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A Influência do Escolanovismo na Educação Integral

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ISSN 2176-1396 
 
 
 
A INFLUÊNCIA DO ESCOLANOVISMO NAS PROPOSTAS DE 
EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL NO BRASIL 
 
Karen Cristina Jensen Ruppel da Silva
1
 - UEPG 
Aldimara Catarina Brito Delabona Boutin
2
 - UEPG 
 
Grupo de Trabalho – História da Educação 
Agência Financiadora: não contou com financiamento 
 
Resumo 
 
O presente artigo é resultado de uma pesquisa pós-graduação Mestrado em Educação/UEPG, 
e tem como objetivo apontar a influência do movimento escolanovista nas propostas de 
educação integral em tempo integral no Brasil. Utilizando-se do materialismo histórico e 
dialético como meio mais adequado de apreensão do real, primeiramente apresentamos 
algumas concepções da Escola Nova que influenciaram diretamente a educação brasileira, 
dentre elas destacamos o foco no interesse do aluno e nos processos de aprendizagem, a 
aceitação das diferenças, a integração, a relação educação-democracia, a função socializadora 
e de equalização das desigualdades sociais assumida pela escola. Em seguida, evidenciamos 
as principais experiências públicas de educação integral, as quais têm fundamentos nos 
pressupostos escolanovistas e se configuram na proposta do Centro Educacional Carneiro 
Ribeiro, nos CIEPs, nos CIACs e CAICs e mais recentemente no Programa Mais Educação. 
Abordamos também a ressignificação da pedagogia nova enquanto discurso hegemônico na 
atualidade acerca do conceito de educação integral, para tanto apresentamos a perspectiva de 
Gallo (2011), Cavaliere (2002), Moll (2012) e D’Ambrosio (2012), autores estes utilizados 
como referencial em grande parte das pesquisas sobre educação integral. Por fim, salientamos 
a consistente crítica de Saviani (2009) de que a pedagogia nova trouxe muito mais problemas 
do que soluções para a educação das classes populares, principalmente no que se refere ao 
afrouxamento da disciplina e a desvalorização dos conteúdos, que possibilitou uma dualidade 
ainda maior entre escola popular e escola da elite. Neste sentido, também denunciamos o 
retorno as ideias escolanovistas como estratégia de reforma, manutenção e reprodução do 
modelo econômico vigente, uma vez que tal ideário não visa romper com sistema do capital. 
 
Palavras-chave: Educação Integral. Escola Nova. Manutenção e Reprodução do Capital. 
 
1 Mestranda em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa- UEPG. E-mail: 
jkarencristina@yahoo.com.br 
2 Mestranda em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa- UEPG. E-mail: 
audiboutin@hotmail.com. 
6490 
 
