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Cidadania e Ética
Cidadania e Ética
1ª edição
2019
Autoria
Parecerista Validador
Francesco Napoli
Homero Nunes Pereira
*Todos os gráficos, tabelas e esquemas são creditados à autoria, salvo quando indicada a referência.
Informamos que é de inteira responsabilidade da autoria a emissão de conceitos. Nenhuma parte
desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem autorização. A violação dos
direitos autorais é crime estabelecido pela Lei n.º 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
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Sumário
Sumário
Unidade 1
1. Ética, Moral e Justiça ..................................................7
Unidade 2
2. A Condição Humana .................................................25
Unidade 3
3. Existencialismo .........................................................38
Unidade 4
4. Bioética ......................................................................49
Unidade 5
5. Sistemas Políticos .....................................................64
Unidade 6
6. Consciência Política e Ação Social .........................80
Unidade 7
7. Cidadania e Responsabilidade Social .....................96
Unidade 8
8. A Questão Brasileira .............................................. 109
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Palavras do professor
A principal proposta deste estudo é, de forma contextualizada, apresentar 
e problematizar, a partir da perspectiva filosófica, os aspectos filosóficos 
essenciais que permeiam nossa condição de seres humanos vivendo em 
uma sociedade. Serão vistos temas essenciais aos tempos atuais, em que 
se discute muito o que é ou não ético, bem como corrupção e valores de 
uma vida digna. 
Você terá, nesta unidade, uma apresentação sobre a ética e sua história, 
bem como uma discussão sobre o que torna um ser humano um cidadão, 
por quais motivos é preciso seguir normas e como não é possível escapar 
das relações políticas e das diferenças de opinião, tão importantes em 
uma democracia.
Você também estará envolvido em situações do cotidiano, de modo 
a despertar o senso crítico, para que seja possível pensar em dilemas 
éticos por conta própria, sempre guiado pela constante dúvida filosófica, 
essencial para o aprofundamento do senso crítico e do exercício reflexivo. 
Seja bem-vindo ao universo da filosofia e das suas instigantes formas de 
leitura do mundo!
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Objetivos da disciplina
Espera-se que você seja capaz de reconhecer e reproduzir assuntos 
específicos dos temas, de modo a elucidar o assunto em questão diante de 
situações que busquem aferir seu conhecimento teórico. Posteriormente, 
você poderá obter uma maior compreensão dos elementos práticos ao 
associar seu conhecimento prévio com o teórico, buscando sempre 
alcançar uma inter-relação entre os conhecimentos e a capacidade 
de análise e abstração a fim de ampliar sua capacidade de lidar com 
determinadas situações-problema. 
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 1Unidade 11. Ética, Moral e Justiça
Para iniciar seus estudos
Nesta unidade, você conseguirá compreender os diferentes contextos 
em que somos, enquanto seres humanos, questionados a agir diante 
do que é bom ou ruim, certo ou errado, e como tais ações se relacionam 
diretamente com o modo como nossa sociedade reconhece e valida o 
que está de acordo com as normas de justiça e cidadania. Preparados para 
essa grande viagem pelo saber prático? Vamos lá!
Objetivos de Aprendizagem
• Contextualizar as questões éticas enquanto elementos filosóficos 
e históricos, bem como as diversas consequências para a análise 
de assuntos relacionados à vida social e às normas legais. 
• Comparar os conceitos de ética e moral.
• Diferenciar ética, moral e senso comum.
• Explicar o caráter filosófico da ética.
• Identificar o caráter universal da ética e o caráter cambiante da 
moral.
• Descrever o conceito de imperativo para Kant.
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Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça
Introdução da unidade
O que é agir de uma maneira boa? O que é bom para você pode ser bom para todos os outros brasileiros? Como 
devemos lidar, no Brasil contemporâneo, com o debate sobre corrupção, justiça e ética? Nesta unidade, você 
conferirá que, há mais de 26 séculos, o ser humano debate sobre o agir virtuosamente e a justiça, o que denota 
como o assunto sempre foi importante para as sociedades. Espera-se que você possa pensar sua realidade por 
meio do conhecimento que aqui é oferecido, de conceitos e da história por trás da busca do ser humano por um 
mundo no qual possamos viver bem. 
1.1 Ética, moral e justiça 
O que é ética? O que é moral? O que é justiça? Esses termos estão muito presentes na mídia e no vocabulário de 
qualquer pessoa. A todo o momento, ouvimos que determinado político não teve ética ou que outro político disse 
defender a moral e os bons costumes. Normalmente, esses termos aparecem associados à política, mas, na vida 
cotidiana, também os encontramos em muitos outros lugares e com significados muito diferentes. Por exemplo, 
quando se diz, na gíria, que alguém “teve as moral”, estamos diante de uma constatação da habilidade de alguém 
para determinada tarefa, ou quando dizemos que o professor “não tem moral com a turma”, queremos dizer que 
ele não consegue exercer sua autoridade, ou ainda quando dizemos que alguém está com “a moral abalada”, 
queremos dizer que tal pessoa está com sua estima baixa. Esses significados permeiam o senso comum, mas, 
academicamente, existe um significado que engloba todos eles e ainda é mais profundo.
O termo ética também apresenta diversas utilizações no senso comum que se afastam de seu sentido filosófico. 
Dizemos, utilizando o termo como um adjetivo, que algo não é ético; dizemos ainda que alguém não teve ética 
para conduzir determinada situação. Temos também, nas empresas, os códigos de ética e os conselhos de ética, 
por exemplo. São utilizações diversas, que habitam o nosso dia a dia e nos deixam, de certa forma, familiarizados 
com esses termos. Porém, na academia, temos definições próprias, que conferem a esses termos a condição de 
conceitos filosóficos. 
Ao ler um bom dicionário de filosofia – por exemplo, o Dicionário Oxford de Filosofia, organizado por Simon 
Blackburn, lançado no Brasil pela editora Zahar –, você encontrará os seguintes verbetes, aqui apresentados de 
forma adaptada, para os conceitos de ética, moral e justiça:
• Ética: do grego ethos, caráter. Estudo dos conceitos envolvidos no raciocínio prático: o bem, a ação 
correta, o dever, a obrigação, a virtude, a liberdade, a racionalidade, a escolha.
• Moral: embora a moral das pessoas e sua ética acabem por ser a mesma coisa, há um uso do termo que 
restringe a moral aos sistemas, como o de Kant (noção de dever) em oposição à noção de virtude, de 
Aristóteles.
• Justiça: na justiça distributiva, almejamos alcançar os princípios que especificam a justa distribuição 
dos benefícios e obrigações; na justiça processual, almejamos compreender mais a aplicação do que o 
desenvolvimento das leis; finalmente, na justiça retributiva, procuramos compreender como compensar 
uma injustiça (BLACKBURN, 2017).
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Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça
Figura 1 – Justiça
Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.
Você perceberá que o dicionário nos coloca diante de nomes e termos que não refletem o nosso conhecimento 
cotidiano desses conceitos. Se, porventura, você, que corre os olhos sobre este texto, questionar seus parentes 
mais próximos ou seus amigos mais íntimos acerca do que eles sabem sobre esses três termos, é bem provável 
que a resposta envolva “fazer a coisa certa” ou que o “agir ético está de acordo com as leis da justiça”. Mas será 
que existe a coisa certa? Será que a justiça é algo perfeito sempre?
A maioria também concordará que o conhecimento sobre tais conceitos é essencial para que possamos viver bem 
em nossa sociedade. Afinal de contas, como seriaviver em uma sociedade onde todos tivessem como principal 
regra mentir ou não cumprir com seus compromissos? Já imaginou o alto custo que seria oferecer empréstimos 
ou contratar algum tipo de prestação de serviço? Até mesmo as empresas, em suas atuações, estão sempre 
alertas para questões éticas envolvendo pesquisas, testes de produtos, etc.
Se tais conceitos são importantes para a nossa vida em sociedade, como explicar que poucos estejam 
completamente de acordo com o seu significado mais geral? Ou seja, por qual motivo existe tanta variação na 
hora de responder o que é exatamente cada um deles? Seria importante supor, por exemplo, que, se existem 
diferenças, então é possível que nem todos compreendam bem como é agir de forma ética ou como agir com 
justiça. Talvez possamos supor também que exista um grande número de situações específicas, cada uma 
exigindo a sua própria forma de justiça ou de ética. 
Outro aspecto ainda fica em aberto: por que cabe à filosofia estudar tais conceitos? Se entre as pessoas existem 
certas variações a respeito do significado, por que devemos dar crédito aos filósofos, sempre envolvidos em 
inúmeras disputas, o que passa a imagem de nunca haver consenso sobre tais assuntos?
Nesta unidade, esperamos problematizar essas questões, demonstrando como tais conceitos são complexos e 
fazem parte do pensamento da civilização há mais de 26 séculos. Veremos também como a cultura de cada 
região e o momento histórico são importantes para definirmos o que consideramos como certo e errado. Apesar 
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Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça
de o tema ter desdobramentos históricos e filosóficos, seja no ocidente, seja no oriente, desde a Antiguidade, 
teremos um foco maior na historia da filosofia ocidental. Isso não significa que o tema se limite por completo 
nesse recorte; afinal, muito se debateu sobre tais temas entre os pensadores africanos, indianos e chineses. 
É importante também lembrar a relevância do pensamento crítico. A filosofia fornece um aspecto muito 
importante para as nossas vidas, que é o de pensar a realidade com “ferramentas conceituais ou assuntos” que 
ampliam as nossas possibilidades de compreensão do mundo que nos cerca. Portanto, o que aqui é apresentado 
visa ampliar o seu pensamento, e não fornecer um guia estático ou definitivo sobre o assunto. Vamos então 
adentrar os conceitos em busca de compreender melhor cada um deles.
