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CLAUDIA REGINA LEMES FORMAÇÃO CULTURAL E O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA MOGI DAS CRUZES 2009 CLAUDIA REGINA LEMES FORMAÇÃO CULTURAL E O FENÔMENO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Semiótica, Tecnologias de Informação e Educação, da Universidade Braz Cubas, para obtenção do título de mestre em Semiótica, Tecnologias de Informação e Educação. Área de concentração: Formação do sujeito e linguagem Orientadora: Profa. Dra. Rosemary Roggero MOGI DAS CRUZES 2009 AUTORIZO REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE. LEMES, Claudia Regina. Formação cultural e o fenômeno da violência doméstica contra a criança./ Claudia Regina Lemes; orientadora Profa. Dra. Rosemary Roggero; Mogi das Cruzes, 2009 176 f. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Semiótica, Tecnologias de Informação e Educação. Área de concentração: Formação do Sujeito e Linguagem – Universidade Braz Cubas 1. Formação do Sujeito. 2. Cultura. 3. Violência Doméstica Contra a Criança. 4. História de Vida. FORMAÇÃO CULTURAL E O FENÔMENDO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA Claudia Regina Lemes BANCA EXAMINADORA: Profa. Dra. Rosemary Roggero (orientadora) Instituição: Universidade Braz Cubas Assinatura ____________________________________ Profa. Dra Ivanise Monfredini Instituição Universidade Nove de Julho- Uninove - Assinatura_________________________ Profa. Dra. Ana Zahira Bassit Instituição Universidade Braz Cubas - Assinatura ___________________________________ Trabalho apresentado e aprovado em ______ de _________________ de _______ Dedico este trabalho ao Marcelo, meu marido; aos meus filhos, Leandra, Gabriel, Vinícius e Mariana; aos meus pais, Neuza e Américo; aos meus irmãos, Denise, Luciana e Américo Wagner; e, especialmente, às duas preciosidades da minha vida, Felipe e Rafael, meus netos. AGRADECIMENTOS Agradeço às professoras que foram colaboradoras desta pesquisa, doando suas histórias de vida. Agradeço à Rosemary Roggero, minha querida professora e orientadora. Há um passado no meu presente, um sol bem quente lá no meu quintal... (Milton Nascimento e Fernando Brant) LEMES, Claudia R. Formação cultural e o fenômeno da violência doméstica contra a criança. 2009. 176 f. Dissertação (Mestrado em Semiótica e Tecnologias da Informação e Educação) – Universidade Braz Cubas, Mogi das Cruzes, SP, 2009. RESUMO Esta pesquisa teve como problema: Por que acontece a violência contra a criança na família? Alicerçou-se na hipótese da cultura como fator determinante da existência desse tipo de violência, no âmbito da sociedade. Com o objetivo de entender a lógica que está por trás da violência doméstica contra a criança, a pesquisa empírica foi realizada com a utilização da metodologia de história oral de vida temática de três professoras do ensino fundamental I, que narraram suas histórias destacando como foram tocadas pelo fenômeno em questão. Com base nos conceitos da teoria crítica da sociedade para análise das narrativas, teve-se acesso à cultura, aos preconceitos de classe, à crise da família e instituições, às adaptações ao mundo organizado e, por fim, à identidade do sujeito aprisionado nas malhas da cultura afirmativa. As narrativas das professoras trouxeram elementos que, apesar de possibilitarem outros tipos de análise, foram analisados em categorias e observados os elementos nas histórias que se completam, contradizem e se tocam. As combinações das narrativas remetem ao problema da violência doméstica contra a criança, pois trazem as circunstâncias da vida e as configurações que foram se formando; além de demonstrarem o sistema de forças que aprisiona e nega a subjetividade produz a pseudoformação e imprime o modelo ideológico da cultura afirmativa. O sujeito alienado é esquecido de si mesmo. A opressão que a criança sofre no lar tem o mesmo significado da violência que é impingida aos seus agressores nos diversos setores da sociedade. No mundo atual, em que os avanços culturais, científicos e tecnológicos não são suficientes para livrar a humanidade da barbárie, faz-se relevante entender por que ocorre a violência contra a criança e propor reflexões que visem à busca de soluções. PALAVRAS-CHAVE: Formação do Sujeito, Cultura, Violência Doméstica Contra a Criança, História de Vida. ABSTRACT The subject of this research was: Why does violence against the child occur in the family context? The hypothesis that culture is a determining factor in the existence of this type of violence in the scope of society was supported. With the objective of understanding the logic behind domestic violence against children, the empiric research was carried out using the methodology of thematic oral history of three elementary school teachers who narrated their stories and explained how much they had been touched by the phenomenon in question. Based on the concepts of critical theory of society to analyze the narrations, access was gained into culture, class prejudice, family and institutional crises, adaptation to the organized world, as well as into the identity of an individual imprisoned in the meshes of an affirmative culture. Although the teachers’ narrations allowed for other types of analyses, the elements they originated were analyzed in categories. Elements in stories which complement, contradict and coincide with one another were observed. The combinations of the narrations refer to the problem of domestic violence against the child since they bring out life circumstances and configurations that have been developing; apart from demonstrating the system of powers that imprisons and abnegates subjectivity, produces pseudo-formation and imprints the ideological model of the affirmative culture. The alienated subject is completely forgotten, even to self. The oppression faced by children at home has the same significance of violence imposed on their aggressors in various society sectors. In the present world, where the cultural, scientific and technological advances are not sufficient to save humans from atrocity, it is necessary to understand why violence against children occurs and also to propose measures that aim to solve this problem. KEYWORDS: Subject formation, Culture, Domestic Violence against the Child, Life History. LISTA DE TABELAS TABELA 1 – Dados estatísticos do CRAMI 2009............................................................................ 14 TABELA 2 – Dos agressores com vínculo familiar.......................................................................... 15 SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................................................ 11 1 A TRAJETÓRIA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA NA SOCIEDADE BRASILEIRA....................................................................................................... 25 1.1 A CRIANÇA NA FAMÍLIA...................................................................................................... 29 1.2 A FAMÍLIA E A INFÂNCIA BRASILEIRA.............................................................................36 1.3 AS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS................................................................................................ 48 1.4 O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE............................................................ 57 1.5 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA REFLETINDO NA ESCOLA........... 60 2 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA ARRAIGADA NA CULTURA......................................................................................................................................... 66 2.1 A CULTURA E OS TIPOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA............ 72 2.1.1 VIOLÊNCIA FÍSICA.................................................................................................... 72 2.1.2 VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA....................................................................................... 73 2.1.3 NEGLIGÊNCIA............................................................................................................ 74 2.1.4 VIOLÊNCIA SEXUAL................................................................................................. 77 2.1.5 VIOLÊNCIA FATAL................................................................................................... 81 2.2 CULTURA E INFÂNCIA........................................................................................................... 82 2.3 CULTURA E FAMÍLIA............................................................................................................. 88 2.4 CULTURA E VIOLÊNCIA........................................................................................................ 93 3 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA NO DUPLO CARÁTER DA CULTURA.................................................................................................................................. 99 3.1 O REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO PARA A COLETA DAS HISTÓRIAS..... 100 3.2 AS NARRATIVAS..................................................................................................................... 102 3.2.1 PROFESSORA PAULA............................................................................................... 102 3.2.2 PROFESSORA MARLI............................................................................................... 108 3.2.3 PROFESSORA CAROLINA........................................................................................ 