Introdução 
A educação em tempo integral existe no Brasil desde a época dos jesuítas, ainda no 
período colonial, e também se fez presente durante o império e o período republicano. No 
entanto a educação escolar, e especificamente a educação escolar em tempo integral, não eram 
uma realidade para maioria da população, já que apenas os filhos da elite tinham acesso ao 
conhecimento mais elaborado. A cisão entre trabalho manual para a classe trabalhadora e 
trabalho intelectual para a classe dirigente era refletida na educação escolar, uma vez que o 
ensino tinha um caráter fortemente dualista que visava dotar uma determinada classe de 
hábitos laborais e de conhecimentos necessários a demanda do mercado de trabalho e outra de 
diversos outros conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade que permitiam 
esta última um desenvolvimento humano muito mais amplo que a primeira. 
Durante os anos de 1900 e 1930 começam a se delinear as primeiras experiências mais 
significativas de educação integral em tempo integral a partir da influência de três importantes 
movimentos: o integralismo, o anarquismo e o escolanovismo. Esses movimentos 
representam o embate entre três correntes político-filosóficas distintas: o conservadorismo, o 
socialismo e o liberalismo (GIOLO, 2012; COELHO, 2009). 
O integralismo, inspirado pelo ideário fascista, surgiu no Brasil na década 30 e tinha 
como maior representante o líder Plínio Salgado. Respaldado na considerada tríade 
fundamental: Deus, pátria e família, o movimento integralista exalta valores como a 
espiritualidade, o civismo, o nacionalismo, a disciplina, etc. No que diz respeito a educação, a 
perspectiva integralista considerava a necessidade de uma educação integral para a formação 
do homem integral, levando em conta os aspectos físicos, intelectuais, morais, cívicos e 
espirituais. Educação e instrução eram concebidas como elementos dissociados, educação 
compreendia a formação de caráter, enquanto que a instrução deveria dar conta do 
desenvolvimento da inteligência. De acordo com os jornais da época, no ano de 1937 existiam 
no Brasil em torno de 3.000 escolas de caráter integralista (COELHO, 2005). 
Na contramão do ideário conservador expressado também pelo integralismo, a 
educação integral do início do século XX no Brasil contou com a influência do movimento 
anarquista que tinha como premissas a liberdade humana, a emancipação política, a 
autonomia e a igualdade. O anarquismo tecia uma consistente crítica ao caráter dualista da 
escola burguesa que reproduzia a divisão social do trabalho, uma vez que o currículo da 
escola destinada a classe trabalhadora remetia a conhecimentos necessários ao trabalho 
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manual, enquanto que a escola da classe dominante à conhecimentos voltados para a trabalho 
intelectual inerentes a uma classe que se constitui como dirigente. A educação integral nesse 
sentido deveria romper com esta dualidade, visando contemplar o desenvolvimento artístico, 
físico, intelectual, político, etc. sempre considerando o trabalho como princípio educativo. 
Educação formal, informal e não formal eram considerados elementos indissociáveis do 
processo educativo. Essa perspectiva afastava-se dos métodos tradicionais autoritários 
baseados em exames, prêmios e castigos e as atividades eram voltadas para a coletividade, 
liberdade e solidariedade (COELHO, 2009). 
Tanto as propostas integralistas respaldadas no conservadorismo, quanto as propostas 
anarquistas inspiradas no socialismo, foram iniciativas da sociedade civil organizada. É 
através do movimento escolanovista, em especial da proposta de Anísio Teixeira, que o 
projeto de educação integral em tempo integral passa a ser pensando enquanto política 
pública. Esse ideário, efervescente no Brasil na década de 30, tem orientação no liberalismo e 
parece estar entrelaçado às políticas educacionais no Brasil desde então. 
Concepções do ideário escolanovista no Brasil 
A Escola Nova foi um movimento que visou a renovação do ensino partindo da crítica 
à pedagogia tradicional. Amplamente difundido no Brasil, o ideário escolanovista se 
fundamentava principalmente no pensamento de John Dewey. 
O filósofo norte-americano John Dewey (1859-1952) defendeu fortemente os ideais 
de liberdade e democracia no ensino. De forte tendência pragmática e liberal, seus 
escritos defenderam uma escola essencialmente empírica, do aprender fazendo, da 
experimentação. Para ele o foco do ensino é o aluno e suas necessidades, é o 
compartilhar de experiências e a escola precisa criar espaços que estimulem a 
criatividade, o lazer e as descobertas. Seu pensamento foi âncora para o 
