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UNISALESIANO Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium Curso de Psicologia Izabela Assaiante Moreira da Cunha Nataly Melo Alcantara Zino Rosana Cristina de Oliveira Martim A INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM ESPECTRO AUTISTA: A PERCEPÇÃO DO PROFESSOR Lins – SP 2015 Izabela Assaiante Moreira da Cunha Nataly Melo Alcantara Zino Rosana Cristina de Oliveira Martim A INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM ESPECTRO AUTISTA: A PERCEPÇÃO DO PROFESSOR Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Examinadora do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium, curso de Psicologia, sob orientação do Prof. Me. Oscar Xavier de Aguiar e orientação técnica da Profª Ma. Jovira Maria Sarraceni. Lins – SP 2015 Cunha, Izabela Assaiante Moreira; Zino, Nataly Melo Alcantara; Martim, Rosana Cristina de Oliveira. Psicologia: a inclusão de crianças com espectro autista: a percepção do professor / Izabela Assaiante Moreira da Cunha; Nataly Melo Alcantara Zino; Rosana Cristina de Oliveira Martim. – – Lins, 2015. 77p. il. 31cm. Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium – UNISALESIANO, Lins-SP, para graduação em Psicologia, 2015. Orientadores: Jovira Maria Sarraceni; Oscar Xavier de Aguiar 1. Autismo. 2. Inclusão. 3. Escola. 4. Professor. I. A inclusão de crianças com espectro autista: a percepção do professor CDU 159.9 CDU 159.9 C977p Chegando ao fim de mais esta etapa em minha vida, jamais poderia me esquecer de vocês, minha família, Luiz, Tereza, Luizinho, Bruna e ao príncipe Luiz Antônio, que me apoiaram e ampararam quando necessário, e me deram forças para prosseguir sempre e realizar esse meu sonho tão bonito. Não há nada mais precioso do que o amor e o apoio de nossos familiares, por isso dedico em geral a todos meus tios, tias, primos e primas que me ajudaram de alguma forma, mas em especial a tia Ana Maria e minha prima Mônica, que estiveram presentes em todos os momentos, me dando forças, me auxiliando e suprindo minhas dúvidas e angústias. Dedico também essa realização ao meu maravilhoso Deus, que me proporcionou a vida e vem me ajudando a realizar meus sonhos, capacitando- me a cada dia. À minha amiga Rosana, pelo companheirismo de todos esses anos e por juntas estarmos realizando este sonho. Izabela Assaiante Moreira da Cunha Dedico à minha mãe, que infelizmente não verá o trabalho pronto, mas que em meu coração e minha mente sempre esteve presente, fazendo com que eu não desista e vá sempre em busca de melhorar a cada dia; e ao meu irmão, que é mais que isso, é um pai. Obrigada por tudo, esse é o fruto de cinco anos sofridos, mas que deram resultado. Nataly Melo Alcantara Zino Dedico este trabalho a vocês, que sempre me fizeram acreditar na realização dos meus sonhos e trabalharam muito para que eu pudesse realizá- los, meus „„pais‟‟ Antônio e Jaci. A você Danilo, companheiro no amor, na vida e nos sonhos, que sempre me apoiou. À minha amiga Izabela, pela amizade que se enraizou no decorrer desses anos de luta. Rosana Cristina de Oliveira Martim AGRADECIMENTOS Agradecemos primeiramente a Deus, por ter nos dado a vida e estar nos proporcionando à realização deste sonho, e por nunca deixar faltar forças para prosseguir. Queremos agradecer também nossos familiares, amigos e colegas que de alguma maneira nos ajudaram, auxiliaram, nos deram forças, e mostraram total confiança em nós. Alguns deles presentes em terra e outros infelizmente não, mas sabemos que de qualquer maneira estiveram conosco. À nossa instituição de ensino, Unisalesiano de Lins, que nos proporcionou cinco anos de muito aprendizado e experiências. E por último, mas de forma alguma menos fundamentais e importantes, agradecemos nossos queridos professores Oscar e Jovira, que nos orientaram em todo este trabalho e foram essenciais para que este sonho se realizasse com grande sucesso. RESUMO O Transtorno do Espectro Autista é definido por um conjunto de alterações presentes desde idades muito precoces, normalmente antes dos três anos de idade, afetando a comunicação, a interação e o uso da imaginação. Com o objetivo de conhecer a realidade da inclusão escolar destas crianças, aplicou-se um questionário de oito perguntas aos educadores, focando a formação do conhecimento durante a graduação, a inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais, destacando o Transtorno e as reflexões sobre a inclusão e requisitos para que ela ocorra. A amostra constou de onze sujeitos do sexo feminino, com idades entre vinte e quatro e sessenta e seis anos, graduados no ensino superior entre quatro a quarenta anos, sendo que dez formaram-se em Pedagogia. O local estudado foi uma escola de ensino fundamental da região de Getulina. Através deste estudo verificou-se que a maior parte dos sujeitos não tiveram informações adequadas, assim como práticas vivenciais sobre inclusão de criança com necessidades educacionais especiais na rede de ensino. Em relação às informações conceituais sobre o Transtorno do Espectro Autista, praticamente todos informaram não terem recebido esclarecimentos sobre essas crianças, estando despreparados para a intervenção em sala de aula. As informações sobre o Transtorno foram obtidas através da iniciativa autodidata, com pesquisas em artigos e livros; capacitações na Secretaria de Educação e na própria escola. Porém, tais informações foram consideradas insuficientes devido a falta do psicólogo escolar ou de outro profissional para orientar sistematicamente os professores e familiares sobre o comportamento, etapa do desenvolvimento e práticas pedagógicas facilitadores da aprendizagem. Os participantes informaram em sua maioria que não formaram conhecimento sobre como ensinar um aluno com T.E.A. durante a graduação em Pedagogia. Isto, somado aos fatores já citados, mostra a limitação dos cursos de pedagogia na preparação dos professores para atuar com esses alunos, pois mesmo que o conhecimento venha a ser adquirido através de estudo teórico após a graduação, há a carência de vivência supervisionada em sala de aula. Para análise, considerou-se as duas categorias de pensamento da Terapia Cognitivo Comportamental: automáticos, que surgem na consciência de forma rápida, não avaliativa, e os reflexivos, aqueles que podem organizar o conhecimento. Os últimos foram apresentados pelos sujeitos da pesquisa, pois refletem a organização do pensamento relacionado à inclusão do aluno com T.E.A. no qual citam a necessidade de acompanhamento com profissional especialmente capacitado, que possa orientar os membros da escola e familiares no manejo das crianças, a fim de obter conquistas acadêmicas e que as dificuldades sejam compartilhadas, propiciando o desenvolvimento do aluno. Conclui-se, portanto, que a legislação sobre a inclusão é adequada, mas há falhas em sua aplicação, assim como na graduação dos educadores, tanto na 7 formação teórica quanto na prática. Estes são obstáculos na construção da escola para todos. Palavras-chave: Autismo. Inclusão. Escola. Professor. ABSTRACT The Autistic Spectrum Disorder is defined by a set of anomalies from a very early age, usually before the age of three, affecting communication, interaction and the use of imagination. In order to know the reality of school inclusion of these children, we applied a questionnaire of eight questions to educators, focusing on the formation of knowledge during the graduation, the inclusion of children with special educational needs, highlighting the Disorder and reflections about inclusion and requirements for it. The sample consisted of eleven female subjects, aged between twenty-four and sixty-sixyears old, graduated in higher education between four to forty years, which ten graduated in Pedagogy. The site studied was a fundamental school at Getulina's region. Through this study it was found that most of the subjects did not have adequate information, as well an experiential practice about inclusion of children with special educational needs in the school system. In relation to conceptual information about Autism Spectrum Disorder, virtually all reported they did not receive explanation about these children, being unprepared for intervention in the classroom. Information about the disorder were obtained by self-taught initiative to research articles and books; training in the Department of Education and the school itself. However, such information was considered insufficient due to lack of school psychologist or other professional to systematically guide teachers and family about the behavior, stage of development and pedagogical facilitators of learning practices. The mostly part of the subjects reported they did not formed knowledge on how to teach a student with ASD during graduation in Pedagogy. This, added to the factors already mentioned, shows the limitation of pedagogy courses to prepare teachers to work with these students, because even that knowledge will be acquired through theoretical study after graduation, there is a failure of experience supervised in room of class. For analysis, we considered the two categories of thought of Cognitive Behavioral Therapy: automatic, appearing in consciousness quickly, not evaluative and reflective, those who can organize knowledge. The latter were presented by the research subjects as they reflect the organization of thought related to the inclusion of students with ASD in which mentions the need to follow up with specially trained professional who can guide the members of the school and family in the management of children in order to obtain academic achievements and difficulties are shared, leading to the development of the student. We conclude, therefore, that the legislation about inclusion is adequate, but there are failures in your application, as well as the graduation of teachers, both in theoretical and in practice. These are obstacles to make a school for all. Keywords: Autism. Inclusion. School. Teacher. LISTA DE FIGURAS Figura 1. Gráfico da Questão 1: Informações sobre a inclusão ........................ 