119 3.3 A ANÁLISE DAS NARRATIVAS............................................................................................ 150 3.4 COM QUANTAS BIOGRAFIAS SE FAZ UMA HISTÓRIA?................................................. 151 3.5 A VIDA NEGADA.................................................................................................................... 155 3.6 FACES QUE SE TOCAM.......................................................................................................... 156 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................ 159 REFERÊNCIAS....................................................................................................................................... 169 11 INTRODUÇÃO Fromm (1979), considerando o amor uma arte, demonstra que, quando as pessoas são capazes de superar as suas dependências e onipotências narcisísticas na relação humana, nascem relações de amor. Dessas relações, o amor é reproduzido. Por outro lado, onde falta a preocupação ativa, ou ocorre o desejo de explorar o outro, não há amor. A falta dos elementos básicos comuns a todas as formas de amor: o respeito, o cuidado, a responsabilidade e o conhecimento, gera o temor em doar-se no mesmo grau com que perece da falta desses. “[...] Se uma mulher nos diz que ama as flores e vemos que ela se esquece de regá-las, não acreditamos em seu ‘amor’ pelas flores. Amor é a preocupação ativa pela vida e crescimento daquilo que amamos.” (FROMM, 1979, p. 49). O amor não é o alvo desta pesquisa, mas em certa medida a falta dele, na forma como apresentado nos trechos acima, tem relação com as circunstâncias que permeiam o fenômeno estudado: a violência doméstica contra a criança. Situações de violência doméstica contra a criança, refletidas na escola, foram observadas na experiência profissional da pesquisadora, que é professora e trabalhou em escolas de algumas cidades de São Paulo. Algumas dessas situações são aqui apresentadas, para exemplificar o fenômeno. Os nomes das crianças foram substituídos para preservar as suas identidades. SITUAÇÃO 1: O aluno Anderson, 7 anos, matriculado na segunda série do ensino fundamental do ciclo I, chega à sala de aula com um grande ferimento em uma parte do braço, sem cuidados médicos e com aparência de infecção. A criança queixa-se de dor e relata à professora ter sofrido queimadura no dia anterior, quando estava em casa com um tio que tinha bebido muito. O tio resolveu esquentar o almoço para os dois e foram comer na cama. A panela virou e derramou o conteúdo quente no braço da criança. Segundo o aluno, após o acontecido, o tio foi dormir e falou para ele colocar pasta de dente na queimadura. Ao receber o aluno nessas condições, a professora levou essa situação ao conhecimento da diretora da escola, que mandou a criança para casa com um bilhete para que a mãe ou um responsável o levasse ao médico. INTRODUÇÃO 12 SITUAÇÃO 2: A aluna Priscila, 6 anos, primeiro ano do ensino fundamental, apresentava-se muito agitada em sala de aula, não permanecia no lugar, dispersando-se das atividades propostas, e não atendia às solicitações da professora. A docente solicitou auxílio da coordenadora, que chamou a criança em sua sala para uma conversa, durante a qual ficaram sabendo que no dia anterior a criança tinha sido castigada pela madrasta, que a deixou sozinha trancada em um quarto escuro, sentada em uma cadeirinha da qual foi proibida de se levantar, caso contrário apanharia. A aluna informou que, após deixá-la no quarto, a madrasta saiu para rua, só retornando ao anoitecer. A coordenadora fez um acordo com a aluna para que esta se comportasse, caso contrário a madrasta seria chamada. Retornou para a sala de aula com a aluna e orientou a professora para avisá-la se a aluna não cumprisse o acordo. Mais tarde, na reunião pedagógica, a coordenadora e a professora comentaram que a aluna melhorava o comportamento sempre que era lembrada que a madrasta poderia ser chamada para uma conversa, e usavam desse recurso para garantia do “bom comportamento” em sala de aula: “Cuidado com a cadeirinha no escuro, hein!” SITUAÇÃO 3: A aluna Bianca, 6 anos, primeiro ano do ensino fundamental, muito distraída e com dificuldade de aprendizagem, não fazia as tarefas, não trazia materiais para as aulas, (nem aqueles cedidos pelo governo). Tinha a aparência triste, descuidada e sempre se queixava de dores na região do abdômen. Após ter faltado à aula por uma semana, ao retornar, a professora perguntou os motivos da falta. A aluna disse que havia faltado porque tinha se esquecido de “vestir a calcinha”. A professora achou engraçado e comentou na sala dos professores com as colegas, não levando em conta o quanto essa justificativa da criança poderia ser simbólica e representativa de que algum tipo de abuso sexual poderia estar ocorrendo com a criança. SITUAÇÃO 4: A aluna Ingrid, 7 anos, apresentou-se à aula após ter faltado alguns dias com ferimentos na face. Os coleguinhas da classe disseram à professora que ela apanhou de sua mãe porque havia desaparecido na rua e retornado muito tarde. A aluna confirmou que realmente apanhou, pois ficara na casa de uma colega sem que a mãe soubesse. Diante dos ferimentos: olho arroxeado, marcas de cintadas pelo corpo e comportamento agitado da criança, a professora procurou a direção da escola para pedir orientação quanto à atitude que deveriatomar. A diretora disse para a professora que fazia o possível para que dentro da escola as crianças fossem bem tratadas. Lá fora, portanto, não era INTRODUÇÃO 13 problema dela. “Do portão pra fora eu não quero saber!” A professora insistiu em notificar o Conselho Tutelar. A diretora proibiu essa conduta com a justificativa de que não queria que a escola fosse um centro de denúncias de maus-tratos contra a criança, já que essa situação era corriqueira na comunidade onde a escola funcionava e isso seria um transtorno para o relacionamento da escola com os pais. SITUAÇÃO 5: A aluna Dayane, 8 anos, apresentava-se às aulas com as roupas sujas e muitos piolhos e lêndeas na cabeça. A coordenadora pediu autorização à criança para prender os seus cabelinhos com uma presilha, pois parecia estar atrapalhando a sua visão (os cabelos eram compridos e caiam sobre o rostinho da criança). Ao fazer isso, percebeu que a criança possuía muitas feridas com sangramento no couro cabeludo, provavelmente ocasionadas por causa da infestação de piolhos. Convocou a mãe para exigir uma providência para melhorar a situação da criança. A mãe compareceu com duas crianças nos braços, menores que a aluna, acompanhada de uma filha também aluna da mesma escola, mas das séries finais do ensino fundamental, que também carregava outro irmãozinho pela mão, um pouco mais velho do que os que estavam com a mãe. A senhora durante a conversa demonstrou não ter conhecimento necessário sobre higiene e saúde das crianças. Verbalizou ainda que não poderia perder os benefícios sociais que recebia, pois vivia apenas desse dinheiro, porque o pai das crianças era alcoolista e não trabalhava; além disso, já tinha sido chamada ao Conselho Tutelar por causa de denúncias dos vizinhos. A escola liberou a mãe solicitando-lhe que tentasse cuidar das crianças para sanar a infestação de piolhos. SITUAÇÃO 6: O aluno Matheus, com 8 anos e frequentando a segunda série do ensino fundamental I, tinha o rosto marcado por uma chinelada. A professora foi orientada pela coordenadora a chamar a família para uma conversa. O pai, que era policial, ao comparecer à escola, veio fardado. Ao ser questionado pela professora, disse que já cansara de avisar e ensinar à esposa a bater corretamente para não deixar marcas. No Brasil, a lei que protege a criança é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e, apesar de já existir a aproximadamente duas décadas1, ainda assim os registros de violência doméstica contra a criança têm aumentado. Para demonstrar tal situação, na Tabela 1 são apresentados dados estatísticos referentes ao trabalho desenvolvido pelo Centro Regional de Atenção aos Maus-Tratos na Infância do ABCD (CRAMI) nos municípios de Santo André, 1 O Estatuto da Criança e do Adolescente completará duas décadas em 13 de julho de 2010 (BRASIL, 1990). INTRODUÇÃO 14 Diadema e São Bernardo do Campo. O CRAMI é uma organização não-governamental fundada em 1988 e declarada de utilidade pública municipal, estadual e federal. Essa ONG tem por missão propiciar atendimento psicossocial a crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica e desenvolver ações preventivas que possibilitem a defesa e proteção incondicional. TABELA 1 – Dados estatísticos do CRAMI 2009. FAMÍLIAS EM ATENDIMENTO NO ANO DE 2009 TIPO DE VIOLÊNCIA JANEIRO FEVEREIRO MARÇO ABRIL Abuso sexual 134 129 139 144 Exploração sexual 003 004 004 004 Física 250 240 241 245 Psicológica 036 036 038 038 Negligencia 025 024 023 Outros 002 003 002 022 Total 450 436 447 453 Fonte: CRAMI ABCD (2009). Na cidade de Campinas, de 1985 a 2006, o CRAMI realizou o atendimento de 16.000 casos de violência contra crianças e adolescentes. Atualmente, a entidade atende 515 casos, segundo informações obtidas no site oficial da organização não-governamental (CRAMI CAMPINAS, 2009). Dados sobre o abuso sexual de crianças e adolescentes, no período de janeiro de 2000 a janeiro de 2003, na cidade do Rio de Janeiro, em um universo de 418 denúncias feitas por telefone, revelam que 54,55% dos agressores possuíam vínculo familiar ou de parentesco com as vítimas, e 45,55% dos agressores não possuíam vínculos familiares com as vítimas (OBSERVATÓRIO..., 2003). Na Tabela 2, é apresentada a distribuição dos abusadores com vínculo