Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Finalidades da filosofia do direito Resumo: A Filosofia do Direito coloca para si mesma a permanente pergunta acerca dos objetivos, finalidades e metas que precisa alcançar a fim de ser significativa e oferecer uma contribuição específica e diferenciada aos acadêmicos e profissionais do Direito. Diversas são as respostas oferecidas pelos Filósofos do Direito às questões que perguntam sobre as finalidades dessa disciplina. Afirmam que ela cumpre a função de problematizar o Direito; de implementar a tarefa conceitual; de depurar a linguagem jurídica etc. De qualquer modo à Filosofia do Direito compete oferecer ao acadêmico e ao profissional do Direito a possibilidade de pensar e re-pensar de forma crítica os diversos elementos que compõem o vasto universo jurídico. Introdução A forma pouco valorizada e reconhecida como a Filosofia do Direito é tratada nas academias e demais carreiras jurídicas impõe algumas perguntas de certo modo desconfortáveis, mas necessárias: Em que consiste o papel da Filosofia do Direito na formação integral do profissional do Direito? O acadêmico deve cumprir uma carga horária obrigatória de Filosofia do Direito, o que esse conteúdo deverá oferecer a ele? Como o conhecimento construído no estudo dessa disciplina deve contribuir para a melhoria do desempenho da seara jurídica? Para que serve a Filosofia do Direto? Qual é a finalidade de tal disciplina? Dessa forma, o problema norteador desse artigo pode ser resumido na seguinte questão: Qual o papel da Filosofia do Direito na formação integral do profissional do Direito? O papel da Filosofia do Direito é contribuir com uma formação holística, humanística e capaz de levar a uma leitura reflexiva do fenômeno jurídico; teria, portanto, a função de instigar o profissional do Direito a uma visão mais completa e complexa do fenômeno jurídico que supere a visão meramente técnica e praxista; levaria o estudioso a perguntar o porquê do direito; a perguntar o que é o direito e não somente a perguntar como se fazem os processos jurídicos. Uma primeira meta da Filosofia do Direito pode ser encontrada na obra de Nunes (2004, p. 01) para quem “a Filosofia do Direito tem, pelos menos, duas funções: a) estimular o pensamento; b) fazer uma crítica do conhecimento jurídico imposto pela doutrina”. Trata-se de uma divisão meramente didática, pois, na verdade, há uma interdependência dessas metas, ou seja, quando se estimula o pensamento daquele que trabalha com o Direito de forma eficaz promove-se, concomitantemente, uma crítica do conhecimento jurídico proposto pela doutrina. Essa idéia de que a Filosofia alia-se à reflexão é também compartilhada por Nader (2005, p. 09). Segundo seus ensinamentos, “Modernamente a Filosofia se identifica como método de reflexão pelo qual o homem se empenha em interpretar a universalidade das coisas”. Essas afirmações vão delineando conceito e papel para a Filosofia do Direito: instigar a capacidade reflexiva do profissional do Direito oferecendo-lhe condições (métodos) e oportunidades para pensar criticamente o Direito. Levando-se em conta a importância da crítica, pode-se ler na obra de Bittar e Almeida (2001, p. 43): “A Filosofia do Direito é um saber crítico a respeito das construções jurídicas erigidas pela Ciência do Direito e pela própria práxis do Direito. Mais que isso, é sua tarefa buscar os fundamentos do Direito, seja para cientificar-se de sua natureza, seja para criticar o assento sobre o qual se fundam as estruturas do raciocínio jurídico, provocando, por vezes, fissuras no edifício jurídico que por sobre as mesmas se ergue”. Da afirmação acima, pode-se concluir, inclusive, uma dimensão mais pragmática para a Filosofia do Direito, vez que, como fruto de seu trabalho, o pensador do Direito contribui para o amadurecimento do fenômeno jurídico – fortalecendo as teses em evidência ou criando fissuras para que novas visões possam surgir no seio do sistema jurídico. 