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Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital Autor: Michael Procopio Aula 10 30 de Novembro de 2020 1 136 AULA 10 CONCURSO DE CRIMES E MEDIDAS DE SEGURANÇA SUMÁRIO CONCURSO DE CRIMES E MEDIDAS DE SEGURANÇA ................................................................................... 1 SUMÁRIO ....................................................................................................................................... 1 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ............................................................................................................. 3 2. CONCURSO DE CRIMES ................................................................................................................ 3 2.1 CONCURSO MATERIAL ................................................................................................................... 6 2.2 CONCURSO FORMAL ..................................................................................................................... 9 2.3 CRIME CONTINUADO ................................................................................................................... 15 2.4 CONCURSO DE CRIMES E PENA DE MULTA ...................................................................................... 22 3. MEDIDAS DE SEGURANÇA .......................................................................................................... 23 3.1 SISTEMAS DE IMPOSIÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA ......................................................................... 24 3.2 ESPÉCIES DE MEDIDA DE SEGURANÇA ............................................................................................. 24 3.3 APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA ......................................................................................... 25 3.4 LIMITE DA MEDIDA DE SEGURANÇA ............................................................................................... 26 3.5 LIBERAÇÃO OU DESINTERNAÇÃO CONDICIONAL ................................................................................. 27 3.6 REINTERNAÇÃO E INTERNAÇÃO DO SUBMETIDO A TRATAMENTO ........................................................... 28 3.7 SEMI-IMPUTABILIDADE ................................................................................................................ 28 3.8 CONVERSÃO DA PENA EM MEDIDA DE SEGURANÇA ............................................................................ 28 3.9 EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE ......................................................................................................... 29 3.10 PRESCRIÇÃO .......................................................................................................................... 30 Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 2 136 4. QUESTÕES OBJETIVAS............................................................................................................... 32 4.1 LISTA DE QUESTÕES SEM COMENTÁRIOS ......................................................................................... 32 4.2 GABARITO ................................................................................................................................ 49 4.3 LISTA DE QUESTÕES COM COMENTÁRIOS ........................................................................................ 50 4.4 QUESTÃO DISSERTATIVA .............................................................................................................. 93 5. DESTAQUES DA LEGISLAÇÃO E DA JURISPRUDÊNCIA .......................................................................... 94 6. RESUMO ..............................................................................................................................122 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................................................135 Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 3 136 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Adentraremos, nesta aula, no assunto do concurso de crimes. Estudaremos o concurso formal, o concurso material e o crime continuado. Veremos, ainda, as suas modalidades, como o concurso formal próprio e impróprio, além de analisarmos o chamado concurso material benéfico. Quanto ao crime continuado, abordaremos o comum e o específico, sendo este último o que se refere aos crimes dolosos cometidos com violência ou grave ameaça, contra vítimas diferentes. Na sequência, nosso assunto será a medida de segurança, espécie de sanção penal ainda não estudada. Sobre as medidas de segurança, é necessário saber suas modalidades, seu cabimento, sua aplicação pelo juiz, sua execução e sua extinção. Esta aula será composta pelos seguintes capítulos: Espero que esta aula, elaborada com cuidado e dedicação, seja proveitosa, didática e que lhe prenda a atenção. Para que a prova seja leve, nosso treino deve ser pesado, no sentido de ser suficientemente profundo. Então, sigamos com convicção e motivação, pois o que nos leva a nossos objetivos é a nossa dedicação. Espero que gostem desta aula e compreendam bem o concurso de crimes e as medidas de segurança. E relembro: SIGA O PERFIL PROFESSOR.PROCOPIO NO INSTAGRAM. Lá, haverá informações relevantes de aprovação de novas súmulas, alterações legislativas e tudo o que houver de atualização, de forma ágil e com contato direto. Use as redes sociais a favor dos seus estudos. 2. CONCURSO DE CRIMES Concurso de crimes consiste no cometimento, pelo agente, de mais de uma infração penal, mediante a prática de uma ou mais condutas. Portanto, quando o agente pratica mais de um delito, há o que chamamos de concurso de crimes. Pode ser que o cometimento de dois ou mais delitos decorre de uma só conduta, seja omissiva ou comissiva. Pode ocorrer, ainda, de o agente praticar mais de uma conduta (ação ou omissão), acarretando a configuração de dois ou menos crimes. A grande relevância do estudo do tema é a aplicação das penas no caso de concurso de crimes. Caso o agente pratique mais de um crime, é preciso verificar como será a individualização da pena neste caso. Para isso, há mais de um sistema de aplicação de penas em caso de concurso de crimes: Concurso de Crimes Medidas de Segurança Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 4 136 Vejamos como funciona cada um deles: Cúmulo material: é o sistema pelo qual as penas de cada um dos crimes praticados pelo agente, em concurso, são somadas. Cuida-se, portanto, de mera adição das penas. O juiz aplica a pena a cada um dos crimes praticados pelo agente e, ao final, soma todas elas. O agente deverá cumprir a soma total das sanções penais. Como veremos, é o sistema utilizado para o concurso material, o concurso formal impróprio e, em todos os casos de concurso de crimes, para as penas de multa. Exasperação: é o sistema pelo qual se aplica a pena de apenas um dos crimes, caso os delitos praticados sejam iguais, ou do crime mais grave, se os delitos forem diversos, com uma causa de aumento de pena. A exasperação se refere a um aumento da pena de um dos delitos, com a utilização da fração estabelecida por lei. A aplicação do sistema da exasperação é reservada para o concurso formal próprio e a continuidade delitiva. Absorção: é o sistema pelo qual se aplica somente a pena do delito mais grave, desconsiderando-se a pena dos demais. Referido sistema não tem sido aplicado atualmente pela jurisprudência, sendo que sua utilização se reservava ao concurso de crimes falimentares, durante a vigência da antiga Lei de Falências, Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945. Referido diploma legal foi revogado com a entrada em vigor da Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, a Lei de Falências atualmenteem vigor. Cúmulo Jurídico: preconiza que se deve aplicar uma pena maior do que a referente a apenas um delito, mas não a soma das penas de cada um dos delitos praticados. A pena deve corresponder à gravidade dos crimes. Não adotada no Brasil. Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 5 136 Sobre a utilização do chamado sistema de absorção ou princípio da unidade dos crimes falimentares, sua instituição é creditada à doutrina, com aceitação jurisprudencial durante a vigência da antiga Lei de Falências. Podemos verificar a menção ao sistema no seguinte precedente, que – frise-se – foi julgado antes da vigência da Lei 11.101/2005. “HABEAS CORPUS. CRIMES FALIMENTARES. CONCURSO MATERIAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA UNICIDADE. INAPLICABILIDADE ANTES DA SENTENÇA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N.º 243 DO STJ. (...) 2. A unidade dos crimes falimentares, ressalte-se, fictícia, de criação doutrinária, e altamente questionável, já caracterizaria uma benesse ao agente, aplicável somente ao final da instrução criminal, por ocasião da prolação da sentença. Não pode servir, também, para, contornando o comando legal (art. 89 da Lei n.