construtivismo e o escolanovismo, uma vez que para Dewey educação é a 
reconstrução da experiência. Influenciou o pensamento de seu aluno de pós-
graduação Anísio Teixeira, impulsionando-o a divulgar sua obra no Brasil, 
marcando fortemente as bases do movimento da Escola Nova (VASCONCELOS, 
2012, p. 157). 
A perspectiva escolanovista tinha forte crença no poder da escola enquanto instituição 
capaz de corrigir as distorções sociais expressas pelo problema da marginalidade. A escola 
então era entendida como panaceia. Se ela não vinha desempenhando seu papel essencial de 
equalização social o problema residia no tipo de escola proposta até então, ou seja, o 
problema era a escola tradicional.Assim o pensamento escolanovista é construído sob à 
crítica escola tradicional (SAVIANI, 2009). 
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Saviani (2009, p. 6) aponta algumas características da escola tradicional que deram 
origem a esta crítica. Do prisma da escola tradicional o problema da marginalidade está 
centrado na ignorância, na falta de conhecimentos. A escola seria a cura que transformaria o 
ignorante em cidadão através da transmissão dos conhecimentos historicamente produzidos 
pela humanidade de maneira lógica e sistematizada. Centrado no professor, o ensino 
tradicional requeria disciplina, atenção, aulas expositivas e exercícios repetitivos. No entanto, 
este tipo de escola não obteve o sucesso esperado, uma vez que “nem todos nela ingressavam 
e mesmo os que ingressavam nem sempre eram bem-sucedidos”. 
O problema da necessidade universalização do ensino aliado ao insucesso escolar 
desencadearam críticas que relacionadas aos fatores econômicos da época deram origem ao 
pensamento escolanovista. Neste sentido, diretamente em oposição ao ensino tradicional e 
enciclopedista, a pedagogia nova propõe um amplo movimento de reforma. Inicialmente com 
experiências restritas, depois com projetos amplos a nível nacional. 
[...] a Escola Nova, particularmente no Brasil, assumiu um significado muito 
distante do que adquiriu em todos os demais países em que emergiu. Aglutinou não 
apenas uma bandeira educacional, mas um investimento político: a renovação do 
sistema público. Aqui é preciso destacar que o Brasil foi o único país do mundo 
ocidental em que a Escola Nova tornou-se um investimento de Estado. Em todas as 
demais nações, os princípios da Escola Nova eram abraçados por grupos de 
educadores que criavam instituições específicas. Na Argentina, por exemplo, as 
irmãs Cossettini criaram a Escola Serena. No Brasil, entretanto, a Escola Nova 
constituiu-se em elemento aglutinador de reformas do aparelho escolar municipal ou 
estadual nas várias regiões, reformas estas implementadas pelas Diretorias de 
Instrução Pública (antecessoras das Secretarias de Educação) (VIDAL, 2013, p. 
582). 
Se na escola tradicional o problema da marginalidade se configurava na ignorância, na 
pedagogia na nova ele consistia na rejeição. O marginalizado era então o rejeitado, aquele que 
não estava integrado em um grupo e assim não era aceito, por meio deste grupo, na sociedade 
em geral. Neste sentido as palavras de ordem são integração e inclusão. O conceito de 
diferença passa a ser amplamente explorado numa “espécie de biopsicologização da 
sociedade, da educação e da escola”. As diferenças individuais ganham foco apontando que 
“os homens são essencialmente diferentes; não se repetem; cada indivíduo é único” 
(SAVIANI, 2009, p. 7). A educação teria então o papel de salvar este indivíduo desajustado, 
integrado este a um grupo e garantindo assim um equilíbrio social. 
Campos e Shiroma (1999, p. 485) apontam que, neste sentido, a escola tem uma 
função socializadora, que deve permitir a adaptação do indivíduo frente aos desafios impostos 
pela sociedade. Outra característica escolanovista evidenciada pelas autoras é a centralidade 
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no indivíduo e nos processos de aprendizagem. O interesse do aluno deveria ser o eixo 
norteador de todas as atividades, possibilitando o desenvolvimento natural das aptidões do 
educando, “destacando-se que mais do que saber, o importante é “aprender a aprender’” e 
neste processo o professor se constitui enquanto orientador, um facilitador da aprendizagem 
num ambiente estimulante. As autoras ainda destacam a relação entre educação e democracia 
fortemente evidenciada pela Escola Nova: 
A complexificação das sociedades contemporâneas implica a existência de campos 
cada vez mais tensionados, dado o acirramento das contradições sociais postas pela 
forma de acumulação que o capitalismo assume neste final de século. Como se pode 