Para saber mais sobre o pensamento com as “ferramentas conceituais” da filosofia, pesquise 
blogs da área. A internet está repleta de ótimos blogs, páginas e sites. Uma dica é a página 
Esclarecimento filosófico. Busque por ela na rede!
Saiba mais
1.1.1 Concepções filosóficas de ética
Todas as sociedades e culturas, ao longo da história do ser humano, possuem um conjunto de valores concernentes 
ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido, e à conduta correta, válido para todos os seus membros. Isso 
significa que sempre houve um conceito para o que era certo e, consequentemente, para o que fosse errado. 
Esse conceito não somente envolvia o ato do indivíduo, como também o seu caráter. Geralmente, pessoas com 
caráter eram dignas de confiança e estavam sempre agindo dentro da lei ou de uma maneira exemplar aos olhos 
dos demais membros da sociedade.
Figura 2 – Tribo da Nova Guiné
Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.
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Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça
Uma das filósofas mais importantes da contemporaneidade no Brasil, Marilena Chauí, que será utilizada como 
uma das principais referências nesta unidade, nos lembra, em seu livro Convite à filosofia, que a simples 
existência da moral não significa a presença explícita de uma ética, entendida como filosofia moral, isto é, uma 
reflexão que discuta, problematize e interprete o significado dos valores morais. Muitas vezes, o certo e o errado 
estavam internalizados nas pessoas por meio de costumes que pouco eram colocados em debate. Notamos, 
portanto, uma primeira e importante diferenciação entre a moral de uma comunidade ou cultura e a filosofia 
moral. Na primeira, o reconhecimento do certo ou errado não exige a razão como intermediadora, mas um 
conjunto de costumes refletidos no bem comum de todos os envolvidos. Já na segunda, existe uma preocupação 
em justificar, comprovar, problematizar, questionar e, portanto, fazer uso da razão para compreender melhor os 
dilemas envolvidos no que é considerado certo e no que é considerado errado. 
1.1.1.1 Ética, filosofia e ciência 
Enquanto a ciência, de modo geral, procura descrever a realidade, compreender sua dinâmica e realizar previsões, 
o campo da ética, por sua vez, busca propor uma realidade na qual o agir esteja em sintonia com o que é ou não 
é válido por meio da razão. A natureza é o reino da necessidade, ou seja, de eventos regidos por sequências 
necessárias de causa e efeito – é o reino da física, da astronomia e da química. Além do reino da natureza, há 
o reino humano da práxis, no qual as ações são realizadas racionalmente, não por necessidade causal, mas por 
finalidade e liberdade.
A ciência em si não se preocupa com a ética pelo fato de suas ações não estarem relacionadas 
a uma realidade com fatos considerados como verdadeiros ou falsos. Não há, no mundo da 
moral, uma lei a ser descoberta e escrita. Pelo contrário, somos nós, como seres humanos 
responsáveis, que devemos conduzir a um mundo ético.
Fique atento!
1.1.1.2 Costumes
Nossos sentimentos, interesses, ações, condutas e, portanto, comportamentos, em geral, são modelados pelas 
condições em que vivemos (família, classe e grupo social, escola, religião, trabalho, etc.). Somos compostos pelos 
costumes de nossa sociedade, que nos educa para respeitarmos e reproduzirmos os valores propostos por ela 
como bons e, portanto, como obrigações e deveres. Desse modo, valores e costumes são percebidos por nós 
como se existissem por si e em si mesmos, parecendo ser naturais e universais (como se valessem em qualquer 
época e lugar). 
Os costumes, as tradições, as crenças, porque são anteriores ao nosso nascimento e formam o próprio tecido 
da sociedade em que vivemos, têm uma tendência a serem considerados inquestionáveis como se fossem 
“sagrados” (as religiões sempre mostram os costumes como tendo sido ordenados pelos deuses, na origem dos 
tempos, por meio da mitologia). Ora, a palavra costume se diz, em grego, ethos – de onde se derivou ética – e, no 
latim, mores – a qual, por sua vez, deu origem à moral. Observamos, então, que a ética e a moral se referem ao 
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Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça
conjunto de costumes tradicionais de uma sociedade, o que significa que são considerados valores e obrigações 
para a conduta de seus membros. 
Em termos filosóficos, porém, há uma distinção entre ética e moral, por meio da qual se compreende a moral 
como esse conjunto de costumes, crenças, hábitos, tradições, leis e todo elemento que, de alguma forma, regula 
a conduta humana. Já a ética é esse campo do conhecimento filosófico que tem a moral como objeto de estudo.
Em alguns países do mundo, é permitido o casamento entre pessoas de diferentes idades, 
inclusive entre um indivíduo mais velho e outro ainda na fase de pré-adolescência ou 
infância. Já na maioria dos países ocidentais, tal ato é recriminado e pode, inclusive, incorrer 
no crime de pedofilia. Isso significa que certo e errado não são absolutos, alternando-se 
a cada cultura e época. Não existirá, portanto, uma definição universal do que é certo ou 
errado do ponto de vista do comportamento.
1.1.1.3 Sócrates e o início da ética
Sócrates foi um dos filósofos ocidentais imortalizado por sua história de questionamento, busca da verdade e 
sacrifício em nome da filosofia. Ele não escreveu nenhum livro e o que sabemos dele tem origem, principalmente, 
nos diálogos de seu discípulo, Platão, e nos textosde Aristóteles, discípulo de Platão. Sócrates é considerado 
o pai da ética ou filosofia moral, pois foi o primeiro a direcionar os questionamentos filosóficos para questões 
humanas, ou seja, enquanto seus antecedentes, os filósofos, conhecidos como pré-socráticos, tinham a natureza 
como objeto de pesquisa, Sócrates herda o legado filosófico e o redireciona para o homem, inaugurando tanto a 
ética quanto o próprio racionalismo.
Portanto, ética surge no século V a.C. como uma busca pela universalidade das questões morais. O que seria a 
bondade ela mesma, que vale em qualquer época e lugar, que transcende tempo e espaço? Esta busca percorreu 
os mais de 26 séculos de história do pensamento ocidental e nos chega com a mesma urgência da época de 
Sócrates.
O início do pensamento ético se dá em um território socrático-platônico, portanto racionalista 
e idealista. Essa característica da ética é um fator muito importante para compreendermos 
como pensamos a ética no decorrer do pensamento ocidental. Assim sendo, a ética é um 
campo do conhecimento filosófico que tem a moral como objeto de estudo.
Fique atento!
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Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça
Figura 3 – Sócrates
Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.
Contudo, o método socrático de perguntas, que buscavam realizar um parto das ideias, o coloca em destaque em 
relação aos demais pensadores de sua época e anteriores a ela. Marilena Chauí afirma que:
(...) ao indagar o que são a virtude e o bem, Sócrates realiza, na verdade, duas interrogações. 
Por um lado, interroga a própria sociedade, para saber se o que ela tem o hábito de considerar 
virtuoso e bom corresponde efetivamente à virtude e ao bem; e, por outro lado, interroga os 
indivíduos particularmente, para saber se, ao agir, esses possuem efetivamente consciência do 
significado e da finalidade de suas ações, ou seja, para saber se seu caráter ou sua índole são 
realmente virtuosos e bons. A indagação ética socrática dirige-se, portanto, à sociedade e ao 
indivíduo (CHAUÍ, 2000).
1.1.1.4 Aristóteles, eudaimonia e justo meio
Já a distinção entre saber teorético e saber prático se deu com Aristóteles, discípulo de Platão, que foi aluno 
de Sócrates. Saber teorético é o conhecimento de objetos e fatos naturais que se apresentam e agem 
independentemente de nós e sem nossa interferência. Como dissemos, a filosofia nascente tem como objeto 
de estudo a natureza – isso seria um conhecimento teorético, por exemplo. Apesar de antes de Aristóteles 
essa distinção não ser muito nítida, dizemos que foi com Aristóteles que ela se deu. O saber prático seria o 
conhecimento daquilo que só existe por causa de nossa ação – a ação humana – e, portanto, dependeria de nós, 
o que significa que a ética é necessariamente um saber prático. Na práxis, é o indivíduo que age, e a ação e a 
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Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça
finalidade do agir são inseparáveis. Nas palavras de Chauí (2000): “Na práxis ética, somos aquilo que fazemos e o 
que fazemos é a finalidade boa ou virtuosa”.
Aristóteles distingue ética e técnica como práticas que se diferem pelo modo de relação do 
indivíduo que age com a ação e com a finalidade da ação. Um escultor tem como finalidade 
uma estátua e, por isso, o produto é separado de quem o produz. Técnica é o meio para 
alcançar o resultado, que é o produto. Já a práxis com viés ético, a atividade e quem a executa 
possuem uma ligação íntima entre si e, também, com o produto: a vida virtuosa.
Saiba mais
Aristóteles deu grande importância à vontade racional, à deliberação e à escolha, o que o levou a considerar 
uma virtude como condição de todas as outras e presente em todas elas: a prudência ou sabedoria prática. São 
duas as suas principais obras, sendo a mais conhecida a Ética a Nicômaco. Nela, também é possível encontrar 
o conceito de eudaimonia ou vida feliz, segundo a virtude e por meio da sabedoria prática. A ética, portanto, era 
concebida como educação do caráter do sujeito moral para dominar racionalmente impulsos, apetites e desejos, 
para orientar a vontade rumo ao bem e à felicidade e para formá-lo como membro da coletividade sociopolítica. 
Sua finalidade era a harmonia entre o caráter do sujeito virtuoso e os valores coletivos, que também deveriam ser 
virtuosos. 
