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ORIGEM E MANUTENÇÃO DO COMPORTAMENTO AGRESSIVO NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

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ORIGEM E MANUTENÇÃO DO COMPORTAMENTO AGRESSIVO NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA
RESUMO
O presente estudo possui o objetivo de apresentar uma revisão da literatura a respeito das principais causas e mantenedores do comportamento agressivo na infância e adolescência. Com a finalidade de favorecer o diagnóstico e a conseqüente intervenção, esta revisão abordou primordialmente a influência de fatores aliados ao desenvolvimento sócio-emocional, bem como a participação de alguns dos transtornos neuropsiquiátricos infanto-juvenis. Aspectos do temperamento aliados às diversas influências ambientais (como as práticas parentais, escolares e a mídia) parecem favorecer o entendimento básico do desenvolvimento sócio-emocional. A manifestação de transtornos neuropsiquiátricos pode ocorrer paralelamente ao processo de desenvolvimento, tornando-se mais um fator digno de atenção. Neste estudo, abordou-se quatro dessas desordens: o Transtorno Bipolar do Humor (TBH), o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH), o Transtorno Opositivo Desafiador (TOD) e o Transtorno de Conduta (TC). As investigações a respeito deles giram, basicamente, em torno de seus diagnósticos diferenciais e das comorbidades entre eles, gerando uma série de questionamentos a respeito de suas classificações nosológicas.
Introdução
O desenvolvimento de condutas agressivas ao longo da infância e adolescência tem sido alvo de inúmeros estudos que pretendem responder, basicamente, questões referentes à origem e à manutenção da agressividade durante o percurso da vida.
O comportamento agressivo é próprio da espécie humana e apresenta múltiplas configurações. Ele pode ser expresso pela via motora, através de movimentos de ataque ou fuga; pela via emocional, com a experimentação de sentimentos de raiva e ódio; pela via somática, como a apresentação de taquicardia, rosto ruborizado, além das demais reações autonômicas; pela via cognitiva, através de crenças de conquistas sem que importem os meios, planos de ação que envolvem a manipulação do meio; e finalmente, a via verbal, da qual o indivíduo vai utilizar-se do sentido das palavras para expressar controle em relação aos outros (Fariz, Mias & Moura, 2005).
Esta abordagem da agressão refere-se à agressão instrumental, ou seja, aquela que apresenta uma função dentro do ambiente em que está sendo utilizada. Isso significa que o indivíduo tenta obter o controle de seu meio através de comportamentos agressivos, tais como gritar, ameaçar, quebrar ou xingar (Fariz et al., 2005).
A partir desta definição, pode-se observar que, ao longo do processo de maturação, crianças e adolescentes exibem comportamentos agressivos. Entretanto, se essas condutas se mostram severas e freqüentes, elas podem indicar sinais de psicopatologia (Kendall, 1991).
Segundo Kendall (1991), crianças e adolescentes com características agressivas intensas e freqüentes parecem apresentar peculiaridades em dois processos fundamentais. O primeiro deles diz respeito à percepção que esses indivíduos possuem de seu ambiente: quando comparados a indivíduos não-agressivos, eles tendem a atribuir mais intenções hostis aos demais, além de se mostrarem mais hipervigilantes e hiperesponsivos a esse tipo de estímulo (Milich & Dodge, 1984; Lochman, 1990; van Honk, Tuiten, van den Hout & Stam, 2001; van Honk et al., 2001). Jovens e crianças agressivos não só superestimam a hostilidade alheia, mas parecem também subestimar sua própria agressividade, mostrando que possuem pouca acuidade da percepção de seus próprios comportamentos (Lochman, 1987). Esse pode ser um dos motivos que explicaria o fato de muitos deles tenderem a apontar os pares como causadores dos conflitos interpessoais (Kendall, 1991).
Além das distorções na interpretação dos eventos, o processo de solução de problemas parece acontecer de forma diferente em indivíduos agressivos. De forma geral, esses jovens geram uma quantidade menor de soluções quando comparados àqueles não-agressivos (Deluty, 1981; Kendall & Fischler, 1984; Greene & Ablon, 2006). Outras evidências têm mostrado, ainda, que crianças e adolescentes agressivos geram menos soluções verbais e mais respostas não-verbais se comparados aos indivíduos não-agressivos (Asarnow & Callan, 1985; Lochman & Lampron, 1986).
Os dados da literatura acrescentam também que déficits em habilidades empáticas relacionam-se intimamente às manifestações de agressividade. Na verdade, a própria definição da conduta agressiva salienta que a empatia é deficitária: ao invocar um dano a outro indivíduo, supõe-se que o agressor não reconhece os sentimentos alheios ou pouco se sensibiliza por eles. Além disso, o desenvolvimento de condutas empáticas e comportamentos pró-sociais na infância e adolescência aparecem como fatores de prevenção às condutas anti-sociais (Del Prette & Del Prette, 2003).
Outro fator que pode ser acrescentado às investigações sobre as causas da agressividade nos períodos da infância e adolescência é a presença de transtornos neuropsiquiátricos. Em muitos deles, como no caso do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, a origem das condutas agressivas pode sofrer influência do fator neurobiológico, podendo também ser propiciadas e mantidas pelo ambiente (Barkley, 2002). Nesse caso, o diagnóstico torna-se fundamental para o entendimento e a intervenção tanto psicológica quanto psiquiátrica.
Dessa maneira, a conduta agressiva parece se manifestar por uma série de razões que podem coexistir ou, até mesmo, serem complementares. Algumas vezes, esse processo se torna complexo e exige que compreendamos a participação de múltiplos fatores na formação da agressividade. Tal entendimento pode auxiliar tanto na investigação quanto no conseqüente tratamento de crianças e adolescentes.
O objetivo dessa revisão de literatura é, portanto, promover informações relevantes a respeito dos principais fatores de origem e/ou manutenção dos comportamentos agressivos na infância e adolescência com a finalidade de facilitar o diagnóstico e as intervenções psicológicas e psiquiátricas.
Para isso, utilizou-se como ponto de partida o processo de desenvolvimento sócio-emocional, explorando aspectos como temperamento, estilos parentais e demais influências ambientais (mídia, escola e relacionamento com os pares). Acrescentou-se a esses dados, uma breve revisão da literatura relacionando transtornos neuropsiquiátricos infanto-juvenis e a manifestação agressiva.
Neste estudo, foram abordados apenas quatro transtornos: Transtorno Bipolar do Humor, Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade e os Transtornos de Conduta (incluindo o Transtorno Opositivo Desafiador e o Transtorno de Conduta). A escolha de tais transtornos se deu pelas freqüentes discussões a respeito do diagnóstico diferencial e a presença de comorbidades entre eles. Uma vez que a agressividade possa aparecer em seus quadros, esse estudo procurou relatar e articular brevemente os principais dados da literatura que demarquem algumas características que favoreçam o diagnóstico mais acurado dessas desordens.
Desenvolvimento sócio-emocional e comportamento agressivo
O desenvolvimento sócio-emocional parece tão complexo como o próprio processo de formação da personalidade humana e parece estar diretamente relacionado à construção das habilidades sociais que serão utilizadas ao longo da vida. Entende-se por habilidades sociais, enquanto constructo descritivo, o conjunto dos desempenhos de um indivíduo diante das demandas de uma situação interpessoal (Argyle, Furnahm & Graham, 1981) e da cultura (Del Prette & Del Prette, 1999).