promover o convívio pacífico entre os homens? A educação, nesse caso, passa a ser 
considerada fundamental para o desenvolvimento das pessoas e das relações entre os 
povos. A democracia apresenta-se, então, como central para o estabelecimento de 
relações fraternas (CAMPOS; SHIROMA, 1999, p. 490). 
Com efeito, a escola deveria contribuir na formação para a cidadania, garantido que o 
cidadão tenha consciência dos seus direitos e deveres e a sua inclusão ativa na sociedade, 
possibilitando desta forma a equalização das desigualdades sociais. 
Desconsiderando a luta de classes a Escola Nova tem a crença de que através da 
educação pode amenizar as desigualdades sociais e integrar os indivíduos à sociedade 
resolvendo assim o problema da marginalidade sem distinção de classe. No entanto, o alto 
custo dos projetos aliado a todos os problemas socioeconômicos e carências culturais do 
alunado das escolas públicas, impossibilita o sucesso desta empreitada, uma vez que para dar 
conta da estrutura física e dos recursos em pessoal do projeto escolanovista, os cofres 
públicos teriam gastos muito elevados, que não condizem com a ‘boa vontade’ capitalista. 
Também os alunos deveriam ter experiências que lhes despertassem o interesse como 
pesquisadores do conhecimento historicamente produzido pela humanidade, o que se torna 
muito difícil uma vez que estes alunos e suas famílias enfrentam dificuldades para satisfazer 
necessidades básicas como alimentação, moradia, vestuário, etc. vivendo muitas vezes sob 
condições desumanas. 
Educação integral: experiências marcadas pelo escolanovismo 
Em 1950 é fundado em Salvador - Bahia o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, 
também conhecido como Escola Parque. Inspirado na Escola Nova, Anísio Teixeira propunha 
romper com o ensino tradicional e enciclopedista a partir de uma escola que formasse para 
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sociedade e para o trabalho, com vistas no desenvolvimento científico e tecnológico para 
impulsionar o progresso. 
O projeto inicial requeria uma ampla estrutura física, com 5 prédios, sendo que 4 deles 
eram destinados para as escolas-classe e 1 para a escola-parque. A proposta exigia também a 
permanência do aluno em período integral, uma vez que num período o aluno iria para a 
escola-classe, que trataria dos elementos relacionados a instrução como leitura, escrita, 
ciências físicas e sociais, aritmética, etc. No contra turno o aluno iria para a escola-parque, 
onde seriam contemplados os elementos da educação como atividades artísticas e 
socializantes, trabalhos manuais e artes industriais. Na escola-parque as turmas eram 
organizadas por interesses comuns, enquanto que nas escolas-classe essa organização se dava 
por idade/série. Tratando-se de uma iniciativa pública, o Centro destinava-se aos filhos das 
classes populares e previa atividades complementares como, por exemplo, banho, alimentação 
e até mesmo atendimento médico (COELHO, 2009; RODRIGUES E BRANDALISE, 1998). 
De acordo com Esquinasi (2008, p. 3) o “projeto capitaneado por Anísio Teixeira 
constitui-se na primeira experiência brasileira de educação pública em escolas de turno 
integral”. No entanto, com a repressão após o golpe de 64, a proposta de construção de mais 
28 escolas nestes moldes não consegue resistir, e apenas 5 continuam em funcionamento até 
os dias de hoje, porém em situações precárias, tanto físicas quanto pedagógicas 
(VASCONCELOS, 2012). 
No início da década de 80, com o enfraquecimento da ditadura militar e uma volta 
gradual a democracia, Darcy Ribeiro - outro expoente do escolanovismo brasileiro - idealiza 
os Centros Integrados de Educação Pública. Com projeto arquitetônico elaborado por Oscar 
Niemeyer o espaço físico dos CIEPs deveria contemplar atividades curriculares obrigatórias, 
como também atividades físicas, artísticas e culturais, além de atendimento médico e 
odontológico (COELHO, 2009; RODRIGUES E BRANDALISE, 1998). 
Além de espaço físico diferenciado, a proposta necessitava do tempo integral para dar 
conta do amplo currículo.O projeto dos CIEPs foi implantado no estado do Rio de Janeiro, 
primeiramente em 1983 com duração até 1987. Foi retomado em 1991 e vigorou até 1994 no 
governo de Leonel Brizola. Neste sentido foram construídas 500 escolas, com vistas a 
expansão do projeto a nível nacional, uma vez que Brizola tinha intenções em assumir a 
presidência da República. Com a derrota de Brizola nas urnas, o projeto não teve 
continuidade. Os prédios que já tinham sido construídos passaram a funcionar como escolas 
em turnos parciais (COELHO, 2009; RODRIGUES E BRANDALISE, 1998). 
6495 
 