Aristóteles também concebeu que as ações ideais, ou seja, as ações virtuosas estariam numa mediana, em 
um ponto médio entre o excesso e a falta. A virtude da coragem, por exemplo, teria como “vício do excesso” a 
temeridade e, como “vício da falta”, a covardia. Imagine a seguinte situação: você está visitando uma cachoeira 
a qual nunca havia ido antes. Há um grande poço no qual uma imensa queda d’água se dissipa. O excesso de 
coragem ou a temeridade seria alguém chegar e, sem nenhum conhecimento da profundidade do poço ou da 
altura da queda, saltar de ponta. Já a covardia seria alguém que não consegue sequer chegar à beira da queda 
para ver a água. O justo meio seria o ponto de equilíbrio entre o excesso e a falta, ou seja, alguém que analisasse 
a profundidade em uma primeira entrada na água, ainda sem nenhum salto, depois fizesse saltos menores e, por 
fim, fizesse o grande salto do alto da queda. A coragem, para Aristóteles, envolve prudência e razão, e o modo de 
encontrar essa justa medida seria a observação do modo como o homem se comporta.
Figura 4 – Cachoeira na Chapada da Diamantina, Brasil
Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.
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Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça
1.1.1.5 Ética na Idade Média
Após a Antiguidade, dos gregos e dos romanos, acompanhamos o surgimento do cristianismo e uma nova 
proposta de ética. Chauí afirma que, diferentemente de outras culturas e religiões da antiguidade, que estavam 
sempre vinculadas a uma nacionalidade e, consequentemente, a questões políticas, “(...) o cristianismo nasce 
como religião de indivíduos que não se definem por seu pertencimento a uma nação ou a um estado” (CHAUÍ, 
2000), na medida em que a Idade Média é marcada pela fragmentação política e ausência de força dos Estados. 
O que diferencia o cristianismo nascente é justamente ser marcado pela fé num mesmo e único Deus. “O 
Deus cristão relaciona-se diretamente com os indivíduos que nele creem” (CHAUÍ, 2000). Chauí, sobre essa 
peculiaridade do cristianismo no que tange à ética, afirma que “isso significa, antes de qualquer coisa, que a vida 
ética do cristão não será definida por sua relação com a sociedade, mas por sua relação espiritual e interior com 
Deus” (CHAUÍ, 2000).
Deus assume um papel importante na concepção do que deve ou não ser feito. A partir do cristianismo, a lei divina 
revelada, a qual devemos obedecer impreterivelmente e sem exceção, passa a considerar que o ser humano é 
incapaz de realizar o bem e as virtudes. Tal concepção traz à tona nova ideia na moral até então inédita: a ideia 
do dever. Chauí (2000) afirma que: 
Mesmo quando, a partir do Renascimento, a filosofia moral distancia-se dos princípios teológicos 
e da fundamentação religiosa da ética, a ideia do dever permanecerá como uma das marcas 
principais da concepção ética ocidental (CHAUÍ, 2000).
Chauí prossegue sua argumentação questionando se a ética exige um sujeito autônomo; afinal, a ideia de dever 
não introduziria a heteronomia, isto é, o domínio de nossa vontade e de nossa consciência por um poder estranho 
a nós? 
O filósofo Jean Jacques Rousseau (1712-1778), no século XVIII, buscou confrontar essa questão; para ele, a 
consciência moral e o sentimento do dever são inatos, ou seja, nascem com a pessoa, pois seriam como a própria 
“a voz da Natureza” e o “dedo de Deus” em nossos corações. 
Nascemos puros e bons, dotados de generosidade e de benevolência para com os outros. Se o 
dever parece ser uma imposição e uma obrigação externa, imposta por Deus aos humanos, é 
porque nossabondade natural foi pervertida pela sociedade, quando esta criou a propriedade 
privada e os interesses privados, tornando-nos egoístas, mentirosos e destrutivos (CHAUÍ, 2000).
O dever seria uma espécie de força que nos faria recordar nossa natureza primitiva e originária. Segundo Rousseau, 
obedecendo incondicionalmente ao dever e, portanto, à lei divina inscrita em nosso coração, estaríamos seguindo 
nosso instinto mais primitivo, ou seja, obedecendo a nós mesmos, aos nossos sentimentos e às nossas emoções, 
e não à nossa razão, que seria responsável pela sociedade que corrompe o homem. 
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Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça
Figura 5 – Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)
Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.
1.1.1.6 A ética de Kant
Outra resposta, também do final do século XVIII, foi trazida pelo filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) em 
oposição à “moral do coração”, de Rousseau. Kant volta a afirmar o papel da razão na ética, pois, segundo ele, 
não existe bondade natural. 
Por natureza, diz Kant, somos egoístas, ambiciosos, destrutivos, agressivos, cruéis, ávidos de 
prazeres que nunca nos saciam e pelos quais matamos, mentimos, roubamos. É justamente por 
isso que precisamos do dever para nos tornarmos seres morais (CHAUÍ, 2000).
A razão prática é a liberdade como instauração de normas e fins éticos. Se a razão prática tem o poder para criar 
normas e fins morais, tem também o poder para impô-los a si mesma. Essa imposição a si mesma é o dever, é 
também a manifestação mais alta da humanidade em nós. Obedecê-la é obedecer a si mesmo ao mesmo tempo 
em que damos a nós mesmos os valores, os fins e as leis de nossa ação moral – por isso, somos autônomos.
Kant elaborou as bases da ética moderna. Em um pequeno texto intitulado O que é Esclarecimento?, Kant, em 
resposta pública a um pastor que havia criticado o Iluminismo, elabora um argumento que ainda é essencial para 
os dias de hoje: a necessidade da separação entre as esferas pública e privada em um contexto de Estado laico. 
Quando dizemos “esfera pública”, referimo-nos a essa esfera da vida, na qual atuamos na rua, a partir de um 
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Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça
papel social predeterminado publicamente, no qual há formalidade, como um cargo institucional, na nossa vida 
profissional etc. Quando dizemos “esfera privada”, referimo-nos a essa esfera da vida, na qual atuamos dentro 
de casa, em nossa vida pessoal e nos papéis sociais desempenhados a partir dela, como o papel de pai, filho etc., 
sempre de maneira mais informal e passional. 
Kant vai dizer da necessidade de “maioridade da razão” nesses modos de atuação e de como é imprescindível 
que, na esfera pública, prevaleça a razão, de modo que a política seja praticada em termos de Estado laico. Para 
tal, Kant afirma ser necessária uma atitude de ousadia contra a preguiça e a comodidade da menoridade da 
razão. Seria necessário ousar saber, libertar-se dos tutores e pensar por si mesmo! Veja este trecho do famoso 
texto de Kant:
O Esclarecimento é a saída do homem da condição de menoridade auto-imposta. Menoridade é a 
incapacidade de servir-se de seu entendimento sem a orientação de um outro. Esta menoridade 
é auto-imposta quando a causa da mesma reside na carência não de entendimento, mas de 
decisão e coragem em fazer uso de seu próprio entendimento sem a orientação alheia. Sapere 
aude! (Ousai saber!) Tenha coragem em servir-te de teu próprio entendimento! Este é o mote do 
Esclarecimento (KANT, 2010).
Para Kant, o esclarecimento ou iluminismo, seria o movimento de emancipação do homem de seus tutores em 
direção a uma autonomia, que caracterizaria a maioridade da razão. Dessa forma, segundo Kant, a religiosidade, 
os sentimentos, a subjetividade etc., poderiam se manifestar perfeitamente na esfera privada, mas, na esfera 
pública, deve prevalecer a razão:
Para o esclarecimento, porém, nada é exigido além da liberdade; e mais especificamente a 
liberdade menos danosa de todas, a saber: utilizar publicamente sua razão em todas as dimensões. 
Mas agora escuto em todos os cantos: não raciocineis! O oficial diz: não raciocineis, exercitai-vos! 
O Conselho de Finanças: não raciocineis, pagai! O líder espiritual: não raciocineis, crede! (um único 
senhor no mundo pode dizer: raciocinai o quanto quiser, e sobre o que quiser; mas obedecei!) Por 
todo canto há a restrição da liberdade. E qual restrição serve de obstáculo para o esclarecimento? 
Qual não o impede e até mesmo o sustenta? Respondo: o uso público do entendimento deve ser 
livre em qualquer momento, e só ele pode gerar o esclarecimento entre os seres humanos; o uso 
privado do mesmo pode freqüentemente ser bastante restrito, sem que, todavia, o progresso do 
esclarecimento seja, por isso, impedido (KANT, 2010).
Observe que Kant, quando fala que existe um único senhor que diz para raciocinar o quanto quiser, mas obedecer, 
faz uma menção ao rei da Prússia (atual Alemanha) Frederico II, que era um déspota esclarecido, ou seja, um 
monarca que aderiu aos ideais iluministas, abrindo mão de seu poder político, mas se mantendo na condição de 
influência nacional. Vejam que situação interessante! Um filósofo iluminista que defende a separação entre igreja 
e Estado, a democracia e a república, encontra-se em uma monarquia e está publicando um texto sobre o que 
é o esclarecimento ou o Iluminismo. É curioso percebermos o modo como Kant elabora sua narrativa por conta 
desse paradoxal contexto, defendendo o Iluminismo, e, ao mesmo tempo, reconhecendo a postura esclarecida 
do rei Frederico II. 
Os ideais iluministas ainda estão em processo de efetivação, pois, como disse Marx, a infraestrutura ou a parte 
material, como a tecnologia, por exemplo, muda muito mais rapidamente do que a superestrutura, que é o 
pensamento e a própria cultura. Dessa forma, para que ideias como liberdade de crença, liberdade de expressão 
e representatividade se efetivem, o Estado laico se torna elemento básico e uma verdadeira bandeira a ser 
levantada por todos que defendem a democracia e o republicanismo.