º 9.099/95), vencer uma restrição objetiva à suspensão condicional do processo, outro benefício instituído pela lei. (...)” (HC 26126/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 15/12/2003). Não há julgados com reconhecimento do referido sistema após o início de vigência da atual lei de falências. Quanto às espécies de concurso de crimes, temos o concurso material, o concurso formal e o crime continuado. Ademais, veremos as subespécies de cada um deles, como o concurso formal próprio, o concurso formal impróprio, o concurso material comum, o concurso material benéfico, o crime continuado comum e o crime continuado específico. Estudaremos cada um dos institutos, sendo que, neste momento, cumpre visualizar as modalidades de concurso de crimes, conforme a classificação doutrinária e o tratamento dado pelo Código Penal: O reconhecimento da espécie de concurso de crimes e aplicação do sistema de imposição de penas adequado devem ser feitos pelo juiz do processo de conhecimento, ao sentenciar o caso. Entretanto, se os crimes forem tratados em autos diversos, ou seja, em processos diferentes, caberá, após as condenações, ao juiz da execução o reconhecimento da modalidade de concurso de crimes aplicável ao caso e a adequação das penas ao sistema previsto em lei. Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 6 136 A Lei de Execução Penal, no artigo 66, prevê, dentre o rol de assuntos da competência do Juízo da Execução, o seguinte: Art. 66. Compete ao Juiz da execução: (...) III - decidir sobre: a) soma ou unificação de penas; (...) Deste modo, como compete ao Juízo da Execução a soma ou unificação de penas, está inserida em sua competência a atribuição de reconhecer o concurso formal, o concurso material e a continuidade delitiva. Se houver o reconhecimento de alguma das modalidades de concurso de crimes pelo juiz, deverá haver a unificação ou a soma das penas, a depender do sistema que for aplicável ao caso. Sendo o sistema o da exasperação, deve haver a unificação das penas, com a aplicação de uma das penas, se os crimes forem iguais, ou a do crime mais grave, se forem diferentes, com o aumento de pena. Cuidando- se de caso de cúmulo material, o juiz da execução procederá à soma das penas. Quanto à prescrição no caso de concurso de crimes, a incidência dos prazos prescricionais deve ser feita de forma isolada, como vimos na aula de prescrição. Isto é, o prazo prescricional deve ser calculado em relação a cada um dos delitos, de forma individual, como se não houvesse o concurso de crimes, nos termos do que dispõe o artigo 119 do Código Penal: Art. 119 - No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente. A súmula 497 do Supremo Tribunal Federal explicita a regra no que se refere especificamente aos crimes continuados: Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação. Portanto, no caso de crime continuado, procede-se ao cálculo do prazo prescricional em relação à pena de um dos crimes, sem o aumento referente ao crime continuado. 2.1 CONCURSO MATERIAL O concurso material ou real ocorre quando o agente pratica, mediante duas ou mais condutas, dois ou mais crimes, idênticos ou não. Portanto, temos uma pluralidade de condutas e uma pluralidade de infrações penais. Neste caso, a consequência é a aplicação das penas de forma cumulativa, ou seja, procede-se à simples operação de adição com todas as sanções penais aplicadas a cada um dos delitos. Este método de aplicação das penas é denominado de sistema do cúmulo material. Ao sentenciar o caso, o juiz deve aplicar as penas de cada um dos delitos de forma isolada, conforme o sistema trifásico. Ao final, as penas devem ser somadas. Isto é relevante, por exemplo, para o cálculo da prescrição, que é feito para cada um dos crimes, separadamente. Demais disso, o juiz deve fundamentar Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 7 136 cada uma das penas, considerando as circunstâncias de cada um dos delitos, o que a realização em conjunto não possibilitaria. O concurso material de crimes está previsto no artigo 69 do Código Penal, que possui o seguinte teor: Art. 69 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela. § 1º - Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não suspensa, por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição de que trata o art. 44 deste Código. § 2º - Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais. O Código Penal também prevê que se houver a aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, a pena de reclusão deve ser executada primeiro. Além disso, se uma das penas privativas de liberdade não comportar a medida de suspensão condicional da pena, as outras penas não poderão ser substituídas por restritivas de direitos. No caso das penas restritivas de direitos, se forem compatíveis entre si, podem ser cumpridas de forma concomitante. Caso haja incompatibilidade de cumprimento simultâneo, deve haver o cumprimento sucessivo de cada uma delas. O concurso material pode ser classificado como homogêneo ou heterogêneo. Chama-se homogêneo o concurso que envolve pluralidade de crimes da mesma espécie, enquanto a doutrina denomina de heterogêneo se os delitos cometidos forem de espécies diferentes. O esquema a seguir demonstra a classificação doutrinária: O concurso material deve ser considerado quando da análise dos requisitos da suspensão condicional do processo, benefício previsto no artigo 99 da Lei 9.099/95. É o que prevê a Súmula 243 do STJ: O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano. Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 8 136 De igual forma, é o resultado da soma das penas que deverá ser considerado para se averiguar a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdadepor penas restritivas de direitos. Ademais, com relação aos demais requisitos, deve-se analisar se cada um dos crimes praticados permite a substituição, sendo que somente o cumprimento deles pelo conjunto dos delitos praticados permitirá a substituição. Assim já decidiu o STJ: “3. No exame do cumprimento dos requisitos para a concessão do benefício da substituição da prisão por penas alternativas, em casos de concurso material de crimes, devem as reprimendas ser consideradas em conjunto. Precedentes. 4. Na hipótese, resulta patente que a medida esbarra no óbice do art. 44, inciso I, do Código Penal, uma vez que um dos delitos pelos quais o paciente resultou condenado - lesão corporal – envolve violência contra a pessoa. Habeas corpus não conhecido.” (STJ, 425038/RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 01/06/2018). Como um exemplo de aplicação do concurso material, por não incidir o princípio da consunção, há o caso de porte de munição de uso permitido e de munição de uso restrito, que caracterizam os delitos previstos nos artigos 12 e 16 da Lei 10.826/2003: “(...) 2. A posse de munições de uso permitido e de uso restrito caracteriza os delitos previstos nos arts. 12 e 16 da Lei n. 10.8.26/2003, em concurso material, ainda que apreendidas no mesmo contexto. Ressalta-se que o afastamento da consunção entre esses crimes também partiu apenas da valoração dos fatos reputados como provados na origem, pois restou assentado que os agentes tinham a posse de munições de uso permitido, bem como de uso restrito. 3. Agravo regimental improvido.” (STJ, AgRg no REsp 1724649/MG, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe 11/05/2018). O Superior Tribunal de Justiça entende que há concurso material entre roubo e extorsão se o agente, após subtrair os bens da vítima com violência ou grave ameaça, exige que ela lhe forneça a senha do cartão subtraído. Configurados ambos os delitos, as penas devem ser somadas. É o que se nota do seguinte precedente: “PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. CRIMES DE EXTORSÃO E ROUBO. RECONHECIMENTO DO CRIME CONTINUADO. IMPOSSIBILIDADE.PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO IMPROVIDO. 1. É firme o entendimento desta Corte Superior de que Ficam configurados os crimes de roubo e extorsão, em concurso material, se o agente, após subtrair bens da vítima, mediante emprego de violência ou grave ameaça, a constrange a entregar ocartão bancário e a respectiva senha, para sacar dinheiro de sua conta corrente (HC 127.320/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 07/05/2015, DJe 15/05/2015) 2. Agravo Regimental improvido.” (STJ, AgRg no REsp 1702185/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 26/03/2018). O Supremo Tribunal Federal também já considerou que o roubo e a extorsão configuram o concurso material, já que são condutas distintas e autônomas, ou seja, há pluralidade de condutas e pluralidade de crimes: “EMENTA Habeas corpus. Penal. Roubo e extorsão qualificados. Artigos 157, § 2º, I, II e V; e 158, § 1º, do Código Penal. Concurso formal. Reconhecimento pretendido. Inadmissibilidade. Subtração violenta de bens. Posterior constrangimento da vítima a fornecer a senha de cartão bancário. Manutenção do ofendido, por várias horas, em poder dos agentes. Pluralidade de condutas e autonomia de desígnios. Inexistência de contexto fático único. Ordem denegada. 