganizando a significação que fora anteriormente atribuída/percebida. Assim, a significação é constantemente (re)construída a partir do lugar que cada sujeito e texto (tudo o que puder ser significado) ocupam no contexto. Até porque, de acordo com Bakhtin (1999), o sentido/significação é social ou, nas palavras de Ruiz: “o sentido é sempre social. Ele se organiza em teias e estruturas de significados, a fim de estabelecer suturas simbólicas que dêem coerência à ação humana” (2003, p.67). No entanto, na perspectiva da complexidade, sob o princípio da recursividade, não é possível pensar que o sujei- to, como força ativa, não participe desse processo de constru- ção. A este ponto, pode parecer que a comunicação esteja fadada à debilidade, ao fracasso, devido à efervescência da significação, às disputas de sentidos atualizadas pelos sujei- tos — como forças ativas — em relações de comunicação, às suas possibilidades interpretativas e aos seus diferentes inte- resses e competências, dentre outras. Porém, se é possível dizer que os sentidos tendem a se caracterizar pela possibili- dade e pela dispersão, também é possível pensar que a comu- nicação materializa-se como processo organizador dessa dis- persão. Vale lembrar a existência de certa vontade/desejo de aproximação dos sujeitos como seres eco-psico-fisio-sócio- O Diálogo Possível: Comunicação Organizacional e Paradigma da Complexidade 41 culturais tendo a comunicação como processo que viabiliza esse encontro. Portanto, apesar da profusão de sentidos possíveis nas relações/interações “eu-outro” (identidade-alteridade), a de- sorganização causada não se apresenta ilimitada/absoluta. A comunicação atualiza-se como lugar organizativo dos senti- dos postos em circulação. Na perspectiva do princípio dialó- gico, pode-se dizer que, no seio da unidade comunicação (o organizado), está a dispersão de sentidos — a significação pos- sível (o desorganizado — possibilidade, risco, imprevisibili- dade); a dualidade no seio da unidade. Comunicação organizacional — muito além dos processos planejados Com base no que se disse sobre comunicação pode-se, agora, refletir sobre a noção de comunicação organizacional. Primeiramente, é preciso destacar que, em sentido amplo, entende-se por organização a combinação de esforços indivi- duais para a realização de (em torno de) objetivos comuns. A organização não se reduz à estrutura, equipamentos e recur- sos financeiros, mas compreende, principalmente, pessoas em relação, trabalhando por objetivos bem definidos, claros e específicos. Garrido ressalta que [...] la columna vertebral y las acciones resultantes del he- cho de 'organizarse' es la interacción misma entre las partes involucradas, es decir la comunicación, ya que al margen de ella no sería posible la agrupación, cohesión y comunión de objetivos (centro de la búsqueda de interacción entre las partes). Es por ello que el concepto de 'organización' puede ser definido desde distintos prismas y ser empleado en di- versas aplicaciones [...]; a pesar de ello, su naturaleza no puede ser explicada integralmente al margen de la comuni- cación (GARRIDO, 2003, p.18). 42 —BALDISSERA, Rudimar * Por uma compreensão da comunicação organizacional Essa perspectiva evidencia o caráter de centralidade que as noções de 'relação' e, consequentemente, de 'comunica- ção' têm para as organizações. Independentemente do status (reconhecimento de importância) que assume na organiza- ção, a comunicação é sua possibilidade de existência. É em/ pela comunicação que ela materializa seus processos organi- zadores, comunica e faz reconhecer sua existência, instituin- do-se. Então, a organização é também, e fundamentalmente, comunicação. Essas idéias parecem férteis para refletir sobre comuni- cação organizacional que, como subsistema/subcampo da comunicação, pode ser compreendida e explicada como “[...] processo de construção e disputa de sentidos no âmbito das relações organizacionais” (BALDISSERA, 2008, p.169). Isto é, trata-se da compreensão de comunicação apresentada an- teriormente agora no subsistema organização. Sob o prisma