45 Figura 2. Questão 2: vivências práticas ............................................................ 46 Figura 3. Questão 3: Atividades de capacitação ............................................... 47 Figura 4. Questão 4: informações sobre TEA ................................................... 48 Figura 5. Questão 5: fontes de conhecimento sobre TEA................................. 48 LISTA DE SIGLAS AEE – Atendimento Educacional Especializado AMA –Associação de Amigos dos Autistas APA -American Psychiatric Association (Associação Americana de Psiquiatria) ASA – Autism Society of America (Sociedade Americana de Autismo) CID-9 - Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde CID-10 – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, DSM-III – Diagnosticand Statistical Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) DSM-III–R – Diagnosticand Statistical Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) DSM-IV – Diagnosticand Statistical Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) DSM-V – Diagnosticand Statistical Manual of Mental Disorders (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) HTP – Hora de Trabalho Pedagógico LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional OMS – Organização Mundial de Saúde ONU – Organização das Nações Unidas TEA – Transtorno do Espectro Autista SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................. 11 CAPÍTULO I – AUTISMO, HISTÓRIA, FAMÍLIA E INCLUSÃO ....................... 14 1 VISÃO HISTÓRICA DO AUTISMO ........................................................ 14 1.1 Autismo no Brasil ................................................................................... 17 1.1.1 O papel da Associação de Amigos dos Autistas .................................... 17 1.1.2 Um retrato do Autismo no Brasil ............................................................. 19 1.1.3 Legislação e Autismo no Brasil .............................................................. 19 1.2 A família da criança com transtorno espectro autista e suas dificuldades........ 20 1.3 Da exclusão a inclusão social da criança com TEA ............................... 23 1.3.1 A Educação Especial.............................................................................. 25 CAPÍTULO II – INCLUSÃO ESCOLAR: ASPECTOS HISTÓRICOS E A INCLUSÃO DA CRIANÇA COM TRANSTORNO ESPECTRO AUTISTA ....... 29 1 DECLARAÇÃO DE SALAMANCA ........................................................ 29 1.1 O Brasil no processo de inclusão ........................................................... 31 1.2 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional................................... 35 1.2.1 Educação Especial ................................................................................. 34 1.3 A inclusão da criança com TEA e suas dificuldades .............................. 37 CAPÍTULO III .................................................................................................... 43 1 METODOLOGIA .................................................................................... 43 1.1 Resultados e Discussão ......................................................................... 45 PROPOSTA DE INTERVENÇÃO ..................................................................... 53 CONCLUSÃO ................................................................................................... 54 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 55 APÊNDICES ..................................................................................................... 64 ANEXOS............................................................................................................74 11 INTRODUÇÃO Segundo Bosa (2002), na década de 1980 houve uma verdadeira revolução paradigmática com a retirada do Autismo da categoria de psicose nos DSM-III,DSM-III–Re na CID–10, e sua inclusão nos Transtornos Globais do Desenvolvimento. O DSM–IV já traz o Transtorno do Espectro Autista (TEA) como integrando os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, juntamente com os Transtornos Desintegrativos, Síndrome de Rett e Síndrome de Asperger. Tanto a CID–10 quanto o DSM–IV estabelecem como critério para o TEA comprometimento em três áreas principais: alterações qualitativas das interações sociais recíprocas; modalidades de comunicação; interesses e atividades restritos, estereotipados e repetitivos. A nova revisão do DSM-V inclui uma definição diferente de TEA. Para ser diagnosticado, o indivíduo deve ter apresentado sintomas que comecem na infância precocemente e comprometam a capacidade do indivíduo em função da sua vida e do dia a dia (DSM-V, 2014). As escolas não estão preparadas para receber esses alunos com necessidades educacionais especiais, pois falta uma reformulação de critérios para avaliação e uma equipe bem treinada, de forma que possa ser desempenhado um trabalho adequado com esses alunos (CUNHA, 2012). Pela legislação brasileira, desde 2012 a pessoa com TEA é “considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais” (BRASIL, 2012) e, portanto, beneficiada pelas leis de educação especial.O atendimento educacional especializado tem como função identificar, elaborar e organizar recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando suas necessidades específicas. As atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam- se daquelas realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas à escolarização. Esse atendimento complementa e/ou suplementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e independência na escola e fora dela (BRASIL, 2008). 12 Para Camargo e Bosa (2009), há diversas vantagens na convivência das crianças no TEA com outras da mesma faixa etária, desde que se respeite a singularidade de cada criança. Este contato fornece modelos de interação, estimulando positivamente as capacidades interativas, impedindo o isolamento contínuo e exercitando as habilidades sociais durante esta troca no processo de aprendizagem social. Em contrapartida, as crianças com desenvolvimento típico também são favorecidas, na medida em que convivam e aprendam com as diferenças, diminuindo o preconceito e a discriminação. O desafio de uma educação inclusiva consiste em romper a barreira do preconceito ao conviver com pessoas que, em nossa fantasia, não são como nós. Para isto muitos familiares se organizam em associações como, por exemplo, a Associação dos Amigos dos Autistas (AMA), e tentam através de reinvindicações e discussões, trazer visibilidade ao problema. Outros permanecem no limbo, sem saber como agir para garantir os direitos básicos de suas crianças, adolescentes e adultos dependentes. Orrú (2003) cita que o termo “autista” gera preconcepções a respeito das coisas que ele não consegue fazer. Falta na escola o trabalho multidisciplinar que veja a pessoa com TEA como um ser bio-psico-social-cultural, definido por suas potencialidades e não por suas incapacidades e inabilidades na busca de estratégias interventivas. A inclusão da criança com TEA na rede pública de ensino regular, na visão do professor, é o tema do presente Trabalho de Conclusão de Curso. Para melhor contextualizar o problema da pesquisa, dividiu-se este trabalho em quatro sessões. O primeiro capítulo tratará da história do TEA no mundo e no Brasil, de sua descrição e delimitação à evolução do conhecimento e prognósticos. Serão analisadas as famílias, suas relações com o portador e o Transtorno e as dificuldades que enfrentam perante a sociedade, discutindo as raízes do processo da exclusão e inclusão. O segundo capítulo versará sobre a inclusão escolar, as leis e direitos da criança com TEA e as mudanças no Brasil, bem como os principais obstáculos. Para a coleta de dados foi utilizado um questionário semiestruturado de oito questões, que se encontra no Apêndice A, junto aos professores de uma escola pública de ensino fundamental do interior de São Paulo. No terceiro 13 capítulo constarão os resultados deste estudo realizado pelas pesquisadoras e a proposta de intervenção. Por fim, a conclusão e proposta de intervenção. 14 CAPÍTULO I AUTISMO, HISTÓRIA, FAMÍLIA E INCLUSÃO. 