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Samuel Magoji Sanda

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SAMUEL MAGOJI SANDA 
 
 
 
 
 
ENSAIO SOBRE A FAMÍLIA 
PÓS-MODERNA 
 
 
 
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS 
 
 
 
 
 
 
 
 
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO 
SÃO PAULO 
 
2007 
 
 
ii
SAMUEL MAGOJI SANDA 
 
 
 
 
 
ENSAIO SOBRE A FAMÍLIA 
PÓS-MODERNA 
 
 
 
 Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade 
Católica de São Paulo, como exigência para obtenção do título de Mestre em 
Sociologia sob a orientação da Doutora Caterina Koltai. 
 
 
 
 
 
 
 
SÃO PAULO 
 
2007 
 
 
iii
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
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DEDICATÓRIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A todos aqueles que me 
ajudaram direta ou 
indiretamente a completar 
esta longa, longa, jornada.
 
 
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AGRADECIMENTOS
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A minha querida orientadora que me 
ajudou enormemente a começar e a 
terminar este mestrado. 
 
A Dra. Carmen e seus seminários 
de pesquisa que me que ajudaram a 
compartilhar coletivamente as 
tristezas e alegrias com outros pós-
graduandos. 
 
Ao agora Dr. Adrian Ribaric, cujas 
aulas serviram de inspiração na 
elaboração desta dissertação. 
 
A Dra. Norma e suas aulas sobre 
emoções e obras literárias que me 
abriram novos horizontes. 
 
A Dra. Marinês e sua adorável 
mestra filha Raquel que trabalharam 
dias a fio para corrigir esta 
dissertação. 
 
A meu amigo Felipe e sua futura 
mestra Lú pela disposição de fazer 
a revisão final quando eu já não 
agüentava mais olhar para o 
computador. 
 
Aos meus pais e minha irmã que me 
apoiaram nesta cara empreitada. 
 
Aos meus futuros orientandos que 
um dia ainda farei sofrer. 
 vi 
 
 
Resumo 
 
A presente tese teve como objetivo estudar, por meio de uma perspectiva 
interdisciplinar, a família pós-moderna, dialogando com dois filmes Casamento 
Grego (2002) e Um Grande Garoto (2002). O estudo consistiu de uma breve 
reflexão histórica sobre o papel da família desde a sua ascensão no século XIX 
até a atual época, em que as instituições encontram-se em crise ou desordem. 
Parte-se da premissa que a crise pela qual a família está passando é provocada, 
em parte, pela cultura narcísica que tem produzido jovens adultos que, ao 
colocarem o desejo como papel central em suas vidas, são incapazes de assumir 
responsabilidades, preferindo relacionamentos virtuais que possibilitam situações 
mais românticas e satisfatórias. Além disso, eles são incapazes de tomar 
decisões, pois vivem em constante oscilação entre atração e repulsão, esperança 
e temor, e preferem recorrer a supostos especialistas de relacionamento 
humanos. Como conseqüência, acabam por ceder o espaço público aos 
especialistas de organizações cívicas e a falsos políticos. Uma das soluções que 
aponto para atenuar a desordem instaurada na contemporaneidade é a criação de 
um novo projeto político capaz de criar sujeitos transformadores que possam, por 
meio de uma nova cultura, promover a criação de práticas que retomem o sentido 
dos valores iluministas e democráticos. 
 
 
Palavras chaves: interdisciplinar, família, desordem, narcísica, virtuais, político, 
humanidade. 
 
 
 
 
 
vii
 
 
Abstract 
 
The present dissertation had as objective to study, through an interdisciplinary 
perspective, the post-modern family, rapporting with two movies My Big Fat Greek 
Weeding (2002) and About a Boy (2002). The reflection consisted of a brief 
historical reflection about the function of the family since its ascension in the 19th 
century until nowadays, time in which it, like the others institutions, is in crisis or 
disorder. I believe that this crisis that the family is passing through is provoked in 
part by a narcissistic culture that has been producing young adults that when 
setting the desire in a central role in their lives are incapables to assume 
responsibilities preferring virtual relationships to keep at sight more romantic and 
satisfactory possibilities. Besides, they are incapables to take decisions, because 
they live in constant oscillation between attraction and repulsion, hope and fear, 
preferring to appeal to the so-called specialists of human relationships, always 
ready to offer their services in exchange for fees. As consequence they end up 
leaving the public space to supposed civics organizations and false politicians. One 
possible solution that I show to minimize this disorder is a creation of a new 
political project capable of creating transforming subjects that can, through a new 
culture, promote the creation of practices that recover the sense of the Illuminist 
and democratic values. 
 
Key words: interdisciplinary, family, disorder, narcissistic, virtual, political, humanity 
 
 
viii 
 
 
Sumário 
 
Resumo 
 
Abstract 
 
Introdução ........................................................................................................ 01 
 
Capítulo I: Sociedade e família contemporânea ............................................... 09 
 
1.1- O mito do pai da horda: como tudo supostamente começou... ....... 11 
1.2- Flashback da história da família ocidental ..................................... 14 
1.3- A família moderna .......................................................................... 17 
1.4- Família contemporânea .................................................................. 28 
 
Capítulo II: O imaginário social da família ........................................................ 37 
 
2.1- Casamento grego ........................................................................... 40 
2.2- Um grande garoto ........................................................................... 49 
 
Capítulo III: Feito a ser feito ............................................................................. 63 
3.1- O sujeito do século XXI: a socialização .......................................... 65 
3.2- O indivíduo autônomo e heterônimo ............................................... 69 
3.3- Entre autonomia e heteronomia ..................................................... 71 
3.4- O ressentimento: o novo “mal-estar” contemporâneo ..................... 74 
3.5- Como criar, então este projeto político na contemporaneidade? .... 75 
 
Considerações finais ........................................................................................ 89 
 
Referências Bibliográficas ................................................................................ 95
 1 
 
 
Introdução 
 
Vivenciamos, no início de século XXI, uma época parecida com a descrita 
por Alvin Toffler, em A Terceira Onda (1980): terroristas fazendo jogos de morte 
com reféns, embaixadas em chamas, governos do mundo reduzidos à paralisia ou 
à imbecilidade.Diante desse cenário, o homem pós-moderno parece rumar para 
seu fim ao lado de seus botes salva-vidas: igreja, família e Estado. Mas será? 
Nas últimas décadas, a humanidade tem se desenvolvido tecnologicamente 
de uma maneira espantosa, desenvolvemos a clonagem, descobrimos novas 
formas de gerar energia, nossas produções acompanham cada vez mais nossa 
imaginação e quem sabe colonizaremos o espaço daqui a alguns anos. Além 
disso, não envelhecemos mais como nossos pais e esperamos estar próximos da 
cura de doenças como câncer, AIDS e Mal de Alzheimer, além de termos 
condições de acabar com a fome entre nós humanos. 
Tendo evoluído tanto tecnologicamente, porque vivemos em tempos 
obscuros? A resposta mais fácil e corriqueira seria responsabilizar o sistema, mas 
qual deles? Prefiro pensar que o mundo atravessa, mais uma vez, um momento 
difícil porque nos esquecemos de evoluir socialmente, ou melhor, nosesquecemos, em meio da aceleração de tempo e conhecimento, daquilo que nos 
torna humanos. Então, o que somos hoje? 
Essa parece ser uma grande questão atualmente. Em que o homo sapiens 
demens se tornou na pós-modernidade? Responder esta indagação, para 
Castoriadis, é uma missão quase impossível, pois ela gera uma infinidade de 
perguntas que exigem respostas bastante complexas. Uma das perguntas, feita 
pelo autor, é: 
“Qual é a parcela de todo o meu pensamento e de todas as minhas maneiras 
de ver as coisas e de fazer coisas que não está condicionada e co-determinada, 
em um grau decisivo, pela estrutura e pelas significações da minha língua 
 
 
2
materna, pela organização do mundo que essa língua carrega consigo, pelo 
meu primeiro ambiente familiar, pela escola, por todos os faça e não faça com 
que freqüentemente fui assediado pelos meus amigos, pelas minhas opiniões 
correntes a meu redor pelos modos de fazer que me são impostos pelos 
inumeráveis que me cercam e assim por diante?” (Castoriadis, 1987/1992, p. 
230). 
Foi pensando nesta pergunta essencial que me aventurei a realizar, na 
graduação, o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). O trabalho tinha como foco 
a família, instituição esta escolhida devido ao papel que desempenha na 
sociedade. Segundo Lasch (1977/1991), o papel da família é inculcar modos de 
pensar e de atuar que se transformam em hábitos para seus indivíduos, ou seja, 
ao fato de ela ser uma das grandes responsáveis pela produção e formação dos 
indivíduos para a vida em sociedade. Sendo que toda mudança seja macro ou 
micro social, cultural ou política acaba se refletindo na família, o que facilita fazer 
um mapa dos principais fatores que afetam a sociedade e seus membros. 
No TCC, o referencial teórico básico foi o apresentado pela psicanalista e 
historiadora Elizabeth Roudinesco no livro A família em desordem (2002). Naquela 
ocasião, o estudo em torno da crise da família, o enfraquecimento da função 
paterna e as conseqüências da tecnologização e da cultura jovem nas relações 
familiares foram alvo de minha investigação científica. 
Na época, apesar das minhas pretensões juvenis, não consegui responder 
à vasta pergunta acima citada. Tendo em vista a complexidade do tema, consegui, 
quanto muito reproduzir as descobertas de Roudinesco e de alguns outros 
autores. No entanto, a frase com a qual a autora termina seu livro – “a família do 
futuro tem que ser mais uma vez inventada” (2002/2003 p.199) – pareceu-me 
estar conectada à pergunta de Castoriadis e apontou novos caminhos. 
Foi por causa dessa suposta conexão que me motivei a empreender essa 
dissertação de mestrado. O resultado tornou-se possível devido às novas 
bibliografias encontradas nestes três anos de pós-graduação e a utilização de 
videologias ou mitologias pós-modernas. Essas novas ferramentas me 
possibilitaram, num primeiro momento, a releitura crítica do meu TCC e, num 
segundo momento, indicaram-me novos caminhos na minha tentativa de continuar 
desvendando o imaginário social pós-moderno sobre a família, a sociedade atual e 
 