Outro projeto de educação integral em tempo integral inspirado no ideário 
escolanovista, porém pioneiro em nível nacional, foram os CIACs - Centros Integrados de 
Apoio à Criança - implantados na gestão de Fernando Collor de Mello no ano de 1991. 
Inicialmente o projeto previa a construção de 5.000 unidades nas 600 maiores cidades do país, 
e tinha por objetivo atender crianças e adolescentes carentes em período integral no intuito de 
uma melhor qualidade de vida. A proposta contava com a articulação de diversos programas 
das áreas da saúde, lazer, iniciação ao trabalho, etc (VASCONCELOS, 2012; COELHO, 
2009; RODRIGUES E BRANDALISE, 1998). 
Em 1992 com o impeachment do presidente Collor, o projeto é reformulado passando 
a se chamar Centros de Atenção Integral à Criança. Os CAICs não se tratavam apenas de 
escolas, mas de instituições que abrigavam um ambiente escolar articulado à diversos outros 
serviços na perspectiva da atenção integral. Da projeção de 5.000 unidades apenas 444 se 
efetivaram e continuam em funcionamento, porém com estrutura física precária devido à falta 
de manutenção dos prédios e descaracterização da proposta inicial (VASCONCELOS, 2012; 
COELHO, 2009; RODRIGUES E BRANDALISE, 1998). 
A descontinuidade das políticas públicas marcou a trajetória da educação integral em 
tempo integral no Brasil. No entanto, desde 2007, no segundo mandato do presidente Lula, o 
governo tem feito um esforço para dar continuidade e permanência da atual proposta de 
educação integral em tempo integral expressa pelo Programa Mais Educação. 
O Mais Educação, é um dos programas que compõe o PDE – Plano de 
Desenvolvimento da Educação e o PAR – Plano de Ações Articuladas, em consonância com o 
Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. O Programa atende prioritariamente as 
escolas com baixo IDEB, escolas situadas em regiões de vulnerabilidade social e escolas 
situadas em capitais, regiões metropolitanas ou grandes cidades. As atividades propostas pelo 
Programa estão organizadas nos seguintes macrocampos: a) acompanhamento pedagógico; b) 
meio ambiente; c) esporte e lazer; d) direitos humanos em educação; e) cultura e artes; f) 
cultura digital; g) promoção da saúde; h) educomunicação; i) investigação no campo das 
ciências da natureza; j) educação econômica (BRASIL, 2009). 
O Programa tem como objetivo colaborar para a formação integral de crianças, 
adolescentes e jovens, através da articulação de ações, projetos e programas federais, 
alterando a organização escolar no que diz respeito a saberes, métodos, processos e 
conteúdos. O Mais Educação propõe transcender o ambiente escolar, apoiando à realização de 
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atividades socioeducativas tanto na escola quanto em outros espaços socioculturais, no 
contraturno escolar (BRASIL, 2009). 
Trata-se da construção de uma ação intersetorial entre as políticas públicas 
educacionais e sociais, contribuindo, desse modo, tanto para a diminuição das 
desigualdades educacionais, quanto para a valorização da diversidade cultural 
brasileira. Fazem parte o Ministério da Educação, o Ministério do Desenvolvimento 
Social e Combate à Fome, o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Ministério do 
Esporte, o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Cultura, o Ministério da 
Defesa e a Controladoria Geral da União. Essa estratégia promove a ampliação de 
tempos, espaços, oportunidades educativas e o compartilhamento da tarefa de educar 
entre os profissionais da educação e de outras áreas, as famílias e diferentes atores 
sociais, sob a coordenação da escola e dos professores. Isso porque a Educação 
Integral, associada ao processo de escolarização, pressupõe a aprendizagem 
conectada à vida e ao universo de interesses e de possibilidades das crianças, 
adolescentes e jovens (BRASIL, 2013, p. 4). 
Almeida e Pinto (2013) apontam para aproximação entre os pressupostos do Programa 
Mais Educação e o ideário escolanovista. As categorias “proteger e educar”, “comunidade de 
aprendizagem”, “relação escola-comunidade”, “interculturalismo”, “diversidade”, “relação 
ensino e pesquisa”, “estudante pesquisador”, “aprender a aprender”, entre outras, podem ser 
encontradas tanto nos documentos norteadores do Mais Educação quanto na perspectiva da 
Escola Nova. 
O Programa Mais Educação, pelo fato de ser uma política em andamento deve ser 
analisado com maior atenção, no entanto, foge aos objetivos deste artigo contemplar mais 
profundamente este Programa. Deixaremos esta proposta para outra oportunidade. 
Percebe-se que as propostas de educação integral de tempo integral no Brasil têm sido 
pensadas a partir dos ideais da Escola Nova. Estes projetos são marcados também pela cisão 
entre educação e instrução, como no caso da Escola Parque, que por compreender estes 
elementos como momentos dissociados contribuiu para reforçar a dualidade entre atividades 
prazerosas e atividades penosas. O caráter compensatório e assistencialista pode ser verificado 
em todos as propostas. A perspectiva da atenção integral como forma de compensar os mais 
carentes dando-lhes o mínimo de assistência necessária acaba por retirar o foco da 
apropriação dos conhecimentos historicamente produzidos enquanto função social da escola. 
O alto custo dos projetos também é um elemento que contribuiu para a descontinuidade das 
propostas. Como exemplo, de acordo com Costa (2011) estima-se que o custo de cada 
unidade do CAIC foi em torno de 2 milhões de dólares. 
6497 
 