1 VISÃO HISTÓRICA DO AUTISMO Silva, Gaiato & Reveles (2012) apresenta a origem da palavra “autismo” que, derivada do grego “autos”, significa “voltar-se para si mesmo”. Ainda segundo a autora, a primeira pessoa a utilizá-la foi o psiquiatra austríaco Eugen Bleuler, em 1911, ao retratar uma das características de pessoas com esquizofrenia, referindo-se ao isolamento social dos indivíduos acometidos. Em 1943, o psiquiatra infantil Leo Kanner, (apud GAUDERER 1993) e Ellis (1996), descreveu um grupo de onze crianças que tinham um padrão de comportamento peculiar. Segundo ele, as mais notáveis eram a incapacidade de se relacionar com as pessoas, ausência de fala ou formas peculiares de comunicação, fascinação por objetos e destreza em seu manuseio, e um desejo ansioso e obsessivo de preservação do ambiente e de rotinas. Em um período de dois anos após o estudo, Kanner criou um substantivo e passou a falar em autismo primário, aquele que ocorre desde o nascimento e o secundário, que é aquele que se manifesta após alguns anos. Também chegou a chamar esta entidade de Síndrome de Kanner em sua homenagem, porém foi apenas durante um curto intervalo de tempo. No ano de 1944, o pesquisador austríaco Hans Asperger publicou, em sua tese de doutorado, a psicopatia autista da infância, um estudo observacional com mais de 400 crianças, avaliando seus padrões de comportamento e habilidades. Descreveu um transtorno da personalidade que incluía falta de empatia, baixa capacidade de fazer amizades, monólogo, hiperfoco em assunto de interesse especial e dificuldade de coordenação motora (quadro que depois ficou denominado como síndrome de Asperger). (SILVA, GAIATO & REVELES, 2012, p.160) Gauderer (1993) cita que em 1947 Bender usou o termo Esquizofrenia Infantil, pois ela e outros consideravam o autismo como a forma mais precoce de esquizofrenia. Já Mahler, em 1952, utilizou o termo Psicose Simbiótica, atribuindo a causa da doença ao relacionamento mãe e filho, sendo essa sua 15 maior área de interesse. Nessa psicose as crianças tendem a grudar ferozmente na mãe, e aparentemente esse comportamento é oposto ao do autista clássico, porem esse termo não descreve uma entidade especifica, pois a criança autista clássica pode apresentar de maneira transitória um comportamento de simbiose ou grude com a mãe, e em outros momentos lhe ser totalmente indiferente. Na década de 1960, segundo Silva, Gaiato & Reveles (2012), a psiquiatra inglesa Lorna Wing, cuja sua filha tinha síndrome do espectro autista, passou a publicar textos de grande importância para o estudo deste assunto, inclusive traduzindo para o inglês os trabalhos de Hans Asperger, popularizando sua teoria. Além disso, Lorna foi a primeira pessoa a descrever os três principais sintomas: alterações na sociabilidade, comunicação/linguagem e padrão alterado de comportamentos, e teve como objetivo introduzir a ideia de que os sintomas relacionados a qualquer um dos três domínios citados podem ocorrer em variados graus de intensidade e, portanto, com diferentes manifestações. Na mesma década, o psicólogo comportamental Ole Ivar Lovaas introduziu a ideia de que as crianças com autismo aprendem habilidades novas através da técnica da terapia comportamental. Seus resultados apresentavam-se de maneira mais efetiva do que as tradicionais terapias psicodinâmicas. Naquela época a psicologia comportamental sofria forte preconceito por parte dos psicólogos que seguiam outras linhas teóricas e pela sociedade como um todo. Os psicológicos comportamentais só costumavam ser consultados depois de esgotar as outras modalidades terapêuticas. Sendo assim, o comportamento da criança com autismo tornava-se, muitas vezes, insuportável para os pais e muito danoso para elas próprias. (SILVA, GAIATO & REVELES, 2012. p. 161). Segundo Silva, Gaiato & Reveles (2012), só na década de 80, o autismo recebeu um reconhecimento especial, diferente da esquizofrenia, possibilitando o surgimento de um número maior de estudos científicos, a denominação do diagnóstico correto e com especificação dos critérios de inclusão. A partir desse acontecimento, o problema passou a ser tratado como uma síndrome, como um distúrbio do desenvolvimento e não mais como uma psicose. A partir de estudos e até a criação do CID-9 e do DSM–III, manuais utilizados por profissionais da área medica e de saúde mental, o autismo ainda era visto por diferentes enfoques. No entanto, nas revisões subsequentes 16 desses guias médicos (CID 10 e no DSM–V – em 1997 e 2014, respectivamente), houve uma melhor definição e alinhamento do autismo. Em dezembro de 2007, a Organizaçãodas Nações Unidas (ONU) decretou de 2 de abril o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, celebrado pela primeira vez em 2008. Com adeptos em várias partes do planeta, o evento pede mais atenção aos transtornos do espectro autístico, que afetam cerca de 70 milhões de pessoas em todo mundo, segundo a ONU, sendo mais comuns em crianças do que AIDS, câncer e diabetes juntos. Segundo Bosa (2002), a partir da década de 80, assiste-se uma verdadeira revolução paradigmática no conceito, sendo o autismo retirado da categoria de psicose no DSM III e no DSM III – R, bem como na CID – 10, passando a fazer parte dos Transtornos Globais do Desenvolvimento. Já o DSM – IV traz o transtorno autista como integrando os Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, juntamente com os Transtornos Desintegrativos, Síndrome de Rett e Síndrome de Asperger. O DSM-V foi lançado em 2013, e passa a usar a denominação „‟Transtornos do Espectro do Autismo‟‟, com localização no grupo dos „‟Transtornos do Neurodesenvolvimento‟‟. O DSM-V inclui uma definição diferente de TEA. Para ser diagnosticado com TEA, o indivíduo deve ter apresentado sintomas que comecem na infância precocemente e devem comprometer a capacidade do indivíduo em função da sua vida e do dia a dia (American Psychiatric Association, 2014). Tanto a CID – 10 quanto o DSM – IV estabelecem como critério para o transtorno autista o comprometimento em três áreas principais: alterações qualitativas das interações sociais recíprocas; modalidades de comunicação; interesses e atividades restritos, estereotipados e repetitivos. Para o DSM V os déficits sociais e de comunicação são: a) Problemas de interação social ou emocional alternativo – Isso pode incluir a dificuldade de estabelecer ou manter o vai e vem de conversas e interações, a incapacidade de iniciar uma interação e problemas com a atenção compartilhada ou partilha de emoções e interesses com os outros. b) Graves problemas para manter relações – Isso pode envolver uma completa falta de interesse em outras pessoas, as dificuldades de jogar fingir e se engajar em atividades sociais apropriadas à idade e problemas de adaptação a diferentes expectativas sociais. 17 c) Problemas de comunicação não verbal – o que pode incluir o contato anormal dos olhos, postura, expressões faciais, tom de voz e gestos, bem como a incapacidade de entender esses sinais não verbais de outras pessoas. Comportamentos repetitivos e restritivos são: a) apego extremo a rotinas e padrões e resistência a mudanças nas rotinas; b) fala ou movimentos repetitivos; e c) interesses intensos e restritivos. Dificuldade em integrar informação sensorial ou forte procura ou evitar comportamentos de estímulos sensoriais (American Psychiatric Association, 2014) 1.1 Autismo no Brasil 1.1.1 O papel da Associação de Amigos dos Autistas Segundo informações disponibilizadas no site institucional, a Associação de Amigos dos Autistas (AMA) foi fundada em 1983 pelos pais de crianças autistas. Neste período havia grande desconhecimento acerca do transtorno no Brasil. O papel da AMA no atendimento destas crianças e na divulgação de informações foi, portanto, bastante relevante. A definição de autismo adotada pela instituição foi a da Autism Society of America: O autismo é uma inadequacidade no desenvolvimento que se manifesta de maneira grave por toda a vida. É incapacitante e aparece tipicamente nos três primeiros anos de vida. Acomete cerca de 20 entre 10 mil nascidos e é quatro vezes mais comum no sexo masculino do que no feminino. É encontrado em todo o mundo e em famílias de qualquer configuração racial, étnica e social. Não se conseguiu até agora provar qualquer causa psicológica no meio ambiente dessas crianças, que possa causar a doença (ASA, 1978 apud GAUDERER, 1997). A associação teve e tem a missão de “proporcionar à pessoa com autismo uma vida digna: trabalho, saúde, lazer e integração à sociedade” (AMA, 1983). Oferece a família da pessoa com autismo instrumentos para a convivência no lar e em sociedade e tende a promover e incentivar pesquisas sobre o tema. 18 O site relata ainda que no ano de 1983 o Dr. Raymond Rosenberg tinha alguns clientes com filhos de três anos em média, diagnosticados com autismo há pouco tempo. A única informação sobre o diagnóstico que esses pais tinham era o nome da síndrome. Não havia informação, tratamento e nenhum tipo de recurso nessa área na cidade, no estado ou no país que pudesse ajudar as crianças e tampouco os familiares. Nessa época os atendimentos para crianças excepcionais não eram adequados e também não aceitavam crianças com autismo. Com isso, os pais se reuniram e fundaram a AMA, primeira associação para o autismo no país. Antes de completar um ano a Associação já tinha uma escola que funcionava no quintal de uma igreja. Por sua natureza de pesquisa na área do autismo e por haver uma população carente para ser atendida, a instituição – beneficente e sem fins lucrativos – enfrenta grande dificuldade em manter-se financeiramente até os dias atuais. Desde a época da fundação da AMA, sendo o autismo ainda pouco conhecido, tornava-se muito difícil conseguir ajudas e arrecadar fundos. Fez-se necessária uma campanha na televisão com o conhecido ator Antônio Fagundes para que as pessoas em geral pudessem familiarizar-se com a palavra autismo e não continuassem confundindo a AMA com Associação de Amigos do Artista, ou Alpinista como frequentemente acontecia. Hoje esse quadro está muito mudado. Segundo o site da AMA (2015), ela pode oferece atendimento 100% gratuito graças a dois importantes convênios com as Secretarias de Educação e da Saúde do Estado de São Paulo, que são uma fonte fixa de parte dos recursos necessários à manutenção da instituição. A instituição relata que é sempre necessário levantar recursos para a compra de alimentos, material pedagógico, manutenção dos equipamentos e dos imóveis e programas de capacitação e motivação dos funcionários. Atualmente, o desconhecimento em relação ao autismo diminuiu. Muitas pessoas se envolveram com a causa e fundaram associações semelhantes, para a educação de pessoas com autismo por todo o Brasil. Outros países se envolveram com o trabalho da AMA, como a Suécia, que durante mais de 10 anos contribuiu financeira e tecnicamente. 