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DIREITO PENAL II - PARTE ESPECIAL Autores: Lenice Kelner Rodrigo Koenig França Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Reitor: Prof. Dr. Malcon Tafner Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Profa. Hiandra B. Götzinger Montibeller Profa. Izilene Conceição Amaro Ewald Profa. Jociane Stolf Revisão de Conteúdo: Rodrigo Koenig França Revisão Gramatical: Camila Thaisa Alves Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci 345 K299d Kelner, Lenice Direito penal II : parte especial / Lenice Kelner; Rodrigo Koenig França. Indaial : Uniasselvi, 2012. 200 p. : il. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-514-7 1. Direito penal. I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (047) 3281-9000/3281-9090 Copyright © UNIASSELVI 2012 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Rodrigo Koenig França Possui Graduação em Direito pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI – (2006) e Pós-Graduação em Direito Penal pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UDESC – (2009). Atualmente é Assistente de Promotoria do Ministério Público de Santa Catarina e Professor Universitário pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci - UNIASSELVI. Tem experiência na área de Direito Público, com ênfase em Direito Penal e Ambiental. Lenice Kelner Lenice Kelner, Graduada em Direito. Mestre em Ciências Jurídicas. Especialista em Direito Penal e Processual Penal. Especialista em Direito Civil. Advogada na área criminal e cível. Professora do Curso de Direito da FURB. Professora dos Cursos de Especialização em Direito Penal e Processo Penal. Professora da Escola Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Coordenadora do Programa de Extensão Gestão de Conflitos Penais na Comarca de Blumenau e Projeto de Assistência Jurídica aos detentos do Presídio Regional de Blumenau. Sumário APRESENTAÇÃO ..................................................................... 7 CAPÍTULO 1 Crimes Contra a Pessoa ........................................................ 9 CAPÍTULO 2 Crimes Contra o Patrimônio ............................................... 39 CAPÍTULO 3 Crimes Contra a Honra ....................................................... 77 CAPÍTULO 4 Crimes Contra o Sentimento Religioso e Contra o Respeito aos Mortos .......................................................... 91 CAPÍTULO 5 Crimes Contra a Dignidade Sexual ...................................123 CAPÍTULO 6 Crimes Contra a Família .................................................... 147 CAPÍTULO 7 Crimes Contra a Administração Pública .........................165 CAPÍTULO 8 Crimes Ambientais – Lei nº 9.605/98....................................185 7 APRESENTAÇÃO Caro(a) pós-graduando(a): Este caderno de estudos contém textos e reflexões relacionados com a parte especial do Código Penal Brasileiro e legislações esparsas. O seu caráter funcional será de expor, de forma concisa, mas densa e pragmática, os mais variados crimes previstos na legislação penal brasileira. O texto se apresenta dentro de uma metodologia dialógica, a fim de suscitar a reflexão, a dúvida, os questionamentos acerca de temas tão relevantes para todos os operadores do Direito. As leituras que fornecem subsídios para aprofundamento dos temas encontram-se ao longo do texto. O caderno abordará o tema em 8 capítulos. O primeiro capítulo tratará dos crimes contra a pessoa, especialmente a abordagem dos crimes de homicídio, participação em suicídio, infanticídio, aborto e lesão corporal. O segundo capítulo abordará os crimes contra o patrimônio, especialmente, os crimes de furto, roubo, latrocínio, extorsão, extorsão mediante sequestro, apropriação indébita, estelionato e receptação. O terceiro capítulo trará uma abordagem dos crimes contra a honra, destacando os crimes de calúnia, difamação e injúria. Por conseguinte, o quarto capítulo discorrerá sobre os crimes contra a dignidade sexual, destacando o crime de estupro, estupro de vulnerável, assédio sexual e o favorecimento da prostituição. O quinto capítulo tratará dos crimes contra a família, discorrendo sobre a bigamia, simulação de casamento, registro de nascimento inexistente, abandono material e intelectual. No sexto capítulo estudar-se-á os crimes contra o sentimento religioso, destacando-se o ultraje a culto, o impedimento de cerimônia funerária, a violação de sepultura e a destruição, subtração, ocultação e vilipêndio de cadáver. No sétimo capítulo abordar-se-á os crimes contra a administração pública, abrangendo o peculato, a concussão, a corrupção passiva e a prevaricação. Por fim, o último capítulo trará o estudo dos crimes contra o meio ambiente, identificando os crimes contra a fauna e os crimes contra a flora. Convidamos você a iniciar este diálogo e aprofundamento nos estudos. É com grande satisfação que trazemos nosso trabalho. Professora Msc. Lenice Kelner Professor Rodrigo Koenig França CAPÍTULO 1 Crimes Contra a Pessoa A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Conceituar os crimes contra a vida. 3 Identificar e distinguir os crimes contra a vida diante de casos reais. 3 Buscar na jurisprudência casos julgados pelos Tribunais e apresentar comentário crítico referente ao crime pesquisado. 11 Crimes Contra a Pessoa Capítulo 1 Contextualização Neste capítulo, estudaremos os “Crimes contra a pessoa”, que são aqueles delitos que ofendem a vida e a integridade física das pessoas. São eles: Homicídio (CP, art. 121), Participação em Suicídio (CP, art. 122), Infanticídio (CP, art. 123), Aborto (CP, art. 125, 126, 127 e 128) e Lesões Corporais (art. 129 do CP). O estudo dos crimes contra a pessoa é de primordial importância, pois trata do bem jurídico mais importante a ser tutelado, que é a vida humana. A proteção de tão relevante bem jurídico é imperativo de ordem constitucional, assegurado no artigo 5º, caput, que garante que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida [...]”. Diariamente, a imprensa nos traz notícias de crimes de homicídio brutais, abortos em clínicas clandestinas, brigas entre grupos rivais etc. A importância do estudo destes crimes será para você, operador do direito, distinguir e dar a correta aplicação dos tipos penais, aprofundando os conhecimentos que já possui acerca do tema. Homicídio O homicídio, já na época de Roma, em 753 a. C. era considerado um crime público. A Lei das XII Tábuas (450 a. C) já previa a designação de juízes especiais para julgamento do delito de homicídio. Conferimos que na Idade Média, o homicídio era usualmente punido com a pena de morte. Conferindo a legislação brasileira com as Ordenações Filipinas, o crime de homicídio tinha pena aplicada a critério do julgador, que punia seus autores com pena de morte, imposição de mutilação e confisco de bens. Já desde o Código Penal do Império em 1830 e o Código Penal em vigor (1940) prescrevem, como a punição aos autores dos crimes de homicídio, a pena privativa de liberdade. a) Conceituação Nas palavras de Capez (2011, p. 22), “homicídio é a morte de um homem provocada por outro homem. É a eliminação da vida de uma pessoa praticada por outra”. Importante definir o homicídio como a eliminação da vida humana extrauterina praticada por outrem. Pois, como alerta Mirabete (2011, p. 26), “tal conceito evita a confusão com o delitode aborto e com o suicídio”. Mas afinal, quando começa a vida? 12 Direito Penal II - Parte Especial Bitencourt (2011, p. 48), com precisão, esclarece: A vida começa com o início do parto, com o rompimento do saco amniótico; é suficiente a vida, sendo indiferente a capacidade de viver. Antes do início do parto, o crime será de aborto. Assim, a simples destruição da vida biológica do feto, no início do parto, já constitui crime de homicídio. Enfim, para a configuração do delito em tela, a vítima deve estar viva, manifestando-se a vida com a respiração, não importando seu grau de vitalidade ou se exista a capacidade de sobrevivência. Para melhor compreensão deste contexto, assista o filme “Risco Duplo”. b) Classificação Doutrinária Como o crime de homicídio pode ser praticado de vários modos, a doutrina penal assim classifica o crime de homicídio: • crime comum: pode ser praticado por qualquer pessoa; • crime simples: atinge apenas um bem jurídico; • crime de dano: exige a efetiva lesão de um bem jurídico; • crime de ação livre: pode ser praticado por qualquer meio, comissivo ou omissivo; • crime instantâneo de efeitos permanentes: a consumação ocorre em um só momento, mas seus efeitos são irreversíveis; • crime material: só se consuma com a efetiva ocorrência do resultado morte, ou seja, com a cessação da atividade encefálica. c) Tipo Penal O crime de homicídio sempre terá um sujeito ativo, aquele que causou a morte, e o sujeito passivo, também chamado de vítima, ou a pessoa morta. O sujeito ativo, ou seja, aquele que pode praticar o delito, nesse caso pode ser qualquer pessoa. Por esse motivo, classifica-se em crime comum. A vida começa com o início do parto, com o rompimento do saco amniótico O crime de homicídio sempre terá um sujeito ativo, aquele que causou a morte, e o sujeito passivo, também chamado de vítima, ou a pessoa morta. 