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Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça
O mais famoso exemplo de despotismo esclarecido é a família real britânica, que se mantém 
em um lugar de prestígio e privilégios, mas não tem mais o poder político de outrora, que 
atualmente é exercido pelo parlamento.
Saiba mais
Figura 6 – Família real britânica
Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.
Portanto, o dever, para Kant, não se apresenta por meio de premissas pré-estabelecidas, que definiriam uma 
suposta essência de cada virtude e diriam o que deveria ser feito em nossas vidas. O dever é uma forma que 
deve valer para toda e qualquer ação moral. Sendo assim, o dever é um imperativo categórico, pois ordena 
incondicionalmente. O imperativo categórico exprime-se numa fórmula geral: age em conformidade apenas 
com a máxima que possa querer que se torne uma lei universal. Em outras palavras, ato moral é aquele que 
se realiza como acordo entre a vontade e as leis universais que ela dá a si mesma. Vejamos o exemplo também 
retirado da obra de Chauí (2000):
Por que, por exemplo, mentir é imoral? Porque o mentiroso transgride as três máximas morais. 
Ao mentir, não respeita em sua pessoa e na do outro a humanidade (consciência, racionalidade 
e liberdade), pratica uma violência escondendo de um outro ser humano uma informação 
verdadeira e, por meio do engano, usa a boa-fé do outro. Também não respeita a segunda 
máxima, pois se a mentira pudesse universalizar-se, o gênero humano deveria abdicar da razão 
e do conhecimento, da reflexão e da crítica, da capacidade para deliberar e escolher, vivendo na 
mais completa ignorância, no erro e na ilusão (CHAUÍ, 2000).
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Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça
Figura 7 – Immanuel Kant (1724-1804)
Fonte:SHUTTERSTOCK, 2018.
1.2 Justiça e crise de valores
Após a nossa breve passagem pelos principais pontos filosóficos da ética, chegamos a um elemento que 
é consequência do que foi apresentado: o conceito de justiça. Assim como a ética, associamos a justiça com 
leis e com o comportamento em consonância com estas leis. Trata-se, portanto, de considerar que as leis são 
ordenamentos que qualificam as ações dos indivíduos como válidas ou não.
Contudo, as leis não possuem a prerrogativa de discutirem o que é o certo ou errado, mas de reunirem o consenso 
de uma sociedade visando a um tratamento que atue de modo igual ou justo em todos os membros da sociedade. 
Equidade é o conceito-chave neste exemplo, que faz par com a isonomia, ou seja, com o reconhecimento de que 
todos os indivíduos sejam iguais perante as leis.
Historicamente sabemos que nem sempre as leis atuaram de forma igualitária ou isonômica. Mesmo nos 
dias atuais, se discute muito se o acesso a recursos financeiros permite que os indivíduos tenham tratamento 
diferenciado perante a lei. Neste sentido, as leis são elementos de regulamentação do comportamento, mas, por 
sua vez, não são exatas.
A justiça se vincula à busca por uma igualdade perante a sociedade, mas ela parece mudar ao longo dos 
tempos, de maneira muito semelhante ao comportamento social e moral. Há décadas, no Brasil, havia pouco 
reconhecimento da condição da mulher desquitada, o que mudou muito nos últimos anos, principalmente em 
relação à questão da honra masculina. Logo, devemos considerar que a moral, os costumes e a justiça estão 
atrelados e em constante transformação. Se o conceito de certo ou errado não é fixo, devemos compreender que 
o que é ou não justo também muda.
20
Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça
1.2.1 Ética profissional
Se você é um pedagogo, administrador, psicólogo, engenheiro ou possui qualquer outra forma de atuar no 
mercado por meio de trabalho especializado – este que necessita de formação acadêmica –, sua profissão tem a 
ciência como chancela, ou seja, é a ciência que dá credibilidade, condições e comprovação de que sua atuação 
é eficiente. Por isso, toda atuação profissional no âmbito do trabalho especializado terá de seguir determinadas 
regras estabelecidas pelo método científico, que são a base de códigos de ética, conselhos federais etc. Aqui 
entra o conceito de deontologia. Na maioria das vezes, os códigos de ética estão mais ligados à deontologia do 
que à ética propriamente dita. A diferença entre essas duas áreas está no fato de a ética ter um caráter reflexivo e a 
deontologia estar mais ligada à prática profissional. A deontologia esta focada em regular a conduta profissional, 
pois sua atuação deve seguir aqueles procedimentos que já foram testados e comprovados cientificamente 
como os mais adequados e eficientes, tendo em vista que o que autoriza você a exercer tal profissão é justamente 
o diploma concedido por uma instituição que está subordinada a um governo (a ciência se desenvolve melhor 
no Estado laico). No Brasil, todas as instituições de ensino, tanto da rede pública quanto da rede privada, estão 
subordinadas às regras do Ministério da Educação, que determina quais conteúdos são necessários para tal 
formação, fiscaliza e avalia as instituições de ensino e garante que somente especialistas, mestres e doutores 
sejam professores. Ou seja, por trás de todo conhecimento, técnica e inovação, está a ciência.
Deontologia, no âmbito da ética profissional, é um conjunto de princípios e regras de 
conduta, ou seja, os deveres de determinada profissão. Cada área de atuação profissional 
tem a sua própria deontologia, que tem a função de regular o exercício profissional a partir 
de um código de ética específico. As normas estabelecidas pela deontologia não proveem 
necessariamente da moral, mas, sim, de direitos e deveres, princípios e ações de determinada 
profissão considerando suas especificidades. O termo deontologia foi criado em 1834 
pelo filósofo inglês Jeremy Bentham, e o primeiro código de deontologia surgiu na área da 
medicina, nos Estados Unidos.
Saiba mais
Há todo um arcabouço regulatório que busca garantir que todo método, procedimento e conhecimento seja 
comprovadamente o mais exitoso até o momento, levando em conta que a própria ciência está em constante 
construção e mudança; por isso a necessidade, cada vez maior, de se manter atualizado por meio de pós-
graduações, mestrados e doutorados. Portanto, sua atuação profissional tem um compromisso ético de seguir 
essas determinações, que são consenso entre os pesquisadores. E quando algo não é consenso? Ou quando 
alguém se utiliza do respaldo de sua profissão para fins eticamente questionáveis? Imagine um psicólogo que 
utiliza a autoridade de seu diploma para doutrinar religiosamente seus pacientes, dizendo praticar uma espécie 
de psicologia própria, que ele denomina de “psicologia cristã”; ou um professor que utiliza sua autoridade e 
credibilidade para doutrinar seus alunos, seja religiosamente ou por meio de alguma ideologia que não é aceita 
na academia; ou mesmo um gestor que comete algum tipo de discriminação. Essas práticas são condenáveis em 
termos éticos, pois partimos do pressuposto que quem aprendeu determinada ciência por meio da academia 
tem um compromisso social com esta e deve exercer esse papel social que lhe foi conferido pela sociedade a 
partir da laicidade e cientificidade.
21
Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça
Um psicólogo que se utiliza de seu diploma para evangelizar, grosso modo, afirmando ser uma depressão a “falta 
de Deus no coração” ou um “encosto”, que se resolverá se houver a adesão à determinada religião, ou que a 
homossexualidade seria uma doença e ele ofereceria a cura, está sendo antiético, pois não há, cientificamente, 
uma corrente da psicologia chamada psicologia cristã e já está comprovado que relações homoafetivas são 
práticas comuns em várias culturas em diferentes épocas, e não uma patologia. Portanto, não há comprovação de 
que esse tipo de tratamento tem eficácia; logo, chamamos isso de charlatanismo. O Estado laico não proíbe essas 
práticas. Não há problema algum em oferecer ajuda às pessoas com sofrimento psíquico por meio da religião – 
vários pastores fazem isso. O problema está em utilizar a ciência “psicologia” como um respaldo para essa prática, 
exercendo-a em desconformidade com o código de ética do Conselho Federal de Psicologia. O mesmo se aplica 
para o exemplo do professor que abusa de seu poder e credibilidade ou do gestor que atenta contra os direitos 
humanos. Ambos devem exercer seus papéis em conformidade com a ciência, com a legislação e com a ética de 
seus ofícios e comprometidos com a sociedade como um todo. 
Figura 8 – Casal homoafetivo
Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.
1.2.2 Religião e religiosidade
O termo “igreja” refere-se à instituição religiosa – empresa que tem sede física, placa e logomarca –, uma 
instituição que formaliza a religiosidade, esta que é o sentimento espontâneo de espiritualidade, que muitas 
pessoas têm e que, na modernidade, se libertou da condição institucionalizada e se tornou individual, seguindo 
a tendência do individualismo contemporâneo, oriunda do capitalismo. Por exemplo: é comum ouvirmos que 
determinada pessoa diz não ter religião, mas tem uma espiritualidade própria, por meio da qual ela diz sentir 
as energias do cosmos, ou ainda pessoas que inventam seus próprios rituais, como casamentos, nos quais os 
próprios indivíduos inventam a cerimônia, sem vínculo com nenhuma igreja. Essa é a base do Estado laico, um 
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Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça
estado sem vínculo com nenhuma religião, que permite que todas as religiões possam coexistir, inclusive quem 
não tem religião ou até mesmo quem é ateu. A democracia depende do Estado laico para existir, assim comoa 
ciência também necessita de laicidade para sua prática. 
Figura 9 – O Papa
Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.
O Brasil tornou-se oficialmente um Estado laico em 15 de novembro de 1889, quando deixou de ser uma 
monarquia e passou a ser uma república. Até então, todos os rituais da vida social, como casamentos, registros 
de nascimentos e óbitos, festividades e acontecimentos sociais em geral eram determinados pela igreja católica. 