Alguns autores têm apontado que a diferença na expressão do comportamento social e, portanto, da agressividade tem por base o temperamento humano (Lara, 2004). Pode-se definir como temperamento a matriz na qual se desenvolve posteriormente a personalidade da criança e do adulto (Bee, 2003), carregado de ampla contribuição genética (Papalia & Olds, 2000). Apesar do temperamento não constituir-se na personalidade, ele aparece como influência importante para sua formação.O estudo de Cloninger, Svrakic e Przybeck (1993) aponta algumas dimensões básicas do temperamento:
a) Busca por novidades e sensações – esse tipo de temperamento é marcado por comportamentos de exploração e ativos em relação ao ambiente, condutas marcadamente impulsivas, impaciência, irritabilidade e busca por gratificações imediatas. A emoção mais aparente é a raiva e o objetivo maior é a busca por liberdade;
b) Evitação de dano e perigo – nessa classificação do temperamento é evidente o pessimismo, a evitação, a passividade, a timidez e a inibição de comportamentos quando há possibilidade de frustração ou ameaça. A emoção que mais se evidencia é o medo e o objetivo mais marcante é o de preservação;
c) Necessidade de contato e aprovação social – a natureza nesse tipo de temperamento é afetuosa, calorosa e disponível. Há grande sensibilidade nas relações sociais, o que inclui uma tendência à manifestação da empatia. Por outro lado, há marcante necessidade de aprovação social. A emoção mais aparente é o apego e a expressão de afeto.
d) Persistência – Nesse tipo de temperamento, características como a determinação, a ambição e o perfeccionismo são as mais importantes. Esses indivíduos tendem a encarar frustrações e obstáculos como desafios, abrindo mão de recompensas imediatas e inconstantes em favor daquelas a longo prazo.
Segundo Forehand e Long (2003), o temperamento que denominamos de “forte” na linguagem popular parece ter relação com o estilo em que a busca de novidades e sensações é a característica mais marcante. É nesse tipo de temperamento que a expressão da agressividade parece acontecer em intensidade e freqüência maiores quando comparado aos demais estilos.
Na verdade, possuir este ou outro tipo de temperamento não se constitui como essencialmente bom ou ruim (Forehand & Long, 2003). É importante entender que cada estilo de temperamento pode ser adaptativo ou desadaptativo, dependendo da situação e do ambiente. Além disso, as características temperamentais podem ser modificadas em algum nível, apesar das formas de reação mais natural e instintiva tender a acompanhar os estilos mais primordiais. Especialmente o período da infância é bastante flexível a mudanças, dado que faz com que muitos autores proponham o estímulo ao desenvolvimento de habilidades sociais nessa fase (Del Prette & Del Prette, 2005; Lara, 2004).
Dessa forma, a construção das habilidades sócio-emocionais passa também pela influência do ambiente. A forma como a família, a escola e os amigos atuam ou reagem em função dos comportamentos das crianças é fundamental. Crianças de “temperamento forte” tendem a se engajar mais freqüentemente em comportamentos chamados negativos (como teimosia, birras, atividades perigosas), o que pode provocar nas pessoas que a cercam reações mais agressivas ou autoritárias (Forehand & Long, 2003).
O temperamento e as variáveis do ambiente interagem continuamente ao longo do desenvolvimento da criança e raramente podemos determinar qual dos dois aspectos tem maior responsabilidade na formação dos comportamentos agressivos. Apesar da grande participação do temperamento na formação dos comportamentos, muitos estudos têm mostrado a relevância dos estilos e práticas parentais no desenvolvimento social da criança.
Um estudo de Gomide (2003) mostra, por exemplo, que estilos parentais que envolvem um conjunto de práticas tais como a monitoria positiva e o incentivo da empatia parecem ter relação com baixos índices de manifestações agressivas e anti-sociais.
Entende-se por monitoria positiva as condutas de pais que atentam para as atividades, a localização e as formas de adaptação de seus filhos. São aqueles que proporcionam às crianças um conjunto de regras sobre onde devem ir, com quem podem associar-se e quando devem voltar para casa. Além de proporcionar tais regras, a monitoria positiva deve incluir a vigilância sobre o cumprimento dos limites, bem como uma ação disciplinar efetiva quando eles forem violados.
A monitoria positiva, bem como as práticas de educação voltadas para o desenvolvimento de comportamentos pró-sociais, têm sido relacionados a baixos índices de delinqüência, hábitos de fumar e usar drogas. Além de proporcionar uma relação de qualidade entre pais e filhos, cria um lar cujo ambiente é considerado saudável (Statin & Kerr, 2000).
Quando se trata de monitoria, Maldonado (1996) ressalta que os pais devem ter conhecimento das condutas de seus filhos a partir de uma linha contínua que envolve três etapas: (a) os filhos deveriam contar suas atividades espontaneamente aos pais (e os pais devem reforçá-los com sua atenção e interesse); (b) os pais poderiam solicitar as informações de seus filhos; (c) os pais deveriam impor regras e restrições sobre as atividades infantis e sobre as companhias das crianças.
Tais condutas favorecem a comunicação parental eficaz para se estabelecer vínculos afetivos de qualidade e reforça a autoridade dos pais. Gomide (2003) salienta, ainda, que autoridade diferencia-se de vigilância e controle excessivos. Nesse caso, passamos a tratar da monitoria negativa: aquela em que a fiscalização e número de ordens tornam-se exaustivos e estressantes, gerando relacionamentos hostis e inseguros entre pais e filhos.
No outro extremo da monitoria negativa, encontramos a prática da disciplina relaxada, que retrata efeitos tão negativos quanto a primeira. Nesse tipo de disciplina, as regras são estabelecidas, os pais até ameaçam punições, mas quando são confrontados com comportamentos desafiadores e agressivos abrem mão delas (o que faz a criança entender que seus comportamentos são eficazes para conseguirem o que querem) (Gomide, 2003).
Além disso, pais ditos negligentes, ou seja, aqueles que não são responsivos às necessidades dos filhos, promovem reações negativas de agressividade pela pobreza de apego na relação com eles (Gomide, 2003). O estudo de Maldonado (1996) demonstrou, por exemplo, que a falta de calor e carinho na interação com a criança podem desencadear sentimentos de insegurança, vulnerabilidade, hostilidade e agressividade em relacionamentos sociais.
Dentre os estilos parentais considerados reforçadores de agressividade, estão ainda aqueles cujas práticas envolvem abuso físico e psicológico. O abuso físico flutua desde a punição corporal leve (instrumental) e a severa, e muitas vezes, a punição leve avança para manifestações cada vez mais agressivas. O abuso psicológico diz respeito ao abuso de poder ou falta de afeto em relação à criança, traduzindo-se em comportamentos de confinamento em espaços pequenos, humilhações em público, abuso verbal, ameaças, dentre outros (Gomide, 2003). Além da agressividade, ambas as práticas facilitam uma série de conseqüências negativa para as crianças, tais como dificuldades no desenvolvimento da autonomia, baixa auto-estima e comportamentos delinqüentes (Maldonado, 1996).
Segundo Bee (2003), grande parte dos pais usa a punição para controlar as ações de seus filhos. Na verdade, a utilização da punição é altamente reforçadora para os pais porque a criança interrompe o comportamento de forma imediata. Entretanto, a longo prazo, a mudança não é mantida e os efeitos emocionais e comportamentais mostram-se bastante extensos. A criança que é castigada por gritar pode passar a evitar falar, por exemplo, ou pode, ainda, exacerbar o nível de seus gritos. As crianças que são punidas fisicamente podem também aprender, por modelação (imitação dos modelos), a se comportar da mesma forma, repetindo esse tipo de comportamento todas as vezes que necessitar obter o que ela deseja.
Não se pode ignorar que, além dos fatores já apresentados, a escola e a relação com os pares podem facilitar expressões de agressão. Algumas vezes, os docentes utilizam a punição em sala de aula e ela proporciona a esses profissionais um resultado imediato de interrupção do comportamento da criança. Em contrapartida, a reação dos professores pode fazer com que o aluno perceba uma continuação dos comportamentos agressivos na família, o que contribui cada vezmais para sua exacerbação (Fariz et al., 2005).
Também merece especial atenção a presença da mídia na formação dos comportamentos de crianças e jovens. Em grande parte dos desenhos animados, a violência é mostrada como socialmente aceitável ou como uma boa maneira de resolver problemas. Além disso, os comportamentos agressivos obtêm ganhos imediatos e só são punidos ao final do programa. Desse modo, dificulta-se a distinção daqueles comportamentos que são eficazes para um bom relacionamento social, facilitando a identificação das crianças com os “vilões” dos programas.
Um estudo experimental americano (Boyatzis, Matillo, Nesbit & Cathey, 1995, citados por Bee, 2003) expôs crianças escolhidas ao acaso a desenhos de conteúdos violentos largamente exibidos na TV. Quando comparadas a um grupo que não foi exposto aos mesmos programas, as primeiras crianças tenderam a apresentar sete vezes mais atos agressivos durante as brincadeiras.