13 Crimes Contra a Pessoa Capítulo 1 O sujeito passivo, ou seja, a vítima, pode ser qualquer pessoa também. O núcleo do tipo, que é o verbo descreve a conduta, no presente caso é matar. Perceba que o crime de homicídio pode ocorrer por ação ou omissão do agente. Ex.: “A” esfaqueia “B” como intenção de matar. “B” morre pela ação de “A”. Já na omissão, “A” quer matar “B” que está sob sua guarda e para isso deixa de alimentá-lo. “B” morre de inanição. “A” responde por homicídio por omissão. • Para obter mais informações sobre o tipo penal, sugerimos acessar o site: http://pt.scribd.com/doc/39843090/Penal • Leia a lei nº 9434/97, que trata de transplante de órgãos, encontrada no site: www.senado.gov.br d) Homicídio Simples No Código Penal Brasileiro, o homicídio simples é previsto no art. 121, caput, com a seguinte redação: Art. 121 - Matar alguém: Pena - reclusão, de 6 a 20 anos. No parágrafo 1º do Art. 121 do Código Penal Brasileiro, é definido o crime de homicídio privilegiado, como um caso de diminuição de pena. • Caso de diminuição de pena (Homicídio privilegiado) § 1º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social (diz respeito a interesses da coletividade, como, por ex., matar traidor da pátria, matar bandido perigoso, desde que não se trate de atuação de justiceiro) ou moral (refere-se a sentimento pessoal do agente, como no caso da eutanásia), ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação O homicídio simples é previsto no art. 121, caput, com a seguinte redação: Art. 121 - Matar alguém: Pena - reclusão, de 6 a 20 anos. http://pt.scribd.com/doc/39843090/Penal http://www.senado.gov.br 14 Direito Penal II - Parte Especial da vítima (existência de emoção intensa - ex.: tirar o agente totalmente do sério; injusta provocação da vítima - ex.: xingar, fazer brincadeiras de mau gosto, flagrante de adultério; reação imediata - “logo em seguida”), o juiz pode (deve) reduzir a pena de 1/6 a 1/3. Em seu parágrafo 2º, o art. 121 contém as formas qualificadas do homicídio, aplicando pena superior à do homicídio simples, visto que os motivos do crime, os meios empregados ou até os recursos demonstram maior periculosidade do agente. e) Homicídio qualificado Importante lembrar que o homicídio qualificado é “crime hediondo” quando praticado em atividade típica de grupos de extermínio, mesmo que por uma só pessoa. No segundo parágrafo do Art. 121 do Código Penal Brasileiro, há a seguinte afirmação: § 2º - Se o homicídio é cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe (motivo vil, repugnante, que demonstra depravação moral do agente - ex.: matar para conseguir herança, por rivalidade profissional, por inveja, porque a vítima não quis ter relação sexual); II - por motivo fútil (matar por motivo de pequena importância, insignificante; falta de proporção entre a causa e o crime - ex.: matar dono de um bar que não lhe serviu bebida, matar a esposa que teria feito jantar considerado ruim); III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso (é o uso de uma armadilha ou de uma fraude para atingir a vítima sem que ela perceba que está ocorrendo um crime, como, por ex., sabotagem de freio de veículo ou de motor de avião) ou cruel (outro meio cruel além da tortura - ex.: morte provocada por pisoteamento, espancamento, pauladas), ou de que possa resultar perigo comum (ex.: provocar desabamento ou inundação); IV - à traição (quebra de confiança depositada pela vítima ao agente, que desta se aproveita para matá-la - ex.: matar a mulher durante o ato sexual), de emboscada (ou tocaia; o agente aguarda escondido a passagem da vítima por um determinado local para, em seguida, alvejá-la), ou mediante dissimulação (é a utilização de um recurso qualquer para enganar a vítima, O homicídio qualificado é “crime hediondo” quando praticado em atividade típica de grupos de extermínio, mesmo que por uma só pessoa. 15 Crimes Contra a Pessoa Capítulo 1 visando possibilitar uma aproximação para que o agente possa executar o ato homicida - ex.: uso de disfarce ou método análogo para se aproximar da vítima, dar falsas provas de amizade ou de admiração para possibilitar uma aproximação) ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido (surpresa; efetuar disparo pelas costas, matar a vítima que está dormindo, em coma alcoólico); V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: quando o homicídio é praticado para assegurar a execução de outro crime - ex.: matar um segurança para conseguir sequestrar um empresário (homicídio qualificado em concurso material com extorsão mediante sequestro). Ou quando o homicídio visa assegurar a ocultação (o sujeito quer evitar que se descubra que o crime foi praticado), impunidade (o sujeito mata alguém que poderia incriminá-lo - ex.: morte de testemunha do crime anterior) ou vantagem de outro crime (ex.: matar coautor de roubo para ficar com todo o dinheiro, ou a pessoa que estava fazendo o pagamento do resgate no crime de extorsão mediante sequestro). Pena - reclusão, de 12 a 30 anos. Lembre-se que, havendo mais de uma qualificadora no caso concreto, o juiz usará uma para qualificar o homicídio e as demais como agravantes genéricas. O Código Penal Brasileiro também prevê a possibilidade do homicídio culposo, ou seja, quando o resultado morte ocorre por negligência, imprudência ou imperícia. e) Homicídio culposo No terceiro parágrafo do Art. 121 do Código Penal Brasileiro há a seguinte afirmação: § 3º - Se o homicídio é culposo: Pena - detenção, de 1 a 3 anos. Importante verificar que, se a morte culposa ocorreu no trânsito, deveremos 16 Direito Penal II - Parte Especial buscar pelo novo Código de Trânsito Brasileiro (Lei n. 9.503, de 23-9-97). Eis a redação do crime: Sobre o princípio da especialidade, leia comentário nosite: www.jusbrasil.com.br/topicos/297796/principio-da-especialidade CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO - CTB – LEI Nº 9503 DE 1997 Capítulo XIX - Dos Crimes de Trânsito Seção II - Dos Crimes em Espécie Art. 302, CTB - Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de 2 a 4 anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. § único - No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 a 1/2, se o agente: I - não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação; II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada; III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente; IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros. Fonte: DENATRAN. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Disponível em: <http://www.denatran.gov.br/ctb.htm>. Acesso em: 29 ago. 2011. O Código Penal Brasileiro prevê em seu art. 121, parágrafo 4º, a possibilidade de o homicídio culposo ser qualificado, e nesses casos a pena será aumentada em 1/3: http://www.jusbrasil.com.br/topicos/297796/principio-da-especialidade 17 Crimes Contra a Pessoa Capítulo 1 • Aumento de pena § 4º - No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício (ex.: médico que não esteriliza instrumento cirúrgico, dando causa a uma infecção da qual decorre a morte da vítima), ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima (se a vítima é socorrida imediatamente por terceiro; se ele não é prestado porque o agente não possuía condições de fazê-lo ou por haver risco pessoal a ele; se a vítima estiver morta - não incide o aumento da pena), não procura diminuir as consequências do seu ato (ex.: após atropelar a vítima, nega-se a transportá- la de um hospital a outro, depois de ter sido ela socorrida por terceiros), ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio (homicídio doloso), a pena é aumentada de 1/3 se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 anos ou maior de 60 anos. Importante lembrar que, no homicídio culposo, há a previsão de ser aplicado o perdão judicial. Confira o enunciado da lei penal: § 5º (Perdão judicial) - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. Como você pode observar, a sentença que reconhece e concede o perdão tem natureza declaratória da extinção da punibilidade, não existindo qualquer efeito secundário, inclusive a obrigação de reparar o dano. Prado (2010, p. 90), no mesmo sentido, ensina que “há extinção da punibilidade, portanto, se as consequências da infração (homicídio culposo) atingirem o agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária”. Podemos verificar que a morte de pessoas estreitamente ligadas ao agente (por vínculo de parentesco ou amizade) pode ser a maior e a mais severa pena a ser aplicada, pois sempre se sentirá culpado pela morte da vítima, causada por falta de atenção ou cautela. Mirabete (2011, p. 46) nos alerta que: O que dever ser examinado é se existem os requisitos exigidos pelo parágrafo 5º do art. 121, de caráter objetivo e subjetivo, e quanto a este exige a presunção da dor moral causada pela morte da vítima quando, entre esta e o agente, há ligações de caráter afetivo. Para isso é necessário que reste Homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. 