familiar por grau de parentesco com a vítima. INTRODUÇÃO 15 TABELA 2 – Dos agressores com vínculo familiar. PORCENTAGEM GRAU DE PARENTESCO COM A VÍTIMA 42,3% Eram pais biológicos das vítimas 16,2% Eram padrastos 2,31% Babás das vítimas 7,69% Mãe 4,23% Irmão 2,31% Avô 1,92% Avó 3,85% Namorado da vítima 0,77% Namorado da mãe 2,31% Companheiro da vítima 1,15% Madrasta da vítima 10,00% Tio da vítima 0,77% Tia da vítima 3,46% Primo da vítima Fonte: Observatório da infância (2003). A sociedade convive cotidianamente com o trabalho infantil, a prostituição e outras formas de violência contra a criança que, apesar de não ser especificamente violência doméstica, têm estreita relação e, não raramente, ocorrem em concomitância, como é demonstrado na matéria publicada em 2008 em um jornal do litoral do estado de São Paulo: A violência contra a criança ocorre em 90% dos casos em ambientes domésticos. E está muito mais próxima e presente do que se tenta esconder. A conclusão é de uma investigação em andamento feita pela universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) com 800 famílias na periferia da capital paulista. É a primeira pesquisa de que se tem notícia feita de casa em casa, e não apenas com base em registros oficiais. Os pesquisadores estão constatando que 20% de agressões graves contra as crianças, o que significa queimaduras, asfixias ou espancamento, resultando em fraturas e lesões que muitas vezes, acabam no hospital, mas não punem o agressor, protegido por um manto de silêncio familiar. E outras que deixam seqüelas psicológicas profundas como as do atentado violento ao pudor. Cabe a todos os responsáveis em seus papéis de pais e mães evitar a todo custo que a criança vire a depositária do estresse da pobreza, ou da tão ‘fadada falta de tempo’ combinada com o desequilíbrio INTRODUÇÃO 16 emocional de inúmeros adultos. Isso porque os pesquisadores da UNIFESP ouvem que ‘bater educa’. Isso mesmo, essa é a desculpa das mães e pais que tiram sangue, deixam marcas na pele e provocam sofrimento. Esse é mais um aspecto de uma das maiores fragilidades sociais brasileiras: a pouca atenção a primeira infância, especialmente nas camadas menos favorecidas e também naquelas onde todos saem de casa para cuidar da própria vida e deixam as crianças sempre à mercê da sorte ou do azar. (CALDERARO, 2008, p. 11). A criação de uma lei para proteção da infância já é indício de que os direitos fundamentais não são respeitados, pois a norma legal é constituída em decorrência da necessidade social. Os casos que aparecem nas estatísticas representam uma parte do problema, porque muitas crianças sofrem violência doméstica e esses casos não são notificados. O sofrimento a que tantas crianças são submetidas é presenciado pela escola na figura de seus agentes: diretores, professores, merendeiras e inspetores, os quais vivenciam os reflexos da violência que muitas estatísticas não apontam. A escola testifica a parte da violência doméstica contra a criança que não é notificada. Segundo Azevedo e Guerra, a ponta do iceberg refere-se a uma figura piramidal cuja base representa os casos não notificados ou encobertos pelo complô do silêncio: “[...] de que acabam sendo cúmplices os profissionais, os vizinhos, os parentes e familiares e até a própria vítima.” (1995, p. 65); e o pico demonstra os casos de violência doméstica não denunciados. O conceito de violência doméstica contra criança, de acordo com essas mesmas autoras, surgiu na áreada medicina e o primeiro estudo científico sobre o tema foi feito em 1860 pelo professor Ambroise Tardieu, que em Paris, ao proceder ao estudo de 32 casos (com 18 mortos) de crianças submetidas a sevícias, ele constatou que elas haviam sofrido variadas lesões (hematomas, equimoses, fraturas diversas, queimaduras) e que as explicações fornecidas pelos pais discordavam das características destas mesmas lesões. (AZEVEDO; GUERRA, 1995, p. 39). Nesse estudo, questões socioculturais foram observadas por Tardieu como associadas ao fenômeno. Azevedo e Guerra (1995, p. 39) ressaltam que a contribuição científica desse médico, apesar de refletir uma realidade presente nos jornais da época, não causou grandes impactos na INTRODUÇÃO 17 opinião pública, que estava com o olhar voltado à abordagem das agressões de filhos contra os pais; perspectiva inversa e “[...] preocupante, na medida em que um fato desta natureza revelava uma insubordinação à autoridade familiar, que repousava sobre os pais, mais especificamente na figura masculina.” Sobretudo na Europa, que a exemplo da “[...] França conhece, neste período ainda, uma manifestação a favor do reforço da autoridade paterna, emanada de Napoleão III e por ele manifestada no Conselho Privado, já em 1858.” (AZEVEDO; GUERRA, 1995, p. 40). Demonstrações de que a família em certos momentos poderia ser perigosa para as crianças e levá-las à morte, não eram bem aceitas para as ideias de preservação da autoridade paterna da época. Em 1962, quase após um século, nos Estados Unidos da América, os doutores Kempe e Silverman denominaram de Síndrome da Criança Espancada um fenômeno que se referia a crianças de pouca idade e que tinham sofrido danos físicos, e que os pais davam explicações inadequadas. [...] Saliente-se que, nos EUA, poder-se-ia dizer que este fenômeno foi redescoberto pela Medicina no período acima citado, uma vez que a sua ‘descoberta’ realmente se deu na década de 70 do século XIX. Evidentemente que esses dois movimentos tanto de ‘descoberta’ como de ‘redescoberta’ estiveram estreitamente entrelaçados com condições sócio-econômico- culturais que permitiram estes duplos ‘caminhos’. (AZEVEDO; GUERRA, 1995, p. 41). Para Azevedo e Guerra (2000), o pano de fundo socioeconômico e político, na década de 1960 do século XX, fomentou questões sobre a privacidade da família, a posição do homem como chefe e a importância da união de seus membros a qualquer preço, e determinou o interesse por estudos sobre esse fenômeno, o qual já existia há muito tempo. A definição conceitual de violência doméstica contra a criança foi sendo delineada com os estudos que iam acontecendo. A primeira definição batizada como a Síndrome da Criança Espancada era a seguinte: [...] se refere usualmente a crianças de baixa idade que sofreram ferimentos inusitados, fraturas ósseas, queimaduras etc., ocorridas em épocas diversas, bem como em diferentes etapas e sempre inadequada ou inconsistentemente explicadas pelos pais. O diagnóstico tem que se basear em evidências radiológicas dos repetidos ferimentos. (AZEVEDO; GUERRA, 1995, p. 40). INTRODUÇÃO 18 Também a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), no pós-guerra, e o início da visão global do mundo contribuíram para os aspectos da violência contra a criança virem à tona, propiciando discussões que movimentaram o status sedimentado há anos. Azevedo e Guerra (1995) registram que, nos Estados Unidos, outra definição é proposta, ampliando a anterior e contemplando também a criança vítima de maus-tratos em família, evidenciada por privação emocional, nutricional, negligência e abuso, sendo considerada a criança espancada, como última fase da síndrome do maltrato. Essa nova definição data do ano de 1969 e tem o seguinte texto: “[...] o abuso físico [...] por parte de um parente ou outra pessoa incumbida dos cuidados das crianças, tendo como objetivo danificar, ferir, ou destruir aquela criança.” (GIL apud AZEVEDO; GUERRA, 1995, p. 41). Não sendo essa definição satisfatória, por não se diferenciar o comportamento proposital e acidental, foram surgindo novas definições: Violência física é considerada como um ato executado com intenção, ou intenção percebida de causar dano físico a outra pessoa. O dano físico pode ir desde a imposição de uma leve dor, passando por um tapa até o assassinato. A motivação para este ato pode ir desde uma preocupação com a segurança da criança (quando ela é espancada por ter ido para a rua, por exemplo) até uma hostilidade tão intensa que a morte da criança é desejada. (GELLES apud AZEVEDO; GUERRA, 1995, p. 42). No Brasil, na década de 1980 estudos relevantes desse fenômeno foram realizados por Azevedo e Guerra, as quais iniciaram um percurso de pesquisas e publicações para entenderem a realidade da violência doméstica contra a criança e suas particularidades na sociedade brasileira, tomando por base inicial os estudos mundiais. Azevedo e Guerra (1995, p. 32) observam que a terminologia usada nos discursos sobre a violência doméstica contra a criança revelou o uso indiscriminado de termos, sendo os mais usados: “abuso, castigo, disciplina, maus-tratos, violência, violência doméstica, vitimização, vitimização doméstica.” Com intenção de oferecer uma melhor compreensão, principalmente para nortear as questões judiciárias ligadas a esse assunto, os termos foram reorganizados em campos semânticos e refletidos quanto aos significados oficiais e aos sentidos ocultos de cada campo, como apontam essas autoras (1995, p. 32): INTRODUÇÃO 19 Abuso, vitimização e vitimização doméstica; Maus-tratos, agressão; Disciplina, castigo; Violência e violência doméstica. Dos quatro campos semânticos, o conjunto ‘disciplina e castigo’ é o mais antigo e de maior tradição na educação infantil. Azevedo e Guerra (1995) alertam que esse fenômeno conta apenas parte da verdade dos fatos, por deixar de fora as agressões sexuais e por não explicar a gravidade desses castigos e/ou disciplinamentos. O campo semântico que reúne os termos ‘maus-tratos’ e ‘agressão’ é também observado pelas autoras como inadequado; o primeiro, por colocar o problema na questão moral, “[...] como se fosse uma questão de bondade ou maldade individual”, já