O estudo de Caspi (1998), envolvendo crianças de 5 a 12 anos, apontou resultados importantes: crianças mais novas (com idades de cinco e seis anos), oriundas de famílias punitivas, tenderam a exacerbar comportamentos violentos quando expostas a programas que mostravam agressão. Esses resultados sugerem que a televisão pode até não ser a causa da agressividade, mas é, sem dúvidas, um componente complementar para a manifestação agressiva.
Além dos inúmeros fatores que foram até agora apresentados, existem diversos tipos de situações que podem gerar crenças e estados emocionais que predispõem às atitudes agressivas. Fariz et al. (2005) relatam várias dessas fontes de estresse: perda de um dos pais, brigas entre eles, o nascimento de um irmão, solidão ou abandono da criança, ser o último a conseguir algo, ser ridicularizado em classe, mudança de casa ou escola, ir ao dentista ou ao hospital, ou, ainda, possuir alguma diferença marcante.
Transtornos neuropsiquiátricos infanto-juvenis e comportamento agressivo
Talvez seja oportuno dizer que a maioria dos comportamentos agressivos ocorre por razões muito afastadas da esfera dos transtornos psicológicos, como, por exemplo, ganho material, status, vingança, etc.
Apesar disso, é fato que comportamentos agressivos estão associados a uma série de transtornos neuropsiquiátricos. De uma maneira geral, a agressividade caracteriza uma quantidade considerável dos transtornos chamados de externalizantes. Os problemas dessa natureza envolvem a agressividade física e/ou verbal, comportamentos opositores, desafiadores e anti-sociais, além de condutas de risco e impulsivas (Del Prette & Del Prette, 2005).
Entendendo que a agressividade faz parte da construção da sintomatologia desses diagnósticos, torna-se necessário abordar alguns deles na tentativa de descrever as causas da agressividade em cada um, facilitando, assim, o diagnóstico diferencial e a presença de comorbidades.
Na composição deste artigo, focalizamos a descrição e discussão do comportamento agressivo em diagnósticos de Transtorno Bipolar do Humor (TBH), no Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) e nos Transtornos de Conduta (TC) na infância e adolescência.
Comportamento agressivo no Transtorno Bipolar do Humor
O Transtorno Bipolar do Humor (TBH) caracteriza-se pela alternância de duas fases distintas: a maníaca (ou hipomaníaca) e a depressiva. Os critérios diagnósticos para um episódio maníaco incluem um período distinto de humor anormalmente elevado, expansivo ou irritável acompanhado de pelo menos três dos seguintes sintomas: auto-estima inflada e grandiosidade, necessidade de sono diminuída, pressão para falar, fuga de idéias, distração, aumento de atividade dirigida ao objetivo e excessivo envolvimento em atividades prazerosas que tenham conseqüências negativas (APA, 2002).
A primeira questão levantada sobre o TBH na infância e na adolescência põe dúvida a respeito de sua existência. Em um passado recente, a presença desse transtorno nestas fases era bastante discutida na literatura, especialmente porque os sintomas ocorrem de forma diferente daqueles que caracterizam o transtorno na etapa adulta.
Atualmente, o foco das pesquisas parece apontar para o preenchimento de algumas das lacunas sobre as características desse transtorno nas fases iniciais da vida. Alguns dados têm apontado que, na infância e na adolescência, a duração e a intensidade dos episódios parecem ser peculiares: as fases não são claramente marcadas como no caso dos adultos e, além disso, crianças e jovens tendem a apresentar fases hipomaníacas (com sintomas de intensidade mais leve) de ciclagem rápida (Geller, Zimerman, Williams, Bolhofner Craney, Frazier & Beringer, 2002; Kaplan, Sadock & Grebb, 2003).
Outro estudo de Geller, Zimerman, Williams, Delbello, Frazier e Beringer (2002) aponta, ainda, que as características consideradas atípicas nos adultos são comuns em crianças. Nessa faixa de idade, costumam acontecer com mais freqüência episódios maníacos atípicos, com a presença de comportamentos agressivos cíclicos: as crianças podem se auto-agredir e serem agressivas com os demais, sendo freqüentes os relatos de crianças-modelo que, de maneira súbita, tornaram-se extremamente agressivas.
A agressividade parece estar aliada principalmente ao humor irritado, apresentando-se como um estado explosivo. Como este tipo de humor se caracteriza como um dos sintomas mais comuns do TBH, o comportamento agressivo poderá acontecer com freqüência. A irritabilidade, apesar de não ser patagnomônica para o diagnóstico, está presente na maioria dos casos e se manifesta em ambos os pólos de oscilação do humor (Geller, Zimerman, Williams, Delbello, Frazier & Beringer, 2002). Sabe-se que nem todos os tipos de humor elevado configuram-se como positivos, mas sim como estados mais agressivos e irritados (Lara, 2004). Por outro lado, o estado depressivo é, de igual forma, marcado pela impaciência, irritabilidade e pela raiva, o que predispõe o indivíduo a comportamentos agressivos (Basco & Rush, 1996).
Além da agressividade, as crianças com TBH tendem a apresentar também extrema variabilidade de humor, altos níveis de distração e fraco alcance da atenção (Kaplan et al., 2003). Elas costumam comportar-se de forma hiperativa e a falar muito rápido e mais do que o costume.
Diferente do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade, os pensamentos no TBH surgem abundantes na cabeça, podendo aparecer fugas de idéias (idéias abundantes e desconexas). Podem surgir também idéias fantasiosas e de grandeza como, por exemplo, a de possuir poderes mágicos ou de certeza de que será bilionário (Carlson, 1990; Craney & Geller, 2003).
Os comportamentos mais extravagantes e a hipersexualização são muito mais evidentes na adolescência, enquanto a irritabilidade e a labilidade emocional ocorrem mais freqüentemente em crianças abaixo dos nove anos. Euforia, exaltação, paranóia e delírios de grandeza são relatados com maior freqüência em crianças maiores. A diminuição do sono aparece também como sintoma significante em todas as idades (Carlson, 1990; Craney & Geller, 2003).
A fim de detectar precisamente a ocorrência do TBH em crianças e adolescentes tornou-se necessário estabelecer critérios que diferenciassem esse transtorno de outras desordens neuropsiquiátricas. Especialmente o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) tem sido estudado tanto como comorbidade quanto diagnóstico diferencial em relação ao TBH.
A segunda pergunta sobre o TBH é a respeito da comorbidade com TDAH. O questionamento parece ser: os sintomas do TBH são condições secundárias ao próprio diagnóstico de TDAH? A dúvida se dá porque, de acordo com os critérios do DSM-IV-TR (APA, 2002), três sintomas estão em sobreposição: distratibilidade, agitação motora e fala em demasia. Os estudos que tentam responder a esta questão parecem encontrar dificuldades metodológicas, especialmente em relação à validade do diagnóstico de TBH em crianças. Apesar disso, aqueles que se empenharam nessa proposta aplicaram-se, basicamente, em reconhecer a intensidade dossintomas sobrepostos e diferenciais em cada um dos problemas.
Na distinção entre TBH e TDAH, alguns sintomas aparecem como diferenciais: euforia ou humor expansivo, grandiosidade, fuga de idéias, hiper-sexualidade e necessidade reduzida de sono (Geller, Zimerman, Williams, Delbello, Frazier & Beringer, 2002; Craney & Geller, 2003). Os mesmos estudos confirmam, como era esperado, que os sintomas de irritabilidade, agitação motora e a fala em demasia eram pouco específicos para diferenciar os dois quadros. Desta forma, o comportamento agressivo que, na maioria das vezes, está aliado à irritabilidade, também não pode ser considerado aspecto diferencial entre os dois transtornos. Além disso, crianças com TBH apresentam maior comprometimento de humor e suas atividades tendem a ser mais direcionadas do que crianças somente com TDAH. A ocorrência de sintomas psicóticos em alguns casos de (hipo)mania e ausentes nos casos de TDAH também parece auxiliar nessa distinção (Fu-I, 1996).
Para facilitar a diferenciação entre os dois transtornos faz-se necessário, ainda, que se conheçam as características do TDAH, seus critérios diagnósticos, bem como, os fatores precipitantes do comportamento agressivo.
Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade e comportamento agressivo
O Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) é caracterizado pela seguinte tríade de sintomas: desatenção, hiperatividade e impulsividade.
Os sintomas de desatenção são descritos pelo DSM-IV-TR (APA, 2002) através de características como dificuldades de prestar atenção a detalhes ou cometer erros por descuido; dificuldades para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas; não escutar quando lhe dirigem a palavra; não seguir instruções e não terminar deveres escolares, tarefas domésticas ou deveres profissionais; dificuldades para organizar tarefas e atividades; evitar ou relutar para envolver-se em tarefas que exijam esforço mental constante; perder coisas necessárias para tarefas ou atividades; distrair-se facilmente por estímulos alheios à tarefa; e apresentar esquecimento em atividades diárias.
Os sintomas de hiperatividade resumem-se à agitação das mãos ou os pés; abandonar a cadeira em sala de aula ou outras situações nas quais se espera que permaneça sentado; correr ou escalar em demasia, em situações nas quais isto é inapropriado; dificuldades para brincar ou se envolver silenciosamente em atividades de lazer, estar “a mil” ou muitas vezes age como se estivesse “a todo vapor”; e falar em demasia. A impulsividade é caracterizada pelas seguintes características: dar respostas precipitadas antes de as perguntas terem sido completadas; dificuldade para aguardar sua vez; interromper ou intrometer-se em assuntos de outros.
O DSM-IV-TR (APA, 2002) ainda divide o TDAH em três subtipos: predominantemente desatento, em que predominam os sintomas da desatenção (seis ou mais deles), predominantemente hiperativo/impulsivo, destacando-se os sintomas de hiperatividade e impulsividade; e o subtipo combinado, onde estão presentes, pelo menos, seis dos sintomas da desatenção e mais seis dos sintomas de hiperatividade/impulsividade.
Em muitas ocasiões, as crianças portadoras de TDAH são qualificadas como agressivas. Na maioria delas, as causas das condutas agressivas são a hiperatividade e a impulsividade. Isso nos leva a concluir que, muitas vezes, os comportamentos considerados como agressivos, podem não ser intencionais, ou seja, podem ser frutos de condutas hiperativas ou impulsivas.
Na tentativa de diferenciar tais comportamentos, Orjales (2001) apresenta, em um dos seus trabalhos, as características das condutas hiperativas em contraste às condutas agressivas. Tropeçar nos companheiros que estão numa fila, por exemplo, pode se apresentar como conseqüência da hiperatividade, o que se diferencia do comportamento de empurrar esses companheiros para chegar primeiro. Analogamente, não fazer os deveres porque a criança corre pela casa, diferencia-se da conduta socialmente agressiva de negação e desafio aos pais quando estes pedem para que se faça a tarefa.
Barkley (2002) concorda que TDAH não é sinônimo de conduta agressiva e que a presença desse tipo de comportamento está mais vinculada às condutas parentais do que necessariamente ao transtorno. Pais de crianças TDAH com comportamentos agressivos apresentavam maiores índices de problemas psiquiátricos, do que pais de crianças sem manifestações de agressividade. Isso significa que, famílias com membros em desajuste psicológico podem propiciar o aparecimento de comportamentos agressivos e até anti-sociais em crianças portadoras de TDAH.
Em um de seus estudos, o mesmo autor dividiu a amostra em dois grupos: crianças com TDAH (subdivididas em crianças com e sem comportamento agressivo) e crianças normais, fazendo com que cada uma delas interagissem com seus pais. Os resultados apontaram que as interações de crianças TDAH não-agressivas com suas famílias eram bastante parecidas com as de crianças normais. Em contrapartida, no grupo TDAH agressivo, as interações eram mais negativas, com a presença de insultos e respostas impertinentes uns contra os outros.
Além do fator familiar, outros estudos têm apontado que a agressividade pode surgir como conseqüência dos próprios sintomas do TDAH (Goldstein & Goldstein, 1992). Essas crianças e adolescentes são impulsivos e pouco capazes de cooperar e dividir com seus pares (Barkley, 2002), tornando-se pouco populares, rejeitados e isolados pelos colegas, aumentando assim, a probabilidade de se engajarem em comportamentos anti-sociais (Del Prette & Del Prette, 2005).
Dessa forma, o comportamento agressivo parece não ser característica essencial do TDAH, aparecendo muito mais em função de comorbidades com Transtorno de Conduta e o Transtorno Opositivo Desafiador.
Comportamento agressivo e Transtornos de Conduta
O comportamento agressivo e as condutas anti-sociais costumam estar profundamente relacionados. Para traçarmos tal relação é necessário definir o comportamento anti-social.
Ao longo dos anos, as condutas anti-sociais receberam uma série de nomes, incluindo os de delinqüência, comportamentos exteriorizados e problemas de comportamento. Atualmente, a definição de comportamento anti-social compreende qualquer conduta que reflita a violação das regras sociais ou atos contra os outros, incluindo comportamentos como roubo, mentiras, vandalismo e fugas. A expressão agressiva é justamente aquela que invade o direito alheio, não respeitando os limites de convivência em sociedade. Deste modo, pode-se sugerir que uma criança que apresenta comportamentos agressivos, tenderá, com maior probabilidade, a evoluir para práticas anti-sociais (Gross & Koch, 2005).
É importante ressaltar que crianças e adolescentes podem apresentar comportamentos agressivos, desafiadores e anti-sociais ao longo do desenvolvimento considerado normal, especialmente em idades pré-escolares e na adolescência. Eles poderão brigar com os irmãos ou com os pares, fazer birras, ou quebrar brinquedos e objetos em geral. Mas o que caracteriza um comportamento anti-social? O que parece descrever a patologia do comportamento anti-social é a existência de um padrão consistente dessas condutas e o grau de prejuízo que elas causam aos demais e à sociedade em geral (Bee, 2003; APA, 2002).
Os principais transtornos envolvidos com a expressão de comportamentos anti-sociais ou desafiadores são o Transtorno Opositivo Desafiador (TOD) e o Transtorno de Conduta (TC). O TOD caracteriza-se especialmente pela presença de condutas de oposição, desobediência e desafio. Os comportamentos opositivos e desobedientes podem ser “passivos”, uma vez que a criança pode não responder ao pedido, mas pode apenas permanecer inativa. Os comportamentos desafiadores, ao contrário, incluem verbalizações negativas, hostilidade e resistência física que podem ocorrer junto com a desobediência (Luiselle, 2005).
O diagnóstico de TOD tem sido um preceptor importante para a evolução do problema ao Transtorno de Conduta, sugerindoque haja um contínuo entre estas duas patologias. As condutas das crianças com TOD são menos severas do que aquelas apresentadas no TC. Além disso, elas não incluem agressão a pessoas ou animais, destruição de propriedades ou um padrão de furto ou defraudação. O Transtorno Opositivo Desafiador em geral se manifesta antes dos oito anos de idade e tem pouca probabilidade de se iniciar depois do início da adolescência. Os sinais opositivos freqüentemente emergem no contexto doméstico, mas é comum estender-se a outras situações (APA, 2002).
Em geral, os aspectos do TOD estão presentes no TC, e não se faz o diagnóstico de TOD se são satisfeitos os critérios para TC. Isso significa dizer que o Transtorno de Conduta é um quadro mais amplo e mais complexo que o TOD (APA, 2002).
O curso do TC é estimado segundo uma série de fatores. Crianças que iniciaram precocemente (antes dos seis anos) os sinais de comportamento desafiador (provavelmente aquelas que receberam o diagnóstico de TOD durante a infância) tenderam, em maior probabilidade, a expressarem comportamentos anti-sociais na vida adulta. Além disso, a amplitude do comportamento desviado é relevante: crianças que apresentam esse tipo de conduta em casa e na escola tendem a correr maior risco (Webster-Stratton & Hebert, 1994).
Um terceiro fator diz respeito às características de freqüência, intensidade e diversidade dos comportamentos anti-sociais. Quanto maior o número, a gravidade e a complexidade dos atos, maior é a chance do Transtorno evoluir para a idade adulta (Robbins, Tipp & Przybeck, 1991). Finalmente, o papel da família e de suas características sugere que quanto mais a família apresenta condutas anti-sociais ou agressivas pior é o prognóstico da criança na vida adulta (Kazdin, 1995).
