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ISSN 2176-1396 A INFLUÊNCIA DO ESCOLANOVISMO NAS PROPOSTAS DE EDUCAÇÃO EM TEMPO INTEGRAL NO BRASIL Karen Cristina Jensen Ruppel da Silva 1 - UEPG Aldimara Catarina Brito Delabona Boutin 2 - UEPG Grupo de Trabalho – História da Educação Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo O presente artigo é resultado de uma pesquisa pós-graduação Mestrado em Educação/UEPG, e tem como objetivo apontar a influência do movimento escolanovista nas propostas de educação integral em tempo integral no Brasil. Utilizando-se do materialismo histórico e dialético como meio mais adequado de apreensão do real, primeiramente apresentamos algumas concepções da Escola Nova que influenciaram diretamente a educação brasileira, dentre elas destacamos o foco no interesse do aluno e nos processos de aprendizagem, a aceitação das diferenças, a integração, a relação educação-democracia, a função socializadora e de equalização das desigualdades sociais assumida pela escola. Em seguida, evidenciamos as principais experiências públicas de educação integral, as quais têm fundamentos nos pressupostos escolanovistas e se configuram na proposta do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, nos CIEPs, nos CIACs e CAICs e mais recentemente no Programa Mais Educação. Abordamos também a ressignificação da pedagogia nova enquanto discurso hegemônico na atualidade acerca do conceito de educação integral, para tanto apresentamos a perspectiva de Gallo (2011), Cavaliere (2002), Moll (2012) e D’Ambrosio (2012), autores estes utilizados como referencial em grande parte das pesquisas sobre educação integral. Por fim, salientamos a consistente crítica de Saviani (2009) de que a pedagogia nova trouxe muito mais problemas do que soluções para a educação das classes populares, principalmente no que se refere ao afrouxamento da disciplina e a desvalorização dos conteúdos, que possibilitou uma dualidade ainda maior entre escola popular e escola da elite. Neste sentido, também denunciamos o retorno as ideias escolanovistas como estratégia de reforma, manutenção e reprodução do modelo econômico vigente, uma vez que tal ideário não visa romper com sistema do capital. Palavras-chave: Educação Integral. Escola Nova. Manutenção e Reprodução do Capital. 1 Mestranda em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa- UEPG. E-mail: jkarencristina@yahoo.com.br 2 Mestranda em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa- UEPG. E-mail: audiboutin@hotmail.com. 6490 Introdução A educação em tempo integral existe no Brasil desde a época dos jesuítas, ainda no período colonial, e também se fez presente durante o império e o período republicano. No entanto a educação escolar, e especificamente a educação escolar em tempo integral, não eram uma realidade para maioria da população, já que apenas os filhos da elite tinham acesso ao conhecimento mais elaborado. A cisão entre trabalho manual para a classe trabalhadora e trabalho intelectual para a classe dirigente era refletida na educação escolar, uma vez que o ensino tinha um caráter fortemente dualista que visava dotar uma determinada classe de hábitos laborais e de conhecimentos necessários a demanda do mercado de trabalho e outra de diversos outros conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade que permitiam esta última um desenvolvimento humano muito mais amplo que a primeira. Durante os anos de 1900 e 1930 começam a se delinear as primeiras experiências mais significativas de educação integral em tempo integral a partir da influência de três importantes movimentos: o integralismo, o anarquismo e o escolanovismo. Esses movimentos representam o embate entre três correntes político-filosóficas distintas: o conservadorismo, o socialismo e o liberalismo (GIOLO, 2012; COELHO, 2009). O integralismo, inspirado pelo ideário fascista, surgiu no Brasil na década 30 e tinha como maior representante o líder Plínio Salgado. Respaldado na considerada tríade fundamental: Deus, pátria e família, o movimento integralista exalta valores como a espiritualidade, o civismo, o nacionalismo, a disciplina, etc. No que diz respeito a educação, a perspectiva integralista considerava a necessidade de uma educação integral para a formação do homem integral, levando em conta os aspectos físicos, intelectuais, morais, cívicos e espirituais. Educação e instrução eram concebidas como elementos dissociados, educação