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1 Campos dos Goytacazes 2018 Universidade Federal Fluminense – UFF Polo Universitário de Campos dos Goytacazes - PUCG Departamento de História – DHT Instituto de Ciência da Sociedade e Desenvolvimento Regional – ESR CURRÍCULO e INTERCULTURALIDADE Caminhos para uma educação antirracista Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de História do Instituto de Ciência da Sociedade e Desenvolvimento Regional – ESR da Universidade Federal Fluminense (Campus Campos dos Goytacazes) como requisito parcial para a obtenção do grau de licenciado em História, tendo como orientadora a Professora Doutora Erika Arantes. Aluno: Josimarson Ramos da Silva 2 Campos dos Goytacazes 2018 RESUMO: O presente artigo pretende construir uma reflexão em torno da epistemologia presente na atual construção curricular de ensino de História. E partindo disso pensar em como o multiculturalismo e a interculturalidade influenciam na construção de uma educação antirracista. Através da experiência de observação da ação docente e dos desafios que os docentes enfrentam no processo de tornar-se professor, pretende-se pensar como o currículo pode ser um instrumento de resistência e desconstrução de preconceitos criados ao longo da construção da educação brasileira. Palavras-chave: Currículo – Multiculturalismo – interculturalidade – Educação Antirracista Introdução A nossa sociedade tem experimentado nas últimas décadas um fenômeno de aparente aceleração da produção de conhecimento e difusão do mesmo, isso tem propiciado, cada vez em maior escala, o conhecimento de diferentes grupos culturais, ou seja, a cada dia mais diferenças se acentuam e são ressignificadas e hierarquizadas no seio dessa sociedade composta por múltiplas culturas. A partir da afirmação de que vivemos em uma sociedade multicultural, ou seja, onde convivem diferentes grupos culturais em um mesmo espaço, pretende-se pensar como essa multiplicidade de culturas está representada (ou não), dentro do campo de significação que é o currículo de História nas escolas. Privilegiaremos aqui o diálogo com a teoria pós-crítica do currículo, que traz a importância de conceitos como: identidade, alteridade, diferença, subjetividade, significação e discurso, saber-poder, representação, cultura, gênero, raça, etnia, sexualidade e multiculturalismo. Pensando no aspecto multicultural de nossa sociedade pretendo apontar as limitações em torno da epistemologia multicultural e através disso pensar caminhos para uma educação intercultural. O objetivo desse trabalho não é rotular ou engessar a ideia de currículo, mas sim pensar a dimensão humana, os interesses políticos e sociais na construção do currículo do 3 Campos dos Goytacazes 2018 ensino de História e sua relação com a questão do negro no Brasil. Nas palavras de Tomaz Tadeu da Silva (2010) é preciso pensar o currículo como lugar de significação, produção de sentido e identidades. É pensar que existem possibilidades epistemológicas além das colocadas pela atual construção curricular e a partir disso pensar uma educação antirracista. Currículo Ao pensar o currículo como lugar de significação, faz-se necessário refletir sobre quais significados são produzidos e quais grupos acabam por ditar essa significação. É necessário pensar que vivemos uma época onde a globalização aponta para o fenômeno de hibridizações culturais1 (SILVA, 2010). Essa mesma globalização, enraizada nas regras de mercado, por um lado pode ser considerada como um estreitar de fronteiras econômicas e mesmo culturais, por outro tende a suprimir as especificidades culturais de determinados grupos, pois nesse dito hibridismo cultural, são os grupos hegemônicos que terão o maior exercício de poder na produção dessa significação social. Nas palavras de Silva: “A doxa triunfante, o pensamento único, o consenso fabricado, fecham o campo da significação, restringem as alternativas, apagam a memória, negam o passado, reificam o presente e sequestram o futuro. O trabalho de significação entra em curto-circuito, se encerra numa trajetória circular para repetir incessantemente, indefinidamente, que não há salvação fora do movimento da mercadoria, que o funcionamento da “boa” sociedade é homólogo ao bom funcionamento do mercado, que a identidade pública da esfera da cidadania se confunde com a identidade privada da esfera do consumo” (SILVA, 2010, p.8) Ao pensar a globalização como um mecanismo da manutenção das estruturas do mercado, pensemos a influência do modelo econômico neoliberal que perpassou a comunidade internacional a partir da década de 1980. O neoliberalismo é segundo Ediane Carolina Peixoto Marques Lopes e Marina Caprio (2008) uma postura política e econômica do capitalismo que aponta para a criação de um Estado mínimo. Essa proposta de influência mínima do Estado na economia tem ligação com o período em que o termo foi cunhado pelos economicistas norte-americanos Milton Friedmann e Frederic Hayek, que foi o da crise econômica de 1960, onde a ação estatal é culpabilizada pela situação crítica da economia. (LOPES e CAPRIO, 2008) 1 Sobre Hibridização Cultural ler “Culturas Hibridas: Estratégias para entrar e sair da Modernidade” (CANCLINI, 1990). 4 Campos dos Goytacazes 2018 No que diz respeito a educação, a conduta neoliberal retira a mesma do campo social e a coloca na esfera do mercado, onde podemos então pensar uma mercantilização da educação a partir dos seguintes objetivos pretendidos pelo neoliberalismo no campo educacional: 1. Atrelar a educação escolar à preparação para o trabalho e a pesquisa acadêmica ao imperativo do mercado ou às necessidades da livre iniciativa. Assegurar que o mundo empresarial tem interesse na educação porque deseja uma força de trabalho qualificada, apta para a competição no mercado nacional e internacional. [...] 2. Tornar a escola um meio de transmissão dos seus princípios doutrinários. O que está em questão é a adequação da escola à ideologia dominante. [...] 