TBH, TDAH e Transtornos de Conduta: qual a relação?
Uma vez analisadas as características do TBH, do TDAH e dos Transtornos de Conduta (TC e TOD), pode sugerir-se que, entre os pontos comuns entre eles, está a presença do comportamento agressivo. Além deste, uma série de outros sintomas são partilhados entre eles. A partir desses pontos comuns, surge a indagação: os transtornos em questão seria parte de um mesmo fenótipo? Em virtude dessa dúvida, alguns estudos têm se proposto a investigar os referidos transtornos a fim de obterem dados que ajudem a entender a relação entre eles.
Apesar de considerarem a possibilidade do diagnóstico diferencial entre tais transtornos, alguns estudos sugerem que a equação TBH + TDAH + Transtornos de Conduta pode formar uma entidade diagnóstica com fenótipo específico (Papolos & Papolos, 1999; Papolos, 2003). Alguns estudos parecem sustentar essa hipótese através da afirmação que, na base dessa relação, estariam condições hereditárias. O estudo de Faraone, Biederman, Menin e Russel (1998), por exemplo, concedeu suporte para a sugestão de que os referidos transtornos podem ser diferentes manifestações de uma mesma condição familiar. Os resultados da investigação de Coolidge, Thede e Young (2000) com gêmeos apontam, ainda, que o TDAH divide grande carga genética com os transtornos de conduta.
Tais articulações entre os quatro transtornos, apesar de não concederem embasamento suficiente, servem como incentivo para se pensar o comportamento agressivo como um dos principais pontos de interseção entre os distúrbios abordados aqui. Conclui-se, portanto, que a resposta para os questionamentos levantados exige investigações mais extensas que sejam capazes de demarcar limites e interseções entre os quatro transtornos, bem como entre eles e as demais desordens que envolvam o comportamento agressivo.
Considerações Finais
O comportamento agressivo constitui-se de uma gama de atitudes sociais inábeis. A expressão agressiva freqüente e intensa na infância e na adolescência apresenta inúmeras conseqüências desfavoráveis a curto, médio e longo prazo. Por esse motivo, são inúmeros os estudos que têm abordado o presente tema na tentativa de aprimorar a prevenção, bem como o processo de avaliação e tratamento das condutas agressivas nessas fases da vida. Muitos deles têm realmente contribuído de forma eficaz para o alcance desses objetivos.
A formação desse tipo de comportamento parece ocorrer de forma análoga ao desenvolvimento sócio-emocional e possui origem multifatorial. Os papéis do temperamento e do ambiente são variáveis que influenciam na expressão da agressividade em maior ou menor grau. Reconhecer as maneiras como cada um desses fatores interfere na formação e manutenção da agressividade propicia a intervenção e a prevenção de formas adequadas, evitando negligências no tratamento desse déficit social.
Além disso, a presença de transtornos psicológicos parece influenciar na manifestação da agressividade, ressaltando, entretanto que, o processo de desenvolvimento e a presença do transtorno na formação do comportamento agressivo interagem de forma recíproca. Assim, o profissional que tem por objetivo realizar tais diagnósticos deve também levar em consideração uma série de aspectos do desenvolvimento sócio-emocional.
Algumas vezes, os transtornos aqui abordados apresentam a agressividade como uma de suas conseqüências principais, como no caso dos Transtornos de Conduta. Outras vezes, as características primordiais do transtorno parecem favorecer o desenvolvimento de condutas agressivas, como no caso do TDAH. Em determinadas ocasiões, as variações de humor favorecem a expressão da agressividade, como acontece no TBH, enquanto, em outras, como no TC, esse tipo de conduta é planejado e tem por objetivo alcançar um ganho para si próprio em detrimento do sentimento alheio. Em contrapartida, estudos têm mostrado, ainda, que a união de tais transtornos pode corresponder a uma entidade nosológica específica, tendo por base uma herança genética comum.
De forma geral, portanto, a compreensão do desenvolvimento infanto-juvenil parece conceder padrões mais amplos para o entendimento do comportamento agressivo. Por outro lado, a investigação diagnóstica criteriosa de alguns dos transtornos neuropsiquiátricos associados à agressividade influencia diretamente a intervenção psiquiátrica e psicológica. Tais investigações, entretanto, parecem carecer de mais estudos, especialmente aqueles que se detenham às questões sobre classificação nosológica na infância e adolescência.
FAMÍLIA ACOLHEDORA: O ESTABELECIMENTO DE RELAÇÕES OBJETAIS EM SITUAÇÃO DE ACOLHIMENTO
RESUMO
O serviço de Família Acolhedora organiza o acolhimento de crianças e adolescentes afastados, temporariamente, do convívio familiar. Consideramos pertinente discutir e pensar essa prática para além de seus aspectos jurídicos e assistenciais, mas também científico-acadêmicos e psicológicos. Com o objetivo de compreender o estabelecimento de relações objetais nesse contexto específico, foram entrevistados dois adolescentes e cinco crianças que vivenciam ou vivenciaram essa experiência em algum período de suas vidas. As entrevistas foram não-diretivas e partiu-se de uma questão disparadora que estimulase os depoimentos e contemplasse o método psicanalítico de associação livre.
O acolhimento em Família Acolhedora é um serviço de proteção social especial de alta complexidade, de caráter excepcional e provisório, para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, risco ou abandono, afastados do convívio familiar por meio de medida protetiva ou em casos em que a família se encontre impossibilitada temporariamente de exercer sua função de cuidado e proteção (Brasil, 2009).
Essa modalidade de acolhimento é adequada a crianças e adolescentes com possibilidade de reintegração à família de origem, e para que ocorra o retorno ao núcleo familiar, a equipe técnica do serviço é responsável por acompanhar e prestar assistência à família de origem, aos acolhidos e às famílias acolhedoras, visando a manutenção e fortalecimento dos vínculos durante o período de acolhimento (Brasil, 2013).
Os principais objetivos do serviço são: promover cuidados individualizados em ambiente familiar, preservar os vínculoscom a família de origem, possibilitar a convivência comunitária e apoiar o retorno da criança e/ou adolescente ao núcleo familiar de origem (Brasil, 2009). As famílias que se disponibilizam a participar do serviço de acolhimento em famílias acolhedoras são selecionadas, capacitadas e acompanhadas pela equipe técnica do serviço e necessitam atender a critérios específicos, como disponibilidade emocional e afetiva, motivação, flexibilidade, padrão saudável das relações de apego e desapego, estabilidade emocional, entre outros.
A prática do acolhimento familiar se justifica pela importância de um ambiente familiar afetivo e favorável às necessidades da criança e do adolescente como base para o desenvolvimento saudável do indivíduo ao longo de sua vida, mostrando­se adequado no sentido em que esses indivíduos terão cuidados contínuos em um ambiente familiar de apoio e figuras de referência e afeto, diferentemente do que possa ocorrer em instituições como os abrigos. É no ambiente familiar que os indivíduos constroem seus primeiros vínculos afetivos, além das crenças, regras, valores, significados, obrigações, limites e direitos, que são aprendidos no seio familiar e contribuem para a constituição subjetiva e capacidade de relacionamento com o outro e com o meio (Brasil, 2013).
A base teórica de nossa pesquisa foi pautada em autores da Psicologia do Desenvolvimento, de orientação psicanalítica, como Winnicott (1980, 1999), Spitz (1979) e Bowlby, citado por Berthoud (1998a), que enfatizam a formação objetal ao longo do primeiro ano de vida e a importância dessas relações para o desenvolvimento saudável do indivíduo, além de autores e pesquisadores contemporâneos que se dedicam ao estudo de famílias acolhedoras em seus aspectos psicológicos, a fim de termos uma visão geral a respeito da produção científico­acadêmica sobre o tema.
Tomamos para nos auxiliar a afirmação de Freud (1915/2010) de que o objeto libidinal pode ser mudado diversas vezes, de acordo com as vicissitudes e necessidades do indivíduo, no sentido de verificar a formação de relações objetais e vínculos afetivos fora de uma família nuclear e posterior ao primeiro ano de vida.