compreendia a formação de caráter, enquanto que a instrução deveria dar conta do desenvolvimento da inteligência. De acordo com os jornais da época, no ano de 1937 existiam no Brasil em torno de 3.000 escolas de caráter integralista (COELHO, 2005). Na contramão do ideário conservador expressado também pelo integralismo, a educação integral do início do século XX no Brasil contou com a influência do movimento anarquista que tinha como premissas a liberdade humana, a emancipação política, a autonomia e a igualdade. O anarquismo tecia uma consistente crítica ao caráter dualista da escola burguesa que reproduzia a divisão social do trabalho, uma vez que o currículo da escola destinada a classe trabalhadora remetia a conhecimentos necessários ao trabalho 6491 manual, enquanto que a escola da classe dominante à conhecimentos voltados para a trabalho intelectual inerentes a uma classe que se constitui como dirigente. A educação integral nesse sentido deveria romper com esta dualidade, visando contemplar o desenvolvimento artístico, físico, intelectual, político, etc. sempre considerando o trabalho como princípio educativo. Educação formal, informal e não formal eram considerados elementos indissociáveis do processo educativo. Essa perspectiva afastava-se dos métodos tradicionais autoritários baseados em exames, prêmios e castigos e as atividades eram voltadas para a coletividade, liberdade e solidariedade (COELHO, 2009). Tanto as propostas integralistas respaldadas no conservadorismo, quanto as propostas anarquistas inspiradas no socialismo, foram iniciativas da sociedade civil organizada. É através do movimento escolanovista, em especial da proposta de Anísio Teixeira, que o projeto de educação integral em tempo integral passa a ser pensando enquanto política pública. Esse ideário, efervescente no Brasil na década de 30, tem orientação no liberalismo e parece estar entrelaçado às políticas educacionais no Brasil desde então. Concepções do ideário escolanovista no Brasil A Escola Nova foi um movimento que visou a renovação do ensino partindo da crítica à pedagogia tradicional. Amplamente difundido no Brasil, o ideário escolanovista se fundamentava principalmente no pensamento de John Dewey. O filósofo norte-americano John Dewey (1859-1952) defendeu fortemente os ideais de liberdade e democracia no ensino. De forte tendência pragmática e liberal, seus escritos defenderam uma escola essencialmente empírica, do aprender fazendo, da experimentação. Para ele o foco do ensino é o aluno e suas necessidades, é o compartilhar de experiências e a escola precisa criar espaços que estimulem a criatividade, o lazer e as descobertas. Seu pensamento foi âncora para o construtivismo e o escolanovismo, uma vez que para Dewey educação é a reconstrução da experiência. Influenciou o pensamento de seu aluno de pós- graduação Anísio Teixeira, impulsionando-o a divulgar sua obra no Brasil, marcando fortemente as bases do movimento da Escola Nova (VASCONCELOS, 2012, p. 157). A perspectiva escolanovista tinha forte crença no poder da escola enquanto instituição capaz de corrigir as distorções sociais expressas pelo problema da marginalidade. A escola então era entendida como panaceia. Se ela não vinha desempenhando seu papel essencial de equalização social o problema residia no tipo de escola proposta até então, ou seja, o problema era a escola tradicional.Assim o pensamento escolanovista é construído sob à crítica escola tradicional (SAVIANI, 2009). 6492 Saviani (2009, p. 6) aponta algumas características da escola tradicional que deram origem a esta crítica. Do prisma da escola tradicional o problema da marginalidade está centrado na ignorância, na falta de conhecimentos. A escola seria a cura que transformaria o ignorante em cidadão através da transmissão dos conhecimentos historicamente produzidos pela humanidade de maneira lógica e sistematizada. Centrado no professor, o ensino tradicional requeria disciplina, atenção, aulas expositivas e exercícios repetitivos. No entanto, este tipo de escola não obteve o sucesso esperado, uma vez que “nem todos nela ingressavam e mesmo os que ingressavam nem sempre eram bem-sucedidos”. O problema da necessidade universalização do ensino aliado ao insucesso escolar desencadearam críticas que relacionadas aos fatores econômicos da época deram origem ao pensamento escolanovista. Neste sentido, diretamente em oposição ao ensino tradicional e enciclopedista, a