3. Fazer da escola um mercado para os produtos da indústria cultural e da informática, o que, aliás, é coerente com ideia de fazer a escola funcionar de forma semelhante ao mercado, mas é contraditório porque, enquanto, no discurso, os neoliberais condenam a participação direta do Estado no financiamento da educação, na prática, não hesitam em aproveitar os subsídios estatais para divulgar seus produtos didáticos e paradidáticos no mercado escolar. (MARRACH, 1996, p. 46-48 apud LOPES e CAPRIO, 2008, p.2). O que vemos de acordo com os pontos citados pelos autores é que a educação pensada pelo neoliberalismo está a serviço do grande capital, dos grupos que comandam a economia, ou seja, a educação se torna um agente de manutenção, produção e reprodução do mercado. Sendo assim, todo o processo de criticidade e de formação cidadã que a escola deveria fomentar e construir estaria sob a perspectiva neoliberal, associada aos interesses dos grupos que detém a maior parte do capital mundial. O neoliberalismo age mais amplamente na educação brasileira no início da década de 1990, por meio do Banco Mundial (BM)2. O BM aponta a educação como principal forma de um país se desenvolver economicamente e através desse posicionamento propõe uma série de reformas educacionais aos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil. (LOPES e CAPRIO 2008) Nesse pacote de reformas as autoras resumem os objetivos do BM expondo “que sua intervenção nas políticas educacionais evidencia a expansão das políticas mais convenientes aos interesses do capital internacional. A educação restringe-se ao papel de reproduzir a força de trabalho para o capital, formar ideologicamente conforme os interesses do mesmo e servir como segmentodo mercado a ser explorado comercialmente pelo setor privado.” (LOPES e CAPRIO, 2008, p.8) Para que a problematização em torno da produção do texto curricular não fique reduzido a uma questão econômica, mas evidencie também o seu caráter identitário, faz- se necessário entender a característica multicultural de nossa época. O multiculturalismo 2 “O Banco Mundial, “foi concebido na Conferência de Breton Woods em julho de 1944, como instrumento para financiar a reconstrução dos países destruídos pela Segunda Guerra Mundial, sobretudo os da Europa” (ARRUDA, 1998, p. 45-46 apud LOPES e CAPRIO, P. 3). 5 Campos dos Goytacazes 2018 nas palavras de Marcelo Andrade (2009, p. 17) seria “a constatação de um fenômeno que envolve a convivência e a coexistência de diversas culturas num mesmo território e num mesmo tempo histórico.”. Dito isto deve-se voltar os olhos para o fenômeno da globalização, que através da expansão e aprimoração de meios de comunicação acaba por difundir e tornar conhecido um maior número de identidades, ao mesmo tempo que também produz e acentua mais as diferenças. Sendo o lugar de construção de sentido e identidades um território de interesses econômicos, é necessário entendermos que uma educação antirracista não é indissociável de uma educação anticapitalista. Nas palavras de Silva (2013, p.164) “os discursos e práticas racistas são o resultado da história econômica, social, política e cultural da sociedade na qual são produzidos”. Entender que somos uma sociedade multicultural é um passo colocado por Silva no livro Documentos de Identidade – Uma introdução às teorias do currículo (2013), como muito importante para a organização política dos grupos dominados, mas que não extingue e nem pensa extinguir a opressão. O autor cita uma categoria chamada “multiculturalismo liberal”, que coloca em voga discursos como o da tolerância e respeito às diferenças, pois todos temos características que nos igualam em uma mesma humanidade. Ao falar de tolerância torna-se claro que o multiculturalismo é uma construção que legitima uma hierarquia social pautada pela desigualdade, que elege a diferença como mecanismo de manutenção das relações sociais de poder, ou seja, tolerar reafirma as desigualdades sociais. Nas palavras de Skliar “a tolerância não inclui a aceitação do valor do outro; pelo contrário, é uma vez mais, talvez de maneira mais sutil e subterrânea, a forma de reafirmar a inferioridade do outro e serve de antessala para a intenção de acabar com sua especificidade – junto ao convite ao outro para cooperar na consumação do inevitável. A tão aclamada humanidade dos sistemas políticos tolerantes não vai além de consentir a demora do conflito final.” (SKLIAR apud CAPUTO, 2012 p. 231) Segundo Andrade (2009), o multiculturalismo seria então um mecanismo de supressão cultural. Tolerar a diferença é uma forma de pensar uma cultura hibrida, onde não se nega a multiplicidade cultural, mas também não se planeja empoderar igualitariamente os grupos que compõem esta multiplicidade. O que se pode perceber, é uma aparente “celebração” das diferenças desde que essas diferenças não interfiram nas relações de poder constituídas, o que podemos perceber nos processos de folclorização e esteriotipização que vivem os grupos sociais considerados minorias políticas. Os processos de esteriotipização e folclorização atingem diretamente a relação de poder que representa a produção das identidades sociais. Ao viver este processo, os grupos sociais 6 Campos dos Goytacazes 2018 com menor representatividade na relação de poder veem ameaçada a premissa de que “qualquer comunidade humana trata sempre de salvaguardar sua cultura, já que é dessa maneira que se assegura sua continuidade.” (SILVA, 2013). O nosso tempo e as possibilidades do mesmo, propiciaram uma reformulação nas formas da militância. O advento das mídias sociais digitais nos anos 2000, foi de extrema importância para a difusão das pautas dos movimentos sociais. Mas também deve-se apontar que os meios de comunicação de massa caminham sempre para pensar um “senso comum” e alimentar slogans como: “Somos todos iguais!”