Com a proclamação da república, essas funções foram sendo gradualmente transferidas da igreja para o Estado. 
Hoje, se você for se casar, basta entrar em um cartório, pegar a senha e pagar a taxa. Trata-se de um contrato, 
reconhecido pelo Estado, que não lhe pergunta nada sobre religião. Por acontecer na esfera pública, costuma 
ser pouco cerimonioso e, se há algum grau de cerimônia, trata-se de herança dos tempos de monarquia. As 
cerimônias propriamente ditas são feitas nas igrejas ou nas casas das pessoas, ou seja, na esfera privada. Ao 
mesmo tempo, existem, ainda hoje, cidadezinhas nos interiores do país nas quais nascimentos e mortes ainda 
são registrados pela igreja católica, pois nunca chegaram cartórios por lá.
Outra polêmica em torno dessa questão está ligada à existência de uma bancada evangélica em nosso Congresso 
Nacional, que já demonstrou em vários episódios uma falta de consideração pela laicidade do Estado, permitindo 
que convicções puramente religiosas permeiem suas escolhas e atitudes em uma clara ausência de espírito 
republicano.
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Cidadania e Ética | Unidade 1 - Ética, Moral e Justiça
Síntese da unidade
Nesta unidade, vimos como os temas ética, moral e justiça estão relacionados a uma vida em sociedade 
considerada como adequada ou correta. Esse julgamento muitas vezes faz parte de um conjunto de valores que 
são parte de um costume ou hábito social. 
A ética enquanto justificativa racional é parte da filosofia moral, que buscou desde os gregos antigos estabelecer 
uma análise do que seria o certo e o errado. Vimos também a importância das discussões sobre ética e o quanto 
elas são necessárias para todas as sociedades. Na atualidade, vimos que a base das relações profissionais no que 
tange à ética passa pelo Estado laico.
Outro fator importante de se ressaltar diz respeito ao modo como os temas éticos são tratados na academia. 
Como você pôde perceber, um curso de ética não vai necessariamente transformar as pessoas em indivíduos 
virtuosos e eticamente impecáveis. Na verdade, um curso de ética tem o objetivo de proporcionar a reflexão 
sobre os temas que concernem à conduta humana por meio dos filósofos que discutiram e aprofundaram tal 
temática.
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Considerações finais
Viver uma vida que vale a pena requer colocá-la constantemente em 
análise, o que pode ser um trabalho extremamente dispendioso, se não 
impossível de ser de feito. A filosofia nos permite olhar para a sua história 
e para as principais ideias de seus filósofos como uma forma de minimizar 
o esforço de ponderar sobre as questões da vida.
Se vivemos em uma sociedade complexa, então nosso esforço será não 
somente de voltar o pensamento para nossos atos, como o de considerar 
o que os demais estão pensando. Não será surpresa alguma perceber 
que a maioria considera cansativo ou improdutivo colocar em dúvida os 
próprios costumes, deixando para momentos extremos esse ato.
Contudo, as constantes crises éticas que atingem empresas, governos e 
sociedade demonstram que não podemos nos considerar profissionais 
éticos se não pensamos com profundidade a respeito do que realmente 
deve ser feito em prol do bem comum. A virtude do todo depende da 
compreensão de cada um. Essa unidade inicial funciona como um convite 
para continuarmos a nos aprofundar para sair dos hábitos repetitivos e 
encarar de fato o que podemos fazer de melhor, pois o grande desafio 
da ética contemporânea é, justamente, estabelecer essa relação com a 
moral, de modo que o Estado laico possa garantir que nenhum aspecto 
específico da moral se sobreponha aos outros (determinada religião, por 
exemplo).
As principais características do nosso tempo são a diversidade, 
multiplicidade, heterogeneidade, multiculturalismo, sincretismo e 
diferenças de toda ordem convivendo juntas, o que revela uma moral cada 
vez mais diversa e complexa. Para garantir representatividade e equidade 
em uma república democrática, é imprescindível que o Estado laico seja 
defendido, pois somente ele pode proporcionar a liberdade de crença, de 
expressão, de ir e vir – em suma, a própria democracia.
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 2Unidade 22. A Condição Humana
Para iniciar seus estudos
Nesta unidade, você conseguirá compreender o conceito de condição 
humana, ou seja, o que nos define como seres humanos e o que constitui 
parte essencial do nosso ser diante do mundo e da sociedade. Vamos lá?
Objetivos de Aprendizagem
• Apresentar os principais elementos conceituais a respeito da 
condição humana. 
• Contextualizar a condição humana no espectro histórico e nos 
debates atuais em questões de isonomia e gênero.
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Cidadania e Ética | Unidade 2 - A Condição Humana
Introdução da unidade
Nesta unidade, iniciaremos um estudo a respeito do ser humano, o que o define como ser, e quais são as 
suas particularidades enquanto parte de uma sociedade. Se, anteriormente, estávamos preocupados com o 
comportamento certo ou ético, agora iremos questionar o que significa ser humano. Aprofundaremos nossos 
conhecimentos acerca das concepções de homem, por mais estranho que isso signifique, diante do crescente 
papel da mulher na sociedade, falaremos das questões de raça e gênero. O que buscamos aqui é fornecer 
conceitos para que possamos, juntos e individualmente, pensar nossa condição humana em sociedade.
2.1 A condição humana 
Em 1958, a filosofa Hannah Arendt publica o seu livro intitulado A Condição Humana (em inglês: The Human 
Condition); nele, a autora procura desenvolver um relato sobre o desenvolvimento histórico da situação da 
existência humana. O texto parte da Grécia Antiga até a Europa moderna e define três atividades, as quais 
estariam à disposição do ser humano: labor, trabalho e ação. Essas atividades teriam como campos possíveis de 
atuação ou ação o da política, o do social, o público e, por fim, o privado. 
Figura 10 – Hannah Arendt 
Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.
Para Arendt, o homem só é verdadeiramente livre quando deixa de ser escravo das necessidades, do labor e do 
trabalho, conseguindo atuar na esfera pública de modo efetivamente político. Neste sentido, o “homem livre” 
se vê em uma condição contrária à apolitização, sendo esta a redução do espaço público e a escravização do 
homem pelo labor.
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Cidadania e Ética | Unidade 2 - A Condição Humana
Podemos perceber que o conceito de “condição humana” busca compreender a existência humana, ou seja, 
como nós, seres humanos, estamos inseridos no mundo, em relação com ele, e com outros seres. Ao contrário 
da Biologia, que estuda a nossa formação material e orgânica, ou a Psicologia, que pretende descrever os nossos 
processos mentais, a busca filosófica pelo ser humano visa responder a uma pergunta mais essencial: o que é o 
homem?
Com certeza, não somos apenas um conjunto molecular e orgânico reunidos em uma estrutura conhecida como 
animal mamífero. Essa descrição não é suficiente para analisar as idiossincrasias enquanto seres políticos. E, com 
certeza, também não somos apenas atividades em uma rede neural. Algo mais sobre o que somos parece escapar 
ao método da ciência moderna, restando à Filosofia, Sociologia e Antropologia um debate sobre tal conceito. 
Um aspecto importante deve ser apresentado, antes de nos aprofundarmos no assunto. Durante grande parte 
da história da Filosofia e do próprio ser humano, o termo comum utilizado era “Homem” para descrever todos 
os seres humanos em questão.Tal fato se deu, em parte, pela figura principal dos relatos ser o homem viril. 
Na Grécia Antiga, por exemplo, a maioria das mulheres possuía uma posição secundária em relação aos homens. 
Na Grécia antiga, as mulheres eram tidas como objetos, totalmente desprovidas de voz e não participavam 
da vida pública. Para um homem grego, uma mulher era uma espécie de posse, assim como um objeto, como 
uma mesa, por exemplo, ou um escravo. Inclusive o amor, na cultura helenística da antiguidade, se dava entre 
homens. O amor na Grécia antiga é essencialmente homoerótico. Não havia sentido para um homem dedicar 
seu sentimento de amor a uma mulher, pois, além de as mulheres serem posses dos homens, o sentimento nobre 
de philia (amor em grego) era mais apropriado de um homem para o outro, onde havia admiração mútua e onde 
as relações se davam de modo igualitário.
Atualmente, após diversas lutas pelos direitos das mulheres de participarem da vida pública, o termo “Homem”, 
como representante de todos os seres humanos, soa destoante do contexto contemporâneo. Quando o mesmo 
for utilizado nesta unidade o intuito é tão somente uma referência ao conteúdo como este é conhecido nos livros 
de referência.
2.1.1 Concepções de homem
Conforme o Dicionário Oxford de Filosofia (2017), nem sempre o conceito de homem, ou de ser humano, foi 
o mesmo. Na tradição filosófica, encontramos três principais concepções do homem, as quais nos permitem 
compreender o homem por diversas dimensões, possibilitando vários conceitos, o que significaria também 
afirmar que elas são complementares. São estas as três concepções:
A concepção metafísica que vê o homem como uma espécie de essência imutável, um modelo eterno. Esta 
concepção é baseada na concepção platônica da Antiguidade, que predominou na Idade Média, por meio da 
teologia cristã, que teve o platonismo como base e só começou a ser questionada no Renascimento (séc. XV), 
mas permanece válida para o pensamento filosófico, religioso e teológico. A partir dessa concepção, entende-se 
que existe um “modelo de homem”, e seríamos as variações deste modelo.
A concepção naturalista surge na Idade Moderna. Essa concepção é fruto do pensamento de filósofos como 
René Descartes e John Locke. O ser humano é visto como um ser dualista, ou seja, dividido em duas partes, que 
seriam a substância pensante (alma) e uma outra parte biológica e corporal. O ser humano se torna um produto 
de determinações naturais, oriundas da biologia nascente e não mais é tido como um ser autônomo, capaz de 
gerir seu próprio destino.