1. Tratando-se de duas condutas distintas, praticadas com desígnios autônomos, deve ser reconhecido o concurso material entre Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 9 136 roubo qualificado (art. 157, § 2º, I, II e V, CP) e extorsão qualificada (art. 158, § 1º, CP). 2. Ordem de habeas corpus denegada.” (HC 121395, Rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, Julgamento 21/10/2014) Nos casos de o preceito secundário do delito prever uma pena, ressalvando a aplicação da pena resultante da violência, o caso será de soma das penas, pelo sistema do cúmulo material, se configurada também a violência. É o que decidiu o STJ no seguinte caso, que serve de ilustração para tais hipóteses: “(...) 3. Hipótese em que o Tribunal de origem acolheu a insurgência ministerial contra a sentença condenatória, reconhecendo a prática pelo paciente do delito de lesão corporal gravíssima, impondo- se pena acrescida ao do crime do art. 344 do CP, em concurso material. 4. A determinação contida no preceito secundário do art. 344 do CP ("reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência") refere-se tão-somente à incidência da regra do cúmulo material entre os crimes, é dizer, se reconhecida a prática do crime de coação no curso do processo, existindo violência, o juiz, por expressão da vontade do legislador, deverá somar sua pena ao do delito resultante daquela violência. 5. No caso, o paciente agrediu com pedaço de madeira e foice a vítima, visando a coagi-la, porquanto testemunha de acusação em processo no qual responde por homicídio. 6. Embora elementar do delito do art. 344 do Código Penal, não haveria como o resultado advindo da violência se exaurir tão-somente no tipo penal em questão, isto é, ser por ele absorvido, de modo que, a depender das consequências da conduta violenta, como resposta penal, o somatório das penas. Na hipótese em questão, a violência empregada causou lesões de natureza gravíssima, crime pelo qual restou corretamente condenado em segundo grau. (...)” (HC 388983, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma, DJe 27/09/2017) Entretanto, o STJ não entende configurar o concurso material de delitos o caso de porte ou posse ilegal de arma, quando esta conduta se volta para a finalidade da prática de tráfico ilícito de entorpecentes. A Corte entende que cabe o reconhecimento de absorção do crime meio pelo crime fim, com aplicação do princípio da consunção: “(...) III - Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a absorção do crime de porte ou posse ilegal de arma pelo delito de tráfico de drogas, em detrimento do concurso material, deve ocorrer quando o uso da arma está ligado diretamente ao comércio ilícito de entorpecentes, ou seja, para assegurar o sucesso da mercancia ilícita. Nesse caso, trata-se de crime meio para se atingir o crime fim que é o tráfico de drogas, exige-se o nexo finalístico entre as condutas de portar ou possuir arma de fogo e aquelas relativas ao tráfico (HC n. 181.400/RJ, Quinta Turma, Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe 29/6/2012). (...)” (STJ, HC 395762/RJ, Rel. Min. Félix Fischer, Quinta Turma, DJe 21/11/2017). 2.2 CONCURSO FORMAL O concurso formal ou ideal ocorre quando o agente pratica, mediante uma só conduta, dois ou mais crimes, idênticos ou não. O concurso formal, deste modo, envolve a unidade da conduta, que gera uma pluralidade de infrações penais. Esta previsão legal atende a razões de política criminal, em razão da qual se adota uma pena diferente da que seria aplicável se fossem considerados todos os crimes configurados com a conduta do agente. Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 10 136 Com relação à unidade da conduta, admite-se o chamado desdobramento da ação única. É o que ocorre quando o agente ingressa em um estabelecimento e assalta o caixa e subtrai bens dos dois clientes. A ação única foi desdobrada, mas não deixa de ser uma conduta única de ameaça a todos para a subtração dos bens dos envolvidos. Deste modo, o fato de a conduta única ser desdobrada não impede a configuração do concurso formal. Há, deste modo, três roubos em concurso formal. O concurso formal, tal qual o material, pode ser classificado em homogêneo e heterogêneo. Será homogêneo o concurso de delitos da mesma espécie, enquanto o concurso de crimes de espécies diversas será denominado de heterogêneo. O esquema a seguir ilustra a classificação quanto às espécies de crimes cometidos:O concurso formal está previsto no artigo 70 do Código Penal: Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior. Parágrafo único - Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código. Da leitura do caput do artigo 70 do Código Penal, podemos notar que é possível a configuração do concurso formal tanto no caso de existirem desígnios autônomos em crimes dolosos, quanto se não houver essa pluralidade de desígnios do agente. Decorre de tal diferenciação a classificação do concurso formal em próprio e impróprio, conforme o esquema a seguir ilustra: Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 11 136 Concurso formal próprio Concurso formal próprio é o que decorre de uma só ação ou omissão, ou seja, de uma única conduta, que enseja o cometimento de mais de um crime, sem que o agente tenha agido com desígnios autônomos. Há, portanto, uma unidade de conduta que gera uma pluralidade de delitos, sem que o agente tenha desejado todos os resultados ou assumido o risco em relação a cada um deles. Isto é, não há intenção de praticar cada um dos crimes de forma autônoma ou independente. O concurso formal próprio está previsto na primeira parte do caput do artigo 70, do Código Penal: Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. (...) Configurado o concurso formal, as penas devem ser aplicadas pelo sistema da exasperação. A fração de aumento de pena será de um sexto até metade. Isto é, havendo concurso formal homogêneo, aplica-se a pena de apenas um dos delitos, que deve ser aumentada de um sexto até metade. Se o concurso for heterogêneo, aplica-se ao agente a pena do delito mais grave, com a causa de aumento de um sexto até metade. Com relação ao critério para escolha da fração de aumento, o juiz deve estipular dentre um sexto até metade com base no número de delitos cometidos pelo agente. É o que vemos do seguinte precedente do STJ: “(...) 7. Nos termos da jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, o aumento decorrente do concurso formal tem como parâmetro o número de delitos perpetrados, devendo ser a pena de um dos crimes exasperada de 1/6 até 1/2. Por certo, o acréscimo correspondente ao número de quatro infrações é a fração de 1/4. 8. Writ não conhecido.” (STJ, HC 317709/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 01/12/2017). Concurso formal impróprio Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 12 136 Concurso formal impróprio é o que decorre de uma só ação ou omissão, ou seja, de uma única conduta, que enseja o cometimento de mais de um crime, de forma dolosa, em que o agente tenha desígnios autônomos em relação a cada um deles. Há, portanto, uma unidade de conduta que gera uma pluralidade de delitos, desde que o agente possua dolo, de forma independente, para cada um deles. O concurso formal impróprio, portanto, só tem cabimento no caso de crimes dolosos. Configurado o concurso formal impróprio, o sistema de aplicação das penas será o do cúmulo material. Ou seja, as penas de cada uma das infrações penais praticadas devem ser somadas. O concurso formal impróprio está previsto na segunda parte do caput do artigo 70, do Código Penal, em destaque: Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior. A grande diferença, portanto, entre o concurso formal próprio e o concurso formal impróprio é a existência ou não de desígnios autônomos, ou seja, o elemento subjetivo. Referido elemento subjetivo é comprovado pelas circunstâncias do delito. Neste sentido, segue um didático julgado do STJ: “1. É assente neste Superior Tribunal de Justiça que a "A distinção entre o concurso formal próprio e o impróprio relaciona-se com o elemento subjetivo do agente, ou seja, a existência ou não de desígnios autônomos. Precedente" (AgRg no REsp 1.299.942/DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, DJe 21/06/2013).” (STJ, AgRg no AREsp 1131742/BA, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 04/10/2017). Como exemplo, tomemos o caso de furto e corrupção de menores. A prática de um furto por um sujeito imputável, em concurso com um menor, cuja idade seja da ciência do agente, configura, em tese, o delito de corrupção de menores, previsto no artigo 244-B. Se o sujeito não tiver a intenção autônoma e independente de corromper o menor de idade, haverá o concurso formal próprio. Caso haja desígnios autônomos, configurar-se-á o concurso formal impróprio. É o que destacou o STJ nos seguintes julgados: “(...) 