. É preciso entender que as forças conservadoras, aqueles que estão em situações privilegiadas na atual distribuição de poder, não intentam uma divisão igualitária do mesmo. Dito isto, pode-se até perguntar o que teria tudo isso a ver com o texto curricular. Uma possível resposta pode ser vista na afirmação de Silva, de que “As relações sociais no interior das quais se realizam as práticas de significação não são simplesmente relações sociais; elas são mais do que isso: são relações sociais de poder.” (SILVA 2010, p. 23). Partindo do diagnóstico feito por Silva, aponto para a importância de se entender o currículo como território de disputa política e de reconhecimento de identidades sociais. Estudar currículo é estudar sociedade, política, manutenção de privilégios, acesso a direitos, justiça social, identificação e desconstrução de mazelas sociais vividas por vários grupos que compõem a nossa sociedade. Currículo e Raça No caso específico do negro no Brasil podemos citar o Movimento Negro como uma importante força política em torno da afirmação da identidade negra brasileira e como instituição responsável por trazer pautas que giram em torno da reavaliação da figura do negro na história do Brasil (PEREIRA, 2011). Antes de entramos mais detalhadamente nas reinvindicações do Movimento Negro é necessário pensar alguns pontos em torno da construção curricular e como isso se reflete na imagem socialmente construída em torno da população negra do brasil. O primeiro ponto seria entender que a epistemologia que permeia a construção curricular é eurocêntrica. Em segundo lugar, afirmar que existe uma relação de colonialidade presente na produção de saberes desse currículo. Ao falar de relação de colonialidade, trazemos aqui o conceito de “colonialidade do poder” trazido através da leitura de Aníbal Quijano feita por Luiz Henrique Fernandes, que entende o conceito como 7 Campos dos Goytacazes 2018 “uma ferramenta útil para a compreensão da estrutura de dominação que subsiste e sobrevive à ruptura dos vínculos formais que instituem uma relação de exploração e dominação política/econômica das metrópoles sobre as colônias, permeando as sociedades que compartilham da assim chamada ‘herança colonial’ de modo a reproduzir socialmente hierarquias criadas pelo colonialismo” (FERNANDES 2015 p. 20) Ainda trabalhando com o conceito de colonialidade, Torres (2007, P.113), afirma que O colonialismo denota uma relação política e econômica, na qual a soberania de um povo está no poder de outro povo ou nação, o que constitui a referida nação em um império. Diferente desta ideia, a colonialidade se refere a um padrão de poder que emergiu como resultado do colonialismo moderno, mas em vez de estar limitado a uma relação formal de poder entre dois povos ou nações, se relaciona à forma como o trabalho, o conhecimento, a autoridade e as relações intersubjetivas se articulam entre si através do mercado capitalista mundial e da ideia de raça. Assim, apesar do colonialismo preceder a colonialidade, a colonialidade sobrevive ao colonialismo. Ela se mantém viva em textos didáticos, nos critérios para o bom trabalho acadêmico, na cultura, no sentido comum, na autoimagem dos povos, nas aspirações dos sujeitos e em muitos outros aspectos de nossa experiência moderna. Neste sentido, respiramos a colonialidade na modernidade cotidianamente. Ao pensar em hierarquias produzidas pelo colonialismo e readaptadas na relação de colonialidade é importante fazer um resgate da memória, entender o processo de escravização vivido pelo negro no Brasil e o processo pelo qual o mesmo passa no pós- abolição. Ao pensarmosisso de uma forma “colonizada”, ou seja, apenas do ponto de vista construído pelo olhar colonizador/colonizado caminha-se para a manutenção, produção e reprodução de uma sociedade racista. É de extrema importância que entendamos que as vozes silenciadas do currículo (Silva, 2013), não significam apenas ausências em um documento que irá definir tópicos que se transformarão em conteúdo. Essas ausências contribuem de maneira contundente na formação dos estudantes das escolas. Pensando sobre o que foi dito até aqui e reafirmando o currículo como mecanismo de produção de sentido e identidades, neste ponto onde já sabemos que o currículo é um lugar de disputas identitárias, que nada tem de neutro, e que o texto ali produzido é agente de perpetuação de uma relação de colonialidade, Nilma Lino Gomes diz: “Descolonizar os currículos é mais um desafio para a educação escolar. Muito já denunciamos sobre a rigidez das grades curriculares, o empobrecimento do caráter conteudista dos currículos, a necessidade de diálogo entre escola, currículo e realidade social, a necessidade de formar professores e professoras reflexivos e sobre as culturas negadas e silenciadas nos currículos.” (GOMES, 2012) 8 Campos dos Goytacazes 2018 É na necessidade de diálogo entre o currículo e a realidade social que se percebe a importância dos movimentos sociais para esse processo de descolonização do currículo. Pensar a descolonização do currículo é também afirmar que a história pode e deve ser vista de mais de uma perspectiva, é entender os perigos de uma História única3. Ao pensar essa história diferente da qual é representante nossa atual construção curricular, é necessário elencar importantes conquistas do Movimento negro no Brasil, mais especificamente as voltadas para o campo da educação, pois contar parte da história deste movimento social é um importante passo para a reavaliação do papel do negro na história do Brasil (PEREIRA, 2011). Para falar de como o Movimento Negro se organiza devemos antes pensar em como foram produzidas as questões que cercam a imagem social do negro no Brasil, partindo do processo de marginalização e exclusão que a população negra passa no pós- abolição, passando pelo racismo científico, pelo movimento eugênico brasileiro compostos por parte da intelectualidade da época (fim do século XIX e início do XX), que usaram de pressupostos científicos para construírem uma imagem de inferioridade em volta da presença negra nos trópicos. Ambos apontam para a presença dos negros no Brasil como causa para o não desenvolvimento do país nos moldes da Europa. O processo de embranquecimento ou melhoramento da raça apontado na produção de Raimundo Nina Rodrigues e outros, e pelo eugenismo, foi em determinado momento prática estatal, como vemos no Decreto nº 528, de 28 de junho 18904, emitido pelo governo provisório que consistia em “Considerar livre a entrada de imigrantes com as seguintes condições: que os imigrantes tivessem capacidade para o trabalho, que não estivessem sendo processados por crime; que não fossem oriundos da África entre outras coisas.” (Neves 2008, p.243) Sendo assim, vemos o Movimento Negro como representante de um grupo que foi e é marginalizado na sociedade brasileira. Ele usa da diferença produzida no seio da sociedade para reivindicar melhorias de existência que lhe foram negadas a população 3 Vídeo da escritora nigeriana Chimamanda Adichie onde aponta para a imagem construída da África pela epistemologia eurocêntrica. Disponível em: https://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story/up-next?language=pt-br acesso em 11 de junho de 2017. 