da complexidade, a partir do princípio hologramático, pode- se pensar que a comunicação (como campo/sistema) é um subsistema (parte) da sociedade (todo) e que, nessa medida, a comunicação organizacional consiste em subsistema da comunicação como um todo. Da mesma forma, as organiza- ções são subsistemas (partes) da sociedade (todo). A afirmação de que a comunicação organizacional é o “processo de construção e disputa de sentidos no âmbito das relações organizacionais”, além do que já se disse sobre a noção de comunicação, presentifica a idéia de que comuni- cação é relação, assim como organização é relação. Da mes- ma forma, ao definir como “lugar” (sem reduzir à idéia de espaço físico) o “âmbito das relações organizacionais”, atua- liza a compreensão de que a comunicação organizacional, como fluxo, não respeita espaços físicos delimitados e tam- pouco se reduz à comunicação formal/oficial. Antes, assume diferentes qualidades, nos vários contextos e sob condições O Diálogo Possível: Comunicação Organizacional e Paradigma da Complexidade 43 diversas. Nãose prende a formalismos, a planos, a regras or- ganizacionais, a hierarquias estabelecidas, a campanhas ela- boradas, a desejos de imagem-conceito. Como fluxo relacio- nal e multidirecional, em boa parte, somente se dá a conhe- cer no acontecer, caso possa ser observada. À essa luz, considera-se necessário rever as concepções que, mediante simplificações (algumas grosseiras), reduzem comunicação organizacional à idéia de comunicação interna e externa (planejada), relações públicas, marketing corporati- vo, propaganda, assessoria de imprensa e/ou comunicação administrativa etc. Não significa dizer que essas não sejam práticas de comunicação organizacional, mas que, de modo geral, tende-se a reduzir a noção de comunicação organizaci- onal aos fluxos de sentidos possíveis de planejar e gerir, ou seja, aquilo que é visível, controlável, tangenciável, possível de captar. Dessa forma, o subsistema comunicação organiza- cional tem seus domínios estreitados ao tempo que elimina a fertilidade criativa gerada/regenerada pelas tensões entre o organizado e o desorganizado, o formal e o informal, o plane- jado e o espontâneo/intuitivo. Na mesma direção e com semelhante ação simplifica- dora, os processos comunicacionais que por alguma razão, ou por simples saber-fazer, burlam a ordem dada, o processo disciplinador, tendem a ser desqualificados, desconsiderados e/ou rechaçados da comunicação organizacional, isto é, ten- dem a ser classificados como processos não-relevantes ou mesmo exteriores à comunicação organizacional. Porém, um olhar mais acurado tenderá a revelar que apesar de, muitas vezes, tais processos não serem centrais, exercem forte influ- ências sobre o todo organizado, perturbando-o e, não raras vezes, traduzindo-se em reorganização de significação; peri- féricos ou não, são, portanto, constituintes importantes da comunicação organizacional. 44 — BALDISSERA, Rudimar * Por uma compreensão da comunicação organizacional Vale atentar para o fato de que comunicação organiza- cional não se qualifica como mera estratégia de controle e, também, não se reduz a simples sistema de transferência de informações. Portanto, por mais que a ordem posta tente su- focar os processos comunicacionais não-oficiais, existirão fis- suras pelas quais esses processos comunicacionais se infil- trarão, resistindo, desafiando, subvertendo os possíveis me- canismos de controle. As estratégias renovam-se a cada acon- tecer. Comunicação formal/oficial e informal/não-oficial, di- alética, dialógica e recursivamente, constituem o mesmo pro- cesso “comunicação organizacional”. Observa-se, ainda — conforme Baldissera, 2008 —, que independentemente de a organização ter a intenção de dizer algo, caso sua alteridade (diferentes sujeitos/públicos) perce- ba/considere esse algo como sendo comunicação, será enten- dido como comunicação (perspectiva de Eco, 1997). O que importa é a interpretação realizada pela outra força em rela- ção (alteridade). Nessa direção, Watzlawick (1993) afirma que em situações relacionais “é