3. A fim de se caracterizar o concurso formal impróprio entre os crimes de furto tentado e corrupção de menores, faz-se necessário elucidar a intenção do agente de corromper o menor, demonstrando-se, com isso, a existência de desígnios autônomos, sem o que se aplica a regra do concurso formal próprio. (...)” (STJ, HC 163427/DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 19/10/2015). “(...) Deve ser reconhecido o concurso formal de crimes quando a corrupção de menores ocorre em razão da prática de delito de roubo majorado na companhia do adolescente. (...)” (STJ, AgRg no AREsp 1665758/RO, Rel. Min. Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 05/06/2020). Concurso material benéfico Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 13 136 Concurso material benéfico é o aplicável quando, a despeito de configurado o concurso formal próprio, a regra do cúmulo material for mais favorável ao agente. O concurso formal próprio foi instituído, como visto, por razões de política criminal, para beneficiar o agente cuja conduta única causou mais de um crime, sem que ele tenha apresentado desígnios autônomos para a prática de cada um dos delitos. Portanto, o sistema da exasperação tem como finalidade beneficiar o agente em tais casos. Como decorrência lógica, a adoção do sistema da exasperação não pode ensejar a aplicação de pena mais elevada ao agente do que aquela aplicável com a simples adição das penas de cada um dos crimes. Caso a exasperação leve a uma pena mais elevada, a regra aplicável será a do cúmulo material, por ser mais benéfica ao agente. É o que prevê o parágrafo único do artigo 70 do Código Penal: Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer c aso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior. Parágrafo único - Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código. O artigo 69 do Código Penal cuida do concurso material e, portanto, do sistema de cúmulo material de penas. Portanto, configurado o concurso formal próprio de crimes, haverá aadoção do sistema da exasperação, salvo se o resultado da soma das penas for mais benéfico para o agente, caso em que se adotará o sistema do cúmulo material. Como exemplo de concurso material benéfico, temos o seguinte precedente do STJ, em que se constatou a configuração do concurso formal próprio, mas o resultado do cúmulo material das penas foi mais benigno para o agente, por resultar em pena menor: “(...) 8. O concurso formal próprio ou perfeito (CP, art. 70, primeira parte), cuja regra para a aplicação da pena é a da exasperação, foi criado com intuito de favorecer o réu nas hipóteses de pluralidade de resultados não derivados de desígnios autônomos, afastando-se, pois, os rigores do concurso material (CP, art. 69). Por esse motivo, o parágrafo único do art. 70 do Código Penal impõe o afastamento da regra da exasperação, se esta se mostrar prejudicial ao réu, em comparação com o cúmulo material. Trata-se, portanto, da regra do concurso material benéfico, como teto do produto da exasperação da pena. 9. No caso, o Tribunal de origem condenou o paciente pela prática de três crimes de corrupção de menores, em concurso formal, à pena de 1 ano de reclusão e de três crimes de roubo majorado, igualmente em concurso formal, à pena de 7 anos e 1 mês de reclusão. As instâncias ordinárias aplicaram a exasperação da pena de 1/6 por outro concurso formal entre os crimes de corrupção de menores e os de roubo, o que revelaria a pena final de 8 anos e 3 meses de reclusão. Há, pois, manifesta violação da regra do concurso material benéfico, porquanto a pena final resultante do concurso material entre os crimes de roubo, em concurso formal, e corrupção de menores, igualmente em concurso formal, seria de 8 anos e 1 mês. Por conseguinte, de rigor a redução da pena final do paciente para 8 anos e 1 mês de reclusão. (...)” (HC 401764/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 14/12/2007). Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 14 136 Verifiquemos este caso do precedente acima, usado como exemplo: foi reconhecido concurso formal entre três crimes de corrupção de menos e três crimes de roubo. Para os três crimes de corrupção de menores, foi aplicada a pena de 1 ano de reclusão. Para os três crimes de roubo majorado, a dosimetria resultou em 7 anos e 1 mês de reclusão. Vejamos então as penas do exemplo: Reconhecido o concurso formal Crimes de corrupção de menores 1 ano de reclusão Crimes de roubo 7 anos e 1 mês de reclusão Percebe-se que é possível o concurso formal de delitos que também foram cometidos em concurso formal. Os três crimes de corrupção de menores, por envolver uma só conduta e três adolescentes, levou ao reconhecimento de concurso formal entre eles. Os crimes de roubo, praticados com a mesma conduta (mesmo que a ação seja desdobrada), configuraram também um concurso formal. Por fim, cabe analisar o concurso formal entre os crimes de roubo e de corrupção de menores: Concurso Sistema Pena Formal próprio Exasperação (pena mais grave, de 7 anos e 1 mês de reclusão, com aumento de um sexto até metade) 8 anos, 3 meses e 5 dias (com uso da fração menor de aumento, de 1/6) Material Benéfico Sistema do cúmulo material (soma das penas) 8 anos e 1 mês Notem que a pena resultante da simples soma da pena é menor do que a resultante da exasperação, o que leva à adoção do chamado concurso material benéfico, por não poder um sistema que veio beneficiar o agente tornar sua situação mais gravosa. Segue outro precedente do STJ em que foi aplicado o chamado concurso material benéfico: “(...) 5. In casu, o Magistrado processante, ao condenar o réu pela prática do crime de extorsão mediante sequestro qualificado, estabeleceu a pena de 18 (dezoito) anos de reclusão, tendo a exasperação pelo concurso formal com o crime do art. 244-B do ECA culminado na pena de 21 (vinte e um) anos de reclusão. Há, pois, manifesta violação da regra do concurso material benéfico, considerando que, mesmo se a pena-base do crime de corrupção de menores fosse exasperada de 1/2 (metade), nos moldes do reconhecido para o crime de extorsão mediante sequestro qualificado, e tendo em vista a incidência da atenuante da confissão espontânea, chegaria-se-ia à sanção corporal inferior a 3 (três) anos de reclusão e, por consectário, revela-se mais favorável ao réu a somatória Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 15 136 das penas individualmente estabelecidas para os crimes. (...)” (HC 383691, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma, DJe 04/05/2017) 2.3 CRIME CONTINUADO Crime continuado ou continuidade delitiva ocorre quando o agente pratica, mediante pluralidade de condutas, dois ou mais crimes da mesma espécie, tidos como continuação um do outro (semelhantes condições de tempo, lugar, modo de execução, etc.). É a ficção jurídica em virtude da qual, por razões de política criminal, considera-se, na aplicação da pena, que o agente praticou um único delito para fins de aplicação de pena, com a incidência de causa de aumento. O crime continuado está previsto no artigo 71 do Código Penal: Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código. O crime continuado se classifica em comum e específico, sendo a última hipótese aplicável aos casos de crimes dolosos, cometidos contra vítimas diferentes, em que há violência ou grave ameaça à pessoa. O crime continuado comum está previsto no caput do artigo 70 do Código Penal, enquanto o parágrafo único trata do crime continuado específico: Crime continuado comum Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 16 136 O crime continuado comum é aquele aplicável aos crimes em geral, estando previsto no caput do artigo 71: Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. Configura-se quando o agente, mediante uma pluralidade de condutas, pratica mais de um crime da mesma espécie, sendo um considerado como continuação do outro, em razão das condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes. O professor Cezar Roberto Bitencourt1 resume os requisitos nos seguintes elementos: homogeneidade de bens jurídicos e homogeneidade de processos executórios. É o caso da funcionária de uma empresa que, trabalhando no seu caixa, se apropria de R$ 300,00 por dia de trabalho, durante um mês. Se fosse aplicada a pena de cada um dos delitos, com sua posterior soma, ela receberia uma sanção penal de grande monta, maior que a da prática de muitos delitos gravíssimos. Então, por razões de política criminal, a lei prevê a configuração do chamado crime continuado,com uma determinação específica de aplicação da pena de um dos delitos, com incidência de uma causa de aumento. Também podemos exemplificar com vários estelionatos praticados, em continuação, contra diversas pessoas, durante o mesmo mês, com a mesma forma de execução, ou seja, o mesmo modus operandi, e na mesma cidade, pelos mesmos três comparsas. Os requisitos para a configuração do crime continuado comum são as seguintes: Pluralidade de condutas; Crimes da mesma espécie; Vínculo de continuidade: mesmas condições de tempo, mesmas condições de lugar, mesma forma de execução (modus operandi) e demais circunstâncias semelhantes; Unidade de desígnios (segundo o STJ e a doutrina majoritária). Configurada a continuidade delitiva, deve-se aplicar ao agente a pena do crime mais grave, se forem diferentes, ou de um dos crimes, se as penas forem iguais, com a causa de aumento de pena de um sexto a dois terços. O critério para fixação, pelo juiz, da fração de aumento, cujo limite mínimo é de um terço, e o limite máximo, de dois terços, deve ser o número de infrações penais praticadas. A jurisprudência, inclusive, fixou a fração de aumento aplicável a cada número de crimes: Número de infrações Fração da causa de aumento 2 1/6 3 1/5 4 1/4 1 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, volume I, parte geral. 14ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 649. Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 17 136 5 1/3 6 1/2 7 ou mais 2/3 É assim que tem decidido o Superior Tribunal de Justiça: “(...) 6. A exasperação da pena do crime de maior pena, realizado em continuidade delitiva, será determinada, basicamente, pelo número de infrações penais cometidas, parâmetro este que especificará no caso concreto a fração de aumento, dentro do intervalo legal de 1/6 a 2/3. Nesse diapasão, esta Corte Superior de Justiça possui o entendimento consolidado de que, em se tratando de aumento de pena referente à continuidade delitiva, aplica-se a fração de aumento de 1/6 pela prática de 2 infrações; 1/5, para 3 infrações; 1/4 para 4 infrações; 1/3 para 5 infrações; 1/2 para 6 infrações e 2/3 para 7 ou mais infrações. In casu, tratando-se de mais de 10 crimes, deve ser mantido o aumento operado pela sentença condenatória. (...)” (HC 401139, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma, DJe 21/09/2017). “(...) 1. O Superior Tribunal de Justiça tem proclamado o entendimento de que o aumento pela continuidade delitiva deve obedecer aos seguintes critérios: 1/6 para 2 infrações, 1/5 quando forem 3, 1/4 para 4, 1/3 para 5, 1/2 para 6 e 2/3 quando forem 7 ou mais. No entanto, não sendo possível precisar o número de infrações cometidas, é legítimo impor aumento em patamar acima do mínimo, levando-se em consideração o período de duração dos delitos. (...)” (STJ, AgRg no AREsp 1410422/MG, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 21/05/2019). A Exposição de Motivos do Código Penal, sobre o crime continuado, traz o seguinte comentário: 59. O critério da teoria puramente objetiva não se revelou na prática maiores inconvenientes, a despeito das objeções formuladas pelos partidários da teoria objetivo-subjetiva. Conforme referido apontamento, teria havido a adoção da teoria objetiva pelo Código Penal Brasileiro. Entretanto, a Exposição de Motivos pode auxiliar na interpretação, mas não tem natureza de lei. Logo, não vincula. Apesar de não haver previsão expressa na lei, parte da doutrina estabelece a necessidade de unidade de desígnios, ou seja, a prática de todos os delitos parcelares deve fazer parte de um mesmo plano do agente. É o que tem entendido o Superior Tribunal de Justiça, com a adoção da chamada teoria objetivo-subjetiva ou mista: “(...) 5. Adotando a teoria objetivo-subjetiva ou mista, a doutrina e a jurisprudência inferiram implicitamente da norma um requisito outro de ordem subjetiva, que é a unidade de desígnios na prática dos crimes em continuidade delitiva, exigindo-se, pois, que haja um liame entre os crimes, apto a evidenciar, de imediato, terem sido os crimes subsequentes continuação do primeiro, isto é, os crimes parcelares devem resultar de um plano previamente elaborado pelo agente. Dessa forma, diferenciou-se a situação da continuidade delitiva da delinquência habitual ou profissional, incompatível com a benesse. Precedentes. (...)” (HC 377270, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma, DJe 09/06/2017). Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 18 136 “Conforme a jurisprudência do STJ, para a aplicação da regra do crime continuado, é imprescindível o preenchimento de requisitos não apenas de ordem objetiva - mesmas condições de tempo, de lugar e de forma de execução - como também de ordem subjetiva - unidade de desígnios ou vínculo subjetivo entre os eventos.” (STJ, AgRg no HC 569022/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 23/06/2020). Se os desígnios forem autônomos, não se pode reconhecer a continuidade delitiva entre os delitos. Tradicionalmente, vinham sendo considerados crimes da mesma espécie os delitos previstos no mesmo dispositivo legal, inclusive os que estão na forma simples e na forma qualificada, bem como nas modalidades tentada e consumada. Ademais, foi fixada a exigência de que os tipos penais tutelem os mesmos bens jurídicos. Neste sentido, o STJ não reconhece a continuidade delitiva entre roubo e latrocínio, em razão de o primeiro tutelar o patrimônio e a integridade física ou a liberdade individual, enquanto o último tutela o patrimônio e a vida: “9. No caso dos crimes de roubo majorado e latrocínio, sequer é necessário avaliar o requisito subjetivo supracitado ou o lapso temporal entre os crimes, como fizeram as instâncias ordinárias, porquanto não há adimplemento do requisito objetivo da pluralidade de crimes da mesma espécie. São assim considerados aqueles crimes tipificados no mesmo dispositivo legal, consumados ou tentada, na forma simples, privilegiada ou tentada, e além disso, devem tutelar os mesmos bens jurídicos, tendo, pois, a mesma estrutura jurídica. Perceba que o roubo tutela o patrimônio e a integridade física (violência) ou o patrimônio e a liberdade individual (grave ameaça); por outro lado, o latrocínio, o patrimônio e a vida.” (HC 189134, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5ª Turma, DJe 12/08/2016). Entretanto, vale registrar que mais recentemente a Sexta Turma do STJ tem dispensado o requisito de previsão no mesmo dispositivo legal: “Exige-se, ainda, que os delitos sejam da mesma espécie. Para tanto, não é necessário que os fatos sejam capitulados no mesmo tipo penal, sendo suficiente que tutelem o mesmo bem jurídico e sejam perpetrados pelo mesmo modo de execução.” (STJ, REsp 1767902/RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 04/02/2019). Assim, tem sido reconhecido o crime continuado, pela Quinta Turma do STJ, entre estupro e estupro de vulnerável: “Nos termos da jurisprudência sedimentada nesta Corte Superior, "para fins da aplicação do instituto do crime continuado, art. 71 do Código Penal, pode-se afirmar que os delitos de estupro de vulnerável e estupro, descritos nos arts. 217-A e 213 do CP, respectivamente, são crimes da mesma espécie"(REsp 1767902/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 13/12/2018, DJe 04/02/2019). Precedentes.” (STJ, AgRg no REsp 1797986/GO, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 24/09/2019. Entretanto, não tem reconhecido a continuidade delitiva entre roubo e extorsão, o que, com todo o respeito, traduz-se em falta de critério preciso pela Corte2: 2 No mesmo sentido, Rogério Sanches Cunha, em seu Manual de Direito Penal, 8ª edição, 2020, p. 632, observa que o STJ não reconhece o crime continuado entre os seguintes crimes, embora tutelemo mesmo bem jurídico: roubo e extorsão; extorsão mediante sequestro e roubo e roubo e latrocínio. Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 19 136 “4. Não é possível o reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes de roubo e extorsão, pois embora sejam delitos do mesmo gênero, são de espécies distintas, o que inviabiliza a aplicação da regra contida no art. 71 do Código Penal. Precedentes.” (STJ, HC 461794/SC, Rel. Min. Reynaldo da Fonseca, 5ª Turma, DJe 14/02/2019) “3. Conforme a orientação jurisprudencial deste Superior Tribunal de Justiça é inviável o reconhecimento da continuidade delitiva entre os crimes de roubo e de extorsão, por se tratarem de delitos de espécies distintas, ainda que cometidos no mesmo contexto temporal. Precedentes.” (STJ, HC 552281/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, DJe 02/03/2020). Segue um esquema para tentar ajudar a compreender a jurisprudência do STJ: Com relação ao requisito do mesmo lugar, não se exige que se trate da mesma cidade. É possível a configuração, por exemplo, no caso de comarcas contíguas. É o entendimento adotado pelo STJ nos seguintes precedentes: “1. O fato de os crimes terem sido praticados em lugares diversos não pode ser utilizado, isoladada e objetivamente, como empeço ao reconhecimento da continuidade, mormente quando, como no caso, cuidam-se de comarcas vizinhas. 2. O art. 71 do Código Penal não exige, para o reconhecimento do crime continuado, que as práticas delitivas tenham ocorrido na mesma comarca, mas nas mesmas condições de "tempo e lugar", demonstrando uma necessidade de avaliação das circunstâncias que envolveram o atuar do criminoso e as características dos ilícitos por ele praticados. (STJ, HC 174612/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 16/06/2011). 