pedagogia nova propõe um amplo movimento de reforma. Inicialmente com experiências restritas, depois com projetos amplos a nível nacional. [...] a Escola Nova, particularmente no Brasil, assumiu um significado muito distante do que adquiriu em todos os demais países em que emergiu. Aglutinou não apenas uma bandeira educacional, mas um investimento político: a renovação do sistema público. Aqui é preciso destacar que o Brasil foi o único país do mundo ocidental em que a Escola Nova tornou-se um investimento de Estado. Em todas as demais nações, os princípios da Escola Nova eram abraçados por grupos de educadores que criavam instituições específicas. Na Argentina, por exemplo, as irmãs Cossettini criaram a Escola Serena. No Brasil, entretanto, a Escola Nova constituiu-se em elemento aglutinador de reformas do aparelho escolar municipal ou estadual nas várias regiões, reformas estas implementadas pelas Diretorias de Instrução Pública (antecessoras das Secretarias de Educação) (VIDAL, 2013, p. 582). Se na escola tradicional o problema da marginalidade se configurava na ignorância, na pedagogia na nova ele consistia na rejeição. O marginalizado era então o rejeitado, aquele que não estava integrado em um grupo e assim não era aceito, por meio deste grupo, na sociedade em geral. Neste sentido as palavras de ordem são integração e inclusão. O conceito de diferença passa a ser amplamente explorado numa “espécie de biopsicologização da sociedade, da educação e da escola”. As diferenças individuais ganham foco apontando que “os homens são essencialmente diferentes; não se repetem; cada indivíduo é único” (SAVIANI, 2009, p. 7). A educação teria então o papel de salvar este indivíduo desajustado, integrado este a um grupo e garantindo assim um equilíbrio social. Campos e Shiroma (1999, p. 485) apontam que, neste sentido, a escola tem uma função socializadora, que deve permitir a adaptação do indivíduo frente aos desafios impostos pela sociedade. Outra característica escolanovista evidenciada pelas autoras é a centralidade 6493 no indivíduo e nos processos de aprendizagem. O interesse do aluno deveria ser o eixo norteador de todas as atividades, possibilitando o desenvolvimento natural das aptidões do educando, “destacando-se que mais do que saber, o importante é “aprender a aprender’” e neste processo o professor se constitui enquanto orientador, um facilitador da aprendizagem num ambiente estimulante. As autoras ainda destacam a relação entre educação e democracia fortemente evidenciada pela Escola Nova: A complexificação das sociedades contemporâneas implica a existência de campos cada vez mais tensionados, dado o acirramento das contradições sociais postas pela forma de acumulação que o capitalismo assume neste final de século. Como se pode promover o convívio pacífico entre os homens? A educação, nesse caso, passa a ser considerada fundamental para o desenvolvimento das pessoas e das relações entre os povos. A democracia apresenta-se, então, como central para o estabelecimento de relações fraternas (CAMPOS; SHIROMA, 1999, p. 490). Com efeito, a escola deveria contribuir na formação para a cidadania, garantido que o cidadão tenha consciência dos seus direitos e deveres e a sua inclusão ativa na sociedade, possibilitando desta forma a equalização das desigualdades sociais. Desconsiderando a luta de classes a Escola Nova tem a crença de que através da educação pode amenizar as desigualdades sociais e integrar os indivíduos à sociedade resolvendo assim o problema da marginalidade sem distinção de classe. No entanto, o alto custo dos projetos aliado a todos os problemas socioeconômicos e carências culturais do alunado das escolas públicas, impossibilita o sucesso desta empreitada, uma vez que para dar conta da estrutura física e dos recursos em pessoal do projeto escolanovista, os cofres públicos teriam gastos muito elevados, que não condizem com a ‘boa vontade’ capitalista. Também os alunos deveriam ter experiências que lhes despertassem o interesse como pesquisadores do conhecimento historicamente produzido pela humanidade, o que se torna muito difícil uma vez que estes alunos e suas famílias enfrentam dificuldades para satisfazer necessidades básicas como alimentação, moradia, vestuário, etc. vivendo muitas vezes sob condições desumanas. Educação integral: experiências marcadas pelo escolanovismo Em 1950 é fundado em Salvador - Bahia o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, também