18 Direito Penal II - Parte Especial cumpridamente provado nos autos que as consequências do crime atingiram de forma grave o agente de forma que a sanção penal é desnecessária. A competência para julgar os crimes dolosos contra a vida é do Tribunal do Júri. Atividade de Estudos: 1) Ao dirigir seu automóvel, sóbrio e em velocidade compatível com a situação da estrada em que se encontrava, um pai de família não consegue controlar o veículo, batendo de frente contra um poste da via pública. Em consequência do choque, sua esposa, que viajava no banco dianteiro, e seus filhos, no banco de trás, vêm a falecer. Questiona-se da possibilidade de aplicação do contido no artigo 121, § 5o, do CP. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Induzimento, Auxílio ou Instigação ao Suicídio (ou Participação em Suicídio) Estudaremos agora os crimes de Participação em Suicídio, que podem ocorrer sob três modalidades: induzimento ao suicídio, auxílio ao suicídio ou instigação ao suicídio. Podemos dizer que a denominação “participar em suicídio” pode acontecer sob três espécies diferentes de ações. Por outro lado, se ao mesmo tempo o autor instiga e auxilia a mesma vítima ao suicídio, cometerá somente um crime. 19 Crimes Contra a Pessoa Capítulo 1 a) Conceituação Suicídio é a deliberada destruição da própria vida. O suicídio somente não é um ilícito penal. Porém, Capez (2011, p. 121) nos ensina que, “Embora o Código Penal não incrimine o ato de dispor da própria vida, [...], considera crime toda e qualquer conduta tendente a destruir a vida alheia”. Bitencourt (2011, p. 129) esclarece que A conduta típica consiste em induzir (suscitar, fazer surgir uma ideia inexistente), instigar (animar, estimular, reforçar uma ideia já existente) ou auxiliar (ajudar materialmente) alguém a suicidar-se. Trata-se de um tipo penal de conteúdo variado, isto é, ainda que o agente pratique, cumulativamente, todas as condutas descritas nos verbos nucleares, em relação à mesma vítima, praticará um mesmo crime. Então podemos concluir que é autor do crime previsto no artigo 122 do Código Penal Brasileiro aquele quem induz, instiga ou auxilia alguém a suicidar-se. Como sugestão, assista ao filme “Roleta Russa”, que dá uma ideia de instigação, induzimento e auxílio ao suicídio. b) Tipo Penal O crime de participação em suicídio terá um sujeito ativo, aquele que instigou, induziu ou prestou auxílio no suicídio de alguém, e o sujeito passivo, também chamado suicida. O sujeito ativo, ou seja, aquele que pode praticar o delito, nesse caso pode ser qualquer pessoa, exceto o suicida. Por esse motivo, classifica-se de crime comum. O sujeito passivo, ou seja, a vítima, pode ser qualquer pessoa com capacidade de ser induzida, instigada ou auxiliada a suicidar-se. Aquele que não tem capacidade de autodeteminar-se não será vítima desse crime e sim de É autor do crime previsto no artigo 122 do Código Penal Brasileiro aquele quem induz, instiga ou auxilia alguém a suicidar-se. 20 Direito Penal II - Parte Especial homicídio. Ex.: um adulto fala para uma criança de 10 anos pular de um cobertura e ela pula e morre, será homicídio e não o tipo penal desse artigo. Já apresentamos os conceitos de sujeito ativo e passivo quando abordamos o Homicídio. Nesta situação, a compreensão é diferente. A principal diferença entre o crime de homicídio e participação em suicídio é se a vítima é capaz (tem capacidade de entendimento) ou não (menores, doentes mentais etc.). Confira o que diz o art. 122 do Código Penal Brasileiro: Art. 122 - Induzir (participação moral; significa dar a ideia do suicídio a alguém que ainda não tinha tido esse pensamento)ou instigar (participação moral – significa reforçar a intenção suicida já existente) alguém (pessoa ou pessoas determinadas) a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça (participação material; significa colaborar materialmente com a prática do suicídio, quer dando instruções, quer emprestando objetos para que a vítima se suicide; essa participação deve ser secundária, acessória, pois se a ajuda for a causa direta e imediata da morte da vítima, o crime será o de “homicídio”): Pena - reclusão, de 2 a 6 anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 a 3 anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave. Importante a distinção que Capez (2011, p.123) faz sobre as condutas do autor de crime de participação em suicídio: Três são as ações previstas pelo tipo penal: a) Induzir: significa sucitar a ideia, sugerir o suicídio. Ocorre o induzimento quando a ideia de autodestruição é inserida na mente suicida, que não havia desenvolvido o pensamento por si só. Por exemplo: indivíduo que perde o emprego e é sugestionado pelo seu colega a suicidar-se por ser a única forma de solucionar os seus problemas. b) Instigar: significa reforçar, estimular, encorajar um desejo já existente. Na instigação, o sujeito ativo potencializa a ideia de suicídio que já havia na mente da vítima. Cite-se o exemplo que nos é dado por E. Magalhães Noronha: “induz o pai que, ciente do desígnio suicida da filha seduzida, lhe conta que assim também agiu determinada mulher, revelando honra e brio”. Três são as ações previstas pelo tipo penal: a) Induzir: significa sucitar a ideia, sugerir o suicídio. b) Instigar: significa reforçar, estimular, encorajar um desejo já existente. c) Prestar auxílio: consiste na prestação de ajuda material, que tem caráter meramente secundário. 21 Crimes Contra a Pessoa Capítulo 1 c) Prestar auxílio: consiste na prestação de ajuda material, que tem caráter meramente secundário. O auxílio pode ser concedido antes ou durante a prática do suicídio. [...] o auxíio é eminentemente acessório, limitando-se o agente, in exemplis, a fornecer meios ( arma, o veneno etc), a ministrar instruções sobre o modo de empregá-los, a criar condições de viabiliadde do suicídio, a frustar a vigilância de outrem, a impedir ou dificultar o imediato socorro. O delito de participação em suicídio é qualificado, ou seja, a pena será maior quando: c) Aumento de pena A pena é duplicada: I - se o crime é praticado por motivo egoístico (ex.: para ficar com a herança da vítima, com o seu cargo); II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência (ex.: vítima está embriagada, com depressão). CRIME DE PARTICIPAÇÃO EM SUICÍDIO Podemos concluir, sobre o crime de participação em suicídio, que: 1. não admite tentativa; 2. consuma-se no momento da morte da vítima ou quando ela sofre lesões corporais graves; resultando lesões leves o fato é atípico; 3. deve haver relação de causa e efeito entre a conduta do agente e a da vítima; 4. deve haver seriedade na conduta do agente. Se alguém, em tom de brincadeira, diz à vítima que a única solução é “se matar” e ela efetivamente se mata, o fato é atípico por ausência de dolo; 5. a vítima deve ter capacidade de entendimento (de que sua conduta irá provocar sua morte) e resistência. Assim, quem induz A pena é duplicada: Se o crime é praticado por motivo egoístico. Se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência 22 Direito Penal II - Parte Especial criança de pouca idade ou pessoa com grave enfermidade mental a se atirar de um prédio responde por “homicídio”; 6. se várias pessoas fazem roleta-russa em grupo, uns estimulando os outros, os sobreviventes respondem por este crime. 7. se duas pessoas fazem um pacto de morte e um deles se mata e o outro desiste, o sobrevivente responderá por este crime. 8. se duas pessoas decidem morrer juntamente, se trancam em um compartimento fechado e um deles liga o gás, mas apenas o outro morre, haverá “homicídio” por parte daquele que executou a conduta de abrir a torneira do botijão de gás. Fonte: <http://www.ebah.com.br/content/ABAAAAKrwAD/ direito-penal-parte-especial>. Acesso em: 10 dez. 2011. A competência para julgar os crimes dolosos contra a vida é do Tribunal do Júri. Atividade de Estudos: 1) Pedro e Tiago, desanimados da vida, conversam entre si e chegam à conclusão de tirarem suas próprias vidas. Considerando que ambos não sabem nadar, combinam de atirarem-se no rio das Antas, cuja profundidade é de 10 metros. Assim, de mãos dadas, jogam-se no rio. Em atitude de desespero (instinto de defesa), Tiago consegue nadar e chegar à margem do rio, mas a mesma sorte não acompanha Pedro, que vem a óbito. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ 23 Crimes Contra a Pessoa Capítulo 1 Infanticídio Estudaremos agora o crime de Infanticídio, ou seja, a morte do filho pela mãe sob a influência do estado puerperal. Conferimos que, no Direito Romano, a morte dada ao filho pela mãe era equiparada ao crime de homicídio. Temos registro que, na Lei das XII Tábuas (século V a.C.), havia permissão para que o pai matasse o filho que nascesse disforme ou de aspecto monstruoso, mediante o julgamento de cinco vizinhos. A lei penal atual não tem mais o mesmo entendimento, e determina punição para qualquer pessoa que matar seu filho. a) Conceituação Infanticídio é considerado pela doutrina como um homicídio privilegiado, ou seja, por ser cometido pela mãe contra o filho em condições especiais. Mirabete (2011, p. 53) nos ensina que “o infanticídio é um crime próprio, praticado pela mãe da vítima, já que o dispositivo se refere ao ‘próprio filho’ e ao ‘estado puerperal’”. No mesmo sentido, Bitencourt (2011, p. 148) esclarece: A ação nuclear descrita no tipo penal é exatamente a mesma do homicídio: matar. Assim, toda e qualquer conduta que produzir a supressão da vida humana, tal como no homicídio, pode sinalizar o início da adequação típica do crime de infanticídio. Contudo, a norma que emerge do art. 123, definidor do crime de infanticídio, é produto de lex specialis, que exige, consequentemente, a presença de outros elementos da estrutura típica. A condita típica consiste em matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após. Enfim, Prado (2010, p. 108) alerta que “admite-se qualquer meio de execução hábil a produzir a morte do ser humano nascente ou recém-nascido (delito de forma livre).” A morte pode ser ocasionada por uma conduta comissiva (sufocação, estrangulamento, traumatismo, asfixia) ou omissiva (falta de sutura do cordão umbilical, inanição, não prestação de cuidados especiais). b) Tipo Penal O crime de infanticídio terá um sujeito ativo, aquele(a) que retirou a vida de seu(sua) filho(a), e um sujeito passivo, o(a) filho(a) morto(a). O infanticídio é um crime próprio, praticado pela mãe da vítima, já que o dispositivo se refere ao ‘próprio filho’ e ao ‘estado puerperal’. 24 Direito Penal II - Parte Especial O sujeito ativo, ou seja, aquele que pode praticar o delito, nesse caso somente poderá ser a mãe do nascente ou recém-nascido. Por esse motivo, classifica-se de crime próprio. Importante: O terceiro que participa do crime, junto com a mãe, responde por infanticídio seguindo a regrado art. 30 do CP. O sujeito passivo, ou seja, a vítima, é o nascente ou neonato. Infanticídio é definido, no Código Penal Brasileiro, nos seguintes termos: Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal (é uma perturbação psíquica que acomete grande parte das mulheres durante o fenômeno do parto e, ainda, algum tempo depois do nascimento da criança; em princípio, deve ser provado, mas, se houver dúvida no caso concreto, presume-se que ele ocorreu), o próprio filho, durante o parto ou logo após: Pena - detenção, de 2 a 6 anos. Percebemos que o crime de infanticídio acontece no estado puerperal, mas o que é estado puerperal? Buscamos então os ensinamentos dos médicos Almeida Júnior e Costa Júnior (1977, p. 381), na clássica obra de medicina legal: Puerpério (de puer e parere) é o período que vai da dequitação (isto é, do deslocamento e expulsão da placenta) à volta do organismo materno à condições pré-gravídicas” (r. Briquet). Sua Duração é, pois, de seis a oito semanas (Lee), conquanto alguns limitem o uso da expressão “puerpério” ao prazo de seis a oito dias, em que a mulher se conserva no leito. Fenômeno não bem definido, o estado puerperal é por vezes confundido com perturbações à saúde mental, sendo até negada sua existência por alguns autores. Merece ser transcrita a explicação dos autores já citados: “Nele se incluem os casos em que a mulher, mentalmete sã, mas abalada pela dor física do fenômeno obstétrico, fatigada, enervada, sacudida pela emoção, vem a sofrer um colapso do senso moral, uma liberação de impulsos maldosos, chegando por isso a matar o próprio filho. De um lado, nem alienação mental, nem semialinenação (casos estes já regulados genericamente pelo Código). De outro modo, tampouco frieza de cálculo, a ausência de emoção, a pura crueldade (que caracterizam, então o homicídio). Mas a situação intermédia, podemos dizer até normal, da mulher que, sob o trauma da parturição e dominada por elementos psicológicos peculiares, se defronta com o produto talvez não desejado, e temido, de suas entranhas. O crime de infanticídio terá um sujeito ativo, aquele(a) que retirou a vida de seu(sua) filho(a), e um sujeito passivo, o(a) filho(a) morto(a). 25 Crimes Contra a Pessoa Capítulo 1 Pode-se concluir que, a respeito da expressão “logo após o parto”, não há fixação precisa. A jurisprudência admite que, enquanto durar o estado puerperal, será “logo após o parto”. Importante: se a mãe preencher todos os requisitos do tipo, porém imagina ser seu filho e é o filho de outra pessoa, responderá por infanticídio, na hipótese de erro sobre a pessoa. (art. 20, § 3º, CP). Admite-se a tentativa, desde que o resultado morte não ocorra por circunstâncias alheias à vontade do agente. A competência para julgar os crimes dolosos contra a vida é do Tribunal do Júri. Atividade de Estudos: 1) Durante o parto, o médico, antes de retirar a criança do ventre materno, sabendo que a criança não sobreviverá por muitos dias, porém sendo essa informação de completo desconhecimento da mãe, acaba estrangulando a mesma com o cordão umbilical, dentro do ventre materno, matando-a. Qual a conduta criminosa do médico? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Aborto Estudaremos agora o crime de aborto, ou seja, a morte do feto pela própria gestante. Porém, o aborto também poderá ser praticado por médico, pelo marido, pelo namorado, tendo ou não o consentimento da gestante. Verificamos que, em Roma, nos primeiros tempos, o aborto não era tratado como crime. Para os romanos, o feto era tido como parte do corpo da gestante e esta poderia dele livremente dispor. Porém, sob a influência do Cristianismo, por volta de 374 d.C., o Direito Canônico reprovou a prática do aborto, entendendo que o feto, ou o nascituro, morreria sem ser batizado. 26 Direito Penal II - Parte Especial a) Conceituação É a interrupção da gravidez com a consequente morte do feto. Mirabete (2011, p. 57) conceitua de forma clara o crime de aborto: Aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. É a morte do ovo (até três semanas de gestação), embrião (de três semanas a três meses) ou feto (após três meses), não implicando necessariamente sua expulsão. O produto da concepção pode ser dissolvido, reabsorvido pelo organismo da mulher ou até mumificado, ou pode a gestante morrer antes de sua expulsão. Não deixará de haver, no caso, o aborto. Em síntese, Bitencourt (2011, p. 160) esclarece que “aborto é a interrupção da gravidez antes de atingir o limite fisiológico, isto é, durante o período compreendido entre a concepção e o início do parto, que é o marco final da vida intrauterina”. Existe uma classificação para os tipos de aborto, sendo que em algumas situações não há punição por não ser considerado crime ou ser o aborto permitido. Veja o quadro abaixo: Quadro 1 – Tipos de aborto e suas consequências legais Tipos de aborto Consequência e punição Aborto natural É a interrupção espontânea da gravidez (impunível). Aborto Acidental Acontece em consequência de traumatismo (impunível) - ex.: queda, acidente em geral. Aborto Criminoso Encontra-se previsto nos artigos 124 a 127 do Código Penal. Aborto legal ou permitido Encontra-se previsto no art. 128 do Código Penal Fonte: Os autores. b) Meios de Praticar o Aborto Há várias formas de provocar o aborto. Sobre esta questão, Gonçalves (1999, p. 42) afirma que: Os métodos mais usuais são ingestão de medicamentos abortivos, introdução de objetos pontiagudos no útero, raspagem ou curetagem e sucção; é ainda possível a utilização de agentes elétricos ou contundentes para causar o abortamento. Aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. 27 Crimes Contra a Pessoa Capítulo 1 Importante: se o feto já estiver morto (absoluta impropriedade do objeto) ou o meio utilizado pelo agente não puder provocar o aborto (absoluta ineficácia do meio), é crime impossível. c) Tipo Penal O crime de aborto pode ter tipos penais e penas diferentes, dependendo quem cometeu o aborto (por exemplo: própria gestante, médico, namorado etc.) e se o aborto aconteceu com ou sem consentimento da gestante. O art. 124 do Código Penal Brasileiro prevê o aborto provocado pela gestante (autoaborto) ou com seu consentimento. Vejamos: Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena - detenção, de 1 a 3 anos. Perceba que a gestante que consente, incide nesse artigo, enquanto o terceiro que executa o aborto, com concordância da gestante, responde pelo art. 126. Importante: é crime próprio, já que nelas o sujeito ativo é a gestante; é crime de mão própria, uma vez que não admite coautoria, mas apenas participação. O art. 125 do Código Penal Brasileiro prevê o aborto provocado sem o consentimento da gestante. Vejamos: Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de 3 a 10 anos. O art. 126 do Código Penal Brasileiro prevê o aborto provocado com o consentimento da gestante. Vejamos: Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de 1 a 4 anos. 28 Direito Penal II - Parte Especial § único - Aplica-se a pena do artigo anterior se a gestante não é maior de 14 anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência. O art. 127 do Código Penal Brasileiro contém as formas qualificadas pelo resultado. Vejamos: Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores (arts. 125 e 126) são aumentadas de 1/3, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadasse, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte. O artigo 128 do Código Penal Brasileiro prevê o aborto legal ou