1 Finalidades da filosofia do direito O ponto de partida desse artigo é uma pergunta inevitável: Qual é o objetivo de se estudar Filosofia do Direito? O que ela faz? Com o que se ocupa? Para que serve? Há diversidade de posicionamentos quanto a essa questão, mas a possibilidade da divergência é força motriz para a Filosofia do Direito, afinal, é da natureza do filósofo do Direito converter “em problema o que para o jurista vale como resposta ou ponto assente e imperativo” (REALE, 2002, p. 10). Essa afirmação de Reale já oferece indicação acerca de uma finalidade da Filosofia do Direito: problematizar. Mas o que vem a ser problematizar? Problematizar é o ato de transformar em questionamento algo tido como seguro e resolvido. É a capacidade de intuir uma certa situação problemática que se esconde por traz das aparências calmas do cotidiano. É a habilidade de transformar em uma pergunta bem elaborada as indagações que perturbam as pessoas. É perguntar sobre as razões que fundamentam uma determinada prática e transcendê-la. É, enfim, colocar um ponto de interrogação inesperado onde já descansa tranqüilo e satisfeito um ponto final. A tarefa de problematizar imposta à Filosofia do Direito não pode ser entendida de forma pejorativa, como se a Filosofia estivesse preocupada em se tornar obstáculo para o desenvolvimento do Direito. É exatamente o contrário que se pretende. Problematizar, aqui, tem o intuito de instigar o direito a evoluir. Quando a Filosofia, diante de uma sentença penal condenatória, pergunta, por exemplo, sobre da legitimidade do Estado, quando exerce o poder de punir, ela coloca para o Direito, para os juristas e para os cidadãos a necessidade não só de cumprirem de forma prática a tarefa de punir, mas provoca os envolvidos a apresentarem as razões de ser do direito de punir. Ora, esses pressupostos já são dados como certos. Porém, ao repensar sobre eles, o Filósofo do Direito viabiliza um amadurecimento das convicções já existentes ou abre possibilidades para novas perspectivas. Eis um exemplo de problematização. Contudo, cabe aqui uma advertência: a Filosofia do Direito não deitará tranquila em um determinado dia de sua existência e dirá: ‘não há mais o que fazer, já problematizei o direito e, portanto, já cumpri minha tarefa!’. Ao contrário, esse é um objetivo que se confunde com o fazer da própria Filosofia do Direito. Ao trazer à tona elementos que desafiam o universo jurídico, a Filosofia do Direito alcança seu objetivo, mas se alimenta dessa energia que é cumprir sua tarefa. De alguma forma a realização do trabalho – problematizar, fazer perguntas – já é também a materialização do objetivo. Além de problematizar, cabe à Filosofia do Direito também a tarefa de estabelecer uma investigação conceitual do direito: Pode-se dizer, “resumidamente, que a Filosofia Jurídica consiste na pesquisa conceitual do direito” (NADER, 2005, p. 10). O conceito “é a representação dum objeto pelo pensamento, por meio de suas características gerais” (FERREIRA, 1998, p. 166). Quando se propõe a buscar os conceitos dos quais o fenômeno jurídico está revestido, o filósofo do Direito cumpre a tarefa de desvendar o sentido geral de cada elemento do Direito. Ao conceituar, consegue fazer emergir algo da essência de cada realidade jurídica. Elucida a identidade de cada instituto. Conceituar, em maior ou menor profundidade, é imprescindível para estabelecer sentido e aplicabilidade ao Direito. O filósofo do Direito almeja purificar cada vez mais os conceitos a fim de que haja maior lucidez em sua utilização. Ao pensador do Direito compete entender a finalidade conceitual como sendo o desejo de ‘escavar’ o significado, de exteriorizar elementos que estão internalizados nas profundezas de determinada manifestação jurídica. Trata-se de uma tarefa que exige do filósofo do Direito uma visão bastante apurada da realidade humana. Conceituar um instituto jurídico, por exemplo, implicalevar em conta suas origens históricas, filosóficas, culturais; impõe conseguir relacioná-lo a outras realidades a ele afins; obriga