 
3
o tipo de indivíduo que ela produz hoje em dia e poderá vir a produzir no futuro. 
Um dos pontos norteadores de minha dissertação de mestrado é o texto de 
Freud Totem e Tabu (1914/1968), no qual o autor elabora seu mito do pai da 
horda que mostra como teria se dado a passagem da natureza para a cultura. 
Neste texto, que suscitou inúmeras polêmicas no campo das ciências sociais, 
Freud defende a tese de que sem referência paterna nenhuma cultura é 
concebível, pressuposto sem o qual fica difícil entender as críticas, justificadas ou 
não, feitas à família contemporânea, principalmente no que diz respeito à falência 
da função paterna. 
O mito traz como um dos seus principais elementos a proibição do incesto 
que tem como função simbólica diferenciar o mundo animal do mundo humano. É 
esta função exercida pela proibição do incesto que fez com que Roudinesco 
afirme que a família pode ser considerada uma instituição humana duplamente 
universal, pois associa um fato de cultura construído pela sociedade a um fato de 
natureza, inscrito nas leis da reprodução biológica. 
A associação entre cultura e natureza permitiu, pelo ponto de vista 
freudiano, a constituição da família, necessidade da civilização que possibilitou ao 
homem não ser privado da mulher e esta de não ser separada de seus filhos, 
instaurando, desse modo, o que mais tarde ele veio a chamar de “moral sexual 
civilizada” fundamentada na repressão pulsional necessária à manutenção dos 
ideais reguladores da sociedade, conjugando obrigação ao trabalho e potência do 
amor. 
As transformações que ocorreram na instituição familiar, assim como as 
diferentes formas de abordá-la ao longo do tempo, têm como núcleos duas 
grandes ordens: biológica (diferença sexual) e simbólica (proibição do incesto e 
outros interditos), o que me faz concordar, junto com Roudinesco, que não basta 
definir família por meio do ponto de vista antropológico, pois é preciso saber 
também qual a sua história e como se deram as mudanças que resultaram na 
desordem na atualidade. 
Tendo isto em mente, procurei um autor que pudesse me auxiliar no estudo 
 
 
4
das principais mudanças históricas sofridas pela família. Durkheim foi a minha 
escolha devido a sua teoria da “retração familiar” desenvolvida em seu curso de 
1892. Esta retração, ou melhor, contração familiar não diz respeito somente ao 
tamanho do grupo familiar, mas também à sua constituição e à relação com os 
bens, visto que as formas primitivas de família, em que as relações do grupo 
doméstico dependiam primeiramente da posse coletiva e sagrada, deu lugar a um 
novo tipo de família, fundada na propriedade privada e na designação do chefe de 
família que passou a ser o centro de gravidade da nova família. Nesta, o poder se 
deslocou das coisas para as pessoas, ou melhor, a uma pessoa em particular, o 
pai, que passou a concentrar tudo o que havia de moral e religioso na família. 
Durkheim foi o primeiro a chamar a atenção para o fato de que a diminuição 
da função do pai poderia gerar, num futuro próximo, indivíduos interessados em 
perseguir fins apenas pessoais, desembocando numa sociedade anômica. Sua 
percepção foi muito importante porque, de certo modo, ela anunciava a percepção 
de alguns autores contemporâneos, tais como Lash (1977/1991) e Lipovestky 
(1992), que atribuem à falência da função paterna em nossos dias, grande parte 
dos problemas sociais e patologias contemporâneas. 
Em outras palavras, a idéia de contração familiar de Durkheim faz pensar 
que a família, tal qual a conhecemos hoje em grande parte do mundo ocidental, 
constituída por pai, mãe e filhos solteiros é uma forma histórica de família criada 
pela Europa moderna, fruto de uma longa evolução que se estendeu por quase 
três séculos. 
Roudinesco (2002) pontua três momentos da evolução familiar. O primeiro, 
tradicional, vigorou durante o Antigo Regime, teria por características principais a 
transmissão do patrimônio paterno aos filhos após a morte do pai e os 
casamentos arranjados pela família. A célula familiar dessa época repousava 
sobre uma ordem do mundo imutável e inteiramente submetida à autoridade 
patriarcal, em que o casamento dos filhos, em geral em idade precoce, visava a 
manutenção ou a ampliação do patrimônio e não se consideravam as 
necessidades afetivas e sexuais dos noivos. 
 
 
5
O segundo momento teria começado no final do século XVIII com as 
Revoluções Burguesas, Francesa e Industrial. Esse momento se estendeu até 
meados do século XX, quando começou a dar sinais de fraqueza. Esse tipo de 
família, denominada por Roudinesco de moderna, baseia-se no casamento 
fundamentado no amor romântico, na reciprocidade dos sentimentos e no 
reconhecimento da importância da sexualidade. O casamento burguês foi 
valorizando, cada vez mais, a divisão dotrabalho entre os esposos, ao mesmo 
tempo em que, com o passar do tempo, acabou repassando a educação dos filhos 
para o Estado. 
O terceiro tipo de família, a que se pode chamar de contemporâneo 
segundo Roudinesco, ou pós-moderna, segundo outros autores, foi gerada em 
movimentos revolucionários e da contracultura da década de 1960 e se 
caracterizaria pela união temporária de dois indivíduos que buscam relações 
íntimas ou realização sexual e pelo aumento considerável das separações. Essa 
família, que se apresenta desconstruída, recomposta, mono ou homo parental, 
parece estar sujeita a uma grande desordem, o que não significa, no entanto, que 
tenha atingido o nível de degradação que alguns lhe atribuem, responsabilizando-
a por situações catastróficas, como “professores apunhalados, crianças 
estupradoras e estupradas; carros incendiados, periferias entregues ao crime e à 
ausência de qualquer autoridade” (ROUDINESCO, 2002, p. 10). 
Concentrei meu estudo no segundo e no terceiro períodos, visto que no 
primeiro é narrada a ascensão e a queda da família burguesa. Digo queda porque 
nesse período houve o controle social, cada vez mais intenso, sobre atividades 
antes relegadas às famílias. Foi também nesse período, século XIX, que 
emergiram movimentos tais como o feminismo. Já no segundo período podemos 
constatar a forma como as transformações do período anterior desembocaram na 
família pós-moderna. 
Após aprofundar o estudo da família moderna, debrucei-me sobre a família 
pós-moderna, instituição que vive num mundo de inovações incessantes que 
geram uma obsolescência acelerada de conhecimento e valores, em que o modo 
 
 
6
encontrado pelos seus membros para sobreviver a essas rápidas transformações 
parece estar sendo o do prolongamento da juventude para que, assim como as 
mercadorias ou bens simbólicos, possam estar sempre novos e adequados aos 
estilos da moda. 
A esta postergação das atitudes que antigamente definiam a entrada na 
vida adulta, tais como o matrimônio e a procriação, alguns antropólogos tais como 
Marguilis (1998), Martín-Barbero (1998), Urresti (1998) e Feixa (2000) deram o 
nome de moratória social. Esta moratória, na opinião de Morin (1984), embora 
permita ao indivíduo ter disponíveis todos os recursos para se capacitar para a 
vida em sociedade, se prolongada além do necessário, pode acabar resultando 
num sujeito anti-social chamado jovem adulto que se recusa a se comportar como 
adulto e se refugia em seu mundo de eterno presente para fugir de uma realidade 
que vive como opressora. 
Considerando que ser adulto significa ter responsabilidades e envelhecer, 
talvez possamos afirmar que os adultos estão se tornando raros. Atualmente, vê-
se com freqüência jovens adultos denominados de girlies, grups, kids adults ou 
parasitas solteiros, que parecem ter em comum o aspecto jovial e a mentalidade 
juvenil. Além disso, assemelham-se a controles remotos, não se ancorando em 
ninguém e em parte alguma, oscilam entre sonhos e pesadelos perdendo a noção 
de quando o primeiro termina e o segundo começa. 
Os jovens adultos não se ancoram em nada, pois vêem os compromissos a 
longo prazo como uma armadilha a ser evitada a qualquer preço, pois “ao se 
comprometerem ainda que sem entusiasmo, estarão fechando a porta a outras 
possibilidades românticas talvez mais satisfatórias e completas. Se você deseja 
relacionar-se mantenha distância; se quer usufruir do convívio, não assuma nem 
exija compromissos. Deixe todas as portas abertas” (Bauman, 2003/2004, p. 10). 
Não por acaso os relacionamentos, segundo Bauman (2003/2004), vêm se 
tornando, dessa maneira, cada vez mais virtuais, parecendo inteligentes e limpos, 
fáceis de usar, compreender e manusear. Deste modo, eles permitem que a 
pessoa mantenha no campo de visão a tecla “deletar” usada em caso de 
 