4 Decreto nº 528, de 28 de junho de 1890 – Disponível em: ww2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-528-28-junho-1890-506935-publicacaooriginal-1- pe.html acesso em 15 de julho de 2017. https://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story/up-next?language=pt-br 9 Campos dos Goytacazes 2018 negra por um processo de abolição da escravatura pensado sem nenhum aparente projeto de equiparação. Dialogando com Amilcar Araújo Pereira (2011) vejamos melhor como se dá a ação do Movimento negro na luta por educação e em torno da reavaliação do papel do negro na história do brasil, pois é talvez essa a pauta que melhor unifica toda a organização deste movimento político. A luta dos movimentos políticos negros no Brasil em torno da educação da população negra, passa por diferentes fases e instituições, como o programa de alfabetização desenvolvido pelo Teatro Experimental do Negro, sob a direção de Abdias Nascimento e as diferentes campanhas lideradas por grupos como A Frente Negra Brasileira e o Centro Cívico de Palmares entorno da integração da população negra na sociedade brasileira do pós-abolição. (PEREIRA 2011) Porém é sobre acontecimentos no campo educacional, mais próximos dos nossos dias que irei apontar. Com o avançar das discussões em torno do que é ser negro no Brasil, principalmente após a redemocratização do país em 1988, cresce ou ressurge após os anos de censura questões que cercam a história da relações étnico raciais no Brasil. Ainda no início da década de 1980, intelectuais como Maria Raimunda Araujo (mais conhecida como Mundinha)5 desenvolve uma trabalho que envolvia a formação de professores e alunos sobre as diversas histórias experienciadas pela população negra ao decorrer da história do Brasil. Mundinha Araújo também fez parte do grupo de militantes que produziu materiais didáticos, que foram publicados em outros estados além do Maranhão. (PEREIRA 2011) O que o trabalho de militantes como Mundinha Araújo nos mostra é a importância das práticas dos movimentos políticos negros para se repensar o papel do negro na história do Brasil. O trabalho dela a frente do Centro de Cultura negra (CCN) do Maranhão, nos mostra também a importância dos movimentos sociais fazerem parte das discussões que constroem os parâmetros educacionais, mais que isso, dos mesmos estarem inseridos na escola. A prática política e educacional de Mundinha Araújo não consistia apenas na formação de professores e alunos, mas de militantes também, pois foi uma prática 5 Maria Raimunda Araujo, a Mundinha, nasceu em 08 de janeiro de 1943, em São Luís. Formou-se em Comunicação Social pela Federação das Escolas Superiores do Maranhão (1975). Fundadora do Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN, em 1979), do qual foi presidente entre 1982-1984. (PEREIRA, 2011) 10 Campos dos Goytacazes 2018 pioneira a entrada de movimentos políticos de minorias terem alguma voz na escola (PEREIRA 2011). Em suma, o que se busca afirmar com o que foi dito, é que toda conquista em prol de uma educação antirracista no Brasil, é consequência de processos de luta de movimentos políticos negros. Lei 10.639/03 e DCN’s Como vimos anteriormente, todas as conquistas educacionais ligadas a existência negra no Brasil é fruto da luta dos movimentos políticos negros, sendo assim será dessa forma que pretendo analisar a sanção da Lei 10.639 de 2033, que torna obrigatório o ensino de história da África e da cultura afro-brasileira no Brasil. A Lei 10.639/036 sancionada em 09 de janeiro de 2003 pelo Presidente da república Luiz Inácio Lula da Silva se resume no seguinte quadro. Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. 1° O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômicae política pertinentes à História do Brasil. A obrigatoriedade proposta pela Lei 10.639/03 enfrenta desafios que giram em torno da educação das relações étnico-raciais do Brasil. Como já foi dito em um momento anterior, a história do negro no Brasil sempre foi oficialmente contada por um viés eurocêntrico. No que diz respeito às relações étnico-raciais, o negro no Brasil passa por dois momentos, o da explicita exclusão e marginalização, percebido nos discursos abertamente racistas de cientistas, intelectuais e autoridades, e outro em que ganha ecos na sociedade o mito da democracia racial. Outro desafio para a aplicação da Lei 10.639/03 seria a formação docente. A partir da promulgação da lei pode-se até vislumbrar que os docentes em formação receberão instrumentos para trabalhar com as questões presentes no texto da lei. Mas devemos ainda pensar nas gerações de professores já formados e atuantes, que não tiveram em sua formação nenhum tipo de instrumentalização para lidar com essas questões, ou pior, que 6 Lei 10.639/03 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm acesso em 16 de julho de 2017. LEI Nº 11.645/08. Responsável por incluir a obrigatoriedade do ensino da história dos indígenas brasileiros. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm acesso 16 de julho de 2017. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm 11 Campos dos Goytacazes 2018 foram educados para não lidar com elas. A implantação da Lei 10.639/03 enfrenta como principais desafios o olhar docente que acaba por ver a obrigatoriedade que traz a lei como “mais conteúdo”, o que podemos perceber como fruto da construção eurocêntrica que permeia o currículo, que sempre contou uma história do ocidente ou da ocidentalização do mundo, que sempre elegeu a Europa como protagonista da história mundial. Sendo a construção curricular eurocêntrica, percebe-se que todo grupo social, que não se enquadra nessas características sócio histórica, sofre um processo de violência dentro do processo educacional brasileiro. As resistências à implantação da Lei 10.639/03 perpassa diferentes caminhos, a não formação continuada dos professores para lidar com toda a gama de ações, conceitos e equipamentos que se faz necessária para a implantação da lei, que são: “identidade negra, democracia racial, diferenças, igualdade, identidade, cultura, multiculturalismo, livros didáticos, movimento negro, políticas de ações afirmativas, formação docente, interculturalidade, exclusão, evasão escolar, repetência, formação docente e outros.” (OLIVEIRA, p.02). Com toda essa ausência de conhecimento sobre as categorias necessárias e com a construção eurocêntrica do currículo, percebe-se a sala de aula como espaço de resistência às mudanças, pois historicamente tudo que é considerado herança europeia é mais bem quisto no processo educacional. Dito isto percebe-se a resistência de pais, professores e alunos, que por terem credos religiosos que demonizam a religião afro-brasileira e de matriz africana, acaba por demonizar o ensino proposto na Lei. 10.639/03, pois sabemos que as configurações de um povo é um fenômeno cultural que explica através da cosmogonia as formas de organização social de cada sociedade. A lei 10.639/03, neste ponto, acaba por ser também um mecanismo que traz a luz o racismo estruturante da educação brasileira, assim como acende o foco sobre o racismo religioso que alunos e professores adeptos de religiões afro-brasileiras e de matriz africana sofrem no ambiente escolar. Chamo de racismo religioso, pois religiões com o candomblé, mas também a Umbanda, são religiões historicamente vistas como resistência negra no Brasil e, como todas as dimensões da existência negra, o aspecto religioso também é atingido pelo racismo estrutural e estruturante da nossa sociedade. Pela brevidade do texto da lei podemos perceber que ela traz a legitimação da aplicação, mas não diz as formas de tornar aplicável o proposto nela. Neste ponto, voltamos o olhar para as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana 12 Campos dos Goytacazes 2018 (DCNERER). São elas que serão responsáveis por apontar caminhos para se pensar a aplicabilidade da Lei 10.639/03, como propõe seu texto A obrigatoriedade de inclusão de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos da Educação Básica trata-se de decisão política, com fortes repercussões pedagógicas, inclusive na formação de professores. (...). É importante destacar que não se trata de mudar um foco etnocêntrico marcadamente de raiz europeia por um africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira. Nesta perspectiva, cabe às escolas incluir no contexto dos estudos e atividades, que proporciona diariamente, também as contribuições histórico- culturais dos povos indígenas e dos descendentes de asiáticos, além das de raiz africana e europeia (Brasil, 2004, p. 8 Apud OLIVEIRA E LINS 2014 p. 372). Pelos parâmetros presentes na citação podemos perceber que o intuito da Lei.10.639/03 e das diretrizes não é inverter o caráter etnocêntrico do nosso currículo para um afrocêntrico, mas pensar também as contribuições dos diferentes povos que constituem a sociedade brasileira, ou seja, a proposta de uma educação que pense epistemologicamente para além da visão colonizada do nosso currículo. O que fica mais evidente com as propostas a seguir. 1- O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, (...) envolverá articulação entre passado, presente e futuro no âmbito de experiências, construções e pensamentos produzidos em diferentes circunstâncias e realidades do povo negro. (...) e tem por objetivos o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos afro-brasileiros, (...) e igual valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, europeias, asiáticas. 2 - O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana se fará por diferentes meios, em atividades curriculares ou não, em que: - se explicite, busque compreender e interpretar, na perspectiva de quem o formule, diferentes formas de expressão e de organização de raciocínios e pensamentos de raiz da cultura africana; (...). 3 - O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a educação das relações étnico raciais, tal como explicita o presente parecer, se desenvolverão no cotidiano das escolas, nos diferentes níveis e modalidades de ensino, como conteúdo de disciplinas, (...). 4 - O ensino de História Afro-Brasileira abrangerá, entre outros conteúdos, iniciativas e organizações negras, incluindo a história dos quilombos, (...) a começar pelo de Palmares, e de remanescentes de quilombos, que têm contribuído para o desenvolvimento de comunidades, bairros, localidades, municípios, regiões (Exemplos: associações negras recreativas, culturais, educativas, artísticas, de assistência, de pesquisa, irmandades religiosas grupos do Movimento Negro). 5 - Datas significativas para cada região e localidade serão devidamente assinaladas. O 13 de maio, Dia Nacional de Luta contra o Racismo, será tratado como o dia de denúncia das repercussões das políticas de eliminação física e simbólica da população afro-brasileira no pós-abolição, e de divulgação dos significados da Lei áurea para os negros. No 20 de novembro será celebrado o Dia Nacional da Consciência Negra, (...). Entre outras datas de significado histórico e político deverá ser assinalado o 21 de março, Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial. 6- Em História da África,tratada em perspectiva positiva, (...) ao papel dos anciãos e dos griots como guardiões da memória histórica; - à história da ancestralidade e religiosidade africana; - aos núbios e aos egípcios, como civilizações que contribuíram decisivamente para o desenvolvimento da humanidade; - às civilizações e organizações políticas pré-coloniais, como os reinos do Mali, do Congo e do Zimbabwe; - ao tráfico e à escravidão do ponto de vista dos escravizados; - ao papel dos europeus, dos asiáticos e também de africanos no tráfico; - à ocupação colonial na perspectiva dos africanos; - às 13 Campos dos Goytacazes 2018 lutas pela independência política dos países africanos; - às ações em prol da união africana em nossos dias, bem como o papel da União Africana, para tanto; - às relações entre as culturas e as histórias dos povos do continente africano e os da diáspora; 7 - À formação compulsória da diáspora, vida e existência cultural e histórica dos africanos e seus descendentes fora da África; - à diversidade da diáspora, hoje, nas Américas, Caribe, Europa, Ásia; - aos acordos políticos, econômicos, educacionais e culturais entre África, Brasil e outros países da diáspora. 