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1 O paradigma da arquitetura moderna segundo Le Corbusier 1 Bárbara Araldi Tortato 2 Por uma arquitetura foi uma publicação, com primeira edição em 1923, de um compêndio de artigos de Le Corbusier, o qual, beirando as extremidades da crítica – chamado desde engenheiro sujo até, “do outro lado do inferno” (CORBUSIER, 1994, p. XX), de arquiteto barroco -, assume, ao longo dos capítulos, uma posição sobre como a arquitetura pode ser aprimorada para bem atender às condições e necessidades do homem moderno. Como um sinal dos tempos, segundo ele, a arquitetura começou a desprezar os palácios e se ocupar da casa do homem comum – foi o novo espírito do pós-guerra. Isto se percebe, principalmente, quando, ao invés de ostentação, prioriza-se a eficiência, a precisão, a rapidez, que um ambiente pode promulgar para aqueles que dele usufruem. Não apenas no que se refere, especificamente, ao ambiente de trabalho; perceber-se-á que estas características são aquelas que, segundo Le Corbusier, deveriam se estender ao ambiente doméstico. A superação da ideia de palácio no ambiente de trabalho deve ser espelhada na moradia; a funcionalidade deve ser comum aos espaços. Encontrar “a necessidade-tipo, a função-tipo, a emoção-tipo” (CORBUSIER, 1994, p. XVII), eis a função do arquiteto para ele, que assume, abertamente, uma posição funcionalista da arquitetura, considerando-a o corolário da cultura que o contorna. Le Corbusier sugere que não seja o espírito escolástico que deva predominar num mundo que despiu o luxo e que convive com as “consequências inquietantes das novas técnicas” (CORBUSIER, 1994, p. XXV). Torna-se óbvia a posição do autor de que a arquitetura, para cumprir sua função de subsidiar as necessidades do homem, deveria se alinhar ao amálgama de mudanças ocorridas ao longo da Revolução Industrial e modeladoras do mundo moderno. Deixar para trás os “enormes pedaços de nossa vestimenta sentimental de outrora” (CORBUSIER, 1994, XXV) deveria se tornar imperativo. Para acompanhar o homem moderno, a casa moderna não veste luxo: deve ser a casa- instrumento, a máquina de morar. E se a intenção para a arquitetura é ter uma planta traçada por órgãos vivos, com disposições pensadas a partir das suas relações com o conjunto - algo que emocione pela grandeza da intenção -: não se emociona o homem moderno com uma 1 Notas de leitura sobre a obra Por uma Arquitetura, de Le Corbusier, para o seminário de Arquitetura e Filosofia do Mestrado em Filosofia na Universidade de Coimbra, ministrado pelo professor Diogo Ferrer no segundo semestre do ano letivo de 2012/2013. 2 barbaratortato@hotmail.com 2 intenção pensada para os “países dos príncipes, dos cardeais, dos doges ou dos reis” (CORBUSIER, 1994, p. XXVII). Já que os instrumentos do homem marcam as etapas do desenvolvimento da civilização, dos acúmulos de aperfeiçoamento, a casa, como primeiro instrumento forjado pelo homem graças ao seu instinto primordial de se abrigar, deve, da mesma forma, deixar pra trás a forma obsoleta de considerar a arquitetura, percebendo-se neste novo espaço e novas necessidades. A civilização muda e o que não muda são dogmas. Le Corbusier considera esta proposta de mudança uma questão de moralidade. A escola de arquitetura, entretanto, insiste nos velhos dogmas e torna o trabalho dos novos arquitetos algo inadequado e que não se sustenta na cultura sua contemporânea. Enquanto isso, aqueles que, ao invés de procurarem remarcar o passado em um tempo atual, procuram perceber a nova necessidade conforme utilidade e atividade, podem substituir a função, quiçá a qualidade, daqueles que não o fazem. Os arquitetos não souberam adaptar suas formas e emoções plásticas ao movimento do espírito moderno. Isso resulta em nem mais o operário nem mais o intelectual usufruírem de “um abrigo conveniente” (CORBUSIER, 1994, p. XXXIII). É a partir destes termos que Le Corbusier considera que, nesta época, a arquitetura sofria uma penosa regressão enquanto a engenharia gozava de pleno florescimento. Justamente porque a função convencional do engenheiro, vinha sendo, propriamente, o que as novas diretrizes apontavam para o arquiteto e este se negava a ver. A função do arquiteto, de exprimir, com o movimento do espírito criador, a beleza, estava sendo concretizada pelo engenheiro, pois a ideia de beleza do homem moderno se aproxima daquela que o engenheiro, através do cálculo e da lei da economia, põe em prática. A função do arquiteto é a de “empregar os elementos suscetíveis de atingir nossos sentidos” (CORBUSIER, 1994, p. 7), porque “a arquitetura é um fato de arte, um fenômeno de emoção, fora das questões de construção, além delas. A construção é para sustentar; a arquitetura é para emocionar” (CORBUSIER, 1994, p. 10). Mas o mundo exterior transformou-se em virtude da máquina e o arquiteto não acompanhou a nova necessidade e