Conceito hegemônico de educação integral: (re)aproximações ao escolanovismo 
O conceito de educação integral não é homogêneo; depende fundamentalmente da 
matriz político-filosófica que sustenta o pensamento de determinado autor. No entanto, Gallo, 
Cavaliere, Moll e D’Ambrosio são nomes frequentemente utilizados na discussão recente 
sobre educação integral de tempo integral e as premissas defendidas por estes autores 
convergem em diversos pontos, sendo assim, de modo geral os referidos autores partilham de 
uma perspectiva de educação integral que pode ser considerada como hegemônica
3
. 
Gallo (2011 p. 2) critica o conceito de educação integral do movimento anarquista, 
pois entende que a crítica a exploração capitalista presente nos textos dos anarquistas clássico, 
apesar de interessante não pode ser transplantada para a atualidade, uma vez que se trata de 
uma concepção anacrônica. De acordo com este autor é necessária a ressignificação do 
conceito de educação integral a partir de uma reinvenção da escola. “Educar integralmente já 
não significa educar o indivíduo na sua inteireza”, mas sim “proporcionar um processo 
educativo singularizante, no qual cada estudante possa viver seus próprios encontros e 
produzir seus aprendizados, em relação solidária com seus colegas e educadores”, pois nesta 
perspectiva o ser humano não é mais uma unidade sólida, mas sim um ser múltiplo em 
frequente transformação. 
A defesa dos princípios que norteiam a Escola Nova ainda se faz muito presente na 
atualidade. Dentre os defensores da inclusão da Escola Nova como uma estratégia que 
direcionaria tanto as políticas educacionais, quanto a atuação docente, insere-se Cavaliere 
(2002), expoente na pesquisa em educação integral no Brasil. Para a autora, esse retorno 
escolanovista deveria ser revisitado e repaginado a partir do pensamento de Habermas, uma 
vez que estefilósofo defende uma pedagogia “adequada aos desafios da modernidade tardia 
em que vivemos” (Cavaliere, 2002, p. 268). Nesse sentido, o desafio da educação seria 
superar as nuances da pedagogia tradicional, ainda presentes no contexto atual, para a adoção 
dos princípios da Escola Nova os quais pretendem superar a rigidez dos conteúdos, as 
reprovações, a exclusão e o fracasso escolar, prerrogativas importantes para universalização e 
 