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Cidadania e Ética | Unidade 2 - A Condição Humana
Na terceira concepção, a histórico-social, o homem passa a ser visto como um processo contínuo, a partir de 
sua existência pessoal e concreta. Neste sentido, o ser humano passa a ser compreendido como alguém ou algo 
inserido no espaço e no tempo, marcado pela sua unicidade e capacidade de realizar atividades. O homem, visto 
como processo, seria um ser inacabado, pois não nasce pronto. 
Há em todo conhecimento produzido em qualquer época, em qualquer área, uma clara concepção do homem. 
Toda arte, reflexão e ação do homem trazem consigo esta questão, que não pode ser abandonada sem deixar 
para trás outros aspectos, sem correr o risco de perder uma grande e exclusiva atividade do homem, que é a 
capacidade de refletir sobre sua própria essência e existência. Por fim, temos a pergunta que não quer calar: por 
que estamos aqui? Por que fomos criados? Qual é o verdadeiro significado da vida?
Você conseguiria classificar as definições abaixo de acordo com as três apresentadas nesta 
seção?
“Depois, Deus disse: Façamos o ser humano à nossa imagem, à nossa semelhança, para que 
domine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre todos os animais domésticos e os 
répteis que rastejam na Terra.” (BÍBLIA, Génesis, 1:26)
“Somos máquinas de sobrevivência – veículos robotizados cegamente programados de 
modo a preservarmos as moléculas egoístas a que chamamos genes. Essa é a verdade que 
me enche de espanto”. (DAWKINS, 2001)
“Todo o homem, vá ele para onde vá, é acompanhado por uma nuvem de confortáveis 
convicções, que o seguem como moscas num dia de Verão.” (RUSSELL, 2009)
2.1.2 Raças e etnias
Desde os primórdios, o homem vive em sociedade, sempre manifestando a capacidade de modificar os seus 
próprios hábitos e criar seus próprios significados e ideias em grupo. O ser humano evoluiu em grupo e por meio 
da sua interação com o meio ambiente. Os nossos ancestrais hominídeos, segundo os relatos históricos, eram, em 
sua maioria, nômades, situação que se alterou quando passaram a dominar o cultivo da terra e desenvolveram as 
primeiras aldeias e, posteriormente, cidades e técnicas de transformação do meio ambiente. 
O meio ambiente foi determinante para que o processo de constituição de sociedades e tecnologias fosse 
diferente a cada região do globo terrestre. Contudo, fortes indícios históricos e arqueológicos levam a concluir que 
os seres humanos possuem um começo comum para a sua sociedade. Testes realizados com DNA demonstram 
haver um conjunto comum de características que contam a favor de um ponto inicial comum.
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Cidadania e Ética | Unidade 2 - A Condição Humana
Figura 11 – Etnias 
Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.
Mas o ser humano é sempre complexo, e podemos inferir que, à medida que os costumes sociais se desenvolveram 
e as culturas foram diferenciando os seres humanos, surgiu também um conjunto de ritos que serviram para 
identificação entre os membros de uma mesma tribo, bem como outros ritos de disputa entre as diversas tribos. 
“Havia, por exemplo, tribos e sociedades que disputavam por meio de trocas, qual o grupo presenteava melhor o 
outro” (MARTINS, 2005).
Em seu texto “Da dádiva e em particular da obrigação de retribuir os presentes” (de agora em diante referenciado 
apenas como Da Dádiva), Marcel Mauss evidência que a dádiva é oposta à troca mercantil, revelando também a 
essência da reciprocidade, cujo caráter universal está atrelado à tríplice obrigação de “dar, receber e retribuir”. 
Dádiva é um termo que significa donativo. Uma dádiva representa aquilo que é dado, um presente ou uma 
oferta, ou seja, tudo aquilo que se recebe gratuitamente. São compreendidos como dádivas todos os atos de 
benevolência que naturalmente fazem parte de uma sociedade.
Mauss busca, como objetivo central, descobrir “que força existe no objeto que é dado e que faz com que o 
donatário tenha que retribuir?”. Para esta façanha ele estabelece o uso de um método de comparação pelos 
estudos de sociedades antigas e uma dupla divisão do objetivo: (1) um modo arqueológico da natureza das 
transações humanas e (2) verificar que esta moral está economicamente funcionando ainda em nossas atuais 
sociedades.
Inicialmente, Mauss percebe que não parece ter existido aquilo que se chama de economia natural, pois não se 
observam simples trocas de bens ou da vontade de indivíduos. Tratava-se de uma coletividade, que se obriga 
mutuamente à troca e ao contrato. Não se tratava exclusivamente de bens e riquezas, mas de prestações e 
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Cidadania e Ética | Unidade 2 - A Condição Humana
contraprestações que se embrenham sob uma forma preferencialmente voluntária. A todo este sistema, o autor 
chama de sistema de prestações totais. Envolvendo um direito contratual e o conjunto de prestações econômicas 
como constituintes de um conjunto de fatos da vida social das sociedades, o qual se manifesta como um 
fenômeno para as instituições e para a produção econômica.
Podemos perceber que o processo de evolução da sociedade humana tomou não um único caminho de 
diferenciação, mas um conjunto de aspectos mediante a disposição dos recursos e das tradições. É por isso 
que, em outras sociedades, distantes em costumes e em disputa por recursos e valores sociais, ocorreu não 
uma economia coletiva ou detroca, mas uma disputa aberta de valores, em nome da escassez, por exemplo, de 
alimentos. 
Antônio Sérgio Guimarães (1999), estudioso do assunto, entende que a categoria raça é uma construção 
sociológica, ou seja, uma crença que afeta o comportamento humano distribuindo desigualmente vantagens e 
desvantagens às pessoas de acordo com esse “modelo de classificação racial” que existe nas sociedades. Neste 
sentido, Maria Aparecida Lima Silva e Rafael Lima Silva Soares, em seu artigo “Reflexões sobre os conceitos de 
Raça e Etnia”, publicado na revista eletrônica Entrelaçado em novembro de 2011, fazem a seguinte observação:
Com a compreensão devida das contribuições adquiridas da antropologia cultural que traz o 
conceito de etnia para se pensar a questão do negro e as populações em situação semelhante, 
pode-se distinguir facilmente os pontos fundamentais e diferenciais entre a utilização de “raça” (no 
seu sentido mais bruto, advindo de um contexto de décadas anteriores) e de “etnia” atualmente. 
Assim, o conceito de etnia traz à baila as noções do universo cultural que cerca o indivíduo, o fazer 
parte de um grupo étnico não significa somente, ou necessariamente, ser possuidor de fatores 
morfológicos como cor da pele, constituição física, tipo de cabelo, nariz, estatura ou traço facial. 
O conceito de etnia, aplicado nesse sentido, avança na intenção de compreender a dimensão 
sociocultural e as experiências semelhantes que ligariam indivíduos, povos e sociedades no 
mesmo grupo. Além disso, o uso de “raça” no desígnio de grupos sociais humanos, do ponto de 
vista das ciências naturais, apresenta um erro, pois sugere que atualmente não há somente uma 
raça humana, mas sim várias, teoria que há muito se prova inconsistente. (SILVA, 2011)
Para Yves de La Taille, especialista em desenvolvimento moral, os conceitos de raça e etnia têm significados 
distintos, de acordo com a cultura de cada sociedade. Elementos como as influências ideológicas, sociais, 
religiosas, jurídicas, etc. influenciam o modo como o conceito de raça aparece. Segundo o autor:
[...] cada conceito possui significados que perpassam pelos homens brancos, negros, mestiços, 
índios e descendentes que, a partir da conscientização de saber quem é o seu “eu”, provocam 
e compreendem em cada instância o significado de cada palavra. Portando, podemos dizer que 
esses conceitos são modificados culturalmente. (TAILLE, 2006)
La Taille ressalta que seres humanos não possuem nenhuma diferença racial em temos biológicos, como ocorre 
com outras espécies. Portanto, do ponto de vista genético, não há nenhuma solidez no conceito de raça no que 
concerne aos serem humanos, pois, biologicamente, raça é um subgrupo de uma espécie. Portanto, não há como 
saber ao certo a “raça” de um homo sapiens, observando apenas seus genes. La Taille ainda nos diz que “[...] não 
há dúvida de que os genes determinam mais o que somos do que a cor da pele” (TAILLE, 2006). E um gene, para 
uma determinada característica, nem sempre se apresenta igual; segundo La Taille,
as formas alternativas de um determinado gene são chamadas de alelo. Assim sendo, um 
determinado gene, pode apresentar diferentes alelos em razão de alguma modificação em 
um pequeno trecho do DNA que ocorrem devido a mutações. Os alelos determinam a mesma 
característica, porém de maneiras diferentes. (TAILLE, 2006)
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Cidadania e Ética | Unidade 2 - A Condição Humana
Você está se lembrando de suas aulas de biologia? Vamos adentrar mais um pouquinho nesse território para 
aprofundarmos essa interdisciplinaridade imprescindível para compreendermos a falácia do conceito de raça. 
Genótipo é o nome que se dá à constituição genética de um indivíduo, ou seja, ao conjunto de seus genes. O 
genótipo será responsável, portanto, por determinar as características mensuráveis de um indivíduo (fenótipo). A 
cor da pele é um exemplo de fenótipo. La Taille nos diz que “Quando uma pessoa sofre um racismo por ser negra 
é compreendido que ela sofre racismo por causa os seus traços ligados ao fenótipo e não ao genótipo” (TAILLE, 
2006).