1. Este Superior já decidiu que o reconhecimento da continuidade delitiva não exige que as condutas tenham sido praticadas no mesmo município, "podendo ser admitida quando se tratarem de delitos ocorridos em comarcas limítrofes ou próximas" (HC 206.227/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 06/10/2011, DJe 14/10/2011). (STJ, AgRg no REsp 1849857/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 28/02/2020). Crime continuado específico Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 20 136 Crime continuado específico é a modalidade de continuidade delitiva aplicável aos casos em que os crimes são cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, envolvendo vítima diferentes. O crime continuado específico está previsto no artigo 71, parágrafo único, do Código Penal: Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código. São requisitos do concurso continuado específico: Pluralidade de condutas; Crimes da mesma espécie; Vínculo de continuidade: mesmas condições de tempo, mesmas condições de lugar, mesma forma de execução (modus operandi) e demais circunstâncias semelhantes; Unidade de desígnios (segundo o STJ e a doutrina majoritária). Crimes dolosos; Violência ou grave ameaça contra a pessoa; Vítimas diferentes. No concurso continuado específico, o juiz deve aplicar a pena de um só dos crimes, se elas forem idênticas, ou a mais grave delas, se forem diferentes, aumentada até três vezes. O critério para estabelecimento do quantum de aumento de pena se baseia em elemento objetivo, consistente no número de infrações cometidas, e em elemento subjetivo, consistente na valoração da culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, além dos motivos e as circunstâncias do crime. Perceba que os aspectos subjetivos são quase os mesmos analisados na primeira fase da dosimetria, previstos no artigo 59 do Código Penal. É o que entende o Superior Tribunal de Justiça: “(...) 1. Segundo entendimento firmado por esta Corte Superior, estabelecido o espectro de exasperação entre 1/6 (um sexto) e o triplo, infere-se da norma que a fração de aumento da continuidade delitiva específica, descrita no art. 71, parágrafo único, do Código Penal, é determinada pela combinação de elementos objetivos - quantidade de crimes dolosos praticados contra vítimas diferentes, com violência ou grave ameaça à pessoa - e subjetivos, consistentes na análise da culpabilidade, dos antecedentes, da conduta social, da personalidade do agente, dos motivos e das circunstâncias do crime (HC n. 293.130/SP, Quinta Turma, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, DJe de 12/12/2016). O crime continuado específico foi previsto pela Lei 7.209/1984, que alterou a redação do artigo 71, do parágrafo único, do CP. Com isso, ficou superada a Súmula nº 605 do STF, do seguinte teor: Não se admite continuidade delitiva nos crimes contra a vida”. [SUPERADA!] O STF já consignou a superação do enunciado nº 605 no seguinte precedente: "Com a reforma do Código Penal de 1984, ficou suplantada a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal predominante até então, segundo a qual 'não se admite continuidade delitiva nos crimes contra a vida' - Verbete nº 605 da Súmula. A regra normativa do § 2º do artigo 58 do Código Penal veio Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 21 136 a ser aditada por referência expressa aos crimes dolosos, alterando-se a numeração do artigo e inserindo-se parágrafo - artigo 71 e parágrafo único do citado Código." (HC 77786, Relator Ministro Marco Aurélio, Segunda Turma, julgamento em 27.10.1998, DJ de 2.2.2001) Com relação aos demais pressupostos do crime continuado específico, são aplicáveis os mesmos comentários do crime continuado comum. Deste modo, os crimes devem ser da mesma espécie. Com isso, o STJ já decidiu não ser aplicável a continuidade delitiva no caso de terem sido praticados os crimes de estupro e do artigo 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente: “(...) 7. Para que haja crime continuado os delitos devem ser da mesma espécie, conforme dicção expressa do art. 71 do Código Penal. Sendo assim, inviável o reconhecimento dessa figura entre os crimes de estupro e o do art. 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente. 8. As instâncias ordinárias reconheceram a ocorrência de três crimes do art. 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente, praticados em continuidade delitiva. Para se afastar a conclusão e entender pela existência de delito único, seria necessário o reexame de matéria fático-probatória, inviável em recurso especial, nos termos da já mencionada Súmula 7/STJ. 9. Mostra-se equivocada a invocação pelo acórdão recorrido da regra especial do art. 71, parágrafo único, do Código Penal, tendo em vista que a sua incidência, requer, expressamente, que os crimes tenham sido praticados contra vítimas diferentes. No caso, o estupro e o crime do art. 240 do Estatuto da Criança e do Adolescente foram praticados, cada qual em continuidade delitiva, contra a mesma vítima, motivo pelo qual deve ser aplicado o caput do art. 71 do Estatuto Criminal..(...)” (REsp 1334405, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, DJe 15/10/2015). Crime continuado e concurso formal de crimes Pode ocorrer a configuração simultânea de concurso formal de crimes e de continuidade delitiva. Para exemplificar, imaginemos um indivíduo que entra em um ônibus e, mediante grave ameaça exercida por meio de arma de fogo, subtrai bens de dez passageiros e da pessoa jurídica dona do veículo. Teremos onze crimes de roubo cometidos em concurso formal. No diaseguinte, nas mesmas condições, ele para outro ônibus e neste subtrai bens de cinco passageiros. Portanto, cometeu cinco crimes de roubo em concurso formal. Entre os dez roubos em concurso formal e os outros cinco, também em concurso formal, podemos pensar na ocorrência de continuidade delitiva. Como proceder quando houver continuidade delitiva entre crimes praticados em concurso formal? O STF já entendeu aplicáveis ambos os acréscimos, os do concurso formal e da continuidade delitiva. Entretanto, o precedente, da Primeira Turma, não é recente: “(...) 1. Correto o acórdão impugnado, ao admitir, sucessivamente, os acréscimos de pena, pelo concurso formal, e pela continuidade delitiva (artigos 70, "caput", e 71 do Código Penal), pois o que houve, no caso, foi, primeiramente, um crime de estelionato consumado contra três pessoas e, dias após, um crime de estelionato tentado contra duas pessoas inteiramente distintas. Assim, sobre a pena-base deve incidir o acréscimo pelo concurso formal, de modo a ficar a pena do delito mais grave (estelionato consumado) acrescida de, pelo menos, um sexto até metade, pela co-existência do crime menos grave (art. 70). E como os delitos foram praticados em situação que configura a continuidade delitiva, também o acréscimo respectivo (art. 71) é de ser considerado. 2. Rejeita-se, pois, com base, inclusive, em precedentes do S.T.F., a alegação de que os acréscimos pelo concurso formal e pela continuidade delitiva são inacumuláveis, em face das circunstâncias referidas.(...)” (HC 73821, Rel. Min. Sydney Sanches, 1ª Turma, 25/06/1996) Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 22 136 Já o STJ vem entendendo que se deve reconhecer apenas a continuidade delitiva em relação a todos crimes, sem se utilizar o acréscimo do concurso formal, em regra. Contabilizam-se, para a escolha da fração de aumento do crime continuado, todos os delitos cometidos: “(...) 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, em sintonia com a do STF, havendo concurso formal entre dois delitos cometidos em continuidade delitiva, somente incidirá um aumento de pena, qual seja, a relativa ao crime continuado. Todavia, tal regra não tem aplicabilidade nas hipóteses em que um dos crimes não faça parte do nexo da continuidade delitiva do outro delito, embora cometidos em concurso formal, tal como ocorre com o delito de corrupção de menores - de espécie diversa -, o qual não integra a continuidade delitiva relativa ao outro delito - de roubo majorado. (HC 165.224/DF, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 25/8/2015, DJe 15/9/2015) (...).” (STJ, AgRg no HC 396946/SC, Rel. Min. Joel IlanPaciornik, 5ª Turma, DJe14/02/2019) A exceção apontada no seguinte precedente é o caso de o crime cometido em concurso formal não fazer parte do vínculo ou nexo do crime continuado. Em referida situação, a regra de não cumulação dos aumentos não se aplica. 2.4 CONCURSO DE CRIMES E PENA DE MULTA Quando houver concurso formal ou concurso material de crimes, vimos que cada um deles possui um sistema de aplicação da pena privativa de liberdade, seja com a soma de todas ou com a incidência de aumento de uma das penas. Com relação à pena de multa, o artigo 72 do Código Penal possui previsão específica: Art. 72 - No concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente. Deste modo, qualquer que seja a modalidade de concurso de crimes, as penas de multa devem ser aplicadas de modo autônomo e integral. Portanto, ao final, as penas de multa sempre devem ser somadas. Entretanto, no caso de continuidade delitiva, o STJ afasta a aplicação da norma prevista no artigo 72 do CP, acima transcrito, para considerar que deve haver a imposição de uma única pena de multa, já que as infrações são tratadas como crime único: “(...) 