permitido. De acordo como texto legal, não se pune o aborto praticado por médico. d) Aborto necessário - Se não há outro meio de salvar a vida da gestante No conceito de Estefam (2010, p. 151), “dá-se quando o ato é praticado por médico, verificando-se não existir outro meio de salvar a vida da gestante. É a interrupção artificial da gravidez para conjurar perigo certo, e inevitável por outro modo, à vida da gestante”. Para Greco (2010, p. 235), “no caso do aborto necessário, também conhecido por aborto terapêutico ou profilático, não temos dúvida em afirmar que se trata de uma causa de justificação correspondente ao estado de necessidade”. e) Aborto sentimental Se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. A lei também autoriza o aborto quando a gravidez resulta de estupro, e sempre que houver, neste caso, consentimento da gestante ou de seu representante legal. Estefam (2010, p. 152) ressalva que “o legislador brasileiro priorizou que não se pode obrigar uma mulher a levar até o final uma gravidez que a fará recordar, diária e permanentemente, de uma odiosa violência a que fora submetida”. Greco (2010, p. 238) ensina que “o legislador cuidou de uma hipótese de inexigibilidade de conduta diversa, não se podendo exigir da gestante que sofreu a violência sexual a manutenção de sua gravidez”. A lei também autoriza o aborto quando a gravidez resulta de estupro, e sempre que houver, neste caso, consentimento da gestante ou de seu representante legal. 29 Crimes Contra a Pessoa Capítulo 1 Leia o livro de Maria Tereza Verardo: “Aborto: um direito ou um crime”. Editora Moderna. Atividade de Estudos: 1) Elmira Schons recebeu em sua casa Laurinda Zacaron e Zildanabel Tavares a fim de praticar as manobras abortivas que levaram à consumação do delito em relação a ambas, tendo estas últimas consentido no resultado lesivo. Dê o enquadramento legal do(s) comportamento(s) de Elmira, Laurinda e Zildanabel. ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Lesões Corporais Estudaremos agora o crime de lesões corporais, ou seja, a ofensa à integridade física da vítima. a) Conceituação No conceito apresentado por Bitencourt (2011, p. 186), lesão corporal “consiste em todo e qualquer dano produzido por alguém, sem animus necandi, à integridade física ou à saúde de outrem”. Segundo Capez (2011, p.166), as lesões corporais consistem: em qualquer dano ocasionado à integridade física e à saúde fisiológica ou mental do homem sem, contudo, o animus necandi. A integridade física diz respeito à alteração anatômica interna ou externa do corpo humano, geralmente As lesões corporais consistem: em qualquer dano ocasionado à integridade física e à saúde fisiológica ou mental do homem sem, contudo, o animus necandi. 30 Direito Penal II - Parte Especial produzida por violência física ou mecânica: por exemplo, produzir ferimentos no corpo, amputar membros, furar os olhos etc., não se exigindo o derramamento de sangue. A saúde fisiológica do corpo humano diz respeito ao equilíbrio funcional do organismo, cuja lesão normalmente não produz alteração anatômica, ou seja, dano, mas apenas perturbação de sua normalidade funcional que produz ofensa à saúde, por exemplo: ingerir substância que altere o funcionamento normal do organismo. A saúde mental diz respeito à perturbação de ordem psíquica (p. ex., choque nervoso decorrente de um susto, estado de inconsciência, insanidade mental). Ressalve- se que a dor não integra o conceito de lesão corporal, até porque a sua análise é de índole estritamente subjetiva. Podemos, então, assim resumir: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA Abrange qualquer alteração anatômica prejudicial ao corpo hu- mano - ex.: fraturas, cortes, escoriações, luxações, queimaduras, equimose, hematomas etc.; eritemas e a simples dor não consti- tuem lesões. OFENSA À SAÚDE Abrange a provocação de perturbações fisiológicas (vômitos, paralisia corporal momentânea, transmissão intencional de doença etc.) ou psicológicas. Importante: a prova da materialidade deve ser feita através de exame de corpo de delito, mas, para o oferecimento da denúncia, basta qualquer boletim médico ou prova equivalente (art. 77, § 1°, L. nº 9.099/95). b) Tipo Penal O crime de lesão corporal pode ser assim classificado pelo Código Penal Brasileiro: MODALIDADES PREVISÃO LEGAL Lesão corporal leve Art. 129, caput Lesão corporal grave Art. 129, parágrafo 1º Lesão corporal gravíssima Art. 129, parágrafo 2º Lesão corporal culposa Art. 129, parágrafo 6º Lesão corporal seguida de morte Art. 129, parágrafo 3º O artigo 129, caput, do Código Penal Brasileiro prevê o crime de lesões corporais leves. Vejamos: 31 Crimes Contra a Pessoa Capítulo 1 Art. 129 - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de 3 meses a 1 ano. Lesões Corporais Leves são as lesões corporais que não determinam as consequências previstas nos §§ 1°, 2° e 3° do art. 129 do CP; são representadas frequentemente por danos superficiais comprometendo a pele, a hipoderme, os vasos arteriais e venosos capilares ou pouco calibrosos - ex.: o desnudamento da pele ou escoriação, o hematoma, a equimose, ferida contusa, luxação, edema, torcicolo traumático, choque nervoso, convulsões ou outras alterações patológicas congêneres obtidas à custa de reiteradas ameaças. No mesmo sentido, Capez (2011, p. 173) conceitua como sendo dano à integridade física ou à saúde que não constitua lesão grave ou gravíssima. Na lesão corporal leve, a ação penal é pública condicionada à representação (art. nº 88, L. 9.099/95). Na aplicação da pena no crime de lesões corporais leves, o Código Penal prevê que o juiz pode substituir a pena. Vejamos: § 5º - O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa: I - se ocorre qualquer das hipóteses do § 4° (agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção; logo em seguida a injusta provocação da vítima); II - se as lesões são recíprocas. Já o crime de lesões corporais graves vem descrito no artigo 129, parágrafo primeiro, conforme segue: § 1º - Se resulta: I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 dias; II - perigo de vida; III - debilidade permanente de membro, sentido ou função; Lesões Corporais Leves são as lesões corporais que não determinam as consequências previstas nos §§ 1°, 2° e 3° do art. 129 do CP; são representadas frequentemente por danos superficiais comprometendo a pele, a hipoderme, os vasos arteriais e venosos capilares ou pouco calibrosos. 32 Direito Penal II - Parte Especial IV - aceleração de parto: Pena - reclusão, de 1 a 5 anos. Em síntese, as lesões corporais graves podem ser caracterizadas, resumidamente, de acordo com o apresentado no quadro a seguir: Quadro 2 – Lesões graves e suas características TIPOS DE LESÕES GRAVES CARACTERIZAÇÃO Incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias É quando o ofendido não pode retornar a todas as suas comuns atividades corporais antes de transcorridos 30 dias, contados da data da lesão; a incapacidade não precisa ser absoluta, basta que a lesão caracterize perigo ou imprudência no exercício das ocupações habituais por mais de 30 dias. Perigo de vida É a probabilidade concreta e objetivade morte (não pode nunca ser suposto, nem presumido, mas real, clínica e obrigatoriamente diagnosticado); é a situação clínica em que resultará a morte do ofendido se não for socorrido adequadamente, em tempo hábil; ele se apresenta como um relâmpago, num átimo, ou no curso evolutivo do dano, desde que seja antes do trintídio - ex.: hemor- ragia por seção de vaso calibroso, prontamente coibida; trauma- tismo cranioencefálico, feridas penetrantes do abdome, lesão de lobo hepático, comoção medular, queimaduras em áreas extensas corporais, colapso total de um pulmão etc. Debilidade permanente de membro, sentido (são as funções perceptivas que permitem ao indivíduo contatar os objetos do mundo exterior) ou função (é o modo de ação de um órgão, aparelho ou sistema do corpo) É a lesão consequente à fraqueza, à debilitação, ao enfraqueci- mento duradouro, mas não perpétuo ou impossível de tratamento ortopédico, do uso da energia de membro, sentido ou função, sem comprometimento do bem-estar do organismo, de origem traumáti- ca; por permanente entende-se a fixação definitiva da incapacidade parcial, após tratamento rotineiro que não logra o resultado almeja- do, resultando, portanto, verdadeira enfermidade; a ablação ou inu- tilização de um órgão duplo, mantido o outro íntegro e não abolida a função, constitui lesão grave (debilidade permanente); a ablação ou inutilização de um órgão duplo e debilitação da forma do órgão remanescente, trata-se de lesão gravíssima (perda de membro, sentido ou função); a eliminação ou inutilização total de um órgão ímpar que tenha suas funções compensadas por outros órgãos, bem como a diminuição da função genésica peniana consequente a um traumatismo, tratam-se de lesão grave (debilidade permanente); a perda de dente, em princípio, não é considerada lesão grave, nem gravíssima, compete aos peritos odontólogos apurar e afirmar, de forma inconteste, a debilidade da função mastigadora; a perda de dente poderá eventualmente integrar a qualificadora deformidade permanente se complexar o ofendido a ponto de interferir negativa- mente em seu relacionamento econômico e social. 