 
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emergência. É, aliás, essa característica de transitoriedade que caracteriza a 
família contemporânea ou pós-moderna, fruto de divórcios, separações e 
recomposições conjugais. 
A característica de transitoriedade e outras mais são discutidas, no capítulo 
dois da presente dissertação, por meio de filmes. A razão pela qual utilizo as 
produções cinematográficas ao invés de dados estatísticos deve-se ao fato de eu 
acreditar, assim como Barthes (2003), que essas produções são mitos, ou seja, 
sistemas de valores que mostram toda a idéia de um povo a respeito do que é 
justiça, moralidade, estética, arte, literatura etc. Essas construções sociais cujo 
objetivo é realizar o desejo imemorial da humanidade de reproduzir o real têm 
como seu maior representante nos tempos atuais o cinema, como bem pontuou o 
historiador Elísio dos Santos (2000). Desde a sua invenção até nossos dias, o 
cinema continua sendo a manifestação artística e comercial mais popular, sendo 
que o número de seus espectadores não cessa de crescer, principalmente se 
levarmos em conta que filmes realizados para o cinema vêm encontrando outros 
canais de circulação como a TV aberta, TV por assinatura, vídeo, DVD e internet. 
Partindo deste pressuposto, estudei a família contemporânea por meio de 
filmes que, em função dos processos de globalização ocorridos no Ocidente, têm 
mostrado a imagem de uma família diferente da tradicional família burguesa, 
conjugal ou restrita, fundada no amor romântico e sancionada pelo casamento, na 
reciprocidade dos sentimentos e no desejo. Este modelo de instituição poderia ser 
visto de forma majoritária até décadas atrás em filmes e em livros cujas temáticas 
referiam-se aos sofrimentos causados por traições, separações, divórcios e 
crianças traumatizadas pelos conflitos familiares. 
A família retratada nos filmes atuais ganhou novas formas, podendo ser 
constituída por mães solteiras, casamentos entre indivíduos do mesmo gênero etc. 
Além disso, há a divisão cada vez menos clara entre as funções maternas e 
paternas, que acabam se mesclando. É como se encontrássemos a imagem da 
família em desordem, definida por Roudinesco como sendo a união temporária 
entre dois indivíduos em busca de relações íntimas ou satisfação sexual, 
 
 
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valorizando cada vez mais o espaço privado em detrimento do publico. 
Parece-me que os filmes que tratam da família pós-moderna podem, grosso 
modo, ser divididos em dois tipos: um que elogia as novas formas de família e 
outro que reflete, de forma nostálgica, a família mais clássica, ainda organizada 
em torno dos laços do casamento, da autoridade paterna e da velhice depositária 
de tradições. É o caso, a meu ver, de um dos dois filmes que escolhi trabalhar, 
Casamento grego (2002), que acompanha as agruras de um patriarca 
tradicionalista grego tentando impedir o casamento de sua filha com um noivo pós-
moderno. A esse tentei opor Um grande garoto (2002), que aborda outro tipo de 
família, que alguns classificariam como a família da pós-modernidade, sem 
hierarquias, sem autoridades baseada na fraternidade e dissecada pelo discurso 
da especialidade. 
Na última parte de minha dissertação, após ter mostrado os caminhos que 
levaram à família pós-moderna e ter delimitado suas principais características, 
aventurarei-me a responder a uma parcela do desafio da pergunta lançada por 
Castoriadis, ou seja, “quem sou eu nos tempos atuais?”. Apoiado em 
considerações feitas por Castoriadis, Maturana (1993/2004), Giannotti (2004), 
entre outros, busquei responder a essa pergunta por meio da retomada dos 
conceitos castoriadianos de autonomia e heteronomia e do conceito de sociedade 
neomatrística de Maturana, tendo como pano de fundo a utopia de poder criar um 
mundo novo por meio da instituição de uma nova cultura, como proposta por 
Maturana, capaz de contribuir para o projeto de autonomia de Castoriadis e de um 
novo ser humano deliberativo e criador de projetos coletivos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
9
 
 
Capítulo I 
 
 
Sociedade e Família Contemporânea“A família do futuro deve ser mais uma vez reinventada”. 
Elisabeth Roudinesco 
 
Este capítulo tem como objetivo delinear algumas características da 
sociedade atual e, mais especificamente, da família e do indivíduo 
contemporâneos. Para tanto, apresento inicialmente uma retrospectiva histórica a 
respeito da instituição familiar, na esperança de que as diferentes formas por ela 
assumida ao longo da história possam me ajudar a compreender a configuração 
atual da família ocidental. 
Ao refletirem sobre a família contemporânea, certos autores como Lash 
(1977/1991) e Lipovestky (1992), demonstram assumir uma postura catastrófica 
quando afirmam que a família ocidental, fragmentada e em crise, estaria passando 
por um processo inédito: o total colapso da função paterna que gera novas 
patologias sociais. Em oposição a esta leitura alarmista, apóio-me em Elisabeth 
Roudinesco, historiadora e psicanalista francesa, para discutir o tema em questão. 
No livro A família em desordem (2002/2003), embora Roudinesco 
reconheça o momento de desordem pelo qual vem passando a família ocidental 
burguesa e não menospreze o que tal crise pode ter de significativo e sintomático, 
a autora afirma não ver motivos para tanto medo, pois a família, instituição 
presente em diversas culturas, com hábitos sexuais e educativos diferentes 
daqueles que conhecemos, é universal, enquanto a crise atual é histórica e vêm 
se desenvolvendo desde o século XIX. 
 
 
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Convém lembrar que Lévi-Strauss, em seu texto consagrado La famille 
(1956), indicava que a família não só é universal, mas também tem por função, em 
qualquer sociedade, unir, de forma mais ou menos duradoura e socialmente 
aprovada, um homem e uma mulher a fim de criar uma aliança (o casamento) e 
uma filiação (a prole). Para tanto, é necessária a existência de duas famílias 
anteriores, uma pronta a fornecer um homem e a outra, uma mulher. Esse casal, 
por meio de seu casamento, origina uma terceira e assim sucessivamente. 
Dessa forma, Lévi-Strauss (1956) exige daqueles que estudam o fenômeno 
familiar um pensamento menos linear e mais complexo, o que significa trabalhar 
em dois planos: antropológico, focando a universalidade das estruturas de 
parentesco que enfatizam o fato de que cada família provém da união de duas 
famílias anteriores; e sociológico, que enfatiza a família histórica ao fazer um 
estudo vertical das filiações e gerações e nas continuidades e distorções entre 
pais e filhos, assim como na transmissão dos saberes e das atitudes que uma 
geração herda de outra. 
Qual desses caminhos trilhar e como encadeá-los? Encontrei a resposta 
para essas indagações no livro de Roudinesco que aponta o mito freudiano do pai 
da horda como ponto de partida tanto da antropologia quanto da sociologia para o 
estudo da família. Assim, apresento a seguir um breve resumo de Totem e Tabu 
(1914/1968), livro com o qual Freud inaugurou sua teoria do social e da cultura, na 
qual considera que o parricídio gerou a humanidade assim como as suas 
instituições. 
Totem e Tabu, texto que suscitou inúmeras polêmicas no campo das 
ciências sociais, é considerado fundamental dentro do pensamento freudiano, pois 
nele Freud defendeu sua tese de que nenhuma cultura é concebível sem a 
referência paterna. Sem conhecer tal pressuposto, dificilmente se entende as 
críticas, justificadas ou não, que têm sido feitas à família contemporânea, 
principalmente no que diz respeito à falência da função paterna. 
A maior parte das críticas que esse texto freudiano suscitou no momento de 
sua publicação foi proferida por antropólogos. Um deles, Frazer (1910), que 
 
 
11
sustentou uma hipótese inversa à de Freud, que relacionava exogamia e incesto, 
ao dizer que havia uma disjunção entre exogamia e totemismo. Apesar da 
discordância Frazer e Freud tem a mesma leitura de Durkheim sobre exogamia e 
totemismo, ou seja, a de que “o tabu que se liga ao totem deve necessariamente 
implicar na proibição das relações sexuais com a mulher pertencendo ao mesmo 
totem que o homem”. Quanto a Freud, esse nunca deixou de relacionar entre si os 
dois tabus totêmicos: não matar o pai e não se casar com uma mulher do grupo do 
totem. 
Segue abaixo o mito freudiano citado. 
 
1.1 O mito do pai da horda: como tudo supostamente começou... 
Era uma vez uma horda de sapiens que, no início dos tempos, era 
governada por um homo tiranus que mantinha sob seu jugo todos os machos e 
todas as fêmeas do grupo e impedia pela força bruta que os demais machos 
usufruíssem das fêmeas, tornando-se, conseqüentemente, o pai de todos. Um dia, 
após longos anos de repressão, alguns filhos do tirano, inconformados com o fato 
de o pai possuir todas as fêmeas, uniram-se para destroná-lo. Essa primeira 
rebelião falhou e os filhos foram banidos da comunidade. Mais tarde, ainda 
inconformados, unidos pelo ódio ao tirano, os machos arriscaram uma segunda 
investida e conseguiram assassinar o chefe da horda primitiva. Quando este foi 
morto, transformou-se em pai e os filhos converteram-se em irmãos de fato. 
Como salienta Enriquez (1990) em seu livro Da Horda ao Estado, aquilo 
que começa como um conto de fadas, do tipo “era uma vez”, aos poucos chama 
nossa atenção para o fato inédito de que o ódio partilhado transformou seres 
submissos em irmãos e o chefe da horda em pai. Neste texto, que Lacan 
considera o único mito moderno, Freud defende a idéia de que o primeiro 
agrupamento realmente humano só pode se constituir a partir de um crime 
cometido em conjunto. É por esse motivo que, do ponto de vista freudiano, o pai 
só existe morto, real ou simbolicamente. 
Após o assassinato os irmãos devoraram o corpo do pai morto para 
 