Por relações objetais entende­se o que Laplanche e Pontalis (1983) definem como
Expressão usada ... para designar o modo de relação do indivíduo com o seu mundo, relação que é o resultado complexo e total de uma determinada organização da personalidade, de uma apreensão mais ou menos fantasmática dos objetos e de certos tipos privilegiados de defesa. (Laplanche & Pontalis, 1983, p. 576).
Já Spitz (1979) trata da gênese das relações objetais utilizando­se da definição de objeto libidinal proposta por Freud:
O objeto do instinto é aquele com o qual ou pelo qual o instinto pode alcançar a sua meta. É o que mais varia no instinto, não estando originalmente ligado a ele, mas lhe sendo subordinado apenas devido à sua propriedade de tornar possível a satisfação.... Pode ser mudado frequentemente, no decorrer das vicissitudes que o instinto sofre ao longo da vida; esse deslocamento do instinto desempenha papéis dos mais importantes. (Freud, 1915/2010, p. 43).
A partir da definição psicanalítica de objeto libidinal e apoiados no caráter mutável do objeto libidinal, buscou­se compreender como ocorrem a mudança e o estabelecimento dessas relações objetais em um contexto fora do modelo tradicional de família – modelo tradicional que, sabemos, ajudou a formar esses conceitos psicanalíticos clássicos.
Caracterização do estudo
O tema de nossa pesquisa pode ser entendido como uma psicanálise extramuros, definida por Mezan (2001) como teses que tratam de assuntos que fogem do contexto clínico e inserem­se no social e cultural, no qual o analista não tem um lugar de atuação definido, como equipes multidisciplinares ou em instituições que possuem uma dinâmica mais flexível (residência abrigada, hospital­dia), ou seja, não pretende diretamente uma intervenção terapêutica.
Inicialmente, os pesquisadores entraram em contato com as instituições que mantém o Programa Família Acolhedora no município de Maringá (PR) para inteirar a equipe técnica responsável a respeito de nossa pesquisa e de seus objetivos e solicitar a permissão para a sua realização no ambiente institucional.
Os encontros e entrevistas se deram com o auxílio e colaboração das instituições e suas equipes técnicas, psicólogas e assistentes sociais e aconteceram em espaços reservados nas sedes das instituições. Os dados foram obtidos a partir de uma questão disparadora, contemplando o método psicanalítico de associação livre. As conversas foram gravadas para posterior análise e apagadas com o término da pesquisa.
Antes de iniciarmos as entrevistas, coletamos informações com as equipes técnicas sobre a família de origem, a família acolhedora, o histórico de vida de cada entrevistado, os motivos do afastamento, tempo de acolhimento, relações dos acolhidos com ambas as famílias, possibilidades de retorno à família biológica e particularidades de cada caso. Em posse de tais dados, a entrevistadora pôde organizá­los de forma a balizar a conversa e complementá­los com a fala dos participantes.
Não foi estabelecido um número exato de horas para cada entrevista com criança/ adolescente, e houve apenas um encontro com cada participante, uma vez que as entrevistas só puderam ser realizadas após a aprovação do Comitê de Ética. Devido a essa restrição no número de encontros, pensamos ser conveniente que o participante falasse sobre suas experiências livremente, da maneira como lhe fosse mais confortável, sem que a entrevistadora necessitasse tocar diretamente no assunto, mas apenas norteasse a conversa.
O conteúdo das entrevistas foi analisado a partir da teoria psicanalítica estudada, Psicologia do Desenvolvimento, e de produções científico­acadêmicas. As informações obtidas foram suficientes para alcançar os objetivos propostos e o material de estudo nos forneceu base para compreender como se dão as relações objetais nesse contexto específico e sua importância para o desenvolvimento saudável dos indivíduos, e as entrevistas nos permitiram vislumbrar como cada criança e adolescente vivencia e significa sua experiência de afastamento da família de origem.
Os participantes
Os participantes, aqui identificados com nomes fictícios para a preservação de sua verdadeira identidade, são as crianças Giovanna (cinco anos), Marcelo (três anos), Lucas (seis anos), Miguel (três anos), Murilo (dez anos); e os adolescentes Pedro (treze anos) e Carol (treze anos). Entre eles, Giovanna e Marcelo são irmãos, assim como Carol e Lucas. Como os entrevistados, os nomes dos pais e irmãos também foram alterados.
Giovanna e Marcelo estão acolhidos há três anos por famílias acolhedoras diferentes. As crianças tiveram a guarda solicitada pelo pai, passam os finais de semana na sua casa e estavam em processo de reinserção.
Lucas está há quatro anos em acolhimento, com possibilidade de reintegração familiar. Lucas é irmão da adolescente entrevistada Carol, e espera para retornar à sua família de origem. Sua reinserção acontecerá se a mãe se demonstrar estabilizada com o retorno de Carol.
Miguel, acolhido há 23 dias em uma família com seu irmão Dudu, de dois anos, e sua irmã Silvia, de um ano. As crianças foram afastadas do convívio familiar por negligência da mãe, que é alcoolista. A mãe foi encaminhada para atendimento no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas e será acompanhada. Há possibilidade de retorno à família de origem, a depender da reabilitação da mãe.
Pedro estava acolhido há seis meses com o irmão, Iago, então de dezessete anos. Os irmãos não têm possibilidade de reinserção familiar, mas tem­se buscado trabalhar a autonomia de Iago, que completou dezoito anos no início de 2014, para que cuide do irmão mais novo.
Murilo estava há quatro anos no serviço e há dois anos na família acolhedora atual. Já foi acolhido em duas famílias diferentes. Sem possibilidade de reinserção familiar, Murilo estava com o processo de adoção em andamento.
Carol foiencaminhada a um abrigo aos três anos de idade, onde permaneceu até os doze anos. Foi acolhida em família acolhedora em 2012 e passou por duas famílias. Havia quatro meses que a adolescente retornara a morar com a mãe biológica.
O estabelecimento de relações objetais nos primeiros anos de vida dentro de um modelo tradicional de família
Spitz (1979), ao falar sobre o estabelecimento de um objeto libidinal logo no início da vida do indivíduo, distingue três estágios que se dão de forma sucessiva e gradativa, de acordo com a maturação física e psíquica do bebê, a saber: o estágio pré­objetal, o estágio do precursor do objeto e o estágio do objeto libidinal, propriamente dito. O autor afirma que o recém­nascido é incapaz de sobreviver por seus próprios recursos, e, portanto, suas necessidades são supridas pela mãe. Tal estado acarretará uma relação complementar entre mãe e filho, uma díade.
Para Winnicott (1980), o desenvolvimento emocional da criança no primeiro ano de vida é base para uma vida adulta saudável. Esse desenvolvimento dos anos iniciais da criança se dá na relação com a mãe e tem início desde a gestação. Ao longo da gravidez, a mãe desenvolve uma atitude afetiva que a prepara para os cuidados com seu bebê, e que gradualmente, com o crescimento da criança, vai se perdendo, conforme a criança vai se tornando independente.
Ao nascer, o bebê é completamente dependente de sua mãe, e esta, por sua vez, adapta­se às necessidades de seu filho. A essa característica da mãe, de se voltar inteiramente para seu bebê e ser capaz de saber suas reais necessidades, de forma natural e espontânea, Winnicott (1999) denominou “mãe dedicada comum”. Quando a mãe é “suficientemente boa”, seu ego está em sintonia, dando suporte ao ego do bebê, ela proporciona ao filho um ambiente facilitador ao seu desenvolvimento emocional e psíquico, um desenvolvimento pessoal e real (Winnicott, 1980).
Berthoud (1998b) concorda com os autores supracitados quando se refere a um padrão de comportamento de apego que se estabelece gradativa e reciprocamente entre a mãe e o bebê ao longo do primeiro ano; relação que se expandirá conforme a criança cresce e se desenvolve. A relação entre mãe e bebê, as trocas mútuas, são fontes importantes no aprendizado dos desejos, preferências e características de cada um. Bowlby, citado por Berthoud (1998a), acredita que é por meio dessa interação adulto­criança que o apego é construído.