33 Crimes Contra a Pessoa Capítulo 1 Aceleração de parto Consiste na antecipação quanto à data ou ocasião do parto, mas necessariamente depois do tempo mínimo para a possibilidade de vida extrauterina e desencadeada por traumatismos físicos ou psíquicos; na aceleração do parto, o concepto deve nascer vivo e continuar com vida, dado o seu grau de maturação; no aborto, o concepto é expulso morto, ou sem viabilidade, se sobreviver. Fonte: extraído e adaptado de: <http://resumos.netsaber.com.br/ ver_resumo_c_2043.html>. Acesso em: 10 dez. 2011. O crime de lesões corporais gravíssimas está previsto no art. 129, parágrafo 2º. Confira: § 2º - Se resulta: I - incapacidade permanente para o trabalho; II - enfermidade incurável; III - perda ou inutilização de membro, sentido ou função; IV - deformidade permanente; V – aborto Pena - reclusão, de 2 a 8 anos. Em síntese, as lesões corporais gravíssimas podem ser caracterizadas, de forma resumida, de acordo com o apresentado no quadro a seguir: Quadro 3 - lesões corporais gravíssimas e suas características TIPOS DE LESÕES GRAVÍSSIMAS CARACTERIZAÇÃO Incapacidade permanente para o trabalho É caracterizada pela inabilitação ou invalidez de duração in- calculável, mas não perpétua, para todo e qualquer trabalho. Enfermidade incurável É a ausência ou o exercício imperfeito ou irregular de deter- minadas funções em indivíduo que goza de aparente saúde. Perda ou inutilização de membro, sentido ou função Perda (é a amputação ou mutilação do membro ou órgão) ou inutilização (é a falta de habilitação do membro ou órgão à sua função específica) de membro, sentido ou função – é caracterizada pela perda, parcial ou total, de membro, sentido, ou função, consequente à amputação, à mutilação ou à inutilização. 34 Direito Penal II - Parte Especial Deformidade permanente É o dano estético irreparável pelos meios comuns, ou por si mesmo, capaz de provocar sensação de repulsa no observa- dor, sem, contudo, atingir o aspecto de coisa horripilante, mas que cause complexo ou interfira negativamente na vida social ou econômica do ofendido; se o portador de deformidade permanente se submeta, de bom grado, à cirurgia plástica corretora, a atuação do réu, amiúde, será considerada gravís- sima, todavia, será desclassificada para lesão corporal menos grave, se ainda não foi prolatada a sentença. Aborto É a interrupção da gravidez, normal e não patológica, em qualquer fase do processo gestatório, haja ou não a expulsão do concepto morto, ou, se vivo, que morra logo após pela inaptidão para a vida extrauterina; se resultante de ofensa corporal ou violência psíquica, constitui lesão gravíssima; no aborto, o produto da concepção é expulso morto ou sem viabilidade; na aceleração do parto, a criança nasce antes da data prevista, porém viva e em condições de sobreviver. Fonte: extraído e adaptado de: <http://resumos.netsaber.com.br/ ver_resumo_c_2043.html>. Acesso em: 10 dez. 2011. O crime de lesões corporais seguido de morte está previsto no art. 129, parágrafo 3º, do Código Penal: § 3º - Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo: Pena - reclusão, de 4 a 12 anos. Nesse caso, é “crime preterdoloso”, o agente quer apenas lesionar a vítima e acaba provocando sua morte de forma não intencional, mas culposa. Confira que o crime de lesão corporal prevê a possibilidade de diminuição de pena (forma privilegiada): § 4º - Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de 1/6 a 1/3. Da mesma forma o juiz pode aumentar a pena dependendo da qualidade da vítima, veja: § 7º - Aumenta-se a pena de 1/3, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 anos e maior de 60 anos. O crime de lesões corporais seguido de morte está previsto no art. 129, parágrafo 3º, do Código Penal: § 3º - Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo: Pena - reclusão, de 4 a 12 anos. 35 Crimes Contra a Pessoa Capítulo 1 O crime de lesão corporal culposa está previsto no art. 129, parágrafo 6º, confira: § 6º - Se a lesão é culposa: Pena - detenção, de 2 meses a 1 ano. No crime de lesão corporal culposa, o juiz pode aumentar a pena quando: § 7º - Aumenta-se a pena de 1/3, se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. No crime de lesão corporal culposa também há possibilidade de perdão judicial, como já explica no crime de homicídio culposo: § 8º - Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121 (o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária). Importante: se as lesões corporais acontecem na direção de veículo automotor, será aplicado o Código de Trânsito Brasileiro, confira: Art. 303, CTB - Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Aumenta-se a pena de 1/3 a 1/2 se ocorrer qualquer das hipóteses do § único do artigo anterior (não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação; praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada; deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente; no exercício de sua profissão ou atividade,estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros). Atividade de Estudos: 1) No dia 11 de maio de 2001, por volta de 18h30min, na rua geral Colônia Santa Luzia, Pagará, no bar denominado “Bar da Sra. Maria”, o Neri Domingos de Souza, por motivos de somenos 36 Direito Penal II - Parte Especial importância, desferiu um murro na vítima José Anízio Machado, fazendo com que a mesma caísse pesadamente ao solo, provocando na mesma traumatismo cranioencefálico, vindo a vítima a falecer em 15/05/2001, ou seja, quatro dias após a agressão, em consequência de hemorragia intracraniana, conforme atesta o laudo pericial de exame cadavérico. Dê o enquadramento legal do(s) comportamento(s). ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Algumas Considerações Neste capítulo, estudamos os crimes contra a pessoa, especialmente a abordagem dos crimes de homicídio, participação em suicídio, infanticídio, aborto e lesão corporal. . Nos crimes analisados no presente tópico, todos os crimes, com exceção do crime de lesão corporal, são julgados pelo Tribunal do Júri brasileiro. Percebemos que o legislador quer dar um julgamento mais democrático aos crimes desta natureza, ou seja, pessoas do povo escolhidas e julgando se o acusado será condenado ou não, mas sempre respeitando e de acordo com as normas de direito constitucional. Para finalizar, é importante ressaltar a importância do princípio da inocência, do devido processo legal e da legalidade para julgamento justo de todos que respondem a um processo por crimes desta natureza. 37 Crimes Contra a Pessoa Capítulo 1 Referências ALMEIDA JR., A., COSTA JUNIOR, J. B. O. Lições de Medicina Legal. 14. ed. São Paulo: Nacional, 1977. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte especial 2. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte especial. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 2 DENATRAN. Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Disponível em: <http:// www.denatran.gov.br/ctb.htm>. Acesso em: 29 ago. 2011. ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte especial. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 2 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Sinopses jurídicas: dos crimes contra a pessoa. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1999. GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. 7. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. v. 2. MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte especial. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2011. v. 2 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. v. 2 CAPÍTULO 2 Crimes Contra o Patrimônio A partir da concepção do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: 3 Conceituar os crimes contra o patrimônio. 3 Identificar e distinguir os crimes contra o patrimônio diante de casos reais. 3 Buscar na jurisprudência casos julgados pelos Tribunais e apresentar comentário crítico referente ao crime pesquisado. 41 Crimes Contra o Patrimônio Capítulo 2 Contextualização Neste capítulo, estudaremos os “Crimes contra o patrimônio”, que são aqueles delitos que ofendem o patrimônio das pessoas. São eles: furto (CP, art. 155), roubo (CP, art. 157), latrocínio (CP, art. 157, parágrafo 3º.), extorsão (CP, art. 158), extorsão mediante sequestro (CP, art. 159), apropriação indébita (CP, art. 168), estelionato (CP, art. 171) e receptação (CP, art. 180). O estudo dos crimes contra o patrimônio é de grande importância, pois trata da proteção de um bem jurídico importante a ser tutelado, que é o seu patrimônio, ou seja, tudo aquilo que você conseguiu adquirir com seu trabalho e dedicação. Diariamente, a imprensa nos traz notícias de crimes de roubos, latrocínios e, ainda hoje, pessoas são vítimas do golpe do bilhete premiado. A importância do estudo destes crimes será, para você, operador do direito, distinguir e dar a correta aplicação dos tipos penais, aprofundando os conhecimentos que já possui acerca do tema. Do Furto Estudaremos agora o crime de furto, que pode ocorrer de várias formas, algumas vezes de formas simples, com a simples subtração da coisa alheia, e em outras vezes mais elaborado, como furto com destreza, em concurso de mais pessoas, com arrombamento, escalada, destreza, enfim, modalidades mais elaboradas de subtrair o patrimônio alheio. a) Conceituação Mirabette (2011, p. 189) conceitua o furto como a “subtração de coisa alheia móvel para si ou para outrem. É, pois, o assenhoramento da coisa com o fim de apoderar-se dela de modo definitivo. No mesmo sentido, Capez (2011, p. 426) conceitua “o verbo subtrair, que significa tirar, retirar de outrem bem móvel, sem sua permissão, com o fim de assenhoramento definitivo”. Chegamos à conclusão que a subtração implica sempre a retirada do bem sem o consentimento do possuidor ou proprietário. Mas observem que a subtração pode acontecer até mesmo à vista deles. Por exemplo, o sujeito que entra em uma loja e, sob vigilância do comerciente, se apodera da mercadoria, saindo em fuga depois. 