8 - O ensino de Cultura Afro-Brasileira destacará o jeito próprio de ser, viver e pensar (...) como congadas, moçambiques, ensaios, maracatus, rodas de samba, entre outras - O ensino de Cultura Africana abrangerá: - as contribuições do Egito para a ciência e filosofia ocidentais; - as universidades africanas Tambkotu, Gao, Djene que floresciam no século XVI; - as tecnologias de agricultura, de beneficiamento de cultivos, de mineração e de edificações trazidas pelos escravizados, bem como a produção científica, artística (artes plásticas, literatura, música, dança, teatro) política, na atualidade . 9 - O ensino de História e de Cultura Afro-Brasileira, far-se-á por diferentes meios, inclusive, a realização de projetos de diferentes naturezas, no decorrer do ano letivo, com vistas à divulgação e estudo da participação dos africanos e de seus descendentes em episódios da história do Brasil, na construção econômica, social e cultural da nação, destacando-se a atuação de negros em diferentes áreas do conhecimento, de atuação profissional, de criação tecnológica e artística, de luta social (...) (BRASIL, 2004, p. 11-13 Apud OLIVEIRA E LINS 2014 pp. 372-373). O que propõe então as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana é nada mais do que o mesmo espaço que os grupos dominantes – notadamente a Europa – sempre estiveram nos currículos. Não se trata de uma inversão, mas de uma equiparação, de um processo de descolonização do pensamento social brasileiro sobre a África e o negro e principalmente, um projeto de educação antirracista. O que se pretende com a reflexão deste trabalho é fomentar a discussão em torno de uma educação que desconstrua imagem historicamente construída em torno do continente africano, como um continente a-histórico, que tem a sua existência e a existência dos diversos grupos que o povoaram e povoam resumidas ao contato com os europeus. É como oposição a essas ideias e pensando a partir dos pontos enumerados pelas DCN’s que este trabalho pensa a construção de uma educação intercultural. O Caminho da Interculturalidade A interculturalidade seria um caminho pelo qual se construiria uma nova perspectiva sobre o processo de ensino-aprendizagem. É uma proposta de uma nova epistemologia na construção do conhecimento. Nas palavras de Catherine Walsh a interculturalidade seria “- Um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e aprendizagem entre culturas em condições de respeito, legitimidade mútua, simetria e igualdade. 14 Campos dos Goytacazes 2018 - Um intercâmbio que se constrói entre pessoas, conhecimentos, saberes e práticas culturalmente diferentes, buscando desenvolver um novo sentido entre elas na sua diferença. - Um espaço de negociação e de tradução onde as desigualdades sociais, econômicas e políticas, e as relações e os conflitos de poder da sociedade não são mantidos ocultos e sim reconhecidos e confrontados. - Uma tarefa social e política que interpela ao conjunto da sociedade, que parte de práticas e ações sociais concretas e conscientes e tenta criar modos de responsabilidade e solidariedade. - Uma meta a alcançar.” (WALSH, 2001, p. 10-11 Apud CANDAU e OLIVEIRA 2010, p.27) Pensando a partir da definição de Walsh, vislumbra-se uma ligação com os conceitos aqui já citados, que identificam as relações de colonialidade presentes na epistemologia eurocêntrica dos currículos de História. Ou seja, a interculturalidade seria o passo seguinte do multiculturalismo, pois a mesma enxerga as desigualdades da sociedade e fomenta o confronto a elas, diferente do multiculturalismo que caminha para um caráter assimilacionista das diferenças. Uma educação intercultural é uma educação que prioriza questões em torno da formação cidadã, de consciência histórica e direitos humanos. Essa abordagem pensa um processo de igualdade na sociedade, mas aponta para a necessidade da equiparação e também para uma educação crítica. A interculturalidade na educação pode ser vista como o educar para “nunca mais” como vemos no artigo de Cinthia Araújo “Educar para “o nunca mais”: Ensino de História e Educação em Direitos Humanos”7, que nos traz o olhar da vigilância e do aspecto militante da educação intercultural ao refletir sobre as limitações em torno da universalização de garantia de acesso aos direitos humanos Entende-se por Direitos Humanos “aqueles direitos considerados fundamentais a todos os seres humanos, sem quaisquer distinções de sexo, nacionalidade, etnia, cor da pele, faixa etária, classe social, profissão, condição de saúde física e mental, opinião política, religião, nível de instrução e julgamento moral”. (Benevides, 2000, p. 1 apud ARAUJO p.2) No Brasil, onde ainda vemos um Estado que pratica um olhar eugênico da nossa sociedade, onde é atribuído à população negra os piores índices de vulnerabilidade social, é de extrema importância que se eduque para o debate acerca os Direitos Humanos. A 7 “A expressão “educar para el nunca más” foi cunhada no contexto das ditaduras militares latino- americanas, mas que pode ser usada no contexto do pós-guerra. Nascida com o objetivo de sublinhar a importância da construção de uma memória coletiva na constituição dessa cultura de paz, estabelece uma relação entre a história – em sua função de (des)construir memórias – e a educação em direitos humanos. (ARAUJO, pp. 1-2) 15 Campos dos Goytacazes 2018 desigualdade de oportunidades no Brasil pode ser percebida no Mapa do Encarceramento, que traz a seguinte conclusão. “Em relação à informação cor/raça dos presos adultos no Brasil, verifica-se