 
12
incorporarem e se apoderarem da sua força e, nesse momento de festim 
canibalesco os irmãos se reconhecem como tais. Como lembra Enriquez (1990) 
na obra citada, o festim é o segundo momento forte da história, pois, ao comerem 
juntos a mesma carne, os irmãos se identificaram definitivamente como irmãos, 
tornando-se iguais, porque estavam unidos pelo sangue. 
Cabe ressaltar que, por mais que os filhos odiassem o pai pelo fato de ele 
representar um obstáculo aos seus anseios de poder e à realização de seus 
desejos sexuais, também o amavam e admiravam. Dessa ambivalência – odiar e 
amar o mesmo objeto ao mesmo tempo – deve-se encontrar a explicação da culpa 
que os filhos passaram a sentir uma vez saciado o ódio. Movidos pela culpa do 
parricídio, eles decidiram renunciar a posse das fêmeas e transformaram o pai 
num totem ou, em outros termos, no fundador do grupo. Convém salientar que, ao 
instaurarem o totemismo, os irmãos inauguraram uma nova organização social na 
qual o pai morto se tornou muito mais poderoso do que quando estava vivo. 
Assim, aquilo que era proibido pela força bruta do pai como a posse das fêmeas 
passou a ser vedado pelos próprios filhos. 
A proibição da morte do totem teve como uma de suas finalidades, além de 
diminuir o sentimento de culpa evitar que um dos irmãos desejasse se apoderar 
de todas as fêmeas do clã, o que levaria a uma luta de todos contra todos, pois 
nenhum dos irmãos tinha força suficiente para assumir o lugar do pai. Por tal 
motivo, todos decidiram renunciar ao motivo do parricídio, ou seja, às mulheres do 
clã, que passaram a funcionar enquanto moeda de troca, instaurando desse modo 
à proibição universal do incesto. 
A respeito do valor do mito freudiano, Lévi-Strauss tece os seguintes 
comentários em seu livro As Estruturas Elementares do Parentesco (1976): 
“[...] como todos os mitos o que é apresentado com tão grande força dramática 
em Totem e Tabu admite duas interpretações. O desejo da mãe ou da irmã, o 
assassinato do pai e o arrependimento dos filhos não correspondem, sem 
dúvida, a qualquer fato, ou conjunto de fato, que ocupam na história um lugar 
definido. Mas traduzem, talvez, em forma simbólica, um sonhoao mesmo 
tempo duradouro e antigo. O prestígio deste sonho, seu poder de modelar, sem 
que se saiba, os pensamentos dos homens, provém justamente do fato dos 
atos por ele evocados nunca terem sido cometidos, porque a cultura sempre e 
em toda parte se opôs a isso As satisfações simbólicas nas quais, segundo 
 
 
13
Freud se expande o sentimento do incesto não constituem, portanto, a 
comemoração de um acontecimento. São outra coisa e, mais do que isso, são a 
expressão permanente do desejo de desordem, ou antes, da contra-ordem” (p. 
531-532). 
Enriquez afirma que as duas interpretações de Lévi-Strauss sobre o mito do 
pai da horda permitem aos etnólogos e sociólogos abordarem o texto freudiano 
sob uma nova ótica, pois chama a atenção para o fato de que o sonho de 
assassinato do pai é antigo e perdura até os dias atuais. Esse sonho explica 
principalmente porque o incesto, conscientemente condenado, continua 
inconscientemente desejado. 
Freud pôde ser reconhecido, na presente dissertação, como um seguidor 
de Durkheim porque sua clínica lhe permitiu estabelecer um elo entre os dois 
tabus totêmicos: não matar o totem e não se casar com uma mulher do grupo do 
totem. Ao reconhecer o pai no lugar do animal totêmico, Freud (1914/1968) 
discutiu que estas duas medidas – a proibição do assassinato e do incesto – 
correspondem aos dois desejos reprimidos do Complexo de Édipo: matar o pai e 
casar-se com a mãe. 
O assassinato do pai da horda funda, portanto, a culpabilidade e inaugura a 
Era das regras sociais e do direito, formuladas em nome do pai morto. Convém 
lembrar que, segundo Freud, a instauração de um sistema de repressão coletivo 
marcou a passagem da natureza para a cultura, o que mais uma vez não contradiz 
Durkheim, para quem o sagrado emana do coletivo. 
De acordo com Freud (1927), a Kultur, que alguns optam por traduzir como 
“cultura” e outros preferem o termo “civilização”, definida por ele como sendo a 
totalidade das obras e organizações cuja instituição nos afasta do estado animal 
de nossos ancestrais e que serve a dois fins: a proteção do homem contra a 
natureza e a organização dos homens entre si. Nesse sentido, pode-se afirmar 
que a família foi a primeira instituição fundada pelos humanos com o intuito de 
protegê-los contra a natureza e organizá-los entre si. 
Em síntese, ainda que seja uma construção mítica, a proibição do incesto, 
tal qual descrita por Freud, está ligada a uma função simbólica que consiste em 
diferenciar o mundo animal do mundo humano, arrancando uma pequena parte do 
 
 
14
humano do continuum biológico que caracteriza o destino dos mamíferos. Tal 
afirmação permite a Roudinesco (2002/2003) argumentar que a família pode ser 
considerada uma instituição humana duplamente universal, que associa um fato 
de cultura, construída pela sociedade, a um fato de natureza, inscrita nas leis da 
reprodução biológica. 
Do ponto de vista freudiano, a constituição da família foi uma necessidade 
da civilização que possibilitou ao homem não ser privado da mulher e a esta de 
não ser separada de seus filhos, instaurando, desse modo, o que mais tarde o 
autor veio a chamar de “moral sexual civilizada”. Esta se fundamenta na repressão 
pulsional necessária à manutenção dos ideais reguladores da sociedade, 
conjugando obrigação ao trabalho e potência ao amor. Com Freud (1914/1968) 
parece concordar a antropóloga Gough (1980), que considera a família como 
essencial para o aparecimento da civilização, permitindo um grande salto para 
frente no que diz respeito à cooperação, ao conhecimento voluntário, ao amor e à 
criatividade. 
As transformações que ocorreram na instituição familiar, assim como as 
diferentes formas de abordá-la ao longo do tempo, têm girado em torno de duas 
grandes ordens: a biológica (diferença sexual) e a simbólico (proibição do incesto 
e outros interditos). Tendo em vista tais considerações, coloco-me ao lado de 
Roudinesco (2002/2003) ao entender que não basta definir família apenas por 
meio do ponto de vista antropológico, mas também é preciso saber qual a história 
dessa instituição e como se deram as mudanças que resultaram na aparente 
desordem a ela atribuída na atualidade. 
 
1.2 Flashback da história da família ocidental 
Com o objetivo de entender a história da família ocidental e salientar suas 
principais transformações, num primeiro momento, remeto-me a Durkheim e a sua 
“teoria da retração familiar”. Tal teoria, desenvolvida no curso que ministrou em 
1892, foi retomada em 2001, no livro Lacan et les sciences sociales por 
Zafiropoulos que tenta identificar na psicanálise as influências da sociologia de 
 
 
15
Durkheim. Tal inspiração não é pequena, visto que Durkheim foi o primeiro indicar 
as conseqüências daquilo que denominou como “lei da retração familiar”, em que 
chamava a atenção para a degradação da potência do pai, em particular, e das 
estruturas familiares, em geral, o que, segundo ele, inevitavelmente leva à 
produção de indivíduos interessados em perseguir fins pessoais e, portanto, em 
anomia. 
Se essa percepção de Durkheim, transcrita para o seu texto La famille 
conjugale (1892), parece importante é porque de certo modo ela parece anunciar 
a percepção de alguns autores modernos, como Horkheimer e Adorno (1973), 
preocupados com a falência da função paterna e as patologias sociais e 
individuais que dela decorrem. Em outras palavras, a idéia de contração familiar 
de Durkheim indica que a família, tal qual a conhecemos hoje em dia em grande 
parte do mundo ocidental – constituída pelo pai, mãe e filhos solteiros –, não 
passa de uma forma histórica criada pela Europa moderna, fruto de uma longa 
evolução que se estendeu por quase três séculos e que pode ser definida como 
um resto da antiga família patriarcal, constituída por pai, mãe e gerações de 
descendentes, salvo as filhas e seus descendentes, cujos laços de parentesco 
decorriam, da propriedade coletiva dos bens. 
Durkheim (1892) insiste no fato de que esse processo de contração familiar 
não diz respeito somente ao tamanho do grupo familiar, mas também à sua 
constituição e à relação com os bens. As formas primitivas de família, em que as 
relações do grupo doméstico dependiam primeiramente da posse coletiva e 
sagrada, cederam lugar a um novo tipo de família, fundada na propriedade privada 
e na figura de um chefe de família, que passou a ser o centro de gravidade do 
novo grupo familiar. Neste, o poder se deslocou das coisas para uma pessoa 
particular, o pai, que passou a concentrar tudo o que havia de moral e religioso na 
família. 
A fragilidade dessa nova forma de família, cujo funcionamento sofria 
influência da Igreja e do Estado, acabou desembocando na família moderna ou 
conjugal e, quanto mais se avança na história, mais essa família conjugal ou dos 
 
 
16
esposos se torna o elemento essencial e permanente da família. Segundo 
Durkheim, só essa contração do grupo doméstico, vista ao longo da história, pode 
explicar as características da família moderna e a decadência da potência paterna 
a partir do século XVIII, quando, a partir da Revolução Francesa, a instituição 
familiar deixou, segundo Roudinesco (2002/2003), de ser conceitualizada como 
paradigma de um vigor divino ou de Estado. 
A partir de agora, apresentarei a versão proposta por Roudinesco 
(2002/2003) a respeito da ascensão e a queda da família ocidental burguesa por 
meio da pontuação histórica. Para a autora, três foram as fases da família que 
merecem destaque: tradicional, moderna e contemporânea. 
A primeira etapa, denominada tradicional, teria vigorado durante o Antigo 
Regime. Caracterizava-se por casamentos arranjados e pela transmissão do 
patrimônio aos filhos quando ocorria a morte do pai. A célula familiar desta época 
repousava sobre uma ordem de mundo imutável e inteiramente submetida à 
autoridade patriarcal, para a qual o casamento dosfilhos, em geral em idade 
precoce, visava a manutenção ou ampliação do patrimônio, sem que se 
considerassem as necessidades afetivas e sexuais dos noivos. 
A fase seguinte, da família moderna, teria começado no final do século 
XVIII, com a Revolução Burguesa e se estendido até meados do século XX, 
quando começou a apresentar sinais de fraqueza. Esta família fundava-se sobre o 
casamento baseado no amor romântico, na reciprocidade dos sentimentos e no 
reconhecimento da importância da sexualidade. O casamento burguês, ao mesmo 
tempo em que paulatinamente valorizava a divisão do trabalho entre os esposos, 
repassou a responsabilidade pela educação dos filhos para o Estado. 
Por fim, a fase da família contemporânea, gerada nos movimentos 
revolucionários e de contracultura ocorridos durante a década de 60, caracteriza-
se por dois aspectos: a união temporária de dois indivíduos que buscam relações 
íntimas ou realização sexual; e o aumento considerável das separações. Essa 
família, desconstruída, recomposta, mono ou homo parental, parece estar sujeita a 
uma grande desordem. Isso não significa, no entanto, que ela tenha atingido o 
 