o outro, “[...] é um termo psicológico que padece da limitação de não ser especificamente humano.” (AZEVEDO; GUERRA, 1995, p. 33). Com isso, seria necessária uma delimitação jurídica do que seria um bom ou um mau trato, mas, na literatura internacional, essa terminologia é a mais usada. As autoras defendem os termos ‘abuso’ e ‘vitimização’ (com a qualificação doméstica) como termos que melhor conceituam o fenômeno, por designarem os dois polos de uma relação interpessoal de poder: o polo adulto, mais forte (abuso), e o polo infantil, mais fraco (vitimização). “Os dois termos indicam as duas faces da mesma moeda e podem ser aplicados para designar várias modalidades do fenômeno que nos preocupa.” E os termos ‘violência’ e ‘violência-doméstica’ também fazem parte, de acordo com Azevedo e Guerra (1995, p. 33), do campo semântico que melhor define o fenômeno, “[...] porquanto por ‘violência’ se entende imediatamente uma relação assimétrica (hierárquica) de poder com fins de dominação, exploração e opressão.” (AZEVEDO; GUERRA, 1995, p. 33). Preocupadas em não permitir enganos que possam ocorrer por estarem ancorados em termos que dependem de definições em diferentes culturas ou que podem ser mistificados ideologicamente, como, por exemplo, quando se omitem as agressões sexuais e a negligência, as autoras tecem a seguinte definição, que é usada ainda hoje: Violência doméstica contra a criança é todo ato ou omissão praticado por parentes ou responsáveis contra crianças e/ou adolescentes que sendo capaz de causar dor e/ou dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima implica de um lado,numa transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, de outro, numa coisificação da infância, isto é, numa negação do direito que as crianças INTRODUÇÃO 20 e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. (AZEVEDO; GUERRA, 1995, p. 36). Nessa definição, a violência doméstica é tanto o ato como a omissão, isso “[...] significa que o fenômeno pode assumir forma ativa (atos) ou passiva (omissões).” (AZEVEDO; GUERRA, 1995, p. 36). No entanto, não é praticada apenas por pais, uma vez que também é considerada violência doméstica aquela violência praticada por parentes ou responsáveis, ou por pais biológicos ou de afinidades. Em outras palavras, a violência doméstica possui uma gama ampla de possíveis agressores. Circunscreve também a especificidade do fenômeno: violência doméstica, praticada no lar, um dos tipos de violência familiar (já que esta última expressão pode abranger também a violência contra mulheres e idosos) diferente, portanto, da violência extra-familiar. (AZEVEDO; GUERRA, 1995, p. 36-37). Esse tipo de violência também amplia as possíveis vítimas, prevendo crianças e adolescentes: [...] significa que, em nossa sociedade, são vítimas potenciais todos os menores de 18 anos (idade legal da maioridade), sejam eles crianças (até mais ou menos 12 anos) ou adolescente (de 12 até 18 anos). Rejeita-se, assim, a idéia da área da saúde – de que as vítimas seriam apenas crianças de baixa idade (graças à síndrome da criança espancada). (AZEVEDO; GUERRA, 1995, p. 37). Diante dessas definições e das situações escolares relatadas anteriormente, é possível fazer o seguinte questionamento: Por que acontece a violência doméstica contra a criança em famílias brasileiras? Essa pergunta, que motivou a pesquisa, esteve presente durante todo o desenvolvimento deste trabalho como pano de fundo, e dessa pergunta principal outras foram surgindo: A escola é um local de proteção da criança contra a violência doméstica? E ainda: A formação cultural do povo brasileiro contribui para e existência do problema? Assim, serão discutidos, nesta pesquisa, a causa da violência doméstica contra a criança e por que esse fenômeno acontece apesar da existência da lei de proteção da infância2. 2 Lei 8069/90 Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990). INTRODUÇÃO 21 A hipótese desta pesquisa é a de que o fenômeno foi construído gradativamente no percurso da formação cultural, sobretudo a partir da impregnação na sociedade dos valores calcados na autoridade, no domínio, na força de uns e escravização de outros. A criança nessa relação é a representação e materialização do mais fraco. Essa hipótese norteou os caminhos percorridos neste estudo, principalmente quanto à escolha, para análise, de histórias de vida temáticas de professoras, que têm de forma garantida em sua trajetória profissional o contato com crianças em concomitância à determinação legal de notificar os casos de suspeitas ou confirmação de violência contra seus alunos. As convidadas foram escolhidas, sem que a pesquisadora soubesse, antes de narrarem, o que pensavam sobre o tema, ou que experiências tiveram com esse fenômeno, pois o objetivo com este método de pesquisa era extrair das narrativas o que se esconde por trás da cultura e o que se prende a ela para afirmá-la. Com base na hipótese de que a cultura determina o fenômeno da violência doméstica contra a criança, supõe-se que a dificuldade no enfrentamento desse tipo de violência deve ser desvelada no estudo da cultura, justificando as vezes que se está em territórios vizinhos3 da violência doméstica contra a criança. Em alguns momentos deste texto, são observadas e analisadas as violências produzidas na sociedade há tantas gerações, que afetam setores e camadas sociais e que se entrelaçam à violência no âmbito familiar, pois “a família também é afetada pela violência social e pela violência contra crianças e adolescentes, mesmo aquelas não diretamente envolvidas por estas violências.” (BARROS, 2005, p. 70). A lei brasileira de proteção da infância é referência mundial e, se fosse efetivada, elevaria a criança brasileira aos melhores patamares de proteção, participação, promoção e cidadania. Mas, em quase duas décadas de existência da norma legal, é notória a não garantia dos direitos nela contemplados; fato que continuará a ocorrer se não houver ações e estudos que apontem os valores culturais que alimentam os fenômenos sociais. Ainda que seja muito importante a existência da lei para o estabelecimento de programas de prevenção, nas instituições, nas escolas e, principalmente, com profissionais da 3 Refere-se às citações que são apresentadas ao longo de todo o texto e que aparecem de forma contínua acompanhando a violência doméstica contra a criança nos casos que são descritos ou que apareceram nas mídias. O uso da palavra ‘território’ teve o propósito de situar o contraste entre as questões humanas e instintivas do homem, que ora é parte da natureza e por ela dominado, e ora quer dominá-la: “[...] Quando o animal transcende a Natureza, quando transcendo o papel puramente passivo da criatura, quando ele se torna, biologicamente falando, o animal mais desamparado, nasce o homem.” (FROMM, 1979, p. 36). INTRODUÇÃO 22 educação, é preciso nortear os resultados que se pretende alcançar no desenvolvimento dos direitos da criança no Brasil. Diante desse contexto, nesta dissertação é realizada uma descrição dos elementos histórico-culturais na formação do povo brasileiro, observando a condição do povo na construção familiar, os valores que vieram arraigados na cultura dos colonizadores e o lugar da infância na instituição das famílias e entidades educativas. São demonstradas ainda as representações do sujeito, na forma de compreender o mundo, de significar e conceber a vida, nas produções da arte e do trabalho, nas manifestações lúdicas e, sobretudo, na forma de se relacionar em família e em outros grupos, na formação individual e social. Essas demonstrações são feitas por meio de levantamentos bibliográficos e descrição das famílias, escola e infância. Para atingir esses objetivos, foi realizada uma análise de histórias de professoras do ciclo 1, as quais narraram suas histórias de vida motivadas pela pergunta-provocação: Como a violência doméstica contra a criança lhe toca? Conte a sua história. Este trabalho traz, ao longo do texto, notícias veiculadas nas mídias e trechos da tradição oral, que auxiliaram na demonstração do estado de arte da violência doméstica contra a criança e do problema no âmbito da cultura. A análise foi efetivada com base na teoria crítica, como demonstrada por Marcuse (1981 e 2001), Horkheimer e Adorno (1973 e 1985), também conhecida como Escola de Frankfurt. Essa teoria é de grande valia para os propósitos deste trabalho, por refletir sobre os processos de alienação do indivíduo na sociedade de troca ou sociedade capitalista, como também por dialogar com o marxismo e a psicanálise, para a crítica da realidade social contemporânea, a cultura afirmativa, a alienação, coisificação e a lógica do capital da qual a família é parte inexorável. Horkheimer e Adorno (1973) apontam que a família é a instituição que se incumbe de refugiar o indivíduo, por um lado, e, por outro, de socializá-lo nas relações da sociedade de troca do mundo organizado para a lógica capitalista. Nesse tipo de sociedade, os mais fracos são marginalizados, são motivo de chacotas, alvo de repressão etc., o que pode ser percebido no conto de Perrault sobre o Pequeno Polegar: [...] o que entristecia mais era que o caçula era muito fraquinho e não falava uma só palavra: eles interpretavam como estupidez o que era marca da bondadede sua alma. Pequenino, quando veio ao mundo era do tamanho do dedo polegar; por isso chamavam-no de Pequeno Polegar. Esse pobre menino INTRODUÇÃO 23 era o saco de pancada da casa, e sempre o culpavam de tudo. (PERRAULT, 2008, p. 9).4 Os impulsos reprimidos na sociedade podem reagir de forma destrutiva no seio da família, que submete seus membros a duas forças simultâneas de ataque: a civilização e as tendências irracionais: A tendência de desenvolvimento que põe em dúvida a família parece dar ao indivíduo, pelo menos temporariamente, novo apoio. Mas ao mesmo tempo, a família também é atacada desde o seu interior. A socialização progressiva significa uma repressão e um controle cada vez mais absoluto dos instintos. (HORKHEIMER; ADORNO, 1973, p. 133). Os ideais da sociedade, reafirmados no seio familiar, disciplinam seus indivíduos à adaptação e conformação: O filho pode pensar do pai o que muito bem quiser, mas, se pretende evitar graves conflitos e desastres, deve empenhar-se em obter, incansavelmente, a satisfação paterna. Em relação ao filho o pai tem razão; é nele que se concretizam o poder e o triunfo. (HORKHEIMER; ADORNO, 1973, p. 138). Por outro lado, Horkheimer e Adorno afirmam que apesar de carregar ainda muito fortemente as características de poder e triunfo na figura do pai, hoje, a instituição familiar, está em crise e passa a ser “tão pouco temida quanto amada; não é combatida mas é esquecida ou tolerada por parte dos que não têm motivos nem energia para opor-lhe resistência.” (1973, p. 144). Mas ainda assim o filho carrega entranhada a ideia de poder e de força incondicional simbolizados na figura paterna “e procura um pai mais forte, mais poderoso que o verdadeiro, que já não satisfaz a antiga imagem, enfim, um super-homem e super-pai como os que foram produzidos pelas ideologias totalitárias.” (HORKHEIMER; ADORNO, 1973, p. 145). Acrescentam os autores que os jovens, principalmente, tendem a se submeter a outras autoridades desde que estas lhes ofereçam proteção, satisfação narcisista, vantagens materiais e 4 “Os contos e as histórias da nossa infância são os primeiros elementos de uma aprendizagem que sinalizam que ser humano é também criar as histórias que simbolizam a nossa compreensão das coisas da vida. As experiências, de que falam as recordações-referências constitutivas das narrativas de formação, contam não o que a vida lhes ensinou, mas o que se aprendeu experencialmente nas circunstâncias da vida.” (JOSSO, 2004, p. 39). INTRODUÇÃO 24 condições de descarregar sobre os outros o sadismo decorrente da desorientação e desespero. “O pai é, inclusive, substituído por poderes coletivos, como a classe escolar, o “team” esportivo, o clube e por último, o Estado.” (HORKHEIMER; ADORNO, 1973, p. 145). A função protetora da família não se mantém dissociada de seu papel de instituição disciplinar, pois o mundo do qual ela tem que proteger seus membros é regido pela pressão que, “necessariamente, terá de transmiti-la a todas as suas instituições.” (HORKHEIMER; ADORNO, 1973, p. 147). O locus deste estudo é a família e a escola, e três professoras são colaboradoras desta pesquisa. É preciso esclarecer que o termo ‘colaboradoras’ foi empregado em substituição ao termo ‘sujeito’, por este não ser adequado, considerando o método de história oral. Isso porque, como orienta Meihy (2002, p. 14), “os entrevistados são as pessoas ouvidas em um projeto e devem ser reconhecidos como colaboradores.” Em alguns trechos foi utilizado o termo ‘narradoras’ para as colaboradoras, deixando claro que se trata de pessoas que profissionalmente ocupam o cargo de professoras e que doaram suas histórias para a pesquisa, análise e publicação. A presente investigação está estruturada em três capítulos. O primeiro, intitulado “A trajetória da violência doméstica contra a criança”, descreve o objeto: a violência doméstica contra a criança em sua construção histórico-cultural. Persegue os trajetos desse fenômeno, destacando os pontos mais significativos. As seções se completam e são divididas em temas: a criança na família; a família e infância brasileira; as instituições públicas; o Estatuto da Criança e do Adolescente; e o reflexo da violência doméstica contra a criança na escola. No segundo capítulo é trabalhado o conceito de cultura como foi estudado pelos autores da Escola de Frankfurt, trazendo elementos da cultura-afirmativa, pseudocultura e o duplo caráter da cultura para a análise das narrativas das professoras-colaboradoras. No terceiro capítulo, é explicado o método, a pesquisa de campo, apresentado as histórias de vida que são analisadas em três categorias: a primeira categoria analisada refere-se à experiência específica da narradora com o fenômeno estudado; a segunda categoria é formada pelas contradições presentes nas narrativas; e a terceira é a análise dos elementos que se repetem nas três histórias. Nas considerações finais são retomados o objeto de pesquisa, os conceitos apresentados e os caminhos que a pesquisa demonstrou serem viáveis para novos estudos, abordando o que foi extraído como experiência e o que ainda deve ser ampliado de acordo com o conhecimento que este estudo nos permitiu alcançar. 25 1 A TRAJETÓRIA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA NA SOCIEDADE BRASILEIRA Tango-lo-mango Era uma velha que tinha dez filhos Todos dez dentro de um fole; Deu o tango-lo-mango num deles, Desses dez, ficaram nove! E esses nove, meu bem, que ficaram Foram logo fazer biscoito Deu o tango-lo-mango num deles Desses nove, ficaram oito! E esses oito, meu bem, que ficaram Foram brincar com o canivete Deu o tango-lo-mango num deles Desses oito, ficaram sete! E esses sete, meu bem, que ficaram Foram fazer um bolo inglês Deu o tango-lo-mango num deles Desses sete, ficaram seis! E esses seis, meu bem, que ficaram Foram à porta bater no trinco Deu o tango-lo-mango num deles Desses seis, ficaram cinco! E esses cinco, meu bem, que ficaram Com o diabo fizeram um trato Deu o tango-lo-mango num deles Desses cinco, ficaram quatro! E esses quatro, meu bem, que ficaram Foram aprender o português Deu o tango-lo-mango num deles Desses quatro, ficaram três! E esses três, meu bem, que ficaram Foram ao campo buscar cem bois Deu o tango-lo-mango num deles Desses três, ficaram dois! Esses dois, meu bem, que ficaram Foram ao mato caçar anum Deu o tango-lo-mango num deles E desses dois só restou um! E esse um, meu bem, que ficou Foi brincar com lampião Deu o tango-lo-mango no tal E acabou-se a geração (MANFREDINI, 2001, p. 117) A TRAJETÓRIA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA NA SOCIEDADE BRASILEIRA 26 O ponto de partida deste capítulo é a infância. A infância é considerada, neste estudo, no âmbito de uma categoria cultural ligada ao tipo de relação social em um determinado período na vida do indivíduo. Por conta dessas relações sociais, observa-se que ser criança e ter infância são coisas diferentes, ainda que devessem caminhar paralelamente. A criança que não tem acesso às conquistas sociais, à formação cultural e aos direitos peculiares de sua fase, não tem infância. As ações das instituições sociais, como a família e a escola, são importantes, pois podem garantir ou negar a infância às crianças nas sociedades em que estão inseridas. Essas ações são modeladas pela forma como compreendem o mundo, ou seja: pela formação cultural. O primeiro contato social da criança acontece na família. Nela, o indivíduo aprende a praticidade da vida, na relação com o outro, como afirmam Horkheimer e Adorno (1973). Essa instituição inicia o homem na sociedade; seja ela a família biológica ou apenas institucional, o ser humano é incluído no contato com outros para o seu desenvolvimento social.Esses autores ressaltam ainda que na família o indivíduo, para evitar problemas, precisa reconhecer a razão e autoridade incontestáveis do pai. A família, tendo sido construída à imagem e semelhança da relação burguesa de autoridade, transmite à criança esse mesmo ideal, mobilizando a sua consciência na absorção dessa relação. Horkheimer e Adorno (1973, p. 139) observam que “a família convertera-se em agente da sociedade: era o veículo pelo qual os filhos aprendiam a adaptação social; formava os homens tal como eles tinham de ser para cumprir as tarefas impostas pelo sistema social.” A relação fora da família na sociedade capitalista ocorre com o uso dos códigos formais, da ampliação dos contatos com outros indivíduos, da formação para a participação no mundo do trabalho e contribuição social. Da necessidade de produção e sistematização desses conhecimentos, a escola na forma que conhecemos hoje foi instituída de acordo com o modelo da sociedade burguesa. Sendo parte de uma construção social condicionada pelos diferentes momentos históricos da sociedade e da cultura, como afirmou Candau (2000), a escola, tal como ainda está, é uma construção histórica recente. “Na América Latina os sistemas escolares se constituíram praticamente neste século” (CANDAU, 2000, p. 13), e se consolidaram com o objetivo de promover a apropriação dos conhecimentos considerados relevantes na formação, cidadania e acesso aos conhecimentos, que hoje se encontram em crise, seja pela dificuldade decorrente principalmente de fatores ligados à cultura que entravam a sua realização, seja pelo anacronismo da escola nos tempos presentes. Candau (2000) problematiza o grande impacto A TRAJETÓRIA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA NA SOCIEDADE BRASILEIRA 27 dos meios de comunicação de massa, as tecnologias como forma de construir conhecimento, a impregnação da cultura escolar que considera os alunos iguais e a dificuldade dessa instituição em enfrentar a pluralidade cultural. Estes, entre outros fatores, acabaram fazendo com que a função de proporcionar acesso ao conhecimento deixasse de ser exclusividade da escola. A autora ainda alerta que “[...] a cultura escolar está impregnada pela perspectiva do comum do aluno padrão, do ‘aqui todos são iguais’” (CANDAU, 2000, p. 14), ao mesmo tempo em que está sendo cada