conhecido como Escola Parque. Inspirado na Escola Nova, Anísio Teixeira propunha romper com o ensino tradicional e enciclopedista a partir de uma escola que formasse para 6494 sociedade e para o trabalho, com vistas no desenvolvimento científico e tecnológico para impulsionar o progresso. O projeto inicial requeria uma ampla estrutura física, com 5 prédios, sendo que 4 deles eram destinados para as escolas-classe e 1 para a escola-parque. A proposta exigia também a permanência do aluno em período integral, uma vez que num período o aluno iria para a escola-classe, que trataria dos elementos relacionados a instrução como leitura, escrita, ciências físicas e sociais, aritmética, etc. No contra turno o aluno iria para a escola-parque, onde seriam contemplados os elementos da educação como atividades artísticas e socializantes, trabalhos manuais e artes industriais. Na escola-parque as turmas eram organizadas por interesses comuns, enquanto que nas escolas-classe essa organização se dava por idade/série. Tratando-se de uma iniciativa pública, o Centro destinava-se aos filhos das classes populares e previa atividades complementares como, por exemplo, banho, alimentação e até mesmo atendimento médico (COELHO, 2009; RODRIGUES E BRANDALISE, 1998). De acordo com Esquinasi (2008, p. 3) o “projeto capitaneado por Anísio Teixeira constitui-se na primeira experiência brasileira de educação pública em escolas de turno integral”. No entanto, com a repressão após o golpe de 64, a proposta de construção de mais 28 escolas nestes moldes não consegue resistir, e apenas 5 continuam em funcionamento até os dias de hoje, porém em situações precárias, tanto físicas quanto pedagógicas (VASCONCELOS, 2012). No início da década de 80, com o enfraquecimento da ditadura militar e uma volta gradual a democracia, Darcy Ribeiro - outro expoente do escolanovismo brasileiro - idealiza os Centros Integrados de Educação Pública. Com projeto arquitetônico elaborado por Oscar Niemeyer o espaço físico dos CIEPs deveria contemplar atividades curriculares obrigatórias, como também atividades físicas, artísticas e culturais, além de atendimento médico e odontológico (COELHO, 2009; RODRIGUES E BRANDALISE, 1998). Além de espaço físico diferenciado, a proposta necessitava do tempo integral para dar conta do amplo currículo.O projeto dos CIEPs foi implantado no estado do Rio de Janeiro, primeiramente em 1983 com duração até 1987. Foi retomado em 1991 e vigorou até 1994 no governo de Leonel Brizola. Neste sentido foram construídas 500 escolas, com vistas a expansão do projeto a nível nacional, uma vez que Brizola tinha intenções em assumir a presidência da República. Com a derrota de Brizola nas urnas, o projeto não teve continuidade. Os prédios que já tinham sido construídos passaram a funcionar como escolas em turnos parciais (COELHO, 2009; RODRIGUES E BRANDALISE, 1998). 6495 Outro projeto de educação integral em tempo integral inspirado no ideário escolanovista, porém pioneiro em nível nacional, foram os CIACs - Centros Integrados de Apoio à Criança - implantados na gestão de Fernando Collor de Mello no ano de 1991. Inicialmente o projeto previa a construção de 5.000 unidades nas 600 maiores cidades do país, e tinha por objetivo atender crianças e adolescentes carentes em período integral no intuito de uma melhor qualidade de vida. A proposta contava com a articulação de diversos programas das áreas da saúde, lazer, iniciação ao trabalho, etc (VASCONCELOS, 2012; COELHO, 2009; RODRIGUES E BRANDALISE, 1998). Em 1992 com o impeachment do presidente Collor, o projeto é reformulado passando a se chamar Centros de Atenção Integral à Criança. Os CAICs não se tratavam apenas de escolas, mas de instituições que abrigavam um ambiente escolar articulado à diversos outros serviços na perspectiva da atenção integral. Da projeção de 5.000 unidades apenas 444 se efetivaram e continuam em funcionamento, porém com estrutura física precária devido à falta de manutenção dos prédios e descaracterização da proposta inicial (VASCONCELOS, 2012; COELHO, 2009; RODRIGUES E BRANDALISE, 1998). A descontinuidade das políticas públicas marcou a trajetória da educação integral em tempo integral no Brasil. No entanto, desde 2007, no segundo mandato do presidente Lula, o governo tem feito um esforço para dar continuidade e permanência da atual proposta de educação integral em tempo integral expressa pelo Programa