exigência dos sentidos deste novo homem industrial. Os desejos visuais não são mais os mesmos, mas as casas são. O novo homem pós-revolução industrial tem suas necessidades sensíveis equivalentes à forma de pensar do engenheiro: útil e ativa. Essas deveriam ser as diretrizes e as geratrizes da casa moderna. Engenheiros se utilizam do efeito do cálculo que espelha uma ordem universal. São engenheiros, a esta altura, que provocam “emoções arquiteturais” (CORBUSIER, 1994, p. 17) 3 Considerando que “o volume e a superfície são os elementos através dos quais se manifesta a arquitetura”, pelos quais o projeto toma vida, se materializa e que têm como matriz geradora a planta, são estes elementos que devem estar em consonância com a proposta moderna. No que diz respeito ao volume, é instintivo: seja para a criança, o selvagem e ou o metafísico, a beleza se encontra na forma primária, porque esta se revela sem ambiguidade para seus olhos. Percebe-se, em contraste, por exemplo, que a catedral gótica não se utiliza das formas primárias e, portanto, não emitindo clareza (beleza) para os sentidos, exige “compensações de ordem subjetiva, fora da plástica” (CORBUSIER, 1994, p. 13). E este é um dos motivos pelo qual engenheiros “esmagam com seus cálculos a arquitetura agonizante” (CORBUSIER, 1994, p. 17): porque não se perdem na esterilidade dos arabescos, das pilastras e das cumeeiras de chumbo, como fazem os arquitetos. Considerando que “as formas primárias são as belas formas” (CORBUSIER, 1994, p. XXIX) a geometria e a matemática do engenheiro satisfazem muito mais do que a ostentação do arquiteto. O defeito do arquiteto é não realizar mais formas simples, isto é, aquelas que se leem claramente. Os floreios da arquitetura devem ter o mesmo fim daqueles da narrativa da arte moderna: desbastados até se tornarem o mais limpos possível, objetivos. A superfície, por sua vez, que envolve os volumes, não deveria se tornar parasita ou os devorar. É preciso, ao contrário, que a superfície se torne reveladora da forma. Considerando-se um bom exemplo deste equilíbrio entre as partes a Rua de Rivoli (fig. 1) e, em contraponto, o Boulevard Raspail (fig. 2): (fig. 1) (fig. 2) 4 A necessidade sobre a qual Le Corbusier funda seu conceito de beleza é o espírito utilitário. Neste espírito se fundem “limpeza, adequação às necessidades de habitação, a aplicação do espírito de série na organização das obras, a grandeza da intenção, a serenidade do conjunto” (CORBUSIER, 1994, p. 21). Adequando-se perfeitamente a este paradigma encontram-se os engenheiros, que, por função, criam, naturalmente, “fatos plásticos, claros e límpidos, dando aos olhos a calma e ao espírito as alegrias da geometria” (CORBUSIER, 1994, p. 24). Neste sentido, enquanto assume a definição de arte como “aplicação dos conhecimentos para a realização de uma concepção” (CORBUSIER, 1994, p. 7), é consequente que assumatambém, no contexto em questão, os engenheiros como superiores nesta função “de sustentar, de aquecer, de ventilar, de iluminar” (CORBUSIER, 1994, p. 7). O homem moderno, para Le Corbusier, é aquele que vive num ambiente sem “objetos inúteis” e “ninharias ridículas”, e prefere o conforto de um ambiente funcional como aquele que encontra no seu espaço de trabalho. Aliás, “via-se bem que eles eram mais felizes na fábrica ou em seu banco”, diz ele em comparação com o conforto do ambiente residencial fora do padrão moderno. Isto porque a figuração e a “estória” distraem, e a arte moderna fez bem – e a arquitetura moderna deveria segui-la - em descartá-las: o espírito moderno se afastou do excesso e se fechou naquilo que faz simplesmente meditar, como se vê mais explicitamente no caso da pintura moderna. Propondo que, ao imprimir eficiência nas edificações supriria com a mesma eficiência as necessidades de moradia do ser humano, e considerando esta como a efetivação do arquiteto de provocar emoções plásticas, Le Corbusier coincide beleza e clareza. Isto é, tudo aquilo que converge para uma exemplificação do límpido, elementar, simples, se torna sinônimo de agradável. Ao que parece, o arquiteto deveria pensar a casa como um problema preciso, que exige um conjunto de demandas absolutamente necessárias para sua resolução; tudo aquilo que excede a necessidade de resposta para este problema deveria ser descartado, visando um caminho objetivo até a efetivação do projeto. Aquilo que não for fundamental para que o ambiente se torne o receptáculo que abriga o homem e lhe garante abrigo, o estéril para esta função, não só é desnecessário como é um obstáculo para o bem estar. Le Corbusier censura o barroco e vai em direção ao outro extremo, do mecanismo limpo, racional e funcional, disciplinado, organizado e econômico. Bibliografia LE CORBUSIER. Por uma arquitetura. 5ª ed. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1994.
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