 
17
nível de degradação que alguns lhe atribuem, responsabilizando-a por situações 
catastróficas como “professores apunhalados, crianças estupradoras e 
estupradas; carros incendiados, periferias entregues ao crime e à ausência de 
qualquer autoridade” (ROUDINESCO, 2002/2003, p. 10). Certamente, diferente 
das que a antecederam, a família contemporânea apresenta alguns problemas 
específicos que serão abordados ao longo do trabalho. 
Terminada essa pontuação histórica, por meio da qual expus a historicidade 
da família discorrerei a seguir sobre a família burguesa em suas versões moderna 
e pós-moderna com o intuito de entender o que mudou nas últimas décadas. É 
mister evocar o lembrete feito por Adorno e Horkheimer em Temas básico de 
sociologia (1973), no artigo que dedicaram à família, de que só é possível abordar 
a família moderna e sua crise se tivermos em mente que ela é fruto da realidade 
social em suas sucessivas concretizações históricas e que o social a perpassa 
naquilo em que ela tem de mais íntimo. Assim, só é possível entender a sua tão 
decantada crise por meio das contradições da sociedade burguesa, ressaltando 
que a família permaneceu encravada nessa sociedade como uma instituição 
essencialmente feudal, fundada sobre o princípio do sangue e do parentesco 
natural. 
 
1.3 A família moderna 
A família dita moderna é fruto de duas feridas narcísicas infligidas pelos 
efeitos das Revoluções Francesa e Industrial sobre o sujeito ocidental entre 
meados do século XVIII e o início do XX. Tais feridas, que consistem na perda da 
origem divina do homem e na perda da plenitude do eu, deram início ao desmonte 
da figura mítica do pai e a ingerência de certas instituições estatais no âmbito 
privado. As duas revoluções citadas deram início àquilo que Lasch (1977/1991) 
denominou controle social sobre as atividades até então relegadas aos indivíduos 
ou às suas famílias. 
A Revolução Francesa, marco da História Contemporânea n opinião de 
Roudinesco (2002/2003), longe de acabar com a família, colocou-a no centro da 
 
 
18
nova sociedade, pois não passou despercebido aos revolucionários o fato de que, 
enquanto átomo da sociedade civil, a família, com suas inúmeras funções, era a 
base do Estado, havendo continuidade entre o amor à família e à Pátria. Não por 
acaso, o Estado pós-revolucionário passou a se interessar cada vez mais pela 
família, tornando-a alvo de uma política que permitisse o surgimento de uma 
individualidade cidadã e democrática. 
Para que essa individualidade pudesse se concretizar, foi preciso, num 
primeiro momento, transformar a figura absolutista do pai em algo mais igualitário, 
processo que se iniciou com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão 
na França, promulgada pela Assembléia Nacional, e foi progredindo ao longo do 
século XIX por meio da evolução jurídica que corroeu de maneira progressiva as 
prerrogativas paternas. Isso ocorreu, por exemplo, com o fim do direito 
testamentário que, ao possibilitar a divisão do patrimônio, dissolveu o poder do 
patriarca, pois permitiu que seus filhos tivessem acesso à herança antes de sua 
morte. Em outros termos, essa lei representou o assassinato simbólico do pai. 
Um dos objetivos desta lenta evolução foi o fortalecimento do poder do 
Estado, que acabou se tornando o avalista da autoridade paterna, ou seja, nesta 
nova sociedade burguesa, a partir do momento em que precisou prestar contas ao 
Estado, o pai deixou de se assemelhar a um Deus todo poderoso, autorizado a 
exercer uma brutal opressão sobre mulher e filhos, mesmo que tentasse justificá-
la como um meio de despertar neles a autoconsciência. 
Ao mesmo tempo em que se acompanham as conseqüências da Revolução 
Francesa, fazem-se sentir os efeitos da Revolução Industrial que, em seu primeiro 
estágio, retirou a produção do âmbito doméstico, visto que os capitalistas 
passaram a considerá-la antieconômica, o que os levou a coletivizá-la em fábricas 
sob sua própria supervisão. Foi assim que, no estágio seguinte, os donos de 
fábricas apropriaram-se das habilidades e dos conhecimentos técnicos dos 
antigos artesãos, reagrupando e administrando suas habilidades sob uma direção 
supostamente científica que se encarregou de parcelar o processo de produção e 
atribuiu uma função específica a cada operário. Dessa maneira, tal forma de 
 
 
19
direção guardava para si o conhecimento do processo produtivo como um todo, 
criando um gigantesco aparato gerencial composto por especialistas. 
O efeito combinado da revolução política e econômica permitiu a entrada 
maciça das mulheres no mercado de trabalho, fato este que produziu grandes 
transformações na estrutura familiar, visto que, por meio do trabalho, as mulheres 
conquistaram a capacidade de serem chefes de família. Não é de se admirar, 
portanto, que pouco tempo depois as mulheres tenham conquistado também o 
direito ao divórcio, até então exclusivo dos homens. Essas importantes conquistas 
femininas começaram a abalar o pátrio poder, até então, intocável e intocado. 
Com a introdução do divórcio, o casamento deixou de ser um pacto 
indissolúvel e garantido pela presença divina para se tornar, pelo menos 
formalmente, um contrato quase livremente consentido entre homens e mulheres, 
supostamente baseado naquilo que veio a ser chamado de amor romântico. Digo 
quase livremente consentido porque, embora houvesse a possibilidade de escolha 
do cônjuge, esta ainda era determinada pelos pais, principalmente quando havia 
patrimônio em jogo. Talvez a liberdade com relação à união matrimonial apenas 
fosse encontrada nas camadas mais baixas da escala social, nas quais, por não 
haver patrimônio, os filhos podiam escolher o cônjuge mais livremente. 
Os casamentos arranjados, segundo Perrot (1950/1991), tinham por 
objetivo absorver todas as funções: não só da aliança, mas também do sexo, o 
que significava que o casamento transportava a lei e a dimensão jurídica para o 
dispositivo da sexualidade que leva a economia do prazer e a intensidade das 
sensações (sentimentos) para o regime da aliança. Como conseqüência as 
tragédias que os casais passaram a vivenciar resumiam a se conflitos entre 
aliança e desejo, uma vez que, quanto mais cerradas às estratégias matrimoniais 
para assegurar a coesão familiar, maior o sufocamento do desejo. Além disso, 
quanto mais forte o individualismo, mais ele se insurgia contra as escolhas do 
grupo e os casamentos arranjados. 
Nesse contexto, como salienta a autora, a família passou a ser submetida a 
movimentos contraditórios. Se, por um lado, seus membros iam se tornando, cada 
 
 
20
vez mais livres uns em relação aos outros, por outro lado, o Estado e seus 
representantes passaram a se interessar cadavez mais pela família enquanto 
instituição. Assim, a socialização da produção, anteriormente citada, tornou-se a 
premissa do que viria a ser a socialização da reprodução, ou seja, o controle da 
vida privada pelo Estado por meio de agentes (médicos, psiquiatras, professores, 
orientadores infantis, funcionários da justiça de menores) que passaram a 
expropriar ou supervisionar certas funções da família. A partir desse momento, o 
Estado passou a cercar cada vez mais a família em cujos mistérios parecia querer 
penetrar, principalmente no que dizia respeito às famílias pobres, tidas como 
incapazes de desempenhar o papel que lhes cabia em relação aos filhos. 
Este fato não se restringiu à Europa. Como aponta Lash, em seu livro 
Refúgio num Mundo sem Coração (1977/1991), o mesmo aconteceu nos Estados 
Unidos, país no qual os principais alvos da intervenção de planejadores e políticos 
foram as famílias de imigrantes, vistas como obstáculos para o que se concebia 
como progresso social, entendido em parte como homogeneização. Segundo 
esses interventores, a instituição familiar, ao conservar suas tradições religiosas 
de origem, suas línguas e dialetos maternos, assim como seus saberes 
comunitários e tradições, favorecia o desenvolvimento comunitário ao mesmo 
tempo que dificultava e retardava o fortalecimento do Estado nacional. 
Mas para que a família fosse útil para a constituição deste Estado nacional 
forte era preciso, primeiro, que se transformasse a maneira de se entender a 
criança. Segundo Perrot (1950/1991), durante muito tempo a criança não passou 
de um pequeno adulto e o conceito de infância não existia. No Antigo Regime, por 
exemplo, a aristocracia entregava seus filhos às mães de leite, dando conta deles 
somente quando chegavam à idade adulta. A ascensão da moral burguesa mudou 
esse estado de coisas e a criança passou a ser vista como um ser dotado de 
atributos especiais, tais como susceptibilidade, vulnerabilidade e inocência, razão 
pela qual necessitava de um período de cuidados e proteção. Ao ganhar esse 
tempo, a criança deixou de ser “o filho”, para ser “o bebê”, “a criança de oito anos” 
e “o adolescente”. 
 