3 Entende-se que estes autores entram em consenso, de modo geral, sobre um conceito de educação integral. É 
deste modo que se conclui que o conceito defendido por estes autores - pelo fato de serem utilizados 
frequentemente como referencial nos trabalhos sobre educação integral – se constitui como pensamento 
hegemônico. Compreende-se também que cada autor tem sua orientação político-filosófica, no entanto, como já 
afirmado, de modo geral, partilham de pensamentos que muito se assemelham no sentido de conceituar educação 
integral. 
6498 
 
permanência do aluno no sistema educacional. A autora defende o movimento escolanosvista 
mesmo tendo clara a sua vinculação com a ideologia liberal: 
O movimento escolanovista também corresponde aos avanços do pensamento 
democrático, desde que este último seja entendido não como simples arranjo, no 
campo das ideias, visando o favorecimento do funcionamento capitalista, mas sim 
como fruto de um autêntico impulso intelectual e político em direção a uma 
sociedade melhor (CAVALIERI, 2002, p. 264). 
Também dentre os defensores da inclusão dos princípios escolanovistas na atual 
sociedade, destacamos Moll (2012), que propõe uma educação integral reinventada no 
cotidiano escolar, sendo norteada pelo aprofundamento dos princípios democráticos como 
estratégia para enfrentar as desigualdades sociais “por meio de concertações entre Estado e 
sociedade, entre escolas e famílias pelo regime de colaboração” (p. 145). 
Uma educação integral como um instrumento que visa a garantia da paz, é o que 
defende os estudos de D’ Ambrosio (2012). Para ele, a educação seria a responsável pela 
assimilação de valores fundamentais que incorreriam na garantia da paz interior, da paz 
social, da paz militar e a da paz ambiental. Compreendendo a busca pela paz como um 
pressuposto essencial que deve ser integrado a prática educativa, o autor defende que a 
educação integral pressupõe que os conhecimentos construídos devem estar engajados a 
princípios éticos que exaltariam o respeito ao próximo, a paz e a solidariedade. A paz para D’ 
Ambrosio (2012), é fundamental na sociedade atual, pois a realidade está marcada fortemente 
por pactos sociais que defendendo um equilíbrio econômico ampliam a miséria e as 
desigualdades. 
No entanto, é importante ressaltar que o autor não refuta esses pactos econômicos, 
apenas critica a forma com que estes vem sendo celebrados. O autor afirma que “já que é 
interdito questionar se devem existir ricos e pobres. Que pelo menos exista dignidade nas 
relações” (Ambrosio, 2012, p. 107), evidenciando assim a consideração do caráter estático das 
classes sociais. Para ele, é necessário um amplo processo de reforma onde a educação integral 
seria a responsável pelo estabelecimento do estado de paz que o mundo tanto necessita. 
Entendemos que os posicionamentos acima explanados são pautados por ideários 
neoliberais e escolanovistas, visando defender uma educação integral que colabora com a 
reforma estrutural da sociedade, desconsiderando a possibilidade de superação do sistema 
capitalista. No entanto o discurso oficial coloca em evidencia os aspectos positivos da 
educação integral, como por exemplo, o desenvolvimento das potencialidades humanas, o 
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regime de paz e solidariedade, a cooperação entre os educandos, dando a aparência que os 