19 Já foram realizados encontros regionais e nacionais, cursos e congressos. Continua-se trazendo profissionais estrangeiros altamente qualificados que dão apoio técnico a todo o trabalho realizado pela AMA. Com sua longa jornada de trabalho, a AMA conquistou reconhecimento como instituição de utilidade pública (Utilidades Públicas: Municipal - Decreto n°. 23.103 - 20/11/86, Estadual - Decreto n°. 26.189 - 06/11/86 e Federal - D.O.U.24/06/91). Recebeu, da sociedade, prêmios pelo trabalho realizado, como o "Prêmio Bem Eficiente", da Kanitz e Associados (1997 e 2005) e o "Prêmio Direitos Humanos", da UNESCO e Poder Executivo Federal (1998), entregue à AMA pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. Atualmente, todas as instituições “AMA” no Brasil estão reunidas através de uma entidade nacional, a “Associação Brasileira de Autismo” (ABRA). Seu lema é “a união faz a força”, e tem como missão representar aqueles que lutam pelos direitos das pessoas com autismo em âmbito nacional. 1.1.2 Um retrato do Autismo no Brasil O dia 2 de abril foi instituído pela ONU em 2008 como o Dia Mundial de Conscientização do Autismo. O autismo é uma síndrome que afeta vários aspectos da comunicação, além de influenciar também no comportamento do indivíduo. Segundo Silva, Gaiato & Reveles, os dados do Center of Deseases Controland Prevention, órgão ligado ao governo dos Estados Unidos existe hoje um caso de autismo a cada 110 pessoas. Dessa forma, estima-se que o Brasil, com seus 200 milhões de habitantes,possua cerca de 2 milhões de autistas. São mais de 300 mil ocorrências só no Estado de São Paulo. Contudo, apesar de numerosos, os milhões de brasileiros autistas ainda sofrem para encontrar tratamento adequado. 1.1.3 Legislação e Autismo no Brasil Em dezembro de 2012 alguns dos direitos dos autistas no Brasil passaram a ser assegurados pela já citada Lei nº 12.764, chamada de “Política 20 Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista”. Resumidamente, a lei reconhece que as pessoas com este transtorno possuem os mesmos direitos que todos os outros pacientes com necessidades especiais no Brasil. Entre outros aspectos, a legislação garante que os autistas podem frequentar escolas regulares e, se necessário, solicitar acompanhamento nesses locais. 1.2 A família da criança com transtorno espectro autista e suas dificuldades Segundo Buscaglia (1997), a família constitui o primeiro contexto relacional de um indivíduo. Por isso, possui importante influência na determinação do comportamento humano e na formação da personalidade. Para Fiamenghi e Messa (2007), a participação de cada membro da família, com suas particularidades, afeta todos os outros, bem como é afetada por eles, numa relação de interdependência. Sendo assim, toda e qualquer mudança exerce uma influência em cada membro individualmente e no sistema familiar como um todo. Falar sobre os familiares da criança com T.E.A. tem uma importância significativa para os estudos, pois, segundo Marques (2000), os pais da criança com autismo, ao se depararem com o diagnóstico, experimentam um sentimento de perda da “criança idealizada”. A emergência de uma doença crônica na família para Rolland (2001) é uma mudança que implica no entrelaçamento de três fios evolutivos: da doença, dos ciclos de vida do indivíduo e da família. Assim, a adaptação familiar a este contexto depende de muitas variáveis. Para Gómez e Terán (2014), a família toda sente um impacto e se mobiliza em torno desta criança, passando então a tratar-se de uma “família com autismo”. O que significa dizer que uma família tem autismo? Significa que ela terá que aprender uma forma diferente de comunicação, uma maneira diferente de se relacionar socialmente: abrirá uma nova dimensão para sentir, controlar e pensar a vida. (GÓMEZ E TERÁN,2014; p.529) 21 De acordo com Sprovieri e Assumpção Jr. (2001), o autismo afeta todo o sistema familiar, dificultando a saúde emocional dos seus membros, pois, segundo estes autores, a limitação de um membro faz com que as relações sociais de toda a família mude, seja interrompida. Portanto, a comunicação entre a própria família fica com pouca clareza e gera um estresse maior entre os familiares. Segundo Gómez e Terán (2014), para auxiliar a criança com uma síndrome, a família tenta se adaptar a esse mundo diferente, com mais dificuldades, passando também a ver o mundo de maneira diferente e gradativamente ajudar o desenvolvimento da criança. Nesse processo ocorrem vários novos sentimentos e muitas sensações, sendo a maioria delas estranhas e até mesmo desconhecidas. Esses pais passam a lidar com várias dificuldades, tanto no campo emocional quanto no campo prático, ou seja, no desenrolar da educação e socialização. Ainda segundo Sprovieri e Assumpção Jr (2001), a família se une em torno das dificuldades da criança, sendo esta mobilização determinante no início da adaptação de todos ao redor. As dificuldades apresentadas pela criança tornam muitas vezes inviável a reprodução das normas e dos valores sociais na família e, consequentemente, a manutenção do convívio social. Há ainda as questões sociais, segundo Gómez e Terán (2014): quando a família tenta inserir a criança com espectro autista no meio social, pode enfrentar uma rejeição inicial. A aceitação não ocorreria de pronto devido às limitações da criança e até mesmo ao isolamento que já é um sintoma da síndrome. Entende-se que viver o novo é difícil e causa medo e, assim sendo, para os colegas e pessoas ao redor viver com uma criança com espectro autista seria um desafio. A experiência de ter um filho com autismo pode causar conflitos entre os pais e entre os outros irmãos, dando lugar a tensões e problemas. Muitas vezes os pais podem se sentir muito mal em relação ao que sentem pelo filho; sentimentos contraditórios de pena, raiva, amor profundo, desconforto, injustiça, lamento, excesso de responsabilidade, etc. [...] Deve-se levar em conta que a criança exige mais tempo e atenção dos pais, limitando outras atividades, o que pode causar sentimentos de raiva e inveja nos outros membros da família. (GÓMEZ E TERÁN, 2014, p.530 - 531). 22 Para Gómez e Terán (2014), uma importante fonte de tensão é criada quando os pais estão procurando uma escola que esteja adequada às necessidades da criança. A tensão é agravada devido à falta de serviços e a dúvida de estar dando a seu filho o melhor cuidado possível. Além disso, é necessário alterar os horários de toda a família, para ter tempo de cuidar da criança com autismo e é preciso estabelecer uma rotina para executar suas atividades. Conforme Felicio (2007), para se educar um autista é preciso também promover sua integração social. A escola é o primeiro passo para que aconteça esta integração, sendo possível por meio dela a aquisição de conceitos importantes para o curso da vida. É a escola que deve conduzir o desenvolvimento intelectual e afetivo dessas crianças autistas por meio de uma interação entre os ambientes que ela faz parte, mostrando e ajudando a conhecer a realidade existente na sociedade e proporcionando um saber da humanidade e das relações que a cercam. Desta forma, os autistas requerem ambientes educacionais estruturados e adequados às suas necessidades. A família, após passar por toda a adaptação necessária para melhor cuidar desta criança e defrontar-se com a necessidade de incluí-la no meio escolar e social, depara-se com um novo sentimento, segundo Gómez e Terán (2014): o medo. Este medo assume diversas formas: dos professores não estarem capacitados, ou até mesmo de não cuidar da criança como a família cuida; do número de alunos em sala inviabilizar a atenção à criança com TEA entre outras. No entanto, é indiscutível a importância de incluir a criança no meio, admitindo-se que este processo é facilitado na presença de educadores capacitados. Ainda segundo Gómez e Terán (2014), ter uma criança com transtorno de espectro autista na família é sentir-se pertencente de uma família diferente, por ter limitações e cuidados especiais com um membro da família, e isso dificulta o compartilhamento de atividades com os demais. São vários os sentimentos dos pais de uma criança com transtorno espectro autista, desde a sensação solidão, sobrecarga, ao sentimento de incapacidade de se relacionar com os pais de filhos sem o transtorno. Portanto, há grande importância no compartilhamento de vivências com as demais famílias e principalmente com as famílias que possuem 23 características de semelhantes, a fim de sentirem-se mais integrados na sociedade. 