 
21
Essa concepção de infância colaborou para o surgimento de uma nova 
idéia de família, pois, ao tentar proteger a criança de más influencias e evitar que 
ela fosse corrompida por adultos, criou-se outro padrão de cuidados para com ela, 
baseado em amor e compreensão. A nova educação dos filhos levou à 
intensificação dos laços emocionais entre pais e filhos, e a frouxidão do vínculo 
com os familiares não pertencentes ao núcleo imediato. Dessa maneira, na 
medida em que a família tornava-se mais nuclear, a relação entre pais e filhos ia 
sendo emocionalmente sobrecarregada. 
Tal valorização da infância acabou gerando tensões nas famílias burguesas 
que, para se adequarem à nova realidade, foram obrigadas a rever a posição 
ocupada pela mulher neste sistema familiar. Até aquele momento, a atividade 
feminina estava fortemente relacionada aos cuidados com a casa e à educação 
dos filhos. No entanto, a ingerência do Estado na esfera familiar fez com que a 
família se visse obrigada a mudar, pois, caso contrário, as mulheres acabariam se 
convertendo em parasitas, consumidoras improdutivas sob a tutela do Estado, 
como relata Lash (1977/1991), ao retomar o discurso de uma feminista da época, 
A fim de evitar que suas mulheres virassem meras peças decorativas, as 
famílias burguesas procuraram maneiras de torná-las úteis, passando a ser 
concomitantemente alvo de degradação e exaltação (LASH, 1977/1991). Por um 
lado, a degradação ocorreu a partir do momento em que o lar deixou de ser um 
centro de produção para se tornar o lugar de devoção aos filhos e, assim, as 
mulheres foram despojadas de muitas de suas ocupações tradicionais. Por outro 
lado, a exaltação manifestava-se quando, devido às novas exigências educativas 
da época, tornou-se necessário oferecer uma educação mais esmerada às 
mulheres para que elas viessem a exercer melhor suas tarefas domésticas e 
serem melhores companheiras de seus maridos. 
Essa domesticidade implicou na ampliação da educação da mulher e em 
uma minuciosa reforma de pensamento, por meio da qual a mulher passou a ser 
instada a renunciar sua sensibilidade em prol do bom senso. A domesticidade 
burguesa, cuja finalidade era manter as mulheres no lar, acabou provocando uma 
 
 
22
desordem geral na medida em que as encorajou a terem aspirações que o 
casamento e a família tradicional não podiam satisfazer. Dessa forma, deu-se 
início ao movimento feminista. 
O sistema familiar burguês, que alcançou seu pleno desenvolvimento no 
século XIX, baseava-se no casamento de companheirismo, centrado na educação 
doméstica das crianças, na quase emancipação das mulheres pelo mercado de 
trabalho e no isolamento da família nuclear em relação ao parentesco. Nesse 
contexto, a sociedade em geral parecia mostrar sinais de que estava entrando em 
uma nova fase como mostrava alguns jornais e revistas norte-americanas do final 
do século XIX que relatavam o aumento do número de divórcios, a queda da 
natalidade entre as pessoas de melhor nível sócio-econômico, a instável posição 
da mulher na sociedade e a chamada Revolução Moral. 
Por volta do início do século XX, algumas mudanças tornaram-se evidentes: 
as mulheres eram cada vez mais incitadas a exigirem direitos até então exclusivos 
dos homens como o voto e a educação; os jovens transformaram-se em um 
público consumidor; e os pais foram instados a satisfazer todos os desejos de 
seus filhos. Essa última tarefa, sendo impossível, serviu para minar a confiança 
dos pais em serem capazes de prover a felicidade de seus rebentos, fazendo com 
que apelassem cada vez mais para as novas descobertas da tecnologia moderna, 
pois, aparentemente, só ela poderia proporcionar à criança em crescimento 
alimentação adequada, cuidados médicos apropriados e habilidades sociais 
necessárias para atuar no mundo moderno. 
Adorno e Horkheimer, no texto A família (1973), resumem os aspectos 
discutidos anteriormente ao salientar que a família burguesa, que, durante muito 
tempo, foi a instituição por meio da qual a sociedade formou os homens de que 
necessitava, dirigia-se para uma crise. Se é verdade que a família pôde ser o lugar 
do aprendizado de valores e da ideologia burguesa, tal fato estava deixando de 
acontecer. Durante muito tempo, a família burguesa monopolizou a ação 
econômica e educativa, ao mesmo tempo em que sua figura central, o pater 
família, funcionou como modelo para os filhos, aos quais só restava, num primeiro 
 
 
23
momento, identificarem-se com ele e, num segundo, afastarem-se dele. Quando a 
pressão paterna não era dura demais e vinha acompanhada pela doçura materna, 
formavam-se homens capazes de lidar tanto com a autoridade quanto com a 
liberdade, aprendendo a se responsabilizarem pelos próprios sucessos e 
fracassos. 
 A mesma dinâmica social que, num primeiro momento, permitiu a 
constituição e a reprodução da família burguesa, começou, na sociedade industrial 
avançada, a ameaçá-la internamente, tornando-a cada vez menos apta a 
preencher suas funções de instrução e educação. Na sociedade a criança 
descobria cada vez mais cedo a fragilidade do pai, dificultando a interiorização das 
exigências familiares que, apesar de todos os seus aspectos repressivos, 
contribuíam para a formação de um indivíduo autônomo. Ao mesmo tempo em 
que a criança foi condenada a descobrir a privatização da socialização, o pai foi 
sendo substituído por poderes coletivos, tais como a classe escolar, o time 
esportivo, o clube ou o Estado. 
Os efeitos da substituição do pai eram temidos por Adorno e Horkheimer 
(1973) porque os autores acreditavam que os jovens, na falta de um pai com 
quem pudessem se identificar poderiam se submeter a qualquer autoridade desde 
que essa lhes oferecesseproteção, vantagens materiais, satisfação narcísica e 
possibilidade de descarregar sobre outros o sadismo, em que a desorientação 
inconsciente e o desespero encontrassem uma cobertura. Foi o que aconteceu, 
segundo eles, na Alemanha nazista, primeiro país a viver a crise da família no 
período entre guerras. 
Cabe salientar aqui que, ao longo deste período, tanto o poderio industrial 
quanto o conhecimento tecnológico mostraram seu esplendor nos campos da 
morte nazista, momento em que veio à tona, segundo Bauman (1989/1996), o 
lado mais obscuro da sociedade judaico-cristã. Nesta época, as crueldades 
passaram a ser administradas de modo mais efetivo do que jamais foram 
anteriormente, visto que a técnica e a especialidade se tornaram valores absolutos 
das sociedades modernas, comprovando que criação e destruição são aspectos 
 
 
24
inseparáveis daquilo que chamamos civilização. 
Após duas guerras mundiais, iniciou-se, na década de 50, um período que 
Hobsbawm (1994/2000) chamou de “Era de Ouro”, marcada pelo extraordinário 
avanço de pesquisas científicas que transformaram a vida cotidiana, 
principalmente no chamado Primeiro Mundo, mas também em outras latitudes. O 
pai desses anos dourados foi o “Estado do bem estar social” com políticas de 
pleno emprego, sistema de controle governamental e administração de economias 
mistas e cooperação com movimentos trabalhistas organizados. Esse Estado 
possibilitou que se intensificasse a industrialização e a modernização dos países 
ocidentais desenvolvidos e que as economias arruinadas pela guerra se 
recuperassem. 
O Estado do bem estar social teve como uma de suas principais 
características reforçar o que havia começado no final do século XIX: controle 
público sobre os pais exercido pelo saber de especialistas. Concomitantemente ao 
surgimento desse Estado surgiu uma nova ideologia que teve por finalidade 
convencer a mulheres e homens a confiarem não só na tecnologia, mas também 
em conselhos de especialistas externos, o que, por sua vez, acabou por minar a 
capacidade de as famílias proverem a si mesmas, justificando, desse modo, a 
contínua expansão dos serviços de saúde, educação e bem-estar. As novas 
modalidades de exercício médico, cada vez mais fundamentadas em métodos de 
rastreamento e de controle, propunham-se a designar modelos de comportamento 
designados como justos e naturais, abarcando desde as maneiras de comer ou 
arrumar a casa até as de procriar, morrer, respeitar os pais, criar os filhos ou 
regulamentar a relação entre os sexos. 
Ao mesmo tempo, a Revolução Tecnológica, baseada na crença de que 
tudo o que era novo era revolucionário, foi entrando na consciência do consumidor 
em tal medida que a novidade se tornou o principal recurso de venda para todos 
os produtos, desde detergentes até computadores. 
A crítica a respeito do controle estabelecido por especialistas e pelo Estado 
na socialização de crianças foi feita inicialmente por Adorno e Horkheimer (1973) e 
 
 
25
continuada por Lash (1977/1991) praticamente um discípulo destes frankfurtianos. 
Este último autor foi um dos primeiros cientistas sociais a alertar sobre os efeitos 
nocivos da publicidade a respeito das profissões assistenciais que pretendeu 
libertar as pessoas das antigas coações, mas acabou expondo-as a novas formas 
de controle, mais sutis do que as anteriores. Ao se proporem obrar para libertar a 
vida das pessoas da repressão do Estado e da Igreja, tais profissões acabaram 
submetendo as pessoas ao controle médico e psiquiátrico por um lado e à 
manipulação publicitária, por outro. Saíram de cena o legislador e o sacerdote e 
entraram os médicos, que vieram ocupar a função de novos guardiões da 
estabilidade psíquica do indivíduo e que se propuseram a eliminar do matrimônio o 
irregular, o imprevisível e o incontrolável. Mais uma vez a intenção de trazer 
benefícios à população teve conseqüências opostas às pretendidas. 
Esses autores frankfurtianos, ao apontarem para os riscos de substituir a 
socialização familiar pelo controle do Estado, previram a crise da função paterna 
amplamente discutida atualmente. Segundo eles, o controle cada vez mais intenso 
do Estado, que se arvorou como substituto da figura paterna, acabou minando a 
capacidade de autodeterminação e autocontrole das famílias, solapando uma das 
principais fontes de coesão social para criar formas ainda mais constrangedoras 
do que as antigas, no que diz respeito a seu impacto sobre a liberdade individual e 
política. 
No final dos anos 60, com o fim da Era de Ouro e da morte do Estado do 
bem estar social, iniciou-se a ascensão de uma nova ordem e, de um novo pai, o 
mercado. Segundo Hobsbawm (1994/2000), tal encerramento não foi provocado 
pela ganância dos xeques do petróleo ligados à Organização dos Países 
Exportadores de Petróleo (OPEP) ou pelas mudanças na configuração da 
economia do mundo nem tampouco, mas porque a economia mundial, após a 
crise de 1929, não conseguiu recuperar seu antigo ritmo de crescimento. 
A partir desse momento, começou a se delinear um novo tipo de família, 
nomeada por Roudinesco (2002/2003) de contemporânea e por outros autores 
(citar) de pós-moderna. Esta é, de acordo com a autora, uma família em 
 