42 Direito Penal II - Parte Especial No Código Penal Brasileiro, o furto simples é previsto no art. 155, caput, com a seguinte redação: Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de 1 a 4 anos, e multa. Agora, descrevemos algumas particularidades do crime de furto: Quadro 4 – Furto e suas particularidades. Quando ocorre a consumação do furto? Se dá quando o objeto é tirado da esfera de vigilância da vítima, e o agente, ainda que por breve espaço de tempo, consegue ter sua posse tranquila; por isso, há mera tentativa se o sujeito pega um objeto, mas a vítima sai em perseguição imediata e consegue detê-lo. “Furto de uso” não é crime ? Ilícito civil, mas o agente deve devolver a coisa no mesmo local e estado em que se encontrava por livre e espontâ- nea vontade, sem ser forçado por terceiro. O que é o furto famélico? É o praticado por quem, em estado de extrema penúria, é impelido pela fome a subtrair alimentos ou animais para poder alimentar-se; não há crime nesse caso, pois o agen- te atuou sob a excludente do estado de necessidade. O que é o “furto de bagatela” (“princípio da insignificância”)? O valor da coisa é inexpressivo, juridicamente irrelevante (ex.: furtar uma agulha); ocasiona a exclusão da tipicidade. E se um ladrão furta outro ladrão? O primeiro proprietário sofrerá dois furtos, pois a lei penal não protege a posse do ladrão. E se o agente, após furtar, destrói o objeto? O crime de “dano” fica absorvido; trata-se de post fac- tum impunível, pois não há novo prejuízo à vítima. Se o agente, após furtar, vende o objeto a terceiro de boa-fé? Tecnicamente haveria dois crimes, pois existem duas vítimas diferentes, uma do “furto” e outro do crime de “disposição de coisa alheia como própria” (art. 171, § 2°, I), porém a jurisprudência, por razões de política criminal, vem entendendo que o subtipo do “estelionato” fica absorvido, pois com a venda o agente estaria apenas fazendo lucro em relação aos objetos subtraídos. E no caso da “trombada”, o crime será de furto ou de roubo? Ela, a “trombada”, só serviu para desviar a atenção da vítima (“furto qualificado” pelo arrebatamento ou destreza). Se houve agressão ou vias de fato contra a vítima, ocorre o “roubo”. Fonte: Os autores. 43 Crimes Contra o Patrimônio Capítulo 2 No parágrafo 1º do art. 155 do Código Penal Brasileiro, é descrita uma causa deaumento de pena: Causas de aumento de pena (furto noturno) § 1º - A pena aumenta-se de 1/3, se o crime é praticado durante o repouso noturno. Mas afinal, o que é o repouso noturno? Perceba que noite é a ausência de luz solar, mas o repouso noturno é período em que as pessoas de uma certa localidade descansam, dormem, devendo a análise ser feita de acordo com as características da região (rural, urbana etc.) (CESCHIN, 2011). Esta causa de aumento de pena somente se aplica ao “furto simples”; prevalece o entendimento de que o aumento só é cabível quando a subtração ocorre em casa ou em alguns de seus compartimentos (não tem aplicação se ele é praticado na rua, em estabelecimentos comerciais etc.) e em local habitado (excluem-se as casas desabitadas, abandonadas, residência de veraneio na ausência dos donos, casas que estejam vazias em face de viagem dos moradores etc.) (CESCHIN, 2011). No parágrafo 2º do Art. 155 do Código Penal Brasileiro, é descrita uma causa de diminuição de pena, também denominada de furto privilegiado: § 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de 1/3 a 2/3, ou aplicar somente a pena de multa (CESCHIN, 2011). Conforme exige a lei, deverão obrigatoriamente estar presentes os dois requisitos acima para o juiz conceder o privilégio legal, ou seja, o autor deverá ser primário e a coisa furtada deverá ser de pequeno valor. Importante esclarecer que o autor primário é aquele que não é reincidente em outro crime, mas se a condenação anterior for por contravenção penal, não retira a primariedade. A coisa de pequeno valor é aquela que não excede um salário mínimo, ou seja, a jurisprudência firmou entendimento no sentido de que o furto é mínimo quando a coisa subtraída não alcança o valor correspondente a um salário mínimo vigente à época do fato (CESCHIN, 2011). A lei equiparou à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico. A pena aumenta-se de 1/3, se o crime é praticado durante o repouso noturno. 44 Direito Penal II - Parte Especial Confira a descrição legal do art. 155, parágrafo terceiro: § 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico. Usando de interpretação analógica, podemos concluir que também configura crime em tela o furto de energia térmica, mecânica, nuclear, genética etc. No parágrafo 4º do art. 155 do Código Penal Brasileiro, estão previstas as hipóteses de furto qualificado, sendo aplicada pena maior ao furto. Com o quadro abaixo, ficará mais fácil compreender as formas qualificadas: Quadro 5 – Modalidades de furtos qualificados I – Destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa A violência deve ser contra o obstáculo e não contra a coisa; a simples remoção do obstáculo e o fato de desligar um alarme não qualificam o crime. II.a – Abuso de confiança A vítima que, por algum motivo, deposite uma especial con- fiança no agente (amizade, parentesco, relações profissionais etc.) e que o agente se aproveite de alguma facilidade decor- rente dessa confiança para executar a subtração - ex.: furto praticado por empregada que trabalha muito tempo na casa; se o agente pratica o furto de uma maneira que qualquer outra pessoa poderia tê-lo cometido, não haverá a qualificadora. II.b – Mediante fraude É o artifício, o meio enganoso usado pelo agente, capaz de reduzir a vigilância da vítima e permitir a subtração do bem - ex.: o uso de disfarce ou de falsificações; a jurisprudência vem entendendo existir o “furto qualificado” mediante fraude na hipótese em que alguém, fingindo-se interessado na aqui- sição de um veículo, pede para experimentá-lo e desaparece com ele. II.c – Escalada É a utilização de via anormal para adentrar o local onde o furto será praticado; a jurisprudência vem exigindo para a concre- tização dessa qualificadora o uso de instrumentos, como cor- das, escadas ou, ao menos, que o agente tenha necessidade de realizar um grande esforço para adentrar no local (transpor um muro alto, janela elevada, telhado etc.); a escavação de túnel é utilização de via anormal; quem consegue ingressar no local do crime pulando um muro baixo ou uma janela térrea não incide na forma qualificada. 45 Crimes Contra o Patrimônio Capítulo 2 II.d – Destreza É a habilidade física ou manual que permite ao agente executar uma subtração sem que a vítima perceba que está sendo despojada de seus bens; tem aplicação quando a vítima traz seus pertences junto a si, pois apenas nesse caso é que a destreza tem relevância (no bolso do paletó, em uma bolsa, um anel, um colar etc.); se a vítima percebe a conduta do sujeito, não há a qualificadora, haverá “tentativa de furto simples”; se a conduta do agente é vista por terceiro, que impede a subtração sem que a vítima perceba o ato, há “tentativa de furto qualificado” pela destreza; se a subtração é feita em pessoa que está dormindo ou embriaga- da, existe apenas “furto simples”, pois não é necessário habilidade para tal subtração. III - com emprego de chave falsa Chave falsa: é a imitação da verdadeira, obtida de forma clandestina (cópia feita sem autorização); qualquer instrumento, com ou sem forma de chave, capaz de abrir uma fechadura sem arrombá-la (ex.: grampos, “mixas”, chaves de fenda, tesouras etc.); não se aplica essa qualificadora na chamada “ligação direta”. IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas Concurso de duas ou mais pessoas: basta saber que o agente não agiu sozinho; prevalece na jurisprudência o entendimento de que a qualificadora atinge todas as pessoas envolvidas na infração penal, ainda que não tenham pratica- do atos executórios e mesmo que uma só tenha estado no locus delicti. Fonte: extraído e adaptado de: <http://www.ebah.com.br/content/ ABAAAAKrwAD/direito-penal-parte-especial>. Acesso em: 10 dez. 2011. 