Mais Educação. O Mais Educação, é um dos programas que compõe o PDE – Plano de Desenvolvimento da Educação e o PAR – Plano de Ações Articuladas, em consonância com o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. O Programa atende prioritariamente as escolas com baixo IDEB, escolas situadas em regiões de vulnerabilidade social e escolas situadas em capitais, regiões metropolitanas ou grandes cidades. As atividades propostas pelo Programa estão organizadas nos seguintes macrocampos: a) acompanhamento pedagógico; b) meio ambiente; c) esporte e lazer; d) direitos humanos em educação; e) cultura e artes; f) cultura digital; g) promoção da saúde; h) educomunicação; i) investigação no campo das ciências da natureza; j) educação econômica (BRASIL, 2009). O Programa tem como objetivo colaborar para a formação integral de crianças, adolescentes e jovens, através da articulação de ações, projetos e programas federais, alterando a organização escolar no que diz respeito a saberes, métodos, processos e conteúdos. O Mais Educação propõe transcender o ambiente escolar, apoiando à realização de 6496 atividades socioeducativas tanto na escola quanto em outros espaços socioculturais, no contraturno escolar (BRASIL, 2009). Trata-se da construção de uma ação intersetorial entre as políticas públicas educacionais e sociais, contribuindo, desse modo, tanto para a diminuição das desigualdades educacionais, quanto para a valorização da diversidade cultural brasileira. Fazem parte o Ministério da Educação, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o Ministério da Ciência e Tecnologia, o Ministério do Esporte, o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Cultura, o Ministério da Defesa e a Controladoria Geral da União. Essa estratégia promove a ampliação de tempos, espaços, oportunidades educativas e o compartilhamento da tarefa de educar entre os profissionais da educação e de outras áreas, as famílias e diferentes atores sociais, sob a coordenação da escola e dos professores. Isso porque a Educação Integral, associada ao processo de escolarização, pressupõe a aprendizagem conectada à vida e ao universo de interesses e de possibilidades das crianças, adolescentes e jovens (BRASIL, 2013, p. 4). Almeida e Pinto (2013) apontam para aproximação entre os pressupostos do Programa Mais Educação e o ideário escolanovista. As categorias “proteger e educar”, “comunidade de aprendizagem”, “relação escola-comunidade”, “interculturalismo”, “diversidade”, “relação ensino e pesquisa”, “estudante pesquisador”, “aprender a aprender”, entre outras, podem ser encontradas tanto nos documentos norteadores do Mais Educação quanto na perspectiva da Escola Nova. O Programa Mais Educação, pelo fato de ser uma política em andamento deve ser analisado com maior atenção, no entanto, foge aos objetivos deste artigo contemplar mais profundamente este Programa. Deixaremos esta proposta para outra oportunidade. Percebe-se que as propostas de educação integral de tempo integral no Brasil têm sido pensadas a partir dos ideais da Escola Nova. Estes projetos são marcados também pela cisão entre educação e instrução, como no caso da Escola Parque, que por compreender estes elementos como momentos dissociados contribuiu para reforçar a dualidade entre atividades prazerosas e atividades penosas. O caráter compensatório e assistencialista pode ser verificado em todos as propostas. A perspectiva da atenção integral como forma de compensar os mais carentes dando-lhes o mínimo de assistência necessária acaba por retirar o foco da apropriação dos conhecimentos historicamente produzidos enquanto função social da escola. O alto custo dos projetos também é um elemento que contribuiu para a descontinuidade das propostas. Como exemplo, de acordo com Costa (2011) estima-se que o custo de cada unidade do CAIC foi em torno de 2 milhões de dólares. 