ter noção dos valores que o acompanham e lhe dão contornos. Conceituar é, portanto, uma tarefa de alta complexidade e muito fatigante ao filósofo que se propõe a realizá-la de forma mais completa. Outra finalidade almejada pela Filosofia do Direito é a de ser uma permanente julgadora do Direito, especialmente do Direito positivo. Para os positivistas jurídicos, o Direito positivado pelo Estado goza de credibilidade suficiente para que seja aplicado sem que sobre ele sejam feitos quaisquer questionamentos, mas surgem, filosoficamente falando, perguntas capazes de revelar fragilidades nessa convicção. Não deve o próprio Direito positivo ser objeto de indagações e de julgamentos? Galves (2002, p. 75) apresenta essa questão da seguinte maneira: “O positivismo Jurídico, de modo geral, responde que as normas jurídicas devem ser obedecidas, pelo simples fato de existirem como normas – sejam boas ou más, justas ou injustas. Basta que tenham sido postas (positividade) para que devam ser cumpridas. O Positivismo Jurídico abandona o individuo diante do Poder. Observa-se, porém, que há o fenômeno de que nenhum jurista reduz sua consciência jurídica a esse horizonte fechado […] as normas jurídicas, que os Tribunais aplicam, comparecem também diante de um Tribunal que as julga. Que Tribunal é esse, que julga o Direito Positivo […]?” Conclusão Filosofar não é tarefa fácil. Exige do sujeito uma postura de abandono do lugar de comodidade e supõe permanente abertura para a construção do conhecimento. Desde seu surgimento a filosofia prezou pela busca de soluções bem fundamentadas para as perguntas que incomodavam as pessoas; sempre tentou nutrir-se com a convicção de que as respostas encontradas deveriam ser tratadas como prováveis e não como absolutamente certas e acabadas. O Direito é um produto cultural, feito pela razão do homem e como tal, precisa de oportunidade de submeter o que produz aos critérios da racionalidade. A Filosofia do Direito é disciplina que exerce de forma intensa a tarefa de pensar e repensar de forma crítica, profunda e ampla o fenômeno jurídico. Por mais que o Direito tenha que se apresentar como um ser gerador de segurança; por mais que certo grau de rigidez lhe seja indispensável, a Filosofia tem o poder de oferecer a ele elementos que contribuem para seu aperfeiçoamento. O que motivou esse artigo foi a tentativa de apontar quais contribuições o acadêmico ou profissional do Direito podem esperar da Filosofia, ficando claro que inúmeras são essas contribuições: A Filosofia do Direito investiga o Direito do ponto de vista conceitual; exerce sobre ele uma rigorosa crítica; problematiza-o; viabiliza ao jurista abrir sua mente diante do fenômeno jurídico; abre espaço para a percepção de verdades que se escondem por traz dos discursos. Estabelece, enfim, com o Direito uma relação dialética capaz de fazer com que o jurista tenha cada vez mais uma melhor percepção de seu instrumento de trabalho. Para encerramento desse trabalho, é saudável lembrar o pensamento de Ihering (2011, p. 35): “A vida do Direito é a luta […] o Direito não é mero pensamento, mas sim força viva”. Assim, uma das especiais formas de alimentar essa dimensão de luta e de força viva do Direito passa pela possibilidade oferecida pela Filosofia do Direito. O filósofo do Direito, tomando o significado etimológico da palavra filósofo, é amante da sabedoria jurídica e como tal, considera o Direito como realidade viva, com a qual precisa dialogar. Mais que isso, estabelece constantes lutas teóricas e práticas com o Direito e a partir do Direito. Oxalá, todo jurista possa ser, ao menos de forma razoável, um amante do verdadeiro saber jurídico: um filósofo do Direito. Texto complete disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-100/finalidades-da- filosofia-do-direito/ https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-100/finalidades-da-filosofia-do-direito/ https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-100/finalidades-da-filosofia-do-direito/
Compartilhar