3. Quanto ao recurso defensivo, impende considerar que, reconhecida a hipótese de crime continuado, não incide a regra do art. 72 do Código Penal para a fixação da pena de multa, devendo ser aplicado os critérios do art. 71 desse Codex. (...)” (STJ, REsp 858741/PR, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 13/09/2010). “(...) 1. A jurisprudência desta Corte assentou compreensão no sentido de que o art. 72 do Código Penal é restrito às hipóteses de concursos formal ou material, não sendo aplicável aos casos em que há reconhecimento da continuidade delitiva. Desse modo, a pena pecuniária deve ser aplicada conforme o regramento estabelecido para o crime continuado, e não cumulativamente, como procedeu a Corte de origem. (...)” (STJ, AgRg no AREsp 484057/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 09/03/2018). Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 23 136 3. MEDIDAS DE SEGURANÇA Medida de segurança é a espécie de sanção penal que é imposta pelo Estado com finalidade exclusivamente preventiva, nos casos de inimputáveis e semi-imputáveis. Portanto, a medida de segurança é a sanção penal reservada para os casos de o sujeito ser considerado inimputável, ou seja, sem culpabilidade, além de poder substituir a pena nos casos dos semi-imputáveis, chamados de fronteiriços. Majoritariamente, aponta-se como sua finalidade a prevenção especial, que é aquele entendimento que reconhece que se busca um objetivo específico com a sanção penal, voltando especificamente ao agente que cometeu a infração penal (por isso, chamada de prevenção especial). Com a aplicação da medida de segurança, evita-se que o sujeito volte a delinquir, se estiver internado, bem como se busca que seja tratado para não voltar a violar a lei penal, com o tratamento a que é submetido. No caso de o indivíduo não ser imputável, o juiz deverá absolvê-lo ao final do processo, determinando a imposição de medida de segurança. Referida sentença, por absolver o agente e ao mesmo tempo prever a aplicação de uma sanção penal, é denominada de absolutória imprópria. Diferentemente das penas, as medidas de segurança não se fundam na ideia de culpabilidade, que não existe no caso dos inimputáveis. Seu fundamento é a periculosidade do agente, que praticou um delito sem capacidade de compreender o caráter ilícito da sua conduta ou de se determinar de acordo com este entendimento. Além disso, pode ser aplicável também aos fronteiriços, em substituição à pena privativa de liberdade para os casos em que o agente não era plenamente capaz de compreender o caráter ilícito do fato ou de se determinar de acordo com tal entendimento. Relembrando, a sanção penal é gênero, do qual são espécies a pena e a medida de segurança: São pressupostos para imposição de medida de segurança: Prática de ilícito penal; seja uma infração penal, seja um injusto penal (fato típico e ilícito), conforme a teoria adotada; Periculosidade do agente: consiste na potencialidade de prática de novos crimes pelo indivíduo, o que justifica a necessidade de aplicação de tratamento ambulatorial ou internação. Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 24 136 3.1 SISTEMAS DE IMPOSIÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA Para imposição das medidas de segurança, há dois sistemas, os quais se diferenciam conforme a possibilidade de aplicação concomitante com pena. São eles: Sistema vicariante: ou se aplica pena ou se aplica medida de segurança. Não é possível a imposição simultânea de pena e de medida de segurança, de modo que, se o agente for imputável, apenas receberá pena. Se for inimputável, deverá ser-lhe imposta medida de segurança. Por fim, no caso dos fronteiriços, ou o juiz aplica a pena reduzida ou a substitui por medida de segurança. É o sistema atualmente adotado pelo Código Penal. Sistema do duplo binário ou de dois trilhos: podem ser aplicadas, de forma cumulativa, pena e medida de segurança. Destemodo, o agente poderia receber uma medida de segurança detentiva e restritiva, sem prejuízo de ter que cumprir pena. 3.2 ESPÉCIES DE MEDIDA DE SEGURANÇA A medida de segurança pode ser de duas espécies, a detentiva e a restritiva, conforme o esquema abaixo: Medida de segurança detentiva: internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico. Medida de segurança restritiva: sujeição a tratamento ambulatorial. O critério de escolha está previsto no artigo 97 do Código Penal: Art. 97 - Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial. Deste modo, de acordo com a disposição legal, deve-se aplicar a medida de segurança detentiva no caso de crimes puníveis com reclusão. Se o delito for punível com pena de detenção, será possível ao juiz submeter o agente à internação ou ao tratamento ambulatorial. Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 25 136 Parte da doutrina questiona referido critério, já que a escolha pela cominação de reclusão ou detenção às infrações penais se refere à sua gravidade, enquanto a medida de segurança se fundamenta na periculosidade do agente. Nestes termos, o Supremo Tribunal Federal já admitiu a flexibilização da regra, com a possibilidade de imposição de tratamento ambulatorial em caso de crime punível com reclusão: “EMENTA: AÇÃO PENAL. Execução. Condenação a pena de reclusão, em regime aberto. Semi- imputabilidade. Medida de segurança. Internação. Alteração para tratamento ambulatorial. Possibilidade. Recomendação do laudo médico. Inteligência do art. 26, caput e § 1º do Código Penal. Necessidade de consideração do propósito terapêutico da medida no contexto da reforma psiquiátrica. Ordem concedida. Em casos excepcionais, admite-se a substituição da internação por medida de tratamento ambulatorial quando a pena estabelecida para o tipo é a reclusão, notadamente quando manifesta a desnecessidade da internação.” (STF, HC 85401/RS, Rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, Julgamento: 04/12/2009). O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, vinha entendido válida a regra, aplicando-a em sua literalidade: “1. Com relação à imposição de medida de segurança para inimputável (caput do art. 97 do CP), "esta Corte de Justiça firmou entendimento de que o tratamento ambulatorial é exceção, possível apenas nos casos de crimes punidos com detenção, desde que observadas as condições de periculosidade do agente, à luz do livre convencimento motivado do magistrado" (HC n. 313.907/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 28/4/2015, DJe de 18/5/2015).”(STJ, AgRg no HC 512766/MS, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 25/09/2019). Entretanto, mais recentemente, o STJ tem adotado entendimento diverso, também flexibilizando a regra legal: “5. A doutrina brasileira majoritariamente tem se manifestado acerca da injustiça da referida norma, por padronizar a aplicação da sanção penal, impondo ao condenado, independentemente de sua periculosidade, medida de segurança de internação em hospital de custódia, em razão de o fato previsto como crime ser punível com reclusão.6. Para uma melhor exegese do art. 97 do CP, à luz dos princípios da adequação, da razoabilidade e da proporcionalidade, não deve ser considerada a natureza da pena privativa de liberdade aplicável, mas sim a periculosidade do agente, cabendo ao julgador a faculdade de optar pelo tratamento que melhor se adapte ao inimputável.”(STJ, EREsp 998128/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Terceira Seção, DJe 18/12/2019). “2. Nos termos do entendimento desta Sexta Turma, na definição da medida de segurança, a qual não se vincula à gravidade do delito, mas à periculosidade do agente, é facultado ao magistrado a escolha do tratamento mais adequado ao inimputável, ainda que a ele imputado delito punível com reclusão, em observância aos princípios da adequação, da razoabilidade e da proporcionalidade.”(STJ, AgRg no REsp 1804414/MS, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 21/02/2020). 3.3 APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA No âmbito da aplicação da medida de segurança, precisamos saber sua duração e as hipóteses de imposição. O artigo 97, §§ 1º e 2º, cuida da aplicação da medida de segurança: Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 26 136 § 1º - A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos. § 2º - A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução. Portanto, a previsão é de que o prazo da medida de segurança seja indeterminado, até que perícia médica averigue a cessação da periculosidade. O prazo mínimo, entretanto, deve ser fixado pelo juiz, de um a três anos. Quanto ao limite máximo, estudaremos no próximo tópico. As medidas de segurança são impostas, como já visto, no caso dos sujeitos inimputáveis. Além disso, é possível que elas substituam as penas no caso de semi-imputabilidade. Por fim, a superveniência de doença mental pode levar à conversão da pena em medida de segurança, como veremos adiante. 