problemas sociais seriam sanados com a adoção desta prática educativa. 
Algumas considerações 
Pode-se perceber que o ideário da Escola Nova, amplamente difundido no Brasil, 
perpassa as políticas educacionais de educação integral em tempo integral. Saviani (2009) 
afirma que o escolanovismo foi muito mais negativo do que positivo para o sistema de ensino 
brasileiro, uma vez que não conseguiu alterar como o pretendido a realidade das escolas. Os 
fatores apresentados pelo autor podem ser elencados como: a) custos muito elevados em 
relação a escola tradicional, o que seria oneroso demais aos cofres públicos; b) afrouxamento 
da disciplina e despreocupação com a transmissão de conhecimentos; c) rebaixamento do 
nível de ensino na escola da classe popular x aprimoramento da qualidade do ensino para as 
elites. 
Outro fator prejudicial do escolanovismo, que consideramos o mais danoso, é que este 
se trata de um amplo movimento de reforma sustentado pela afirmação do monopólio 
capitalista e a necessidade do desenvolvimento científico e tecnológico para impulsionar o 
progresso e reproduzir o sistema do capital. Assim a educação integral traz a prerrogativa de 
contribuir para a manutenção da sociedade capitalista e consequentemente contribui para o 
alargamento das desigualdades sociais que integram a base do sistema de classes. 
O pensamento hegemônico considera utópica a possibilidade de uma nova forma de 
sociabilidade, pois entende o capitalismo como a forma mais desenvolvida de 
organização/produção social. Isso é evidente uma vez que não há tentativa de rompimento 
com este sistema, mas apenas reformas e ajustes no sentido de torná-lo menos desigual. 
Levando em conta que na sociedade erigida sob o capital a contradição é uma das 
categorias centrais, a concepção de educação integral subserviente ao capital está atrelada a 
conceitos que aparentemente são inofensivos, mas que convenientemente contribuem para a 
reprodução da atual forma de sociabilidade. Assim, mesmo parecendo positiva a proposta do 
escolanovismo que afirma a importância do aluno e do processo de aprendizagem como eixos 
centrais, a relação educação-democracia, a aceitação das diferenças, essas premissas 
contribuem para a menor apropriação por parte da classe trabalhadora de determinados 
conhecimentos, ao passo que garante o desenvolvimento de certas competências necessárias 
ao mercado de trabalho e a perpetuação da ideologia dominante. 
6500 
 
Neste sentido, enquanto educadores, precisamos assumir um posicionamento. Se 
compactuamos do pensamento hegemônico e não acreditamos que outra forma de 
sociabilidade é possível e assim despendemos esforços apenas para tentar minimizar os 
problemas da sociedade capitalista, adotamos então perspectivas reformistas que contribuem 
apenas para manutenção deste sistema, então nos posicionamos ao lado do capital. No 
entanto, se compreendemos que a desigualdade de classes nem sempre existiu e que deste 
modo, pode vir a deixar de existir e assim nos comprometemos com uma perspectiva que 
rompa com o sistema econômico vigente, estamos nos posicionando ao lado da humanidade e 
da possibilidade de uma educação verdadeiramente integral. 
REFERÊNCIAS 
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ALMEIDA J. de; PINTO, K. N. Educação integral no Brasil de Hoje. Editora Universitária 
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