Entre o sexto e oitavo mês de vida, a face materna se estabelece como objeto libidinal para o filho, é significada e dotada de qualidades, e o bebê é capaz de diferenciar a face materna entre tantas outras, e recusará com ansiedade contato com pessoas nas quais não reconhece o objeto libidinal. Uma vez estabelecido o objeto libidinal, nenhum outro indivíduo é equivalente àquele; exclusividade essa que permite à criança formar vínculos particulares com o objeto, além de ter um parceiro de referência com o qual poderá estabelecer relações objetais seguras (Spitz, 1979).
Berthoud (1998a) afirma que, após os primeiros seis meses de vida, a criança passa a relacionar­se com os familiares mais próximos, e podem ser substitutivos (figuras subsidiárias de apego, conforme denominado por Bowlby) da figura de apego principal, sobretudo quando esta não está presente. Porém, após o estabelecimento dessa figura, sua presença é desejada e apenas ela proporcionará segurança, e sua ausência será sentida com tristeza.
De acordo com Spitz (1979), o afeto é muito importante na relação da díade. As mães, com sua personalidade madura e estruturada, fornecem ao seu bebê, que possui uma personalidade ainda em formação, um clima emocional favorável ao seu desenvolvimento. Sendo a figura materna representante do ambiente, mediadora entre os estímulos externos e o bebê, é ela quem proporciona as mais variadas experiências, que, acrescidas de afeto, se tornam muito mais ricas para o bebê. Goos (2010) concorda com o autor ao afirmar que a criança necessita de um ambiente estável, seguro, com certa previsibilidade de horários e rotinas, pois um ambiente confuso traz sentimento de insegurança.
Spitz (1979) enfatiza ainda que em nenhuma outra fase da vida os afetos serão tão importantes quanto no início da vida, pois nos primeiros meses de vida estes são dominantes na experiência do bebê, e o afeto materno norteará os afetos do filho, conferindo qualidade vital às experiências da criança.
O estabelecimento objetal em contexto de acolhimento familiar
Delgado (2010), França (2010) e Goos (2010) afirmam que o desenvolvimento humano depende das interações que cada indivíduo estabelece com o meio em que vive, e também da qualidade das relações que constrói, e consideram, portanto, o acolhimento familiar uma alternativa de espaço privilegiado para o desenvolvimento de crianças e adolescentes que passaram por situação de abandono, violência ou negligência. Delgado (2010) cita Gimeno (2001) ao defender que, embora o acolhimento familiar seja um contexto de rupturas, mudanças, distâncias e confronto com o desconhecido, é uma experiência que permite contato com um estilo de vida familiar diferente, reorganizar e construir novas bases, estabelecer novas relações, e apresenta uma possibilidade de ressignificação e aprendizagem.
Em relação ao acolhimento familiar como espaço de contato com o novo, de possibilidades, trocas e oportunidades, podemos perceber na entrevista de Murilo, Lucas e Miguel que esses são elementos em comum na maioria dos acolhimentos e compreendem atitudes simples e até mesmo banais, mas que assumem para as crianças e adolescentes acolhidos uma proporção maior, uma vez que são entendidas como forma de atenção para com eles. Murilo nos conta com satisfação as atividades das quais participa, como o teatro; Lucas frequenta aulas de violão e afirma que gosta quando os pais o levam e buscam na escola; e Miguel fala sobre a mãe acolhedora o levar para a creche de carro. O brincar com as mães e irmãos da família acolhedora está muito presente na fala das crianças, pois é o momento de maior interação, trocas afetivas e atenção voltadas à própria relação.
Cabral (2004, p. 8) afirma que a construção dos vínculos afetivos no contexto do acolhimento familiar é uma tarefa que requer dedicação afetiva e emocional recíproca entre a criança e a mãe acolhedora. Para a autora, a importância das relações afetivas vai além do desenvolvimento saudável, possui uma função vital. Com isso, ela defende que os programas de acolhimento familiar são uma forma bastante eficaz para proporcionar às crianças e adolescentes convívio familiar e possibilidades de construir novas relações.
Em relação à disponibilidade afetiva e dedicação recíproca entre a família e o acolhido e seu papel na construção de relações objetais, defendida por Cabral (2004), podemos acrescentar a fala de Pedro, quando se refere à mãe da família acolhedora: “Ela não gosta de mim.... Porque uma vez eu perguntei se ela gostava de mim e ela nem respondeu.” “E você gosta dela? ” “Mais ou menos ”. Com isso, constata­se a real importância do afeto para o estabelecimento da relação afetiva, uma vez que Pedro, não encontrando reciprocidade de afeto na mãe acolhedora, também não lhe dedica maior carinho. Outro aspecto relevante é que, por vezes, o adolescente menciona Márcia e Diogo como mãe e pai, às vezes por “a mulher” e “o marido da mulher”, demonstrando impessoalidade e confirmando o sentimento de não pertencimento à família, relatado durante a entrevista.
Ainda no que diz respeito à disponibilidade afetiva, tem­se o exemplo de Murilo. De acordo com o relato da equipe técnica, foi feita uma tentativa de reinserção na família de origem, momento no qual a mãe disse ao próprio filho que não o queria. Após isso, o garoto retornou à família acolhedora e a partir de então teve muitos problemas comportamentais e emocionais, tendo sido encaminhado a atendimento psicológico e psiquiátrico. A psicóloga e a assistente social do Programa enfatizaram que a postura da família acolhedora foi decisiva no auxílioà criança, que atualmente é um menino calmo, comprometido e responsável, na superação de sua perda. A importância da família acolhedora para Murilo é resumida por ele da seguinte forma: “Ah, eu sinto que eu tenho sorte, né? Podia estar na rua me drogando e isso é uma boa, porque eu tenho alguém pra cuidar de mim ”. Tal relato nos mostra que Murilo encontrou na família acolhedora grande disponibilidade e dedicação afetiva, que foram muito importantes para seu desenvolvimento e para a superação do abandono da mãe biológica.
Cavalcante e Jorge (2008) se dedicaram a compreender a importância da figura materna como forma de promover saúde mental em uma relação objetal entre mãe e filho em um contexto provisório de acolhimento familiar. Essas autoras enfatizam que o sentido de mãe é visto como uma função que não possui relação direta com a pessoa com quem se tem um vínculo biológico. De acordo com as mães entrevistadas por Cavalcante e Jorge (2008), o seu papel está vinculado ao cuidado e esse ato de cuidar é um facilitador para a formação dos vínculos. As autoras afirmam ainda que a criança/ adolescente acolhido procura na mãe acolhedora aquilo que não obteve em sua relação objetal com a mãe biológica. E as mães relatam que as demandas dessas crianças e adolescentes contribuem na formação dos vínculos afetivos, posto que a partir dessas exigências as mães se dedicam muito mais aos filhos acolhidos.
Carol, a adolescente entrevistada em nossa pesquisa, relata que na família acolhedora encontrou o carinho e atenção que não obteve da mãe. Mesmo após seu retorno à casa da mãe biológica, a adolescente afirma que a mãe não lhe dá carinho e atenção. No entanto, ela acredita que isso se deve ao fato de seu irmão mais novo, Lucas, estar afastado do convívio com a mãe.
Concordamos com Kelly e Gilligan (2000), citados por Delgado (2010), quando afirmam que a importância do acolhimento familiar reside no fato de proporcionar à criança e ao adolescente a formação de novos vínculos afetivos com a família acolhedora e, ainda assim, manter os vínculos familiares de origem. Junto a isso, Delgado (2010) faz referência a Coelho e Neto (2007), pois, para esses autores, romper vínculos sem oferecer novas alternativas de relações afetivas pode ter consequências danosas para a criança ou adolescente em curto e longo prazo.
Levinzon (2000) relata sua experiência com a clínica psicanalítica com crianças adotivas. A partir do trabalho da autora pudemos perceber aspectos em comum com as crianças acolhidas, que dizem respeito a comportamentos antissociais e atitudes reivindicatórias, observadas pela autora como forma de “testar” (aspas da autora) os pais em sua capacidade e limite de continência e dedicação. Levinzon (2000) afirma ainda que essa conduta da criança pode ser considerada uma forma de demonstrar o quanto a situação de afastamento da mãe biológica, processo de adoção e família adotiva estava sendo sentida como dolorosa.