 
26
desordem, baseada na união temporária de dois indivíduos em busca apenas de 
relações íntimas. Com isso, aumentaram consideravelmente os casos de 
separação, divórcio e recomposições familiares. Essa nova família foi se 
desenvolvendo em uma sociedade cada vez mais dominada pelas leis do 
mercado, que foi aos poucos se transformando no novo pai e assumindo o lugar 
que um dia fora do Estado. Coube ao mercado instituir uma cultura juvenil que se 
dispôs a curar a ferida narcísica da perda da plenitude do eu por meio do discurso 
da felicidade. 
O mercado ao substituir a família assim como o Estado para Lash, em seus 
livros Refúgio Num Mundo Sem Coração (1977/1991) e em suas obras seguintes, 
O Mínimo Eu (1987) e A Cultura do Narcisismo (1983), acabou aumentando os 
efeitos psíquicos e sociais da crise da família burguesa. Ele ressalta que esses 
novos sintomas eram previsíveis, visto que não seria possível desautorizar a 
instituição familiar encarregada de inculcar na criança os primeiros modos de 
pensar e atuar que, com o passar do tempo se transformam em hábitos, 
impunemente. O discurso da felicidade propagado pelo Mercado ao desmoralizar 
esta que foi historicamente a principal instituição responsável pela reprodução de 
padrões culturais, transmitindo às gerações subseqüentes normas éticas, faz com 
que o mundo pós-moderno enfrente novas formas de mal estar na civilização, 
novos sintomas, próprios das sociedades pós-modernas que podem desembocar 
na dissolução da comunidade tais como o desinvestimento generalizado das 
instituições, o culto da singularidade e o individualismo exacerbado. Talvez o 
parecer de Lash seja um pouco exagerado, porém é necessário reconhecermos 
que suas previsões, guardadas as devidas proporções, mostraram-se acertadas, 
no que diz respeito à inequívoca relação entre deserção do pai de família e o 
sofrimento contemporâneo do filho. 
Após essa breve pontuação histórica sobre a família, principalmente a 
ocidental burguesa, e antes de retomar a terceira fase, que é da família 
contemporânea, segundo Roudinesco de modo mais aprofundado, terminarei esse 
capítulo voltando a uma visão mais antropológica da família por meio de Murdock 
(1949). Esse autor considera universal a família moderna ou nuclear, pois as 
 
 
27
quatro funções nela encontradas – sexual, econômica, reprodutiva e educativa – 
apresentariam-se em qualquer sociedade, sendo que nenhuma das sociedades 
conseguiu encontrar um substituto adequado para exercer estas funções a não ser 
a família. 
As quatro funções cumpridas pela família nuclear, portanto, são pré-
requisitos universais para a sobrevivência de qualquersociedade. Foi pensando 
nisso que Murdock, em seu livro Estrutura Social, afirmou a universalidade das 
funções: 
“Se não se logra assegurar a primeira e a terceira (sexual e reprodutiva), a 
sociedade extinguir-se-ia; sem a segunda (econômica) a vida não poderia 
existir; quanto à quarta (educativa), sem ela a cultura desapareceria. É assim 
que a imensa utilidade da família nuclear e a razão de sua universalidade 
começam a perfilar-se com força” (1949, p. 11). 
As funções da família, tal qual expressas por Murdock (1949), podem ser 
comparadas às quatro funções da cultura descritas por Malinowski, em seu livro 
póstumo Uma Teoria Científica da Cultura (1970). Para ele, a primeira função da 
cultura é oferecer proteção aos seus membros contra fatores externos (ataque de 
animais, cataclismo, violência humana) por meio do lar, da municipalidade, do clã 
e da tribo. A segunda, a divisão sexual do trabalho, está relacionada à 
transformação que vai se operando na solidariedade social. A terceira função é 
auxiliar o crescimento dos indivíduos por meio da transmissão dos costumes, do 
respeito à autoridade e da ética, visto que são esses ensinamentos que preparam 
a criança para a vida em sociedade. Malinowski lembra que uma das funções da 
família é preparar os filhos para se separarem dela, possibilitando a constituição 
de novas famílias e, para isso, contam com a ajuda dos ritos de iniciação que 
existem em todas as sociedades e que têm por função ajudar o adolescente a 
deixar sua família de origem e sua infância para entrar no mundo dos adultos. Por 
fim, a quarta função a que se refere Malinowski é a higiene, que consiste, além do 
adestramento das normas de orientação fisiológica, em ensinar o indivíduo a 
separar os valores considerados sujos dos limpos. Em outras palavras, essa 
função expressa a consciência coletiva de uma sociedade, isto é, o conjunto de 
crenças e sentimentos comuns. 
 
 
28
No último bloco deste capítulo, que representa a terceira fase da 
Roudinesco, veremos a família pós-moderna e seu mundo fast, dominado pela 
técnica, jovens adultos e relacionamentos virtuais. 
 
1.4 Família contemporânea 
A família chamada contemporânea ou pós-moderna, fruto dos movimentos 
revolucionários e da contracultura da década de 60, tem como principais 
características a juvenilização de seus membros, a liberalização dos costumes, a 
perda da autoridade paterna, o fortalecimento da autoridade materna e os 
relacionamentos virtuais. 
Em 1968, jovens do mundo inteiro, de Nova Iorque a Tóquio, passando por 
Paris e São Paulo, atearam fogo ao planeta, como se uma palavra de ordem 
universal tivesse sido dada, a calçada e o paralelepípedo se tornaram os símbolos 
de uma geração em revolta que, como cantava Jim Morrison em We want the 
world and we want it now1, queria transformar o mundo no menor tempo possível. 
Devido ao desenvolvimento dos meios de comunicação de massa, toda uma 
geração assistiu, num turbilhão de sons e imagens, a emergência dos Beatles e 
dos Rolling Stones, a invasão de Praga pelos tanques russos, Carlos e Smith no 
pódio dos Jogos Olímpicos do México, de punhos erguidos e luvas negras em 
sinal de protesto contra o racismo, e o rosto eternamente jovem de Che Guevara. 
Alimentada por essas imagens, surgiram novos atores sociais como os 
jovens, as mulheres e as minorias sexuais que, segundo Hobsbawm (1994/2000), 
acabaram criando um estilo de mobilização e contestação social que desembocou 
em novos padrões de comportamento, aos quais se deu o nome de contracultura 
e que consistiu numa verdadeira revolução cultural que afetou modos e costumes, 
de homens e mulheres urbanos ao supostamente libertá-los do poder regulador 
das grandes instituições coletivas (Estado, família, escola, igreja) em prol de um 
novo enquadramento social, no qual os indivíduos teriam liberdade para compor e 
recompor suas orientações e seus modos de vida. 
 
1
“Nós queremos o mundo e o queremos agora” 
 
 
29
O caminho para a contracultura teve seu início na década de 50, nos 
Estados Unidos, com a Geração Beat, formada por jovens intelectuais, em sua 
maioria escritores e poetas, que contestava o consumismo, o otimismo do pós-
guerra americano, o anticomunismo generalizado e a falta de pensamento crítico. 
Esses referenciais se alastraram pelo mundo todo, influenciando 
consideravelmente o movimento estudantil de 1968 que, segundo alguns autores, 
teria sido o ápice da Geração Beat, pode ser entendida também como apenas 
uma de suas vertentes. Como afirma Koltai (1998), o movimento de 68 ao mesmo 
tempo em que tentou ressuscitar, pela última vez, o ideal revolucionário, 
investindo em valores públicos e sociais, os liquidou em nome do direito das 
pessoas à diferença, ao incitarem os indivíduos a se rebelarem contra as 
autoridades e limitações burocráticas, incompatíveis com o livre desenvolvimento 
do indivíduo. 
Na opinião de Lipovetsky (2002/2004), ao mesmo tempo em que o 
movimento de 68 ainda apresentava resquícios de um movimento do século XIX, 
espelhando-se em suas lutas, já anunciava o século XXI, submetendo a 
esperança revolucionária cultura narcísica da autonomia. Olhando para trás, tem-
se a impressão de que entre essas vertentes do movimento de 68 somente as 
reivindicações da esfera privada se afirmaram, desembocando naquele que Lasch 
chamou de “homem psicológico da sociedade pós-industrial” (1977/1991). Esse 
sujeito narcísico conhece apenas as regras do jogo social que lhe permitem 
manipular os outros e se manter afastado de um verdadeiro engajamento social. 
Como lembra Lipovetsky, a sensibilidade política dos anos 60 cedeu lugar a uma 
sensibilidade terapêutica em que só o bem estar pessoal contava. 
Esses valores juvenis difundidos pelas economias de mercado acabaram 
sendo incorporados pela sociedade pós-moderna, que estabeleceu a juventude 
como estágio final do desenvolvimento humano, independentemente da idade 
cronológica da pessoa. Em outras palavras, num mundo fast, em que incessantes 
inovações geram a obsolescência acelerada de conhecimentos e valores, a 
juventude permite aos seres humanos, às mercadorias e aos bens simbólicos 
estarem sempre novos e adequarem-se aos estilos da moda para que possam 
 