1.3 Da exclusão a inclusão social da criança com TEA Segundo Santomé (2003), na antiguidade os deficientes já sofriam exclusão, sendo mortos por serem considerados inválidos e incapazes. Com o passar do tempo, a religião os visou com pessoas que precisavam de cuidados, e quem cuidava visava um meio de alcançar o clamor divino. Grandin e Scariano (1999) informam que o autista não é considerado uma pessoa com deficiência, mas um indivíduo com transtornos globais do desenvolvimento, ou seja, com distúrbios nas interações sociais recíprocas que costumam manifestarem-se nos primeiros cinco anos de vida. Caracterizam-se pelos padrões de comunicação estereotipados e repetitivos, assim como pelo estreitamentonos interesses e nas atividades. Baseado nos aspectos sintomáticos da síndrome, Johson (1998) diz que a pessoa autista é excluída do direito à vida junto com outras pessoas que não tem autismo e uma das tendências características do autismo é o isolamento. Por conseguinte, uma das responsabilidades do educador é intervir na vida humana por meio da reflexão e da ação reflexiva, gerando estratégias para o bem comum do educando. Orrú (2003) destaca que para transformar a condição do autista de excluído em seu mundo para incluído no mundo social, é necessário perceber que esta relação é uma via de mão dupla, na qual dentre as muitas coisas precisam ter significado para o autista, muitas outras precisam ser apropriadas e compreendidas por nós, abrindo espaço para uma nova concepção. Segundo Nóvoa (1995), a chance de recolher o aluno autista do isolamento em que vive depende da relação do educador com o mesmo. Portanto, é importante que o educador contenha uma revelação e expressão relevantes, de modo que o cative. Para Gaspar (1998), pessoas com autismo manifestam dificuldades para manter relações. O termo relações abrange desde um determinado indivíduo, até determinados momentos ou situações. Isto não quer dizer, porém, que não 24 seja possível ao educador fazer alterações em seu planejamento que produzam melhor resultado. Macedo (2002) cria uma metáfora para explicar a lógica da exclusão, que segundo ele apoia-se na lógica das classes. Classificar é uma forma de conhecimento que nos possibilita definir a extensão dos termos que, por possuírem um critério comum, são equivalentes entre si, quanto a esse critério. Ou seja, classificar é uma forma de conhecimento pela qual reunimos, abstraindo as semelhanças, todos os termos que satisfazem a um critério comum, tornando-os, por isso, equivalentes entre si com relação a esse critério. [...] Classificar é, portanto, uma forma de organização ou de raciocínio que coloca os iguais, os que respondem ao mesmo critério, em um mesmo lugar, em uma mesma caixa. Iguais, significa, aqui, que os elementos por terem sido reunidos e por se enquadrarem no mesmo critério, não guardam diferenças e por isso são equivalentes entre si, isto é, substituem-se uns aos outros. “Caixa” é uma metáfora da pertinência, pois os objetos, distantes ou inexistentes, podem estar dentro de uma caixa (a criança “normal”, que ainda não nasceu já pertence à caixa dos normais). Fora da “caixa” ficam os que não se ajustam ao critério. (MACEDO, 2002) Nessa lógica há apenas duas opções: “dentro”, incluído ou “fora”, sem critério e, portanto, excluído. E é neste segundo grupo que estão as pessoas com deficiência de qualquer tipo e foi essa a lógica seguida pelos setores educacionais, dividindo os alunos entre desejáveis e indesejáveis. Assim, ainda de acordo com Macedo (2002), os primeiros estavam na classe privilegiada que receberia o melhor investimento. Aos segundos caberia ser depositado em algum local em que não seria mais possível determinar se os resultados nefastos no desenvolvimento são frutos da deficiência em si ou da destruição daquele potencial que poderia ter sido aproveitado e desenvolvido. Além disso, prossegue Macedo (2002), a classe social a que se pertence tem determinado a organização familiar e escolar há séculos. Assim a educação inclusiva torna-se um desafio, tendo em vista que ela consiste em romper não apenas com os preconceitos e medos do outro desconhecido, mas também com a própria lógica da sociedade atual. Como destaca Mena (2000, p.32): A negação da diferença pode ser entendida como uma estratégia utilizada para a manutenção do equilíbrio intrapsíquico, através da eliminação da fonte de insegurança, perigo, tensão ou ansiedade. [...] Algumas vezes, esse estranhamento pode causar uma ameaça ao bem estar psíquico e social, pela ameaça de mudança que acarreta 25 [...] mudança das leis que controlam e regem as sociedades, dos padrões culturais, dos paradigmas. 1.3.1 A Educação Especial O termo Educação Especial, segundo Bueno (1993) define, por um lado, práticas educativas voltadas para as crianças e adolescentes que precisam de atendimento, metodologia, atenção e instrumentos específicos por possuírem alguma deficiência (auditiva, física, mental, visual ou transtorno mental). Atualmente esta modalidade educacional é percebida de duas formas, segundo Mena (2000): por um lado, é uma conquista da sociedade, sobretudo os familiares de crianças e adolescentes com deficiência, pois contemplaria aqueles que não conseguem usufruir dos processos regulares de ensino. Por outro lado, também pode ser entendido como uma prática segregacionista de legitimação da discriminação e proteção ao despreparo das instituições de ensino, pela maneira como se desenvolveu ao longo dos anos. Ainda segundo este autor, apesar da utilização de instrumentos cientificamente validados (avaliações psicodiagnósticas), feitas pelos profissionais qualificados (psicólogos), para encaminhar a criança para uma ou outra classe, algumas vezes a avaliação pode ser usada para validar e legitimar esta discriminação. Portanto, “a educação especial tem cumprido esse duplo papel na sociedade: de democratização do ensino, e de legitimação da ação seletiva da escola regular” (BUENO, 1993, p.57 apud MENA, 2000, p.33). Groisman, Lobo e Cavour (1996) dizem que a exclusão de crianças autistas no meio social é algo bastante visto e discutido pela sociedade, que muitas vezes tratam do assunto procurando meios de mudar esta situação, mas não colocam em prática as melhoras. As famílias sofrem com esse desprezo, e de forma isolada procuram meios alternativos para ajudarem seus filhos, como por exemplo, a AMA, que ajudam na socialização escolar e também em terapia. Segundo a UNICEF (2004), o Estado deve prestar atendimento às pessoas com deficiência, promovendo inclusão e cidadania. No entanto, frequentemente observa-se que essa parte da população é tratada como incapaz, não produtiva, um fardo para os cofres públicos e para a própria família. A família, por sua vez, além de lidar com os temores e preconceitos já 26 citados neste trabalho, tem que ocupar-se dos custos de tratamentos não cobertos pela rede pública, com a dificuldade de vagas, com a necessidade de reorganização do cotidiano que repetidamente onera um cuidador mais penosamente e a constante preocupação pelo futuro da criança ou adolescente. A intervenção precoce com crianças autistas, ou seja, aquela que é realizada antes dos cinco anos de idade, é algo de fundamental importância segundo Mantoan (2001) e que pode trazer muitos benefícios para a melhora no autismo. É um atendimento intensivo com procedimentos pedagógicos e tem como objetivo levar a criança a um desenvolvimento mais normal possível. Segundo Buscaglia (1993), a família tem dificuldades de entender o que se passa com a criança antes de ser diagnosticada e relata que ela era normal. Mesmos os médicos tem dificuldades para fazer um diagnóstico preciso antes dos três anos de idade, não estando preparados para diferenciar comportamentos anormais, já que o bebê apresenta até esse período uma linguagem comum com outros bebês, com balbucios e repetições, e por isso há a imprecisão em não saber se é autista ou não. Ao propor a inclusão de um deficiente em sala de aula, Krynski e col.(1985) dizem que se deve visar e respeitar suas características, bem como seu comportamento, e dessa forma evitar que os pais se iludam com uma cura milagrosa, mostrando a eles a realidade de forma real. De acordo com Sassaki (1997, p.), educação inclusiva significa: Provisão de oportunidades equitativas a todos os estudantes, incluindo aqueles com deficiências severas, para que eles recebam serviços educacionais eficazes, com os necessários serviços suplementares de auxíliose apoios, em classes adequadas à idade em escolas da vizinhança, a fim de prepará-los para uma vida produtiva como membros plenos da sociedade. Não há como afirmar se uma criança autista tem ou não a capacidade de frequentar um ensino regular, dizem Grandin e Scariano (1999), porém o importante é que os professores entendam que existe diferença entre o autista e qualquer outra criança, no ritmo de atividades, de comportamento. E os profissionais devem se ajustar as necessidades dos alunos. 