vez mais desafiada a enfrentar os problemas decorrentes das diferenças e da pluralidade cultural, que estão fazendo com que a escola seja chamada a ser um local de análise crítica, reflexiva, visão plural e histórica do conhecimento, da ciência, da tecnologia e das diferentes linguagens. Nesse sentido, toda a rigidez de que se reveste em geral a organização e a dinâmica pedagógica escolares, assim como o caráter monocultural da cultura escolar, precisam ser fortemente questionados. Gabriel (2000, p. 18) alerta que a escola também carrega atualmente mudanças na forma como é vista: “não somente como local de instrução mas também como ‘arena cultural’ onde se confrontam as diferentes forças sociais, econômicas, políticas e culturais em disputa pelo poder.” A autora ainda acrescenta que a marca da contemporaneidade, no debate atual, exige que se desloque o olhar para a função da escola, tanto em termos do papel desempenhado pela mesma como da significação atribuída aos termos ‘cultura’ e ‘escola’. A escola, como afirma Candau (2000), é uma instituição que faz parte da história de vida de muitas pessoas, mas nem sempre a lembrança do cotidiano escolar vivenciado é positivo. Entre luzes e sombras, momentos inesquecíveis e estruturantes de uma perspectiva de vida e ocasiões em que o fracasso, a frustração e o medo foram os aspectos dominantes, a dinâmica escolar é por nós incorporada no nível pessoal e social. (CANDAU, 2000, p. 9). Tratando do fenômeno da violência no cotidiano escolar, a autora acima citada afirma que a relação entre a violência e a escola não deve ser concebida como um processo que ocorre de fora para dentro, apesar de entender que a violência presente na sociedade penetra na escola afetando-a; isso porque a escola também produz violência: A violência não pode ser reduzida ao plano físico, mas, abarca o psíquico e moral. Talvez se possa afirmar que o que se especifica a violência é o A TRAJETÓRIA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA NA SOCIEDADE BRASILEIRA 28 desrespeito, a coisificação, a negação do outro, a violação dos direitos humanos. (CANDAU, p. 141, 2000). Os caminhos percorridos por uma pessoa podem ser diversos e grande parte dos indivíduos na sociedade brasileira contemporânea tem o contato familiar e escolar. No entanto nem sempre esses contatos são fáceis. Muitas crianças têm na infância um percurso bastante sofrido e nem sempre a norma legal consegue garantir que todas as crianças tenham uma família e uma escola protetoras, a infância vivida em sua plenitude e a garantia de direitos básicos e universais. Nem todas as famílias são necessariamente a representação de um apoio e segurança para as crianças. Ao contrário disso, muitas vezes, o medo, o terror, o abandono, a omissão, o cárcere privado e, até mesmo, o risco de morte estão presentes na vida de muitas crianças em seu cotidiano familiar; como representado na notícia que traz a história de uma jovem japonesa, hoje com 22 anos, que esteve presa por oito anos em poder da mãe. A jovem foi liberada há dois anos, mas o crime só foi revelado esta semana pelo jornal ‘Mainichi’, antes de ser confirmado pelas autoridades da cidade de Sapporo. A mãe começou a deter a filha ao fim da escola primária. A mãe, esquizofrênica, estava convencida de que a filha sofria na escola e em contato com o pai, informa a agência Jiji. Presa em casa, a adolescente compareceu ao colégio por apenas dois dias nos três anos seguintes. A jovem foi liberada em 2006, quando a polícia foi alertada por um vizinho que havia escutado gritos na casa. Quando a vítima foi encontrada, conseguia apenas caminhar e se comunicava com dificuldade com as demais pessoas. O pai, separado da mulher, entrara em contato com os serviços de saúde em 2005 para informar que a filha provavelmente estava presa na casa da mãe, mas as autoridades não fizeram nada. O governo municipal de Sapporo pretende revisar o sistema de saúde para a possibilidade de novos casos similares. A vítima, que agora tem 21 anos, vive em um local com atendimento especializado e voltou a estudar. (FRANCE PRESS, 2008). Quando a família representa perigo para a criança o seu desenvolvimento é marcado por situações que a degradam, por isso é importante compreender um pouco como se estabeleceu a formação social da família e como a criança foi se situando nessa instituição. A TRAJETÓRIA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA NA SOCIEDADE BRASILEIRA 29 1.1 A CRIANÇA NA FAMÍLIA Estudos de Bruschini (2000), sobre a literatura marxista da família, mostram que esse tema foi integrado na teoria mais geral da sociedade. A autora traz em seu trabalho descrições das formas como se definiram os seres humanos, de acordo com a relação com os sistemas de produção e reprodução da vida imediata, incluindo roupas, alimentos, instrumentos, como também os próprios seres humanos que eram os meios de propagação da espécie. O início da família monogâmica se deu quando decidiram proteger a propriedade para garanti-la como herança para os seus descendentes, com isso foi necessário garantir a paternidade sobre as novas gerações, o que foi possível por meio da limitação da sexualidade da mulher. Apoiando-se em Engels, Bruschini (2000) afirma que, com a evolução da sociedade, a riqueza que excedia era acumulada e transformada em propriedade particular das famílias. Como era predominantemente uma atribuição masculina a busca de alimentos, aos homens cabia a posse dos instrumentos de trabalho, dos quais ele era proprietário.Aumentando a riqueza em decorrência do trabalho e sendo o homem o dono dos instrumentos que geravam essa riqueza, este foi ocupando uma posição de destaque e poder na família. Com base nas condições econômicas, que surgiram da escravização da mulher, proclamou-se um conflito entre os sexos, que até então não existia na história. Sobre a família, Marcuse (1981, p. 133) comenta que essa se apresentou primeiramente de forma espontânea, de relação natural, e foi se transformando até chegar à moderna monogamia. “[...] E, em virtude desse processo de diferenciação, cria uma área distinta que é a das relações privadas.” Nesse aspecto, Marcuse (1981) e Bruschini (2000) concordam que a família não é estática, modificou-se na trajetória histórica e continua em processo dinâmico, comportando rupturas, estagnações e elementos ligados aos aspectos econômicos e culturais de cada povo e época. Como local de acolhimento da criança não é um fenômeno natural, mas construído socialmente e que teve muitas variações. Müller (2007) observa que em muitas épocas a prática de infanticídio por adultos era justificada pela regulação de alimentos, bastardia, questões biológicas ou de comportamentos inadequados por parte das vítimas. A autora alerta que essa prática ocorria já na época de Cristo, tendo sido documentada na Bíblia. Também na antiga Roma, ou em tribos bárbaras, existiu essa A TRAJETÓRIA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA NA SOCIEDADE BRASILEIRA 30 prática em decorrência da escassez de alimentos ou por quaisquer motivos que fizessem os governantes desejarem a diminuição da população. Guerra (1984) aponta que a Bíblia é um instrumento que possui valiosos registros sobre a perseguição de crianças e do quanto esse fenômeno é antigo. Cita os casos dos meninos judeus jogados no rio por ordem do faraó, quando nasceu Moisés; a matança dos primogênitos egípcios do Êxodo; e a matança ordenada por Herodes, em perseguição a Jesus. No Império Romano, meninos e meninas da nobreza eram separados de seus lares aos 12 anos para ingressarem na vida pública e para aprimoramento cultural, e as meninas casavam-se aos 14 anos aproximadamente. Em Roma, o pátrio poder durava até a morte do pai, quando o filho o sucedia, como afirmam Faleiros e Faleiros (2007). Os autores ainda constatam, regressando aos estudos do passado, muitos indícios de que as crianças eram aterrorizadas, violentadas, assassinadas e abusadas sexualmente. Alertam que na Grécia Antiga havia o contraste da criança filha do cidadão, educada no gineceu com músicas e fábulas, com a tristeza do filho do escravo; e que em Esparta a educação da criança era marcada pela rigidez dos exercícios físicos até a exaustão e preparo para a guerra. O primeiro código jurídico que se tem conhecimento demonstra a vulnerabilidade das crianças às condições de violência na família nos tempos mais remotos: Exemplos são colhidos ao longo da história, assinalando-se que, no Oriente Antigo, o Código de Hamurábi (1728/1686 a.C.), em seu art. 192, previa o corte da língua do filho que ousasse dizer aos pais adotivos que eles não eram seus pais, assim como a extração dos olhos do filho adotivo que aspirasse voltar à casa dos pais biológicos, afastando-se dos pais adotantes (art. 193). Punição severa era aplicada ao filho que batesse no pai. Segundo o Código de Hamurábi, a mão do filho, considerada o órgão agressor, era decepada (art. 195). Em contrapartida, se um homem livre tivesse relações sexuais com sua filha, a pena aplicada ao pai limitava-se à sua expulsão da cidade (art. 154). Em Roma, a Lei das XII Tábuas, entre os anos 303 e 304, permitia ao pai matar o filho que nascesse disforme, mediante o julgamento de cinco vizinhos (Tábua Quarta). (DAY et al., 2003 apud BARROS, 2005, p. 70-71). Um breve relato de Panúncio-Pinto (2006), que trata do assunto da violência contra a criança sob a perspectiva da análise do discurso, reforça o entendimento de que o infanticídio e/ou o abandono eram práticas cotidianas desde a pré-história: Na antiguidade, o assassinato de crianças pode ser considerado como ocorrência diária: jogadas em rios, mortas de fome; aquelas