que, em todo o período analisado, existiram mais negros presos do que brancos. Em números absolutos: em 2005 havia 92.052 negros presos e 62.569 brancos; considerando-se a parcela da população carcerária para a qual havia informação sobre cor disponível, 58,4% era negra. Já em 2012 havia 292.242 negros presos e 175.536 brancos, ou seja, 60,8% da população prisional era negra. Constata-se assim que quanto mais cresce a população prisional no país, mais cresce a proporção de negros encarcerados.” (Mapa do encarceramento 2015, p.92) O quadro do sistema carcerário do Brasil é mais uma prova das desigualdades que propiciam a questão do racismo no Brasil somada a questões de classe. O que se percebe com esses 15 anos da sanção da Lei 10.639/03 é que ainda que essa seja uma conquista de extrema importância para uma educação antirracista, muito ainda há o que se fazer para que possamos implementar uma educação antirracistae, mais ainda, para que o racismo seja erradicado da sociedade. Exemplo disso são os pontos de tensão entre uma educação intercultural e a resposta dos grupos hegemônicos no que tange a distribuição de poder. Os pontos a seguir demonstram algumas ações que podem ser vistas como reações de setores conservadores da nossa sociedade em resposta às políticas públicas de inclusão racial, tais como a Lei 10.639/03. A Medida Provisória nº 726, de 12 de maio de 20168, que entre outras ações, encerra os trabalhos da SEPPIR (Secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial). A data escolhida para a programação traz à reflexão o processo de marginalização e exclusão que o negro enfrenta na sociedade brasileira após 13 de maio de 1888. Esta MP, segundo muitas lideranças negras do Brasil, pode pôr em risco muitas das ações afirmativas implementadas pela secretária. Outro ponto é a discussão sobre a demarcação de terras quilombolas. O quilombo é considerado como um marco da resistência negra ainda dentro da escravatura e marco memorial de várias gerações do movimento negro do brasil. A demarcação de terras quilombolas tem ainda sido um grande debate no plenário em Brasília, onde a bancada ruralista já apresentou mais de 25 Projetos de Lei que dificultam a demarcação de terras 8 Medida Provisória nº 726 , de 12 de maio de 2016, disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/Mpv/mpv726.htm , acesso em 15 de julho de 2017. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/Mpv/mpv726.htm 16 Campos dos Goytacazes 2018 indígenas e quilombolas. A maioria destes PL’s se convertem na PEC 215/20009, que consiste em dar ao Congresso e em alguns casos como na PEC 257/200410 as Assembleias Legislativas o poder de decisão na demarcação das terras indígenas e quilombolas. O que afeta diretamente a perpetuação cultural dos grupos culturais que constroem e ocupam estes territórios. O decreto n° 7107, de 11 de fevereiro de 201011, mas conhecido como Concordata Brasil-Vaticano foi assinada em 2008 pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. O documento entre muitos outros pontos, reforça a presença ensino religioso católico na educação básica brasileira. Artigo 11 – A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa. Parágrafo 1º – O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação.com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação. Este documento fere a laicidade presente nos parâmetros educacionais das escolas públicas brasileiras. Devemos pensar alguns pontos deste documento: primeiro entender que o Vaticano tem status de Estado e, portanto, o Papa tem o status político de chefe de estado (CUNHA 2009). Outro ponto é entender o que significa para os alunos não cristãos, mais precisamente para os alunos que professam a fé em religiões afro-brasileiras e de matriz africana, que foi marginalizada e perseguida ao longo de toda história do Brasil. Esta concordata, ainda que traga o discurso da tolerância, significa mais um 9 PEC 215/2000 (aprovada em 27/10/2015) – Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=14562 acesso em 30 de julho de 2017. 10 PEC 257/2004 – Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=182202 acesso em 30 de julho de 2017. 11 O Decreto n° 7107, de 11 de fevereiro de 2010 – Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7107.htm acesso em 30 de julho de 2017. http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=14562 http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=182202 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7107.htm 17 Campos dos Goytacazes 2018 mecanismo das relações de colonialidade presentes na educação pública brasileira, além de alimentar uma outra face do racismo, o religioso12. Partindo então da premissa de que a promulgação da Lei 10.639/03 é um marco importante, ainda que limitado, para uma educação antirracista, mas não o fim do processo em torno do que é ser negro no Brasil, dissertarei a partir daqui sobre minha experiência durante o meu estágio como aluno de licenciatura em História na UFF de Campos de Goytacazes. Estudo de caso O Colégio Estadual Dr. Phillippe Uébe conta com 810 alunos matriculados, com faixa etária entre 12 e 22 anos. Contendo 25 turmas de ensino regular (ensino médio e ensino fundamental), que se dividem nos turnos matutino (10 turmas), vespertino (10 turmas) e noturno (5 turmas). Com o total de 85 funcionários, sendo dos quais 69 professores, dos quais 06 são lotados na disciplina História, suas titulações variam entre graduados e mestres. O Colégio possui uma área total de 486 m² e está localizada no distrito de Guarus, às margens da BR101. O distrito de Guarus, é conhecido na cidade de Campos dos Goytacazes, como lugar de alta criminalidade. A população residente sofre com estigmas sociais ao se identificarem pertencentes aquela comunidade. Guarus é separado do centro da cidade pelo Rio Paraíba do Sul, essa separação ocasionada por um aspecto natural é ressignificada no âmbito social. Uma pesquisa realizada pelo Gabinete de Gestão Integrada Municipal (GGIM)13 e em parceria com o setor de análise do 8º Batalhão da Policia Militar aponta que entres os anos de 2011 e 2015 foram registrados 987 homicídios, sendo 509 de jovens entre 15 e 29 anos. Desses 509 jovens, 96% eram negros ou pardos, de baixa escolaridade e moradores de bairros de Guarus. Como foi dito no início deste trabalho, classe e raça, são categorias distintas. Mas ao vermos os quadros de vulnerabilidade social do distrito de Guarus, podemos perceber que são indissociáveis, pois ao longo da história do Brasil o racismo estrutural reservou os negra às camadas mais pobres da sociedade. Ao ter ciência dessa realidade social da 12 Ler CAPUTO, Stella Guedes. Educação nos terreiros e como a Escola se relaciona com crianças de Candomblé. 