27 Freire (2005), diz que para que a escola promova uma interação necessária, é fundamental que os profissionais nela inseridos tenham uma formação especializada para que possam conhecer as características e as possibilidades de atuação destas crianças e este processo de formação deveria estar inserido principalmente nos professores de ensino fundamental. A grande maioria dos acadêmicos é contra a inserção de deficientes em classes comuns, pois segundo Secadas (2007), atrapalha o desenvolvimento das atividades pedagógicas. Sendo assim, os profissionais pedagógicos precisam ser preparados adequadamente para receber autistas em sala de aula, e darem a eles o suporte necessário para seu desenvolvimento. A inclusão para Pessotti (1984) é uma prática de direito de todos, já a exclusão é um ato de descontentamento e discriminação social, onde incluir é praticar uma mudança transformando a construção do conhecimento. Com a falta de educadores especializados para desenvolver uma educação pedagógica de qualidade, segundo Ribeiro (2003), o Estado brasileiro apenas coloca na mesma sala crianças com deficiência e sem, chamando a isso de inclusão, que não provê educação de qualidade a nenhum dos dois grupos. Descumpre assim a própria legislação sobre o tema, na forma da Lei nº 12.764/2012, a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Esta lei prevê atendimento educacional especializado, formação de professores e demais profissionais da educação, participação da família e comunidade e acessibilidade. Além disso, solicita a “mediação pedagógica nos processos de aquisição de competências, por meio da antecipação da organização das atividades de recreação, alimentação e outras, inerentes ao cotidiano escolar” (BRASIL, 2013). A escola que pretende mudar, para Ribeiro (2003), deve perceber que incluir o autista, tem fundamental importância no papel de cidadania, para educar, ensinar a conviver em grupo, ter respeito e solidariedade com o próximo. Dessa forma, os programas para educandos autistas tem sido mais desenvolvidos, de modo que possam contribuir para uma sociedade que possa ser transformada através do respeito às diversidades e que garante uma igualdade a todos. Segundo Bueno (1993), a educação é de fundamental importância para o desenvolvimento de todos e, inclusa nela, estão as atividades educativas que 28 proporcionam um melhor desenvolvimento nas habilidades e competências, onde garantem um equilíbrio pessoal, estabelecem relações e bem estar. O objetivo da educação inclusiva, segundo Mazzota (1996) é para que os alunos desenvolvam suas capacidades, a fim de exercerem sua cidadania de forma ampla. As escolas são vistas como pequenos sistemas de sociedade, onde desde a mais tenra idade as crianças já iniciam o desenvolvimento social, transmitindo valores e práticas culturais que podem ser usados por toda vida. Nogueira (2001) critica, no entanto, a dificuldade em transformar em prática a teoria de que a educação inclusiva colaboraria com criações de paradigmas, modelos e estereótipos para serem seguidos pela sociedade para que se possa oferecer uma maior acessibilidade. Segundo Suplino (2007), comparado com a falta de inclusão que havia no passado, houve um pequeno avanço em relação ao acesso escolar das crianças com autismo, porém ainda é insuficiente. A exclusão social do autista gera preconcepções a respeito das coisas que ele não consegue fazer, cita Orrú (2003). Falta um trabalho multidisciplinar onde a pessoa com autismo seja vista como um ser bio-psico-social-cultural, e não definido por suas incapacidades ou inabilidades. As habilidades apresentadas devem ser consideradas para o planejamento de estratégias interventivas para o aumento destas habilidades e superação dos déficits. 29 CAPÍTULO II INCLUSÃO ESCOLAR: ASPECTOS HISTÓRICOS E A INCLUSÃO DA CRIANÇA COM TRANSTORNO ESPECTRO AUSTISTA 1 DECLARAÇÃO DE SALAMANCA Em Salamanca, Espanha, entre sete e dez de junho de mil novecentos em noventa e quatro, reuniram-se os delegados da Conferência Mundial de Educação Especial, representando oitenta e oito governos e vinte e cinco organizações internacionais. Eles reafirmaram o compromisso de “Educação para Todos”, reconhecendo a necessidade e urgência de providenciar educação para crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais dentro sistema regular de ensino (UNESCO, 1994 apud SANTOS, 2000). A Declaração de Salamanca acredita e proclama que, toda criança tem direito fundamental a educação, e a ela deve ser dada a oportunidade de atingir e manter o nível adequado de educação; toda criança possui interesses, características, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas; sistemas educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais características e necessidades; [...] escolas regulares que possuam orientação inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criando-se comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando educação para todos. [...] Congrega todos os governos e demanda que eles atribuam a mais alta prioridade política ao aprimoramento de seus sistemas educacionais no sentido de se tornarem aptos a incluírem todas as crianças, independentemente de suas diferenças ou dificuldades individuais (UNESCO, 1994 apud BARETTA e CANAN, 2012, p. 20-30). A Declaração afirma ainda a importância do protagonismo, no qual qualquer pessoa com deficiência tem o direito de expressar seus desejos com relação a sua educação e, no caso da impossibilidade desta expressão pela idade ou limitação da deficiência, seus pais ou responsáveis possuem o direito de serem consultados sobre a forma de educação mais apropriada às 30 necessidades, circunstâncias e aspirações de seus filhos.(UNESCO, 1994 apud SANTOS, 2000). Prossegue incitando a escola a ter uma estrutura acolhedora, que acomode todas as crianças, independente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas entre outras. Deveriam incluir crianças com deficiência ou com altas habilidades, crianças moradoras de rua e que trabalham, de origem remota ou de população nômade, pertencentes a minoria linguística, étnicas ou culturais ou de grupos marginalizados. Escolas devem buscar formas de educar tais crianças de forma que sejam bem- sucedidas, incluindo as que possuem desvantagens severas como os autistas. A pedagogia deveria ser centrada na criança. Santos (2000) afirma que a educação especial na maioria dos países segue um padrão: inicia-se com a exclusão e segregação, não raro com abandono e extermínio do “diferente”. O olhar então se modifica e começa-se a perceber algumas capacidades, ainda que limitadas. E por fim, há o reconhecimento dos valores humanos e, portanto, o reconhecimento de direitos. Mesmo assim, prossegue Santos (2000), a partir do momento em que se tenta integrar alguns indivíduos, de forma superficial, predomina o olhar de tutela, em que não é permitido à pessoa com deficiência ter voz sobre seus desejos e necessidades. É a proteção, que configura alienação, daqueles que não se considera capazes de exercerem cidadania. A históriada educação especial, segundo Santos (2000), tem atraso em relação ao desenvolvimento da história geral na maioria dos países. Os direitos da pessoa com deficiência e a garantia de seu acesso a eles é a última coisa a ser garantida na história social. Na era atual esta luta só começou na década de 1960, juntamente com o fortalecimento das lutas pelos direitos das minorias (étnicas, sexuais e religiosas). Esse processo reflete-se nos sistemas educacionais e na educação especial. A aquisição de direitos é um caminho sem volta. A segregação e exclusão não serão mais aceitas. Assim, cabe aos sistemas educacionais a necessidade de planejamento de programas educacionais flexíveis que possam abranger o mais variado tipo de alunos, com garantia da qualidade do 31 ensino e da aprendizagem, começando pela aceitação da educação especial como parte da Educação (SANTOS, 2000). O princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças deveriam aprender juntas, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam ter. As escolas inclusivas devem reconhecer e responder às diversas necessidades de seus alunos, acomodando tanto estilos como ritmos diferentes de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos através de currículo apropriado, modificações organizacionais, estratégias de ensino, uso de recursos e parcerias com a comunidade [...] Dentro das escolas inclusivas, as crianças com necessidades educacionais especiais deveriam receber qualquer apoio extra que possam precisar, para que se lhes assegure uma educação efetiva [...] (UNESCO, p. 61) Segundo Jones (1983) e Hadley & Wilkinson (1995), essa exigência implica na necessidade de reformulação de políticas e implementação de projetos educacionais do sentido excludente ao sentido inclusivo. Eles ainda apontam que embora em curto prazo isto demande maior custo, este será compensado ao longo do tempo com os ganhos advindos de uma sociedade inclusiva. Lamentavelmente, essa necessidade de investimento muitas vezes acabam impedindo a implementação de programas educacionais inclusivos ou justificam a manutenção da educação especial como um sistema paralelo, reforçando a exclusão. 1.1 O Brasil no processo de inclusão A Declaração de Salamanca impulsionou a Educação Especial no Brasil. Para Pinho (2003), um novo conceito de educação se faz por vontade pública: para que aconteçam mudanças dentro da escola é necessário que todos se percebam como gestores e técnicos da educação inclusiva, para que aconteça o exercício social e profissional. No entanto, embora a legislação seja conhecida pelas escolas, há dificuldades de sua plena implementação pela falta do suporte previsto, como equipe de retaguarda, capacitação de profissionais, adaptações arquitetônicas e curriculares entre outras coisas. Assim, a inclusão resume-se constantemente à garantia de matrícula. (Pinho,2003). 