 
30
captar as mais significantes mudanças do mundo a sua volta. Tal fenômeno faz 
parte das discussões de Hobsbawm (1994/2000) quando discorre a respeito das 
relações travadas entre juventude e tecnologia avançada. A esse respeito, o autor 
afirma: 
“Qualquer que fosse a estrutura de idade da administração da IBM ou da 
Hitachi, os novos computadores eram projetados e os novos programas criados 
por pessoas na casa dos vinte anos. Mesmo quando essas máquinas e 
programas eram à prova de erro, a geração que não crescera com eles tinha 
uma aguda consciência de sua inferioridade em relação às gerações que o 
haviam feito. O que os filhos podiam aprender com os pais tornou-se menos 
óbvio do que o que os pais não sabiam e os filhos sim. Inverteram-se os papéis 
das gerações” (p. 320). 
A capacidade de adaptação do indivíduo pós-moderno é concomitante ao 
prolongamento da juventude que alguns autores Marguilis (1998), Martín-Barbero 
(1998), Urresti (1998) e Feixa (2000) chamam de “moratória social”, referindo-se 
ao período em que o indivíduo tem disponíveis todos os recursos para se 
capacitar para a vida em sociedade, postergando atitudes que antigamente 
definiam a entrada na vida adulta, tais como o matrimônio e a procriação. Embora 
concebida como um período de amadurecimento necessário à vida em sociedade, 
a moratória tem sido cada vez mais longa e o amadurecimento cada vez mais 
lento devido, em grande parte, à falta de referências simbólicas fortes e às 
exigências do mundo do trabalho. A conseqüência disto é que se observam 
atualmente jovens adultos que se recusam a adotarem comportamentoscorrespondentes à sua faixa etária, retirando-se ao mundo fantasioso da infância. 
Essa é a interpretação realizada por Morin (1984) ao ressaltar que ser 
adulto hoje em dia parece ter virado algo sem graça e pouco sedutor, pois significa 
assumir compromissos e responsabilidades. Em contrapartida, permanecer jovem, 
tanto psicologicamente quanto fisicamente, significa não envelhecer e não ter que 
respeitar tabus, salvaguardar a virgindade de filhas, fazer culto aos ancestrais ou 
transmitir ética paterna às crianças. Segundo o autor, a principal razão que leva 
homens e mulheres a deixarem de ser adultos é a buscar da auto-realização no 
amor e no bem estar da vida privada, num eterno desfrute do tempo presente. 
Esses jovens adultos, segundo alguns psicanalistas como Neder Bacha (2006) e 
Outerial, dividem-se em dois tipos: os kids adults (adultos adolescentes), adultos 
 
 
31
que se recusam a amadurecer e preferem se divertir eternamente, tornando-se 
pais irresponsáveis e omissos; e os grups ou grown-ups (crescidos ou adultos) 
que Neal Pollack, em seu livro Alternadad: The true story of a family´s struggle to 
raise a cool kid in América (2007), define como sujeitos que adoram crianças, mas 
não pretendem se aniquilar para criar os filhos, como fizeram seus pai e avós. Os 
grups, fenômeno cultural que une gerações entre vinte e setenta anos no estilo, no 
comportamento e no gosto, vestem o mesmo tipo de roupas, fazem os mesmo 
programas e têm amigos ou amigas em comum. Os filhos costumam ser mais 
legais que os pais ou apenas mais jovens. A frase que melhor exemplifica os 
grups é “a mãe ou o pai se parece com os seus filhos ou filhas”. 
Em entrevista para a revista O Globo (2006), os psicanalistas José Outerial 
e Márcia Neder Bacha vêem como problemática a ausência de diferença 
geracional no relacionamento entre pais e filhos. Na tentativa de eliminar essa 
diferença, mães e filhas imaginam ser possível compartilhar segredos e 
intimidades o que, por ser impossível, só faz gerar um relacionamento doloroso e 
angustiante. Outerial afirma que “A intimidade sem limites e sem a clareza dos 
papéis, além de ser vivida intimamente como invasiva, proporciona um campo 
fértil para o florescimento da rivalidade entre mãe e filha. Isso poderá acabar 
destruindo as relações afetivas” (p. 33). Insistindo na importância de se manter a 
distinção entre as gerações, Outeiral chama a atenção para o fato de que a 
adolescência, ao avançar sobre a infância, promove a erotização precoce de 
crianças, tornando-as sôfregas consumidoras, o que pode levar, num futuro 
próximo, a uma geração de kids adults e girlies (menininhas), ou seja, adultos que 
abdicam de suas funções para adotar uma estética e um comportamento infantil. 
A respeito desse assunto, o professor Masahiro Yamada (1999), da 
Universidade de Tóquio, alega que ao adotar uma estética e um comportamento 
infantil, os jovens adultos poderão transformar-se em solteiros parasitas (parasite 
single), ou seja, jovens incapazes de fundarem suas próprias famílias, 
continuando a viver com seus pais ou com um deles, parasitando-os. O professor 
parece ter razão em suas reflexões, pois, cada vez mais, nas grandes metrópoles, 
encontramos esses tais parasitas, que já inspiraram filmes e livros. Sair da casa 
 
 
32
dos pais para montar sua própria casa implica na perda de conforto, do qual esses 
jovens não querem abrir mão. Talvez esse grupo não tenha se dado conta de que 
não há ganho sem perda e que, para construir algo novo, é preciso aceitar perder 
alguma coisa, no caso o conforto da casa paterna. No mundo atual, no entanto, 
muitos optam por continuar parasitando os pais e gastar o que ganham com o 
próprio prazer, adquirindo bens de consumo, especialmente em uma época em 
que os custos para manter uma casa são altos, principalmente em capitais, onde 
uma pessoa pode gastar dois terços do seu salário com a estrita sobrevivência, 
além do esforço que implica cuidar das próprias coisas. 
Quanto aos pais, alguns preferem ter seus filhos em casa para protegê-los, 
e por acreditarem que o adiamento de uma vida independente possibilita a seus 
filhos saírem da casa parental em melhores condições, na esperança não 
confessada de que esses os ajudarão na velhice, saldando a dívida para com os 
pais. Outros pais não aceitam a situação descrita e enxergam esses jovens como 
parasitas, principais responsáveis pela recessão econômica e pelo declínio da 
taxa de natalidade. 
A juvenilização do mundo, embora tenha contribuído muito para a 
transformação da família e do comportamento de seus membros, não foi o único 
fator importante para tal mudança. Não se pode desconsiderar a parte que coube 
aos movimentos sociais das décadas de 60 e 70, principalmente o feminista. Com 
esse movimento, as mulheres, cada vez mais insatisfeitas de pertencerem ao 
ambiente doméstico – constituído pela maternidade e pela execução de tarefas 
domésticas –, passaram a reivindicar uma participação maior no mundo, 
desejando se realizarem individual e profissionalmente. Nessas condições, a 
maternidade, vista por certos grupos feministas como um empecilho para o pleno 
desenvolvimento da mulher, começou a ser questionada e planejada. Em um 
primeiro momento, esta foi adiada para depois da conclusão dos estudos e, em 
um segundo momento, para depois da realização profissional. 
Pesquisas realizadas nessa época, nos Estados Unidos, revelaram que as 
mulheres americanas se sentiam mais insatisfeitas em suas vidas familiares do 
que os seus maridos. Este sentimento de insatisfação levou um número elevado 
 
 
33
de mulheres a desejarem o divórcio, como costuma acontecer em momentos de 
grandes transformações sociais. De tabu, o divórcio transformou-se em uma 
reivindicação feminina, principalmente entre as mulheres que conseguiram se 
inserir no mundo do trabalho, mulheres ativas, capazes de sustentarem a si 
mesmas e, se necessário aos filhos, por mais que essa posição de únicas 
provedoras lhes pesasse. 
Ao longo da década de 60 e 70, saiu de cena o clássico “até que a morte 
nos separe” e ganhou espaço um novo tipo de relação conjugal, na qual as 
pessoas se autorizavam a romper a promessa de se manterem juntas até a morte. 
O divórcio, ao perder sua nódoa de vergonha, amainou o significado que tinha até 
então de fracasso de um projeto, assim como os filhos de pais separados 
deixaram de carregar este estigma. 
O direito ao divórcio foi uma conquista e uma vitória que, no entanto, vem 
se banalizando ao se tornar a solução natural de casais que se deparam com as 
primeiras dificuldades da vida a dois, de modo que, em nossos dias, o casamento 
acaba sendo compreendido como um mero encontro temporário entre dois 
indivíduos em busca de relações íntimas ou realização sexual. Essa característica 
de transitoriedade vem caracterizando, cada vez mais, a família contemporânea 
ou pós-moderna, fruto de divórcios, separações e recomposições conjugais. 
O casamento contemporâneo deixou de se fundamentar na junção de dois 
patrimônios ou no exercício de uma atividade profissional comum. Seu 
fundamento atual é, como vimos, o amor que varia com o tempo, visto que esse 
sentimento parece ter se transformado em problema, pois a tendência dos casais 
é ficarem juntos apenas enquanto tudo vai bem. O sujeito de nossas sociedades 
liberais, com a onipotência que o caracteriza, ao procurar a satisfação e o prazer 
imediato, torna-se incapaz de renúncias exigidas pela constituição de uma família. 
O primado do “eu” sobre o “nós conjugal” desvaloriza a fidelidade e a constância 
em prol da auto-realização das potencialidades, colocando a existência conjugal 
em novos termos. Não se trata mais de o indivíduo se instalar na vida a dois, mas 
de vivê-la sabendo que o outro é tem a liberdade de reivindicar, a qualquer 
 
 
34
momento, sua alteridade radical, deixando para

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