46 Direito Penal II - Parte Especial Se forem reconhecidas duas ou mais qualificadoras, uma delas servirá para qualificar o “furto” e as demais serão aplicadas como “circunstâncias judiciais”, já que o artigo 59 estabelece que, na fixação da pena-base, o juiz levará em conta as circunstâncias do crime, e todas as qualificadoras do § 4° referem-se aos meios de execução (circunstâncias) do delito (CESCHIN, 2011). Se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior, o furto também será qualificado. Confira o artigo 155, parágrafo quinto, do Código Penal Brasileiro: § 5º - A pena é de reclusão de 3 a 8 anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. Trata-se de qualificadora que, ao contrário de todas as demais, não se refere ao meio de execução do “furto”, mas sim a um resultado posterior, ou seja, o transporte do veículo automotor para outro Estado da Federação ou para outro país. Somente terá aplicação quando, por ocasião do “furto”, já havia intenção de ser efetuado tal transporte; sendo assim, uma pessoa que não teve qualquer participação anterior no “furto” e é contratada posteriormente apenas para efetivar o transporte responde pelo crime de “receptação”, e não pelo “furto qualificado”, que somente existirá para os verdadeiros responsáveis pela subtração (CESCHIN, 2011). Se o serviço de transporte já havia sido contratado antes da subtração, haverá “furto qualificado” também para o transportador, pois este, ao aceitar o encargo, teria estimulado a prática do “furto” e, assim, concorrido para o delito. Essa qualificadora somente se aperfeiçoa quando o veículo automotor efetivamente transpõe a divisa de Estado ou a fronteira com outro país; a tentativa somente é possível se o agente, estando próximo da divisa, apodera-se de um veículo e é perseguido de imediato até que transponha o marco divisório entre os Estados, masacaba sendo preso sem que tenha conseguido a posse tranquila do bem (CESCHIN, 2011). 47 Crimes Contra o Patrimônio Capítulo 2 Atividade de Estudos: 1) Dois indivíduos, previamente ajustados, saem de um supermercado com mercadorias, sem passar pelo caixa, vindo um deles a ser preso em flagrante no estacionamento do supermercado, com parte das mercadorias, enquanto seu comparsa consegue fugir com o restante. Com relação à situação apresentada, é correto afirmar que o indivíduo preso em flagrante responderá por qual crime? ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ ____________________________________________________ Roubo Estudaremos agora o crime de roubo, que pode ocorrer de várias maneiras, mas sempre existindo a subtração de coisa alheia com o emprego de violência contra a pessoa. Pode-se dizer que o crime de roubo pode ser classificado como simples, ou seja, há subtração e o emprego de violência contra a pessoa. Mas em outras circunstâncias o crime de roubo pode ser classificado como qualificado, pois acontece com o emprego de arma de fogo, ou em concurso de várias pessoas, ou quando o veículo subtraído é transportado para outro Estado ou país. a) Conceituação Para Capez (2011, p. 461), “o crime de roubo constitui crime complexo, pois é composto por fatos que individualmente constituem crimes”. São eles: furto, mais constrangimento ilegal, mais lesão corporal leve. 48 Direito Penal II - Parte Especial Por outro lado, Greco (2010, p. 54) esclarece que “o que torna o roubo especial em realção ao furto é justamente o emprego de violência à pessoa ou da grave ameaça, com a finalidade de subtrair a coisa alheia móvel para si ou para outrem”. Confira o art. 157 do Código Penal Brasileiro e sua pena: Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência à pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena - reclusão, de 4 a 10 anos, e multa. Ressalta-se que, no crime de roubo, sempre existirá a grave ameaça ou o emprego de violência contra a pessoa para a subtração da coisa. Mas, enfim, qual é a diferença entre a grave ameaça e a violência? - grave ameaça: é a promessa de um mal grave e iminente (de morte, de lesões corporais, de praticar atos sexuais contra a vítima de “roubo” etc.); a simulação de arma e a utilização de arma de brinquedo constituem “grave ameaça”; tem-se entendido que o fato do agente abordar a vítima de surpresa gritando que se trata de um assalto e exigindo a entrega dos bens, constitui “roubo”, ainda que não tenha sido mostrada qualquer arma e não tenha sido proferida ameaça expressa, já que, em tal situação, a vítima sente-se atemorizada pelas próprias circunstâncias da abordagem. - violência contra a pessoa: caracteriza-se pelo emprego de qualquer desforço físico sobre a vítima a fim de possibilitar a subtração (ex.: socos, pontapés, facada, disparo de arma de fogo, paulada, amarrar a vítima, violentos empurrões ou trombadas - se forem leves, desferidos apenas para desviar a atenção da vítima, de acordo com a jurisprudência, não caracteriza o “roubo”) (CESCHIN, 2011, grifo do autor). Enfim, a lei apresenta que haja qualquer outro meio que reduza a vítima à incapacidade de resistência. Diante disso, podemos dar como exemplo o uso de soníferos, hipnose, superioridade numérica etc. Podemos concluir que o roubo é um crime complexo, pois atinge mais de um bem jurídico: o patrimônio e a liberdade individual (no caso de ser empregada “grave ameaça”) ou a integridade corporal (nas hipóteses de “violência”). O roubo é um crime complexo, pois atinge mais de um bem jurídico: o patrimônio e a liberdade individual ou a integridade corporal. 49 Crimes Contra o Patrimônio Capítulo 2 As vítimas de roubo, também chamadas de sujeitos passivos, podem ser o proprietário, o possuidor ou detentor da coisa, bem como qualquer outra pessoa que seja atingida pela “violência” ou “grave ameaça” (CESCHIN, 2011). Lembre-se que se o agente emprega “grave ameaça” concomitantemente contra duas pessoas, mas subtrai objetos de apenas uma delas, pratica crime único de “roubo”, já que apenas um patrimônio foi lesado; não obstante, esse crime possui duas vítimas (CESCHIN, 2011). Por outro lado, se o agente, em um só contexto fático, emprega “grave ameaça” contra duas pessoas e subtrai objetos de ambas, responde por dois crimes de “roubo” em concurso formal, já que houve somente uma ação (ainda que composta de dois atos) - ex.: assaltante que entra em ônibus, subjuga vários passageiros e leva seus pertences (CESCHIN, 2011). A situação é diferente se o agente aborda uma só pessoa e apenas contra ela emprega “grave ameaça”, mas com esta conduta subtrai bens de pessoas distintas que estavam em poder da primeira, comete crimes de “roubo” em concurso formal, desde que o roubador tenha consciência de que está lesando patrimônios autônomos - ex.: assaltante que aborda o funcionário do caixa de um banco e leva dinheiro da instituição, bem como o relógio de pulso do funcionário, tem total ciência de que está lesando patrimônios distintos (CESCHIN, 2011). O parágrafo primeiro do artigo 157 do Código Penal Brasileiro também prevê a possibilidade do crime de roubo, confira: § 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro. Então, podemos dizer que a doutrina faz distinção no crime de roubo, classificando em roubo próprio e roubo impróprio. No “roubo próprio” (“caput” do art. 157), a “violência” ou “grave ameaça” são empregadas antes ou durante a subtração, pois constituem meio para que o agente consiga efetivá-la; no “roubo impróprio” (§ 1° do art. 157), o agente inicialmente quer apenas praticar um “furto” e, já se tendo apoderado do bem, emprega “violência” ou “grave ameaça” para garantir a impunidade do “furto” que estava em andamento ou assegurar a detenção do bem (CESCHIN, 2011). Perceba que o “roubo próprio” pode ser cometido mediante “violência”, 50 Direito Penal II - Parte Especial “grave ameaça” ou “qualquer outro meio que reduza a vítima à incapacidade de resistência”; o “roubo impróprio” não admite a fórmula genérica por último mencionada, somente podendo ser cometido mediante “violência” ou “grave ameaça” (CESCHIN, 2011). O “roubo próprio” consuma-se, segundo entendimento do STF, no exato instante em que o agente, após empregar a “violência” ou “grave ameaça”, consegue apoderar-se do bem da vítima, ainda que seja preso no próprio local, sem que tenha conseguido a posse tranquila da res furtiva; o “roubo impróprio” consuma-se no exato momento em que é empregada a “violência” ou a “grave ameaça”, mesmo que o sujeito não consiga atingir sua finalidade de garantir a impunidade ou assegurar a posse dos objetos subtraídos (CESCHIN, 2011). O “princípio da insignificância” não é aceito no crime de “roubo”. O parágrafo segundo do artigo 157 do Código Penal Brasileiro também prevê a possibilidade de causas de aumento de pena para o crime de roubo, confira: § 2º - A pena aumenta-se de 1/3 até 1/2: I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma (própria ou imprópria). A aplicação da majoração só se justifica quando a arma tem real potencial ofensivo. II - se há o concurso de duas ou mais pessoas (v. comentários ao art. 155, § 4°, IV); III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância; - ex.: roubo a carro-forte, a office-boys
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