32 Segundo Affonso (1998), o Brasil vem sofrendo grandes mudanças nos últimos anos no processo de inclusão na educação, no trabalho e na vida social das pessoas com deficiência. Mas este processo é heterogêneo, devido às diversas realidades socioeconômicas presentes neste país de grande extensão territorial e inadequada distribuição de renda. Sassaki (1997) diz que o Ministério da Educação e das Secretarias Estaduais de Educação, vem incentivando mudanças ao estimular os professores a repensarem suas funções de educadores, de forma que aceitem em suas salas de aula não apenas os alunos com deficiência, mas também aqueles de realidades diversas como moradores de rua, favelas, da população em trânsito e outras preconizadas na Declaração de Salamanca, buscando fazer jus ao lema “educação para todos”. Para Dias (2013) a compreensão da educação como um direito de todos é uma mudança produzida pelos movimentos sociais e de direitos humanos, que fomentaram a necessidade de lidarmos com a diversidade, através da construção de espaços sociais menos excludentes. Caniza de Páez (2001) diz que para um bom convívio entre os homens, estes tendem a reforçar a discriminação e a criar territórios que classificam e hierarquizam os cidadãos justamente pelas suas diferenças. Assim, as pessoas com deficiência, autistas, com síndromes, são identificadas em função de um conjunto de igualdade que acabam por definir seu lugar na sociedade: lugar de exclusão. A escola não se constitui de modo diferente. Para Dias (2013),a escola sofre pressões para lidar com a diversidade de um público cheio de especificidades que se mão forem acolhidas e atendidas não conseguirão tornar a escola um espaço de inclusão e dar sua contribuição para uma sociedade mais justa. A inclusão de fato só ocorrerá, para Pinho (2003), com uma política inclusiva efetiva e duradoura, que incida sobre relações através das instituições que já as praticam. Sobre o trabalho do professor, segundo Kupfer (2005) e Jerusalinsky (1996),frequentemente recai o fracasso ou sucesso na inclusão, como um fardo. No entanto há outros fatores envolvidos, como o interesse do aluno na aprendizagem e a preparação adequada de todo profissional da educação, 33 além de ambientes adequados, que são fatores essenciais na promoção do progresso em direção as escolas inclusivas. Montoya (1996) diz que o amplo leque de realidades socioculturais existentes no Brasil, é uma das grandes dificuldades na formação de educadores para trabalharem com necessidades educacionais especiais. Por isso o material proposto para a formação tem oferecido uma linguagem ampla para que seja acessível a todos, mas isto o distancia da realidade problemática. Inclusão foi usualmente referida considerando as dimensões pedagógica e educacional, sendo campos importantes quando se quer a efetivação desses ideais. Todavia, segundo Foucault (1987),as instituições educacionais são organizadas para estabelecer modelos de relações. Nesta proposta, ela é organizada para selecionar e capacitar os mais aptos a uma conduta social do sistema em voga no momento, não para ser inclusiva. E esta seria a grande barreira quando se solicita ao Estado que organize uma política pública que se empenhe a garantir acesso a quem lhe é por direito. Esta teoria complementa-se com a de Ramey; Yeates& Short (1984), em que a uma educação é voltada à “normalidade”, contrapondo-se a ideia de inclusão. Agrava-se esta situação o fato da escola inclusiva necessitar estar inserida em uma rede, com o processo de inclusão sendo compartilhado com vários seguimentos sociais, não ficando apenas em encargo da escola, ou do professor. Educação inclusiva requer participação da família e adaptação do espaço. As adaptações se referem a um contexto e não me refiro à criança, mas ao particular ponto de encontro que ocorre dentro da aula em que convergem a criança, sua história, o professor, sua experiência, a instituição escolar com suas regras, o plano curricular, as regulamentações estaduais, as expectativas dos pais, entre outros. (FILIDORO, 2001, p.112) Quanto à rede, Caniza de Páez (2001) observa que o tipo de relação atualmente percebida nas áreas de saúde e educação relacionadas ao processo de inclusão educacional aponta para um caminho diferente da interdisciplinaridade, pois escola e saúde se excluem entre si tanto nas políticas quanto em seus saberes. 34 Ademais, a família do aluno com necessidades especiais, segundo Affonso (1988), é vista com um obstáculo ao invés de aliada, perdendo o potencial de troca de conhecimento que beneficiaria os dois lados e, consequentemente, o desenvolvimento da criança. Há que se ter em mente que, conforme já explicitado no capítulo anterior, se a família é a primeira socialização, a escola é vista como o segundo lugar de socialização da criança, tendo um papel fundamental no processo de desenvolvimento.Por fim, Pinho (2003) rememora que a inclusão educacional é um processo complexo, que tem diversos ângulos, e que deve haver disposição para transformar e reformular as propostas para que se adequem a cada situação. 1.2 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Com a aprovação da Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), o dia 20/12/96 assinala um momento de transição para a educação brasileira. A Educação Especial recebeu destaque maior nesta LDB do que nas leis anteriores, não só em razão dos impactos das ideias que apareceram por todo o mundo – como na Conferência de Salamanca (Espanha) em 1994 – mas também em razão de movimentos que despontavam no Brasil, em decorrência das expressões da democracia e dos direitos do cidadão. Brandão (2007) observa que o Capítulo V da LDB, que trata da questão da Educação Especial, possui apenas três artigos. Porém, se forem cumpridas todas as disposições neles contidas, o Brasil será considerado uma referência mundial nesse assunto. 1.2.1 Educação Especial Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. §1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender as peculiaridades da clientela de educação especial. 35 §2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições especificas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns do ensino regular. §3º A oferta da educação especial, dever constitucional do Estado, tem início na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil. Art. 59 . Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais: I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender as suas necessidades. II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão de ensino fundamental, em virtude de suas deficiências, e acelera para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados; III – professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns; IV – educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora; V – acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular. (BRASIL, 1997) Também define, dentre as normas para a organização da educação básica, a “possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado” (art. 24, inciso V) e oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos e exames” (art. 37) (BRASIL, 1997). Em seu trecho mais controverso (art. 58 e seguintes), diz que “o atendimento educacional especializado será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns do ensino regular” (BRASIL, 1997). Inserir o autista na escola é assim proporcionar que este aluno possa frequentar a sala de aula e participar de todas as atividades escolares. Além disso, as outras crianças da turma aprendem a lidar com as diferenças e tornam-se adultos com menos preconceitos. Vale ressaltar que é o direito à educação e saúde é assegurado pela Constituição (BRASIL, 1988). 36 A inclusão para acontecer depende também que a família faça uma parceria com a escola e professor, informando formas de manejo da criança ou adolescente, necessidades e histórico médico (quando for o caso). Esta escola por sua vez, deve contar com os métodos adequados para ajudar o autista a lidar com suas limitações. Destaca-se que a ausência de recursos financeiros também inviabiliza a aquisição e capacitação dos métodos especializados de ensino. Por meio desses métodos é possível reduzir a incidência de comportamentos inadequados e ajudar o autista na rotina do seu dia a dia e na interação interpessoal. Entretanto são métodos que, embora possam ter seus materiais adaptados para tecnologia de baixo custo, exigem a qualificação profissional dos educadores, o que se torna uma barreira à sua aplicação. As escolas devem acolher todas as crianças com programas pedagógicos que contribuam para as necessidades da criança, independente de sua condição física, intelectual e emocional. Segundo Brandão (2007), embora no Brasil a inclusão escolar tenha se legitimado através de leis e decretos que asseguram o direito das crianças à escola, a proposta e cumprimento da lei não garantem que essas crianças, e também os seus professores, estejam realmente usufruindo dos seus direitos enquanto cidadãos. Cunha (2012) traz ainda a pertinente discussão sobre de que forma ocorrerá a inclusão nas escolas que apresentem condições mínimas para tal: somente em classes comuns? Somente em classes especiais? Ou em classes especiais e comuns? Jerusalinsky (2004) salienta que o fato de crianças autistas estarem na escola já é terapêutico, pois a escola é um lugar de circulação do conhecimento e aceito socialmente como um lugar que a criança deve frequentar. Sob a mesma ótica, Kupfer (2005) ressalta que independente das crianças estarem em classes regulares ou especiais, a escolarização exerce um papel fundamental de transmissora da cultura e organizadora de comportamentos socialmente aceitos. Portanto, a educação terapêutica auxilia neste processo de adequação dos comportamentos. 