Para quem quiser se aprofundar um pouco sobre o tema, sugiro a leitura do artigo “A 
inexistência biológica versus a existência social de raças humanas: pode a ciência instruir o 
etos social?”, de Sérgio Pena e Telma Birchal, publicado na revista da USP (Universidade de 
São Paulo).
Saiba mais
2.1.3 Gênero e derivações atuais
Seria o ser humano reduzido, em sua totalidade, ao seu corpo físico, ou seja, aos aspectos físicos, como cor da 
pele, seu gênero e etc? Estes aspectos seriam capazes de definir, limitar e especificar o comportamento de uma 
pessoa? Em um primeiro momento, podemos considerar que sim, já que existe um discurso comum que nos diz 
o que seria um comportamento masculino e um comportamento feminino. Alguns podem dizer que pessoas 
de pele negra possuem um determinado comportamento ligado aos ritmos tribais em maior evidência do que 
pessoas de pele branca.
Porém, como foi visto nas seções anteriores, tratar o ser humano simplesmente pelo seu aspecto físico 
não garante que possamos realmente bater o martelo e dizer: o ser humano é desta forma e pronto. Nossa 
consciência, nossa capacidade cognitiva e nosso comportamento não se reduzem simplesmente a aspectos do 
nosso corpo.
Figura 12 – Transexualidade 
Fonte: SHUTTERSTOCK, 2018.
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Cidadania e Ética | Unidade 2 - A Condição Humana
Podemos admirar um grande ritmista negro, como o cantor Carlinhos Brown, por exemplo, mas seria incoerente 
concluir que todas as pessoas negras são, automaticamente, talentosos ritmistas. Afinal, é claro que existem 
muitos percussionistas de diversas etnias. Porém, inevitavelmente, nos portamos no mundo a partir de conceitos 
preconcebidos, que nos guiam a partir de estereótipos, que procuram generalizar o que é exclusivamente pontual 
de uma região ou sociedade em uma época e lugar. Assim, esses conceitos preconcebidos se mostram culturais 
e nunca oriundos de uma estrutura predeterminada biologicamente. Nossa tarefa ética é sempre refletir sobre 
estes preconceitos e revermos intimamente estes valores.
Judite Butler, importante filósofa norte-americana nos diz que semelhante situação acontece com relação 
ao gênero, normalmente, associado ao “sexo biológico”, reduzido a uma lógica binária, com direito a terceiro 
excluído: masculino x feminino, macho x fêmea ou homem x mulher:
Conceitualmente o ser humano nasceria dotado de determinadas características biológicas que 
o enquadrariam como um indivíduo com comportamento masculinos ou femininos. Não existe 
uma terceira, quarta ou mesmo quinta opção. (BUTLER, 2003)
Porém, no século XXI, ficou claro que o sexo biológico não determina por si só a identidade de gênero ou a 
orientação sexual de uma pessoa. Butler nos diz que:
A orientação sexual, por exemplo, diz respeito à atração que sentimos por outros indivíduos e, 
geralmente, envolve questões sentimentais, e não somente sexuais. (BUTLER, 2003)
É claro que podemos inferir a origem natural e primeira do que seria ser “homem” e ser “mulher”, mas nesse 
processo de ruptura com a natureza em direção à cultura o homo sapiens, cada vez mais, reprimiu seus instintos 
e inventou a si próprio, em todos os sentidos possíveis. Assim, cada cultura desenvolveu o papel social que cada 
sexo deve desempenhar. Por exemplo, ser mulher hoje no Brasil é totalmente diferente de ser mulher em um país 
árabe. Com a pós-modernidade, houve uma fragmentação das identidades, que se multiplicam e romperam 
com as tradições, dessa forma as identidades de gênero se tornam também cada vez mais diversas. Butler nos 
diz que:
[...] a experiência humana nos mostra que um indivíduo pode ter outras identidades que refletem 
diferentes representações de gênero (como os transexuais e transgêneros) e que não se encaixam 
nas categorias padrões. (BUTLER, 2003)
Todo ser humanodesenvolve uma identidade. As identidades são características fundamentais de toda 
experiência humana, pois permitem que seres humanos possam exercer sua condição, como sujeitos, no mundo 
social. Butler nos diz sobre o conceito de gênero:
O gênero refere-se à identidade com a qual uma pessoa se identifica ou se autodetermina; 
independe do sexo e está mais relacionado ao papel que o indivíduo tem na sociedade e como ele 
se reconhece. Assim, essa identidade seria um fenômeno social, e não biológico. (BUTLER, 2003)
As questões relativas ao gênero aparecem na cultura ocidental com o feminismo. Simone de Beauvoir afirmou 
que ninguém nasce mulher, mas sim torna-se mulher. Essa famosa afirmação surge em tom de contestação, 
combatendo o pensamento determinista do final do século XIX, que usava a biologia para explicar a inferiorização 
do sexo feminino e as desigualdades sociais entre os gêneros. Para Beauvoir, o “ser mulher” é uma construção 
social e cultural.
Um bom exercício antropológico é compararmos as culturas para percebermos nossas posturas etnocêntricas. 
Em diferentes culturas, por exemplo, tribos indígenas ou no antigo povo celta, as representações de feminino 
e masculino eram completamente diferentes das que temos atualmente. Em muitas sociedades, as mulheres 
exerciam o papel de guerreiras e participavam ativamente de esferas de decisão e poder. Recentemente, foram 
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encontrados vestígios de mulheres guerreiras vikings. Na África, há fascinantes relatos de que os franceses teriam 
lutado contra um exército de mulheres no Daomé (Benin), no século XVIII. 
Em 1990, Butler publica seu livro Problemas de Gênero (Civilização Brasileira, 2010). A obra cunhou, de modo 
inovador, a noção de gênero como performatividade. Para a filósofa, o gênero é uma produção social, ou seja, 
é um ato intencional construído ao longo dos anos, de fora para dentro e de dentro para fora. Segundo ela, 
gênero não deve ser visto como um atributo fixo de uma pessoa, mas como uma variável fluída, apresentando 
diferentes configurações. Butler conduz o seu pensamento à defesa de que a pessoa possa escolher o gênero a 
que quer pertencer. 
A alta complexidade social da nossa espécie, sobre a qual podemos destacar as extensas redes de 
relações sociais, as complexas construções de sentidos e significados e as estruturas de poder no 
âmbito material e simbólico, nos impõe certas dificuldades a respeito da natureza de nossas ações, 
pensamentos e compreensões. Não poderíamos afirmar que todas as nossas ações são frutos 
do nosso instinto, enquanto espécie biológica, ou esperar que todos os aspectos da sociedade 
possam ser analisados sob a ótica da evolução e adaptabilidade. (BUTLER, 2003)
2.1.4 Gênero e raça na sociedade brasileira
No Brasil, as questões étnico-raciais nunca estiveram tão em pauta. Assistimos a um crescimento do movimento 
negro, a uma postura de reconexão com a ancestralidade e o tema racismo frequenta a mídia e o senso comum. 
Mas não era assim. Até a década de 1980, havia uma falácia segundo a qual o Brasil seria uma democracia racial 
desprovida de preconceitos. Porém, essa ideia veio sendo combatida, pois ela é justamente um sintoma desse 
racismo que está em nossa base estrutural, assim como o machismo e a gordofobia. Em termos históricos, nosso 
país, em seus quinhentos anos, teve escravidão até o 13/05/1888, ou seja, são quatro séculos de escravidão dos 
quinhentos anos de história. É claro que há muitos legados dessa época em nossa cultura.
Naquele episódio de abolição, que já revelava sua fragilidade em suas próprias peculiaridades: na ausência do 
imperador a princesa Isabel assina a carta de alforria, pressionada por uma série de interesses econômicos vindos 
da Inglaterra liberal. É claro que a resistência negra nos quilombos foi gloriosa e merece nossas reverências, 
porém este episódio de abolição não ocorreu em uma situação de vitória dos negros. Muito pelo contrário, a 
abolição ocorreu paulatinamente, com leis precedentes, como a lei do sexagenário, que libertava negros após os 
sessenta anos e a lei do ventre livre, que libertava os filhos de escravos após determinada idade. Estas leis, em vez 
de preparar a sociedade para um processo de inclusão dos antigos escravos, acabam por explicitar o interesse 
puramente mercantil e unilateral, por parte dos donos de escravos, pois houve um discurso, segundo o qual 
estas leis seriam benefícios para os negros, porém, poucos chegavam aos sessenta anos e, mesmo se chegassem, 
já não produziam tanto como antes e se tornavam caros para os senhores, que agora podiam se livrar desse 
improdutivo escravo, deixando de se responsabilizar por ele, que via na tal “liberdade” um verdadeiro abandono. 
A lei do ventre livre compartilha do mesmo paradoxo: libertar filhos de escravos se revelou, de forma traumática, 
um desumano gesto de separação entre mães e filhos, sem nenhum tipo de consideração aos laços familiares.
Portanto, a tese de La Tayle, segundo a qual o conceito de raça é uma construção cultural, se mostra procedente 
também aqui no Brasil. Os legados são gigantescos e incomensuráveis. Joaquim Nabuco, importante historiador 
brasileiro, nos diz que a escravidão não se apaga do dia pra noite, e sua estrutura permaneceria durante muito 
tempo ainda em nossa sociedade. Segundo ele:
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A escravidão não é uma opressão ou constrangimento que se limite aos pontos em que ela é 
visível; ela espraia-se por toda parte; ela está onde vós estais; em nossas ruas, em nossas casas, no 
ar que respiramos, na criança que nasce, na planta que brota do chão. (NABUCO, 1976)
Nabuco, em sua mais célebre frase do livro intitulado Minha formação, nos diz que que “A escravidão 
permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil” (NABUCO, 1976). Podemos verificar 
esses legados, desde piadas e expressões populares que envolvem os negros de forma pejorativa, até na própria 
arquitetura, que concebe apartamentos minúsculos, mas com dependência de empregada. Inclusive a questão 
do trabalho doméstico, no Brasil, só ter regulamentação de acordo com as leis trabalhistas em pleno séc. XXI já 
revela o quanto nosso pensamento é carregado da lógica escravocrata. 