Observou­se em Miguel, uma das crianças entrevistadas, certa agressividade em suas brincadeiras, deixando seus bonecos de castigo por fazerem bagunça, e também batendo sobre a figura de um corpo humano desenhado em uma folha de papel na qual desenhava dizendo que iria matá­lo. O menino ainda arrancou os cabelos de uma boneca que estava em suas mãos quando a psicóloga da equipe do Programa, que nos auxiliou com essa entrevista, perguntou sobre seu pai; Miguel respondeu que o pai está preso, e embora sua agressividade aparecesse claramente na maneira como manipulava a boneca, seu rosto não tinha qualquer expressão de raiva ou tristeza, ao contrário, manteve o mesmo olhar sereno.
Carol também apresentou comportamentos antissociais enquanto estava acolhida. Como a própria adolescente nos relatou: “comecei desrespeitar, comecei xingar, fugir de casa, quase ia começar a beber, por um triz não comecei fumar cigarro ”. Segundo ela, esses comportamentos foram influenciados por uma amizade. No entanto, pudemos perceber que a atitude da mãe acolhedora em interditar a amizade e impor limites fez Carol deixar de se comportar de tal maneira, o que nos faz pensar em uma forma de exigir a continência relatada por Levinzon (2000).
Contudo, não se pode afirmar até que ponto os comportamentos de Miguel e Carol são reflexos do acolhimento ou da separação da mãe biológica. Deve­se considerar a história de vida desses indivíduos e também as dificuldades já enfrentadas por eles desde uma idade tenra. No caso de Carol, tem­se ainda a questão dos comportamentos próprios da fase da adolescência, que incluem a atitude reivindicatória e de conquista por um espaço no mundo, que devem ser pensados quando se analisa seu relato.
Considerações finais
Com a realização desta pesquisa constatou­se que as relações objetais, pautadas na reciprocidade, cumplicidade e amor, se constroem no contexto da família acolhedora na medida em que a criança ou adolescente é capaz de confiar no outro, afastando o fantasma da violência e da negligência, por meio do carinho, atenção, convivência e dedicação que lhes são direcionados.
Ao analisar a história de Lucas, que após algum tempo de acolhimento pediu à mãe acolhedora para chamá­la de mãe, demonstra o estabelecimento de uma figura de apoio e confiança. O menino diz ainda que prefere continuar morando com a família acolhedora e que não quer retornar para a casa da mãe biológica.
Foi possível ainda verificar as diferentes maneiras encontradas pelos acolhidos para lidar com o afastamento de sua família e com as vicissitudes do acolhimento: Murilo diz procurar não pensar na mãe biológica; Giovanna e Marcelo não quiseram falar sobre o assunto; Carol sempre sonhou em voltar a morar com a mãe, que, acredita, cuidará melhor dos filhos com o retorno do irmão Lucas; Lucas prefere a família acolhedora; Pedro não se sente parte da família, busca ganhar atenção e carinho, mas acredita que somente Iago, seu irmão biológico, é capaz de compreendê­lo; Miguel afirma que a mãe está doente e por isso foi para o médico, mas logo estará presente novamente.
Ao longo deste estudo e com a finalização da pesquisa, pode­se constatar que assim como o estabelecimento do objeto libidinal para o bebê está fortemente relacionado aos cuidados que lhes são dispensados, pois o cuidado é repleto de carinho, dedicação e amor, com a criança e com o adolescente em situação de acolhimento não é diferente. Os cuidados com os acolhidos obviamente são outros, mas, da mesma forma que são necessários elementos básicos na primeira infância para o estabelecimento de um objeto libidinal, no contexto de acolhimento tais elementos também precisam estar presentes e ser percebidos: a segurança, o cuidado, a função materna de ajudar a construir e organizar a realidade, o apoio emocional, dedicação, confiança, amor, e outros diversos fatores apresentados pelos autores estudados e apresentados anteriormente.
Com a realização das entrevistas foi possível perceber que a relação que se estabelece entre a criança ou adolescente e a família acolhedora não substitui aquela construída com a mãe nos primeiros anos de vida. Embora alguns participantes afirmem o desejo de continuar morando com a família acolhedora, podemos perceber o carinho que mantêm pelas mães biológicas. A família acolhedora, para os acolhidos, possui um lugar de carinho e gratidão, algumas vezes reconhecida como a própria família. E, como Freud (1915/2010) afirmou, as relações objetais são passíveis de mudanças e remodelamentos, o que não significa, no entanto, que são passíveis de esquecimento ou substituição.
As famílias acolhedoras permitem que a criança ou adolescente possa reorganizar sua realidade, elaborar seu sofrimento e construir ou reestruturar suas expectativas e planos futuros com auxílio de figuras de referência, inserido em um ambiente familiar de apoio, aprendizagem e trocas afetivas. Um contexto provisório, mas que pode contribuir de forma favorável para o desenvolvimento saudável desses indivíduos.
Embora nossa pesquisa não tivesse como objetivo uma intervenção psicanalíticadireta, e não apresentasse um tema que se insere em um contexto clínico psicanalítico tradicional, em nossas entrevistas buscamos preservar o método da associação livre, no qual o paciente fala livremente ao terapeuta sobre o que lhe vem à cabeça, superando suas censuras.
No entanto, sabemos que no decorrer dessa livre expressão de pensamentos e sentimentos podemos nos deparar com a censura, aspecto sobre o qual pensamos ser relevante fazer algumas considerações. O conceito de resistência, na teoria psicanalítica freudiana, diz respeito a obstáculos que surgem durante o tratamento analítico para proteger conteúdos inconscientes que possam revelar­se por meio da associação livre e da fala sem censura.
Considerando o conceito de resistência e sua relação com o método de associação livre e as entrevistas realizadas em nossa pesquisa, podemos perceber como esse mecanismo de defesa se manifestou em alguns participantes. O exemplo mais claro pode ser observado nos irmãos Giovanna e Marcelo, que responderam de forma evasiva às questões da entrevistadora: muitas vezes não respondiam, como se não tivessem escutado, ou simplesmente a ignoravam completamente. Temos nesse caso não somente uma resistência a falar sobre o acolhimento, a família acolhedora e até mesmo o pai biológico, mas também à figura da pesquisadora, que por vários momentos foi ignorada e deixada sozinha na sala de entrevista.
Outro exemplo pode ser encontrado na entrevista com Lucas. O menino falou sobre a família acolhedora como se fosse a única existente e somente no final do encontro nos informou, como se revelasse um segredo: “eu tenho duas mães ”. Ao que a entrevistadora o questiona sobre essa outra mãe, Lucas responde de forma evasiva, afirma querer continuar morando com a família acolhedora e declara não querer falar sobre mais nada.
Outro fator que podemos abordar é a transferência. Devido ao pouco tempo de contato e conversa com as crianças e adolescentes, a transferência não se estabeleceu de forma a colaborar com nossas entrevistas. No entanto, percebemos, em dois casos, indícios de uma relação transferencial com a pesquisadora: na entrevista com Carol, a adolescente falou constantemente sobre a volta do irmão Lucas para casa, afirmando que seu retorno seria benéfico para a mãe, pois esta sentia muito a ausência do filho caçula. Carol enfatizou que se Lucas retornasse ao convívio familiar, a mãe ficaria mais calma e conseguiria cuidar melhor dos filhos, inclusive deixando de agredi­la. Com isso, podemos supor que a entrevistadora foi percebida como alguém que a ajudaria e levaria suas reivindicações à equipe do serviço para que Lucas retornasse aos cuidados da mãe, visto que a audiência para decidir o destino do irmão de Carol estava marcada para dali a alguns dias.
O segundo caso é o de Pedro. No decorrer de nossa conversa, enquanto o adolescente falava sobre a família que o acolhe e como não se sente parte dela, Pedro perguntou à entrevistadora: “Você adotaria uma criança com a minha idade? ”. Podemos constatar que a pesquisadora foi sentida pelo adolescente como uma pessoa que poderia ser uma figura de apoio, uma vez que estava ouvindo suas histórias e como se sentia em relação a tudo o que vinha vivenciando.
No entanto, para finalizar, esclarecemos que a resistência deve ser analisada a partir da transferência, e como esta não aconteceu de forma clara e satisfatória não foi possível a realização de análises mais aprofundadas.

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