impossível não comunicar”. Es- ses aspectos são suficientes para evidenciar que a comunica- ção organizacional ultrapassa a comunicação planejada, or- ganizada, mesmo que esse seja o lugar mais visível/visitado quando das teorizações e mesmo pela simplificação materia- lizada pelas práticas dos profissionais de comunicação e de marketing que visam à simplificação, instigados pelo desejo de poder dominar as disputas de sentidos, direcionando e organizando a significação que será internalizada pela alteri- dade, pelos públicos. Na mesma direção, ressalta-se que “se, como diz Prigo- gine, a tendência é a dissipação, e o signo é opaco (e, portan- to, essencialmente uma tensão entre a forma e sua dissolu- ção), nós ficamos literalmente remando contra a corrente, ten- tando organizar as coisas quando elas tendem, essencialmente, O Diálogo Possível: Comunicação Organizacional e Paradigma da Complexidade 45 para a desorganização” (PINTO, 2008, p.88). Compreender a natureza de dissipação, de desorganização da significação permite melhor atentar para a complexidade da comunica- ção organizacional, Então, como se disse, o subsistema co- municação organizacional compreende a comunicação (dis- putas e construções de sentido) que se realiza no âmbito das relações organizacionais. Como microcosmos social, o subsistema comunicação organizacional auto-eco-exo-organiza-se tensionando vários sistemas, subsistemas e microssistemas, nem sempre subor- dinados à lógica da ordem posta. Assim, pode-se pensar em microssistemas oficialmente legitimados (tais como o de re- lações com a imprensa, os processos publicitários, a comuni- cação com clientes, a comunicação administrativa e a virtual autorizada, as pesquisas e interpretações, os eventos, as for- mas de a organização apresentar-se, a geração de fatos, a co- municação realizada em cada setor/departamento a partir das chefias e a comunicação contábil, dentre outros), e em micros- sistemas não-oficiais, mas que também dizem respeito/refe- rem-se, de alguma forma, à organização (tais como os que se atualizam informalmente nos refeitórios, as conversas entre funcionários que trabalham lado a lado, as conversas dos fun- cionários com familiares e outros grupos fora da organização, os boatos, as fofocas e/ou as especulações — inclusive as mate- rializações em blogs e comunidades virtuais -, as críticas, os estudos científicos sobre a organização, as livres associações realizadas pela alteridade articulando a organização a outras organizações, processos, comportamentos e/ou fatos, sejam do mesmo setor de atuação ou não, bem como as percepções/atri- buições de sentido à organização, realizadas pela alteridade — pessoas, públicos, outras organizações, instituições etc.). Em todos esses microssistemas (e os muitos que não foram destacados, e nem por isso menos importantes), pauta- 46 —BALDISSERA, Rudimar + Por uma compreensão da comunicação organizacional dos por gramáticas específicas, circulam sentidos que dizem respeito à organização, circula, em algum nível, capital sim- bólico da organização. Esses microssistemas, diferentemente tensionados, experimentam organização/desorganização para, dialógica, recursiva c hologramaticamente, traduzir-se em comunicação organizacional. Importa atentar para o fato de que estabelecer relações — nesse caso as relações que atualizam a comunicação orga- nizacional — implica correr riscos de ser perturbado”' por outros sistemas do ambiente (contexto) em que se insere a organização, independentemente de se tratarem de relações voluntárias ou não. Ao se atualizarem, as relações de comu- nicação exigirão que os sujeitos relacionados (organização- públicos) construam e transacionem sentidos na diversidade de possibilidades, dobras, fugas, rupturas, contradições, im- previsibilidade, cooperações, desordem. Dessa tensão, os su- jeitos individualizarão significação que, caso advenha da co- municação organizacional planejada, nem sempre será 'se- melhante aos” ou “identificada com” os desejos de produção. Observa-se que na dinamicidade da comunicação, como se disse, os sujeitos