6497 Conceito hegemônico de educação integral: (re)aproximações ao escolanovismo O conceito de educação integral não é homogêneo; depende fundamentalmente da matriz político-filosófica que sustenta o pensamento de determinado autor. No entanto, Gallo, Cavaliere, Moll e D’Ambrosio são nomes frequentemente utilizados na discussão recente sobre educação integral de tempo integral e as premissas defendidas por estes autores convergem em diversos pontos, sendo assim, de modo geral os referidos autores partilham de uma perspectiva de educação integral que pode ser considerada como hegemônica 3 . Gallo (2011 p. 2) critica o conceito de educação integral do movimento anarquista, pois entende que a crítica a exploração capitalista presente nos textos dos anarquistas clássico, apesar de interessante não pode ser transplantada para a atualidade, uma vez que se trata de uma concepção anacrônica. De acordo com este autor é necessária a ressignificação do conceito de educação integral a partir de uma reinvenção da escola. “Educar integralmente já não significa educar o indivíduo na sua inteireza”, mas sim “proporcionar um processo educativo singularizante, no qual cada estudante possa viver seus próprios encontros e produzir seus aprendizados, em relação solidária com seus colegas e educadores”, pois nesta perspectiva o ser humano não é mais uma unidade sólida, mas sim um ser múltiplo em frequente transformação. A defesa dos princípios que norteiam a Escola Nova ainda se faz muito presente na atualidade. Dentre os defensores da inclusão da Escola Nova como uma estratégia que direcionaria tanto as políticas educacionais, quanto a atuação docente, insere-se Cavaliere (2002), expoente na pesquisa em educação integral no Brasil. Para a autora, esse retorno escolanovista deveria ser revisitado e repaginado a partir do pensamento de Habermas, uma vez que estefilósofo defende uma pedagogia “adequada aos desafios da modernidade tardia em que vivemos” (Cavaliere, 2002, p. 268). Nesse sentido, o desafio da educação seria superar as nuances da pedagogia tradicional, ainda presentes no contexto atual, para a adoção dos princípios da Escola Nova os quais pretendem superar a rigidez dos conteúdos, as reprovações, a exclusão e o fracasso escolar, prerrogativas importantes para universalização e 3 Entende-se que estes autores entram em consenso, de modo geral, sobre um conceito de educação integral. É deste modo que se conclui que o conceito defendido por estes autores - pelo fato de serem utilizados frequentemente como referencial nos trabalhos sobre educação integral – se constitui como pensamento hegemônico. Compreende-se também que cada autor tem sua orientação político-filosófica, no entanto, como já afirmado, de modo geral, partilham de pensamentos que muito se assemelham no sentido de conceituar educação integral. 6498 permanência do aluno no sistema educacional. A autora defende o movimento escolanosvista mesmo tendo clara a sua vinculação com a ideologia liberal: O movimento escolanovista também corresponde aos avanços do pensamento democrático, desde que este último seja entendido não como simples arranjo, no campo das ideias, visando o favorecimento do funcionamento capitalista, mas sim como fruto de um autêntico impulso intelectual e político em direção a uma sociedade melhor (CAVALIERI, 2002, p. 264). Também dentre os defensores da inclusão dos princípios escolanovistas na atual sociedade, destacamos Moll (2012), que propõe uma educação integral reinventada no cotidiano escolar, sendo norteada pelo aprofundamento dos princípios democráticos como estratégia para enfrentar as desigualdades sociais “por meio de concertações entre Estado e sociedade, entre escolas e famílias pelo regime de colaboração” (p. 145). Uma educação integral como um instrumento que visa a garantia da paz, é o que defende os estudos de D’ Ambrosio (2012). Para ele, a educação seria a responsável pela assimilação de valores fundamentais que incorreriam na garantia da paz interior, da paz social, da paz militar e a da paz ambiental. Compreendendo a busca pela paz como um pressuposto essencial que deve ser integrado a prática educativa, o autor defende que a educação integral pressupõe que os conhecimentos construídos devem estar engajados a princípios éticos que exaltariam o respeito ao próximo, a paz e a solidariedade. A paz para D’ Ambrosio (2012), é fundamental na sociedade atual, pois a realidade está marcada fortemente por pactos sociais que defendendo um equilíbrio econômico ampliam a miséria e as desigualdades. No entanto, é importante ressaltar que o autor não refuta esses pactos econômicos, apenas critica a forma com que estes vem sendo celebrados. O autor afirma que “já que é interdito questionar se devem existir ricos e pobres. Que pelo menos exista dignidade nas relações” (Ambrosio, 2012, p. 107), evidenciando assim a consideração do caráter estático das classes sociais. Para ele, é necessário um amplo processo de reforma onde a educação integral seria a responsável