que não eram A TRAJETÓRIA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA NA SOCIEDADE BRASILEIRA 31 perfeitas em forma e tamanho, choravam muito ou pouco, ou eram reconhecidas como aquelas que não cresciam bem, eram mortas; bebês do sexo feminino também eram expostos ou mortos. (PANÚNCIO-PINTO, 2006, p. 29). Bruschini (2000, p. 53), ao descrever as famílias aristocráticas do antigo Regime Feudal, afirma que o valor da privacidade não era conhecido como é nas formas mais recentes de famílias. A vida das crianças, “[...] não gravitava em torno dos pais, mas estava difundida através da vasta gama de figuras adultas.” Por outro lado, Müller (2007, p. 25) demonstra que em toda Europa Medieval, com alguma distinção de número e grau entre um país e outro, nos grupos domésticos da aristocracia o homem dominava tanto as mulheres como os filhos. “[...] Se houvesse uma falta do filho em relação ao seu pai, como uma injúria, por exemplo, este seria castigado legitimamente ou pelo pai ou pela justiça pública.” Destaca ainda que essa característica não era geral e que, entre as pessoas mais simples, os filhos reconheciam a autoridade dos pais não só na figura do homem. “[...] Assim acontece com a autoridade em geral, que para os filhos está unida na entidade do casal.” A família camponesa aparentava-se com a aristocrática, no aspecto da vida de pouca privacidade, como relata Bruschini, (2000, p. 53): A unidade básica da vida camponesa não era a família conjugal, mas a aldeia. Casamento, relações entre marido e mulher e entre pais e filhos, tudo era compartilhado por todos os aldeões, pois a privacidade era desconhecida e sem valor. A família proletária, dos séculos XVIII e XIX, era caracterizada pela precariedade material, então se fazia necessário o trabalho de todos os seus membros, inclusive das crianças, para a garantia da sobrevivência. As crianças eram socializadas nas fábricas, afirmando desde muito cedo sua independência de cuidados e zelo dos pais, pois, ao contrário das mulheres burguesas, as mães proletárias conciliavam os afazeres domésticos com os serviços nas fábricas e não possuíam tempo para dedicar às crianças. Essa independência não deve ser entendida como uma forma de emancipação, mas sim uma estratégia precária de sobrevivência com os recursos disponíveis e possíveis da época. A TRAJETÓRIA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA NA SOCIEDADE BRASILEIRA 32 Com a emergência das classes trabalhadoras, advindas também das primeiras conquistas trabalhistas, as burguesias filantrópicas esforçam-se para integrar a camada subalterna ao modelo de moralidade familiar burguês. O modelo familiar, como conhecido atualmente, consolidou-se por volta do século XVIII. Conforme dados históricos, esse modelo vigora desde o período pré-industrial, em que seus membros trabalhavam em casa e no campo, unidos em torno da produção, aos dias atuais, passando pela Revolução Industrial, marcada pela venda da força de trabalho e a família como unidade de consumo e privatização: “[...] a família extensa cede importância à nuclear e, dentro do casamento, os papéis sexuais se tornam menos segredados.” Aos poucos a casa passa a ser espaço de privacidade de seus membros, com a crescente interferência do Estado no espaço social, “[...] antes entregue às comunidades [...]” (BRUSCHINI, 2000, p. 51-52). Com isso, a vida cotidiana sofreu mudanças com as novas posturas em relação ao corpo, e o gosto pelo isolamento tornou a família e a casa, de unidade econômica, num lugar de refúgio, afetividade, atenção à infância, recolhimento e proteção do indivíduo, segregando-se do espaço público. O papel do pai passou a ser o de respeito e de inspiração moral na sociedade.Com relação a essas mudanças, Costa (2004) adverte que representaram, além de outras coisas, mais uma forma de repressão e controle do indivíduo, em que a filantropia era uma manobra dos laços de solidariedade familiar, pois quando preciso seriam usados na represália aos indivíduos insubordinados. Sobre a infância, os estudos de Ariès (1981) acerca da iconografia dos séculos passados demonstram que a infância foi descoberta. E esse fenômeno aconteceu gradativamente entre os nobres na Europa, na Idade Moderna, pois “nada no traje medieval separava a criança do adulto.” (ARIÈS, 1981, p. 70). O autor embasa seus argumentos nos signos dos trajes utilizados na época e das obras de artes que caracterizavam as crianças como homens adultos em miniatura. Esse autor, ao descrever a cena do Evangelho em que Jesus pede: vinde a mim as criancinhas, comenta que “[...] o miniaturista agrupou em torno de Jesus oito verdadeiros homens, sem nenhuma das características da infância: eles foram simplesmente reduzidos numa escala menor.” (ARIÈS, 1981, p. 50). Ariès (1981) constata em seu estudo que neste mundo não havia lugar para a infância, pois era calcada nos valores dos adultos, produção cultural e na vida do trabalho, sendo assim não se reconhecia na criança o ser humano. Seria ela um “projeto de gente”. Esse estudo se A TRAJETÓRIA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA NA SOCIEDADE BRASILEIRA 33 refere à Idade Média5, época em que a sociedade brasileira estava em sua fase embrionária e o conceito de civilização era baseado na forma de vida da Europa. A infância como etapa do ser em desenvolvimento é noção recente. A criança, na Idade Média, só viria a ter uma identidade própria no momento em que fosse capaz de fazer as coisas semelhantes àquelas realizadas por adultos. Sobre esse assunto, Müller (2007) observa que a questão do sentimento de infância nos primeiros séculos não era falta de afeto, mas sim a falta de consciência da infância como a que se tem hoje, ou pelo menos como a que se espera que exista atualmente. Muitas crianças morriam não alcançando a vida adulta e o sentimento dos pais com relação a essas mortes era de indiferença: “[...] vemos uma vizinha, mulher de um relator, tranqüilizar assim uma mulher inquieta, mãe de cinco ‘pestes’, e que acabara de dar à luz: ‘Antes que eles te possam causar muitos problemas, tu terás perdido a metade, e quem sabe todos’.” (ARIÈS, 1981, p. 56-57). A perda de uma criança era um acontecimento corrente, portanto não se apegavam a elas da forma como ocorre atualmente, o que explica “algumas palavras que chocam nossa sensibilidade moderna, como estas de Montaigne: Perdi dois ou três filhos pequenos, não sem tristeza, mas sem desespero.” (ARIÈS, 1981, p. 56-57). Müller (2007) apresenta, em contrapartida, exemplos de iconografia da época de mães chorando a morte de seus filhos, colocando em dúvida a generalização da indiferença com a morte das crianças, e acrescenta que a característica mais forte na vida da criança, do século XII ao século XV, não era a reação com relação a sua morte, mas sim a forte possibilidade dessa morte: “Estando viva, havia mais perspectiva de morrer do que de viver.” (MÜLLER, 2007, p. 31). Talvez tudo isso venha a justificar, de certo modo, a reação dos adultos que se acostumaram a não sobrevida da maior parte das crianças e assim reagiam banalizando a morte, que ocorria não só em decorrência das pestes, pobreza material, más condições de higiene, “[...] mas sim porque muitos adultos as matavam explicitamente, apesar da doutrina cristã estar fazendo certo movimento de preservação da vida infantil [...]” (MÜLLER, 2007, p. 31). Na Idade Média, os códigos de conduta da Igreja Católica prevaleciam, pois diante da lei o crime ainda não estava efetivamente estabelecido. Müller (2007, p. 33) registra que a valorização de Cristo criança, presente nas imagens da época, interferiu na valorização da criança e na defesa de sua vida, mas acrescenta que há divergências entre autores, uma vez que 5 O período da Idade Média foi tradicionalmente delimitado com ênfase em eventos políticos. Nesses termos, teria-se iniciado com a desintegração do Império Romano do Ocidente, no século V (em 476 d.C.), e terminado com o fim do Império Romano do Oriente, com a Queda de Constantinopla, no século XV (em 1453 d.C.). A TRAJETÓRIA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA NA SOCIEDADE BRASILEIRA 34 “[...] a Igreja cristã condena o infanticídio, mas se lhes atribui à origem de qualquer fenômeno sobrenatural e as denominam endemoninhadas, e como estavam possuídas pelo demônio e outros espíritos infernais, submetem-nas a práticas exorcistas.” A morte de crianças, a troca ou o seu abandono, a ausência de sentimento ou a necessidade de valorização do ser humano durante a infância, enfim, a violência no cotidiano é contada, ou cantada, por crianças e adultos. Em variadas culturas é possível encontrar trovas, cantigas, contos que apontam a violência contra a criança. Essas expressões atravessaram séculos, reproduzidas oralmente por meio de gerações, e até os dias atuais muitas vezes carregam despretensiosamente um registro que confirma a historiografia, como pode ser observado na cantiga, “De marre decê”, de uma brincadeira6: Eu sou pobre, pobre, pobre De marré, marré, marré Eu sou pobre, pobre, pobre De marré decê Eu sou rica, rica, rica De marré, marré, marré Eu sou rica, rica, rica De marré decê Eu queria uma de vossas filhas De marré, marré, marré Eu queria uma de vossas filhas De marré, decê Escolhei a qual quiser De marré, marré, marré Escolhei a qual quiser De marré decê Eu queria a (nome da menina) De marré, marré, marré Eu queria (nome da menina) De marré decê 6 “A brincadeira chama-se ‘Jogo de Rico e Pobre’ e procede da Europa Nórdica. Nela, originalmente, duas linhas de meninas eram postas frente a frente. As que estavam na dianteira representavam a ‘mãe pobre’ e a ‘mãe rica’. Esta cantava e