3.4 LIMITE DA MEDIDA DE SEGURANÇA Como visto no item anterior, o Código Penal não estipulou limite máximo de duração da medida de segurança, estipulando que seu prazo deve ser indeterminado. Surgiram, então, diversos entendimentos a respeito: a) As medidas de segurança não devem ter limite máximo, devendo durar até que cesse a periculosidade do agente. b) O limite máximo é o de 40 anos, como o das penas. c) O limite é o máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado. O Superior Tribunal de Justiça adota a corrente segundo a qual o limite de duração das medidas de segurança deve ser o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado. É o teor do enunciado nº 527 da sua Súmula: O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado.” O Supremo Tribunal Federal tem entendido de forma diferente, acolhendo o entendimento de que o limite máximo de duração da medida de segurança é o mesmo das penas privativas de liberdade. Deste modo, o máximo que uma medida de segurança pode durar é por 40 anos. Neste sentido, o seguinte julgado, que foi prolatado antes da Lei 13.964/2019 (que alterou o limite de 30 para 40 anos): “1. A prescrição da medida de segurança deve ser calculada pelo máximo da pena cominada ao delito cometido pelo agente, ocorrendo o marco interruptivo do prazo pelo início do cumprimento daquela, sendo certo que deve perdurar enquanto não haja cessado a periculosidade do agente, limitada, contudo, ao período máximo de 30 (trinta) anos, conforme a jurisprudência pacificada do STF. Precedentes: HC 107.432/RS, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, Julgamento em 24/5/2011; HC 97.621/RS, Relator Min. Cezar Peluso, Julgamento em 2/6/2009.” (STF, RHC 100383, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, Julgamento em 18/10/2011) E se, atingido o limite da medida de segurança, o agente ainda apresentar periculosidade? Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 27 136 Neste caso, a única solução é a propositura de ação civil de interdição, com pedido liminar de internação compulsória do indivíduo. Como a medida de segurança, segundo os tribunais superiores, possui prazo máximo de duração, caso a periculosidade ainda não tenha cessado, o Ministério Público deve buscar sua internação na esfera cível. A este respeito, cumpre registraro que prevê o artigo 6º da Lei 10.216/2001, que trata da proteção e dos direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental: Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos. Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica: I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário; II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça. Por fim, cumpre registrar que a internação deve ocorrer apenas quando absolutamente necessária, nos termos do que prevê o artigo 1777 do Código Civil: Art. 1.777. As pessoas referidas no inciso I do art. 1.767 receberão todo o apoio necessário para ter preservado o direito à convivência familiar e comunitária, sendo evitado o seu recolhimento em estabelecimento que os afaste desse convívio. O inciso I do artigo 1.767 prevê que, dentre os que estão sujeitos à curatela, incluem-se “aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade”. 3.5 LIBERAÇÃO OU DESINTERNAÇÃO CONDICIONAL Quando cessada a periculosidade do agente, ocorre a desinternação ou liberação condicional. Isto porque, ao se constatar, por meio de perícia médica, que não subsiste a periculosidade do agente, a internação ou o tratamento médico são suspensos. Entretanto, o indivíduo fica sujeito a um período de prova, durante o qual se verifica se ele realmente não apresenta mais periculosidade, sendo sua duração de 1 ano. Caso ele volte a praticar fato que demonstre que ainda apresenta periculosidade, a medida de segurança deve ser restabelecida. A liberação ou desinternação condicional está prevista no artigo 97, § 3º, do Código Penal: § 3º - A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade. A lei civil também prevê hipótese de desinternação progressiva. A Lei 10.216/2001, em seu artigo 5º, trata do tema: Art. 5o O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, será Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 28 136 objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário. 3.6 REINTERNAÇÃO E INTERNAÇÃO DO SUBMETIDO A TRATAMENTO Reinternação é a possibilidade de restabelecimento da medida de segurança detentiva, no caso de o indivíduo, no período de prova de 1 ano, praticar algum fato que demonstre a persistência de sua periculosidade. Como já estudado, a hipótese está prevista no artigo 97, § 3º, do Código Penal. Além disso, pode haver a internação daquele que estava submetido a tratamento ambulatorial, caso a providência se mostre imprescindível para o progresso psiquiátrico do agente, conforme o artigo 97, § 4º, do CP: § 4º - Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos. 3.7 SEMI-IMPUTABILIDADE Os semi-imputáveis ou fronteiriços são aqueles que, à época do cometimento da infração penal, não eram inteiramente capazes de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Sua previsão está no artigo 26, parágrafo único, do Código Penal: Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Nestes casos, o juiz, em vez de impor ao agente a pena cominada com a causa de diminuição de um a dois terços, pode substituí-la por medida de segurança, detentiva ou restritiva: Art. 98 - Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º. 3.8 CONVERSÃO DA PENA EM MEDIDA DE SEGURANÇA No caso de superveniência de doença mental ao condenado, haverá a conversão da sua pena em medida de segurança. Neste caso, o indivíduo era imputável ao tempo da prática da infração penal (momento da ação ou da omissão do sujeito), sendo condenado pelo juiz ao cumprimento de determinada pena. Michael Procopio Aula 10 Direito Penal p/ PC-PA (Delegado) - Pós-Edital www.estrategiaconcursos.com.br 29 136 Entretanto, no momento de execução da pena, sobrevém ao agente doença mental, tornando necessário seu tratamento. Neste caso, sua pena deve ser convertida em medida de segurança. O artigo 41 do Código Penal prevê, de início, a internação do agente em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico: Superveniência de doença mental Art. 41 - O condenado a quem sobrevém doença mental deve ser recolhido a hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, a outro estabelecimento adequado. O artigo 108 da Lei de Execução Penal possui teor semelhante: Art. 108. O condenado a quem sobrevier doença mental será internado em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico. Já o artigo 183 do mesmo diploma legal trata da conversão da pena em medida de segurança: Art. 183. Quando, no curso da execução da pena privativa de liberdade, sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental, o Juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, da Defensoria Pública ou da autoridade administrativa, poderá determinar a substituição da pena por medida de segurança. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que o prazo máximo de duração da medida de segurança decorrente de conversão da pena, por superveniência de doença mental, é diferente. Neste caso, o máximo de duração da medida de segurança seria o tempo que restava da pena que o agente estava cumprindo: “Consolidou-se nesta Superior Corte de Justiça entendimento no sentido de que a medida de segurança prevista no art. 183 da Lei de Execução Penal é aplicada quando, no curso da execução da pena privativa de liberdade, sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental, ocasião em que a sanção é substituída pela medida de segurança, que deve perdurar pelo período de cumprimento da reprimenda imposta na sentença penal condenatória, sob pena de ofensa à coisa julgada.” (STJ, AgRg no HC 531438/GO, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 18/05/2020). “PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO. SUPERVENIÊNCIA DE DOENÇA MENTAL. CONVERSÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM MEDIDA DE SEGURANÇA. INTERNAÇÃO. MANUTENÇÃO. TEMPO DE CUMPRIMENTO DA PENA EXTRAPOLADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM CONCEDIDA. 1. Em se tratando de medida de segurança aplicada em substituição à pena corporal, prevista no art. 183 da Lei de Execução Penal, sua duração está adstrita ao tempo que resta para o cumprimento da pena privativa de liberdade estabelecida na sentença condenatória. Precedentes desta Corte. 2. Ordem concedida.” (STJ, HC 373405, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 21/10/2016). 3.9 EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE A extinção da punibilidade, já estudada, impede a imposição ou a execução da pena ao agente. De igual modo, no que se refere às medidas de segurança, não é possível a sua imposição
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