pelo estabelecimento do estado de paz que o mundo tanto necessita. Entendemos que os posicionamentos acima explanados são pautados por ideários neoliberais e escolanovistas, visando defender uma educação integral que colabora com a reforma estrutural da sociedade, desconsiderando a possibilidade de superação do sistema capitalista. No entanto o discurso oficial coloca em evidencia os aspectos positivos da educação integral, como por exemplo, o desenvolvimento das potencialidades humanas, o 6499 regime de paz e solidariedade, a cooperação entre os educandos, dando a aparência que os problemas sociais seriam sanados com a adoção desta prática educativa. Algumas considerações Pode-se perceber que o ideário da Escola Nova, amplamente difundido no Brasil, perpassa as políticas educacionais de educação integral em tempo integral. Saviani (2009) afirma que o escolanovismo foi muito mais negativo do que positivo para o sistema de ensino brasileiro, uma vez que não conseguiu alterar como o pretendido a realidade das escolas. Os fatores apresentados pelo autor podem ser elencados como: a) custos muito elevados em relação a escola tradicional, o que seria oneroso demais aos cofres públicos; b) afrouxamento da disciplina e despreocupação com a transmissão de conhecimentos; c) rebaixamento do nível de ensino na escola da classe popular x aprimoramento da qualidade do ensino para as elites. Outro fator prejudicial do escolanovismo, que consideramos o mais danoso, é que este se trata de um amplo movimento de reforma sustentado pela afirmação do monopólio capitalista e a necessidade do desenvolvimento científico e tecnológico para impulsionar o progresso e reproduzir o sistema do capital. Assim a educação integral traz a prerrogativa de contribuir para a manutenção da sociedade capitalista e consequentemente contribui para o alargamento das desigualdades sociais que integram a base do sistema de classes. O pensamento hegemônico considera utópica a possibilidade de uma nova forma de sociabilidade, pois entende o capitalismo como a forma mais desenvolvida de organização/produção social. Isso é evidente uma vez que não há tentativa de rompimento com este sistema, mas apenas reformas e ajustes no sentido de torná-lo menos desigual. Levando em conta que na sociedade erigida sob o capital a contradição é uma das categorias centrais, a concepção de educação integral subserviente ao capital está atrelada a conceitos que aparentemente são inofensivos, mas que convenientemente contribuem para a reprodução da atual forma de sociabilidade. Assim, mesmo parecendo positiva a proposta do escolanovismo que afirma a importância do aluno e do processo de aprendizagem como eixos centrais, a relação educação-democracia, a aceitação das diferenças, essas premissas contribuem para a menor apropriação por parte da classe trabalhadora de determinados conhecimentos, ao passo que garante o desenvolvimento de certas competências necessárias ao mercado de trabalho e a perpetuação da ideologia dominante. 6500 Neste sentido, enquanto educadores, precisamos assumir um posicionamento. Se compactuamos do pensamento hegemônico e não acreditamos que outra forma de sociabilidade é possível e assim despendemos esforços apenas para tentar minimizar os problemas da sociedade capitalista, adotamos então perspectivas reformistas que contribuem apenas para manutenção deste sistema, então nos posicionamos ao lado do capital. No entanto, se compreendemos que a desigualdade de classes nem sempre existiu e que deste modo, pode vir a deixar de existir e assim nos comprometemos com uma perspectiva que rompa com o sistema econômico vigente, estamos nos posicionando ao lado da humanidade e da possibilidade de uma educação verdadeiramente integral. REFERÊNCIAS ALMEIDA J. de; PINTO, K. N. Categorias da Educação Integral no Mais Educação. In: ALMEIDA J. de; PINTO, K. N. Educação integral no Brasil de Hoje. Editora Universitária - UFP–: Recife, 2013, p.72-101. BRASIL. Ministério Da Educação. Programa Mais Educação – Passo a passo por Maria Eliane Santos, et al. Brasília: MEC – Secad., 2009. BRASIL. Ministério Da Educação. Manual Operacional de Educação Integral. Brasília: MEC – SEB., 2013. CAMPOS, R. F; SHIROMA, E. O. O resgate da Escola Nova pelas reformas educacionais contemporâneas. R. bras. Est. pedag. Brasília, v. 80, n. 196, p. 483-493, set./dez. 1999. CAVALIERE, A. M.V. 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