movimentava-se para frente e para trás. Após, alternavam a função com a primeira. Ao fim, trocavam de posição e o jogo recomeçava. [...] Estes jogos e cantos eram praticados pelos campesinos, gente rural. Para eles, um ofício era o bastante, porque almejavam com o trabalho (e o casamento) uma vida natural, feliz e simples. O refrão é sempre derivado da palavra Maria. Refere-se à Virgem Maria, mãe de Jesus.” (MEDINA, 2009). A TRAJETÓRIA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA NA SOCIEDADE BRASILEIRA 35 Que ofício dás a ela? De marré, marré, marré Que ofício dás a ela? De marré decê Dou o ofício de (nome do ofício) De marré, marré, marré Dou o ofício de (nome do ofício) De marré decê Este ofício me agrada (ou não) De marré, marré, marré Este ofício me agrada (ou não) De marré decê Lá se foi a (nome da menina) De marré, marré, marré Lá se foi a (nome da menina) De marré decê Eu de pobre fiquei rica De marré, marré, marré Eu de rica fiquei pobre De marré decê (VALENTE, 1979) Sobre as relações sociais, Müller demonstra que a rua era muito significativa, pois era “[...] o lugar onde se vivia intensamente, brincava-se, faziam-se festas, trabalhava-se, conversava-se, descansava-se, faziam-se espetáculos e tantas outras atividades mais, que hoje são do âmbito privado.” (MÜLLER, 2007, p. 22). O cenário brasileiro é aqui pensado a partir dos anos da colonização e é observado principalmente sob o aspecto da formação cultural. A sociedade brasileira carrega em seu cerne as concepções trazidas da Europa pela colonização lusitana; as características dos homens que aqui viviam em diversas nações, antes da presença do português, e do homem que foi trazido na condição perversa de escravo; e as influências culturais das imigraçõesque ocorreram em épocas diversas, as quais foram e ainda irão se ressignificar na formação da própria cultura. A TRAJETÓRIA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA NA SOCIEDADE BRASILEIRA 36 1.2 A FAMÍLIA E A INFÂNCIA BRASILEIRA Ribeiro (1997) demonstra que o núcleo fundamental que assentou a estrutura econômica do Brasil foi marcado pela exploração das riquezas naturais, pela desvalorização dos povos nativos, pelo espírito aventureiro e desregrado dos colonos, e pela exploração da mão de obra escrava. A escravidão surgiu em anos que antecederam a Idade Contemporânea pelas potências cristãs, das quais fazia parte Portugal, que mantinham o monopólio do tráfico de forma tão brutal quanto à barbárie do período Antigo Medieval. Tal prática ocorria abertamente em contraste com a doutrina de liberdade, igualdade, natural de todos os homens da tradição cristã secularizada, trazendo o racismo como um novo ‘produto’ do etnocentrismo e do cientificismo europeu que a Antiguidade não conheceu. (MACEDO, 2007, p. 60). Nesse cenário e sob as influências que foram descritas na seção anterior, gradativamente foi se formando a família e a infância nos moldes brasileiros. É bem verdade que “a política de Portugal foi decisiva na organização da família colonial brasileira”, como aponta Costa (2004, p. 36), ao demonstrar como se formou o poder familiar latifundiário na Colônia, que “[...] em breve, competia com o próprio poder da metrópole.” A potência da família colonial não demorou muito tempo para subjugar todo o território: No Brasil Colônia a família passou a ser sinônimo de organização familiar latifundiária. Toda a formação social que pudesse fraturar o mito de sua universalidade era sistematicamente aniquilada. A família escrava foi destruída pela violência física e a dos homens livres pobres, pela corrupção, pelo favor, e pelo clientelismo. (COSTA, 2004, p. 37). Os elementos presentes no Brasil Colônia eram a família patriarcal preservando o latifúndio, em contrapartida a uma grande massa de escravos e despossuídos. Eram duas partes que se conflitavam em decorrência da tentativa de manter o poder. Esses conflitos se estendiam para outras categorias, não só entre os grupos dominantes. Para preservar o poder do latifúndio, a cultura da família patriarcal no Brasil era marcada pelo autoritarismo do senhor sobre os escravos, esposa e filhos, e baseada na A TRAJETÓRIA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA NA SOCIEDADE BRASILEIRA 37 propriedade privada. As uniões monogâmicas eram exclusivas às mulheres, pois estas geravam os herdeiros aos seus maridos. Assim, “[...] para os homens ela não passa, afinal de contas, da mãe de seus filhos legítimos, seus herdeiros.” (RIBEIRO, 1997, p. 47). Para Costa (2004, p. 37), as famílias tinham poucas chances de criarem raízes sólidas, diante das irregularidades dos costumes sexuais, escravidão e insegurança econômica: “oscilavam da posse física do meio urbano, até o controle biológico dos subordinados, pela assimilação dos bastardos ao exército da casa-grande.” As relações familiares eram contraditórias e desiguais entre classes e gêneros. Não condiziam exatamente com as famílias da Europa do mesmo século, mas utilizavam da estratégia mercantilista que interessava à metrópole pelo lucro fácil e sem investimentos. A economia brasileira dessa época dependia da exportação e dos escravos, portanto conclui-se que eram considerados mercadorias. Como em Portugal já vinha sendo utilizado o trabalho escravo, por meio da exploração do africano negro, desde o século XV, esses escravos passaram a ser trazidos ao Brasil como instrumento de mão de obra na produção agrícola de produtos que seriam comercializados na Europa. “[...] Do fator econômico decorreria o tipo de trabalho que estas duas outras raças teriam para se enquadrar na oposição da raça dominante.” (RIBEIRO, 1997, p. 20). Desses trechos, é possível extrair que o fenômeno da mestiçagem se deu pela imposição da raça e gênero dominantes às raças e gêneros dominados, com isso a base da pirâmide social no Brasil Colônia era formada por mulheres/meninas negras e índias. A mulher indígena, como analisa Ribeiro (1997), ainda possuía o status de ser nativa da terra e, assim, conservava em melhor condição a sua subjetividade, pois tinha menos degradadas a liberdade e a identidade, o que não acontecia com as mulheres negras. A autora destaca também que em grande parte do histórico colonial não existia no território brasileiro a mulher branca, na medida em que a imigração se fez, senão raramente, de homens isolados que tentavam uma aventura, deixando a família na metrópole à espera de uma definição do chefe que emigrou: [...] Espera que se prolonga e não raro se eterniza, porque nosso colono, mesmo estabilizado, acabará preferindo a facilidade de costumes que lhes proporciona mulheres submissas de raças dominadas que se encontram aqui, às restrições que a família lhe trará. E quando não, já estará tão habituado a tal vida, que o freio da mulher e dos filhos não atuará nele, senão muito pouco. (RIBEIRO, 1997, p. 22). A TRAJETÓRIA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA NA SOCIEDADE BRASILEIRA 38 Ribeiro (1997) demonstra que a vinda da mulher branca para o território brasileiro retardou-se devido às dificuldades aqui vividas pelos colonos. Esses obstáculos advinham principalmente de dois fatores: primeiro porque aqui era uma região de costumes, valores e crenças considerados selvagens, e, sendo assim, não era um atrativo às mulheres acostumadas à vida da metrópole; o segundo está relacionado ao fato de que os homens vindos ao Brasil obtinham vantagens da condição das mulheres que aqui encontravam, uma vez que, por serem das raças e condições sociais consideradas inferiores, eram mais submissas. Sendo assim, a miscigenação foi constituída principalmente de homens brancos com mulheres negras e índias, e, como a mulher sofria todos os tipos de discriminação de raças, gênero e classes, as crianças geradas dessas relações eram consideradas filhos ilegítimos, por não advirem de um relacionamento legalmente constituído, conforme exigências religiosas e políticas da Europa. Frequentemente essas crianças eram vítimas da discriminação e do abandono. Um documento histórico, citado por Ribeiro (1997), traz informações de que prevalecia na época a prática de padres doutrinadores, como Nóbrega, que convertiam homens a viver de acordo com os costumes cristãos, casarem-se e constituírem famílias. No entanto, o ambiente era contraditório. À raça branca, que era a dominadora do território brasileiro, pertenciam os indivíduos de sexos masculinos, enquanto as raças dominadas eram as indígenas e negras, às quais pertenciam também as mulheres da Colônia em sua maioria. Como os matrimônios só ocorriam entre pessoas da mesma raça e cultura, e dentro dos parâmetros europeus, a autora destaca que a vinda da mulher branca ao Brasil ocorreu no momento em que se percebeu a necessidade da formação da família nos moldes da cultura europeia, para administrar e preservar o poder do latifúndio, que fornecia ao comércio europeu gêneros tropicais e minerais, extremamente valorizados. Em virtude disso, era preciso mandar trazer as mulheres brancas de Portugal, mesmo que fossem enjeitadas ou ‘erradas’ lá. Aqui elas seriam responsáveis pela perpetuação do domínio europeu, através da procriação da raça branca. Não importava se na Metrópole fossem órfãs, ladras, prostitutas, ou de qualquer procedência social; bastava que fossem brancas e européias. (RIBEIRO, 1997, p. 20). A TRAJETÓRIA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A CRIANÇA NA SOCIEDADE BRASILEIRA 39 A família nos moldes dos povos nativos e dos povos africanos não era incentivada, quando não era proibida por seus senhores, pois quando essas pessoas chegavam da África eram separados do vínculo
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