Como não houve nenhum tipo de programa ou projeto que olhasse pelos negros após a abolição, estes se viram 
jogados em um mundo, que lhes era totalmente hostil, o que gerou uma situação extremamente perversa 
em nossa sociedade: está na cor da pele a condição de inferioridade social, que coloca por terra qualquer 
discurso liberal de meritocracia na atualidade. Por não terem condições de adentrar na sociedade, os negros se 
concentraram nas margens desta, formando o que se chamam de favelas, aglomerados e morros. Não é à toa 
que, atualmente, os números de negros em presídios e favelas ainda é muito maior do que o de brancos, passados 
mais de cem anos da abolição. Se ligamos o noticiário, somos bombardeados de imagens que associam negros 
à criminalidade, às drogas e à violência. Nas novelas, durante décadas, os negros só apareceram na condição de 
empregados, e, como afirmou o antropólogo Roberto DaMatta (2004), o brasileiro tem uma tendência histórica 
a valorizar quem se mantém no seu lugar social. A pessoa que, em uma narrativa novelística, quer sair de sua 
condição inferior e adentrar uma condição socialmente superior é considerada o vilão da história, e quem se 
mantém humildemente em seu lugar é considerado virtuoso e admirável. Tudo isso são os legados da escravidão 
que precisam ser debatidos e combatidos.
No Brasil contemporâneo, as questões de gênero e raça afloram e promovem debates acalorados, nem sempre 
guiados pela compreensão dos pontos em questão. A própria sociedade brasileira possui um aspecto conservador 
e tradicionalista fortemente marcado pela religiosidade,assim como possui em suas origens fatores ligados à 
exploração não sustentável de recursos, um desenvolvimento econômico sustentado por uma escravatura e 
forte desigualdade social, herdada destes e outros fatores históricos. 
Sem dúvidas a maior de todas as miscigenações não se deu entre índios, negros e brancos, como se costuma ler 
nos livros de história tradicionais, mas sim entre as várias etnias negras que, indiscriminadamente, eram tratadas 
de modo generalizador pelos colonos, que chamavam de “negros escravos” todos os povos oriundos da Guiné, 
do Congo, de São Tomé, da Costa da Mina, Moçambique e diversos outros pontos da África, para trabalharem nas 
lavouras em substituição aos índios. 
A escravidão é um elemento que aparece em diversas culturas e épocas na história da humanidade. De egípcios 
à gregos, de aborígenes pré-colombianos nas Américas às tribos africanas. Mas o que se viu durante o período 
colonial foi uma gigantesca estrutura comercial de escravos impulsionada pelo mercantilismo europeu, que fez 
da escravidão a mola mestra daquilo que veio a se chamar capitalismo. Por mais que entre as tribos africanas 
existisse a cultura da escravidão, o modo como os europeus se apropriaram dela e a dimensão que ela tomou 
formaram uma das mais perversas estruturas sociais já vividas pelo homem na história. O que mais importava 
aos compradores e revendedores de escravos era apenas que os negros escravizados fossem fortes e saudáveis. 
Arthur Ramos afirma que:
[...] o número elevado de negros que, através do tráfico, eram disseminados, principalmente, para 
zonas de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Pernambuco e Maranhão, locais onde 
eram cobiçados devido à necessidade de braços fortes para o trabalho nas lavouras de cacau, 
açúcar, algodão e café. (RAMOS, 1979)
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Dentro do pensamento colonialista, o olhar do senhor de escravos em relação ao homem negro era simplesmente 
o da boa mercadoria, que adquiria para trabalho escravo, como diz Artur Ramos:
[...] “para o branco senhor, não havia povos negros diversos, mas apenas o negro escravo”. 
Nesse sentido, os negros escravizados eram, para os colonizadores, a melhor resposta para 
o cumprimento do sentido da colonização (exploração da capacidade produtiva da América 
Portuguesa) sendo, quando era conveniente, ignoradas as diferenças culturais dos diversos 
grupos que foram forçosamente trazidos. É possível afirmar que a grande miscigenação de etnias 
na história brasileira se deu entre as diversas etnias africanas, muito mais do que entre brancos, 
índios e negros. (RAMOS, 1979)
Ramos afirma ainda que as influências religiosas, muito fortes durante toda a colonização, criaram uma armadura 
ideológica, privilegiando grupos sociais em detrimento de outros. Mas, acima de tudo, o pior do legado da 
escravidão foi, certamente, o racismo.
É um impacto que até hoje reverbera pelas camadas sociais, ao custo da lenta ascensão social 
e econômica dos descendentes dos escravos. A violência é outro fator que marca em muito as 
pessoas de pele negra. (RAMOS, 1979)
Recentemente, a segregação racial foi considerada crime federal, mas isso não impede que ainda haja o 
preconceito e a exclusão de uma parcela significativa de pobres de origem negra. Isso tudo vem de um processo 
histórico que acabou por retirar oportunidades de crescimento dos negros. Existem muitos grupos que lutam 
pelo direito de igualdade dos negros e, com isso, há um real debate para combater a discriminação, seja qual for.
Tente imaginar como a discriminação agiu sobre as últimas gerações de negros no Brasil. No mínimo, devemos 
concordar que o alto percentual de negros na zona de pobreza não é fruto do fato deles serem negros “preguiçosos 
ou favelados”, tampouco de não serem “esforçados e batalhadores”. O que temos é um grande débito 
histórico, que condenou brasileiros negros a uma condição deplorável de oportunidades para o crescimento e 
desenvolvimento, limitando a possibilidade de dignidade e acesso ao conhecimento, tão importante em uma 
sociedade contemporânea permeada por leis, valores financeiros, etc.
Combater a desigualdade social é algo necessário. Esse combate pode garantir que maior número de pessoas 
tenha acesso às oportunidades em nossa sociedade, de modo que a meritocracia não seja apenas um discurso. 
Se desejamos defendê-la, devemos ter certeza de que exista equidade. O mérito é alcançado quando, numa 
disputa justa, um indivíduo se destaca por seu esforço. Além deste fator de equidade, podemos perceber, em 
países com altos índices de desenvolvimento, que menor desigualdade social traz a um país melhores condições 
financeiras, amplia o número de empreendedores, diminui as zonas de pobreza e com ela o crime etc. 
A lei de cotas revolucionou o acesso às universidades públicas no Brasil, gerando uma maior diversidade no meio 
acadêmico, mas mesmo assim a desigualdade de acesso ainda é gigantesca. Sabemos que a lei de cotas considera 
que pelo quesito pobreza todos devem ter acesso a políticas sociais que procurem diminuir a desigualdade 
social. Contudo, a questão que também surge é: como lidar com o peso histórico do racismo, que legou a uma 
população negra a situação atual? Como garantir que o racismo, que explicitamente ainda existe, não dificulte a 
vida dos pobres negros, privilegiando os que são pobres e brancos? Quais políticas públicas contribuem melhor 
para combater a desigualdade social e o racismo (atual e legado)? 
A questão da necessidade de cotas raciais, surge a partir de uma perspectiva histórica, que reconhece a vileza do 
processo de diáspora africana, no período de tráfego negreiro no ocidente. Durante séculos vimos, na história 
do nosso país, os negros serem preteridos, e estes conceitos pré-concebidos, que subjugam os negros, estão 
engendrados em nossa cultura. Trata-se do racismo. É necessário combatê-lo, buscando onde ele está em nós 
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mesmos. Sendo brancos, índios ou negros, o racismo está dentro de nossa base cultural e histórica. Nesse sentido 
o tema das cotas aparece como uma demanda mínima, que tem como objetivo compensar essa dívida histórica.
Em se tratando de gênero, ocorre algo semelhante. Há uma base estrutural em nossa sociedade baseada em 
uma visão heteronormativa que concebe a questão do gênero a partir de uma lógica binária, que hierarquiza 
os gêneros, sempre colocando o masculino em detrimento do feminino, gerando a misoginia. A misoginia, ou 
o ódio ao feminino, é a origem de outros preconceitos como a homofobia. A luta contra preconceitos por uma 
sociedade diversa e igualitária iniciou-se no Ocidente, com as mulheres, que questionaram a liberdade sexual dos 
homens, reivindicando controle sobre seus próprios corpos e levantando questões relativas ao direito reprodutivo. 
Os movimentos feministas se expandem e, a partir da década de 1990, se dispersam e se diversificam, passando 
a ocupar o ambiente acadêmico.
O debate feminista, hoje, parece estar restrito às academias com feministas profissionais e as 
práticas limitam-se às ONGs, com reivindicações específicas que se desenvolvem onde o Estado 
é omisso, como as questões ambientais. (RAMOS, 1979)
Ramos (1979) ressalta que a discussão sobre raça e gênero coloca a condição humana no centro de um conjunto 
de discursos, que procuram ou não garantir maior igualdade de direitos. Não se trata de uma ideologia com 
ambições morais, ou seja, o termo “ideologia de gênero” é pejorativo e nada tem de relação com os temas aqui 
apresentados.
Como já descrito, cada sociedade tratará do que é ou não certo, bem como terá que lidar com os momentos de 
conflitos na evolução destes valores. O que podemos perceber até aqui é que a cultura e as mudanças fazem 
parte do conjunto de conhecimentos acerca do ser humano e de forma alguma estes

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