37 No texto das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001) encontra-se o conceito do serviço de apoio à inclusão, pelo qual deve ser desenvolvido o atendimento educacional especializado (AEE) na escola, envolvendo-se professores com diferentes funções e recursos. Destacam-se: Salas de Recursos: serviço de natureza pedagógica, conduzido por professor especializado, que suplementa (no caso dos superdotados) e complementa (para os demais alunos) o atendimento educacional realizado em classes comuns [...]. Esse serviço realiza-se em escolas, em local dotado de equipamentos e recursos pedagógicos adequados às necessidades educacionais especiais dos alunos, podendo estender-se a alunos de escolas próximas, nas quais ainda não exista esse atendimento. Pode ser realizado individualmente ou em pequenos grupos, para alunos que apresentem necessidades educacionais especiais semelhantes, em horário diferente daquele em que frequentam a classe comum (BRASIL, 2001, p.50). 1.3 A inclusão da criança com TEA e suas dificuldades Para o DSM-V, no TEA os déficits sociais e de comunicação são: a) Problemas de interação social ou emocional alternativo – Isso pode incluir a dificuldade de estabelecer ou manter o vai e vem de conversas e interações, a incapacidade de iniciar uma interação e problemas com a atenção compartilhada ou partilha de emoções e interesses com os outros. b) Graves problemas para manter relações – Isso pode envolver uma completa falta de interesse em outras pessoas, as dificuldades de jogar fingir e se engajar em atividades sociais apropriadas à idade e problemas de adaptação a diferentes expectativas sociais. c) Problemasde comunicação não verbal – o que pode incluir o contato anormal dos olhos, postura, expressões faciais, tom de voz e gestos, bem como a incapacidade de entender esses sinais não verbais de outras pessoas. Comportamentos repetitivos e restritivos são: a) Apego extremo a rotinas e padrões e resistência a mudanças nas rotinas b) Fala ou movimentos repetitivos c) Interesses intensos e restritivos d) Dificuldade em integrar informação sensorial ou forte procura ou evitar comportamentos de estímulos sensoriais. (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014) A inclusão da criança com TEA tem sido discutida na sociedade. Atualmente, esta criança começa a ser vista como um indivíduo com potencialidades a serem desenvolvidas. Torna-se necessário, portanto, ampliar 38 os estudos disponíveis sobre o tema e garantir aos professores no âmbito escolar o acesso a essas informações. Nesse panorama, considera-se a escola como uma oportunidade para todos construírem um repertório de ações inclusivas para o aluno com autismo. Não se pode estipular tarefas isoladas ou exigir rigor para que seja cumprida, mas trata-se de uma concepção de aprendizagem que inclui desafios e superação, com a intenção de propiciar a autonomia (CUNHA, 2012). Segundo Piaget (1990), autonomia refere-se ao desenvolvimento do juízo moral da criança, no qual aponta três estágios: anomia, onde a criança não segue regras coletivas e, por imitação ou por contato verbal, começa a jogar com as regras recebidas do exterior (segundo estágio). E no terceiro estágio, a autonomia, quando as regras não se apresentam mais como uma lei exterior imposta pelos adultos, mas como resultado de uma livre decisão. Ao descrever esses estágios, Piaget os relaciona com idades diferentes e de acordo com o desenvolvimento de cada indivíduo. Assim, simplesmente vivendo, a criança aprende. Uma criança incluída na escola, que não apresenta nenhum tipo de transtorno global, aprende por meio de brincadeiras, ambiente familiar, com os pais, amigos, professores. Consegue fazer vínculos e interagir em grupo, adquirindo habilidades motoras e cognitivas facilmente. Segundo Montessori (1949), a criança cria a própria „‟carne mental‟‟, usando as coisas que estão no seu ambiente. Ela chama a mente da criança de “mente absorvente”. Já a criança com TEA tem uma relação diferente entre o cérebro e os sentidos. Assim, as informações às vezes não se transformam em conhecimento. As escolas não estão preparadas para receber esses alunos com necessidades especiais, pois falta uma reformulação de critérios para avaliação e uma equipe bem treinada, de forma que possa ser desempenhado um bom trabalho com esses alunos (CUNHA, 2012). Quanto maiores às dificuldades mais obstáculos surgem, o que resulta na baixa frequência desses alunos na escola. Vale ressaltar que nem sempre essas dificuldades são devidas às limitações impostas pela deficiência, mas sim com a má estruturação dos serviços e o preconceito do ambiente familiar. 39 Camargo e Bosa (2009) afirmam que existem poucas crianças autistas incluídas, se comparadas àquelas com outras deficiências. Isso ocorre devido à falta de preparo das escolas e professores para atender à demanda da inclusão. Ainda segundo as autoras: O autismo é classificado como um transtorno global do desenvolvimento, tendo como característica principal o desenvolvimento acentuadamente atípico na interação social e na comunicação e pela presença de um repertório marcadamente restrito de atividades e interesses. Proporcionar às crianças com autismo oportunidades de conviver com outras da mesma faixa etária possibilita o estímulo às suas capacidades interativas, impedindo o isolamento contínuo (CAMARGO e BOSA, 2009, p. 65-74) Discussão também presente em Silva (2012, p.109), pontua que para crianças com autismo clássico, isto é, aquelas crianças que tem maiores dificuldades de socialização, comprometimento na linguagem e comportamentos repetitivos, fica clara a necessidade de atenção individualizada, pois muitas vezes elas apresentam déficit intelectual e, com isso, não conseguem acompanhar a demanda pedagógica como as outras crianças. Para essas crianças serão necessários acompanhamentos educacionais especializados. Segundo Cunha (2012), diante dos empecilhos gerados pelo preconceito e descaso, os pais das crianças e adultos com algum tipo de deficiência cada vez mais organizam-se em grupos, formando associações, para delinearem políticas de atenção a essas pessoas e levarem suas reivindicações até o poder público. Portanto, muito há a ser feito para que o autista possa ter seus direitos respeitados. A necessidade de integrar as disciplinas escolares e de contextualizar os conteúdos tornou-se consenso entre docentes e pesquisadores em educação. O termo interdisciplinaridade esta cada vez mais presente nos documentos oficiais e no vocabulário de professoras, professores e administradores escolares. Contudo, a construção de um trabalho genuinamente interdisciplinar na escola ainda encontra muitas dificuldades. 40 Segundo Santomé (1998), as práticas interdisciplinares na escola exigem do professor uma postura diferenciada: Planejar, desenvolver e fazer um acompanhamento contínuo da unidade didática pressupõe uma figura docente reflexiva, com uma bagagem cultural e pedagógica importante para poder organizar um ambiente e um clima de aprendizagens coerentes com a filosofia subjacente a este tipo de proposta curricular (p. 253). As polêmicas giram em torno da Lei nº 12.764, sancionada pela presidente Dilma Rousseff, que instituiu a “Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista”. Tal medida faz com que os autistas passem a ser considerados oficialmente pessoas com deficiência, portanto, tendo direito a todos as políticas de inclusão do país, entre elas as de Educação Especial (BRASIL, 2012) No entanto, mais do que leis, é preciso mudar a cultura da escola. Leis não serão cumpridas se não existirem ações voltadas à capacitação do professor e mudança do paradigma da educação, como apontam a unanimidade dos autores consultados. A inclusão não deve ser apenas um desafio do professor, mas sim de toda a escola e da rede de ensino. O espectro autista, apesar de amplo, tem algumas características comuns: o aluno processa as informações de maneira diferente, tem resistências às mudanças e alterações no processamento sensorial. Cada uma dessas dificuldades do aluno autista exige adaptação na rotina. É preciso então criar uma rede de apoio ao professor. Que o profissional do Atendimento Educacional Especializado (AEE) e o coordenador pedagógico atuem em conjunto. Também se mobiliza diretores, funcionários, pais e alunos, de modo a envolvê-los em projetos de escola inclusiva, na qual as diferenças são respeitadas e utilizadas em prol da aprendizagem. Na visão de Polity (2001), a família e a escola são corresponsáveis tanto pelos recursos que serão utilizados quanto pelos impasses que surgirem ao longo do caminho. Trata-se da construção de uma experiência compartilhada, na busca de alternativas de intervenção. Para ela, as teorias organicistas, baseadas na neuropsicologia, admitem que os distúrbios, mesmo brandos, podem se tornar muito piores em um ambiente cheio de ruídos ou em uma 41 família ruidosa. É importante lembrar a sensibilidade do autista a ambientes com essas características, que podem causar-lhe fobias, ansiedades e reações estereotipadas em decorrência da ansiedade. As crianças precisam de cuidados constantes e isso requer considerável paciência e habilidade por parte dos pais para garantir que os irmãos e irmãs normais também recebam a sua parcela da atenção. (GAUDERER, 1993, p. 126). A Educação tem um papel importantíssimo no desenvolvimento de qualquer criança. Como
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