interpretam articulados ao seu próprio contexto (cultura, imaginário, história, estrutura social etc.), suas competências e saberes (psíquicas, linguísticas; saberes prévios/repertório), que se materializam em suas expectati- vas, resistências e/ou predisposições frente a sua alteridade. Assim atravessados, os sujeitos procuram, conscientemente ou não, identificar as estratégias cognitivas do outro para, de alguma forma e em algum nível, melhor compreender sua alteridade e/ou convencê-la da significação que quer ver por ela internalizada. * Ver nota 11. O Diálogo Possível: Comunicação Organizacional e Paradigma da Complexidade 47 A este ponto,sob o Paradigma da Complexidade, pode- se afirmar que, seja da qualidade do oficial/formal ou do não- oficial/informal, quando os sentidos em circulação nos pro- cessos de comunicação disserem respeito, de alguma forma, à organização, esse processo será considerado comunicação organizacional. Então, a noção de comunicação organizacio- nal, para dar conta disso, precisa ser ampliada e ultrapassar aquilo que é considerado a “fala autorizada”, pois essa é ape- nas sua parte mais superficial e visível. É apenas o lugar da autoridade que quer informar/formar, persuadir, seduzir, con- trolar/acompanhar/avaliar, coordenar/dominar e, mesmo, manipular. É o lugar da reprodução, da obediência, da nor- matização e da normalização. Para além dessa fala autorizada, a comunicação organi- zacional, na perspectiva do que se afirma, também compre- ende a comunicação que se dá nas fissuras, nas resistências, nas zonas de escuridão, nas transversalidades, nos lugares de interdição e das fugas. Contempla a dispersão, as transa- ções, os ruídos, as contradições, o diálogo, a diversidade, a rebeldia. Constitui-se de imprevisibilidade, do impensado, do não-planejado, do acaso, da incerteza. Sob esse prisma, no nível dos fazeres profissionais de comunicação organizacional, pode-se, dentre outras coisas: a) agir potencializando os lugares de escuta para a manifesta- ção da diversidade e fomentar a crítica como necessária para o desenvolvimento e qualificação dos processos; b) tolerar o diverso como exercício de humanidade e, mesmo, apoiar a irreverência como possibilidade criativa; c) assumir que o formal e o informal, na prática, atualizam-se tensionados como “todo” (é a própria comunicação organizacional) que man- tém a dualidade em seu seio (princípio dialógico) — o infor- mal desorganizando/(re)Jorganizando o formal permanente- 48 — BALDISSERA, Rudimar * Por uma compreensão da comunicação organizacional mente e vice-versa. É a contínua geração/regeneração do sis- tema organização; d) fomentar o diálogo e criar espaços para que se atualize; e) pensar os conflitos como potencializado- res de crítica, criatividade e inovação; f) compreender a alte- ridade como força que constrói e disputa sentidos; g) pensar a comunicação como multidirecional; h) lidar com a incerte- za e a imprevisibilidade; e i) empregar a informação ampla e verdadeira como forma de qualificar as relações e agir res- ponsavelmente. Por fim, a partir da reflexão realizada, pode-se dizer que, por um lado, a comunicação organizacional compreende e exige certo nível de planejamento (e é importante que seja assim) para que alguns fluxos de sentidos possam atender às necessidades de continuidade da organização (seja para in- formar, instituir-se, persuadir, exercer responsabilidade ecos- sistêmica etc.) e por outro — que se acredita mais amplo e complexo —-, consiste em incertezas, possibilidades relacio- nais e de produção de sentido, imprevisibilidade e disper- são. Comunicação organizacional é a permanente tensão en- tre planejado/intuitivo/espontâneo; organização/desorganiza- ção/reorganização de sentidos; forças em identificação/rejei- ção; disputas/resistências/cooperações; fugas/sinergias; e ou- tras dualidades que, em princípio, sob o olhar da simplicida- de, parecem impossíveis, mas que pelas lentes da complexi- dade são fundamentais para a continuidade do sistema orga- nizado (a organização). 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