13 Link da matéria onde foi noticiada a pesquisa, disponível em: http:///g1.globo.bom/rj/norte- fluminense/noticia/2016/07/maiores-vitimas-de-homicidios-em-campos-sao-jovens-negros-diz- estudo.html , acesso em 06 de junho de 2017. http://g1.globo.bom/rj/norte-fluminense/noticia/2016/07/maiores-vitimas-de-homicidios-em-campos-sao-jovens-negros-diz-estudo.html http://g1.globo.bom/rj/norte-fluminense/noticia/2016/07/maiores-vitimas-de-homicidios-em-campos-sao-jovens-negros-diz-estudo.html http://g1.globo.bom/rj/norte-fluminense/noticia/2016/07/maiores-vitimas-de-homicidios-em-campos-sao-jovens-negros-diz-estudo.html 18 Campos dos Goytacazes 2018 maior parte dos moradores de Guarus, a partir de pesquisa realizada durante o estágio, pretende-se pensar em como as questões em torno do que é ser negro é tratada na escola citada. A primeira questão que me dispus a observar durante o estágio, foi a prática docente na disciplina História e algo em comum entre os três docentes que observei foi a forma “decoreba” de se ensinar História. Reduziam a História a um calendário e não se aprofundavam em analisar e/ou apontar as contribuições das diferentes épocas passadas para a sociedade atual. Os três aplicavamprovas - espelho, onde anteriormente revisões eram dadas para serem decoradas e depois transcritas na avaliação, que nada mais era que o mesmo questionário da revisão. Porém para que esse trabalho não caia no erro de culpabilizar a categoria docente pela forma que a construção do conhecimento acontece, faz-se necessário apontar as diversas formas de violência e negligência que a categoria vive na relação conflituosa com o Estado. O período no qual estagiei, foi o de deflagração de uma greve e o momento em que encerrei foi o acelerado processo de reposição de aulas que os docentes deviam executar. Durante meu estágio, presenciei alguns quadros preocupantes, como professor afastado por problemas nas cordas vocais ocasionados por excesso de trabalho e nenhum preparo fonoaudiológico para tal. Presenciei também professor tendo que abandonar a aula no meio, pois teve um pico hipertensivo, ocasionado por noites em claro, corrigindo trabalhos e avaliações das diversas escolas onde leciona. O que percebo é antes de tudo é uma romantização da prática docente, que retira toda a humanidade do professor, colocando uma alcunha infeliz de herói sobre seus ombros. É necessário que olhemos para esses professores também como trabalhadores expostos a condições massacrantes de trabalho. Essa desvalorização do material humano que é a categoria docente, acaba por influenciar negativamente o processo de construção do conhecimento, pois ao serem expostos a condições massacrantes de trabalho, não resta autoestima profissional para que esses professores possam construir um conhecimento com base em pesquisas, que permitam trazer diferentes pontos de vista, além do apontado nas páginas do livro-didático. Ao pensar o ensino de História, observo a ausência de uma premissa para um ensino mais democrático, a pesquisa. Sobre a pesquisa Paulo Freire diz: "Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esse que fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me 19 Campos dos Goytacazes 2018 educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade." (FREIRE, 2013, 30-31) No posicionamento de Freire, percebemos algumas características para uma educação que contribua para construção cidadã do educando, ao mesmo tempo que fomenta o processo permanente do tornar-se educador. A educação proposta por Freire, seria aquela que perpassa pelos saberes dos educandos, onde não se produz a verdade, mas se pensa nas indagações em volta do que é verdade e porque algo é considerado verdade ou mentira historicamente falando. Ao pensar sobre essas dualidades de verdade/mentira, certo/errado e legal/ilegal penso os diálogos ocorridos entre docentes da unidade escolar em momentos alheios a sala de aula, mas em presença de discentes. Como foi o caso de duas docentes (Ana e Clara14, que me fizeram pensar o quanto a cultura negra e periférica é rechaçada dentro da escola. Ao longo do diálogo travado pelas docentes, ao chegarem no assunto música, a docente de Artes, aponta o funk como responsável pela criminalização e marginalização da periferia, tentando culpabilizá-lo pelo que ocorre nas periferias pela ausência do Estado ou ação criminosa do mesmo. Ao indagar a docente sobre sua afirmação ela me respondeu com a citação de uma revista, que segundo ela, dizia que funk faz cair o rendimento escolar, que funk não é cultura e que alunos precisam mesmo é escutar música clássica. Ao narrar a fala da docente, trago o diálogo para o respeito aos saberes dos educandos, onde se faz necessário pensar o que o aluno traz consigo ao adentrar o espaço da escola, e indago se o padrão de cultura que a escola elege como correto dialoga com a realidade desse aluno. A professora dá prosseguimento a sua fala ao trazer a questão em torno do gênero do funk considerado "proibidão", que traz em suas letras de forma explícita apologia a drogas e linguagem sexual igualmente explícita. Neste momento eu trago o apontamento de que excluir também os textos dessas letras é excluir a realidade do aluno, é não tentar entender as forças presentes naquela construção cultural. O que pude perceber nesta escola é uma alienação dos alunos para com a comunidade onde está inserida. Abro aqui um adendo para citar o documentário Escolarizando o mundo - o ultimo fardo do homem branco15, onde vemos um vilarejo nas quais crianças e adolescentes são educadas para viverem em sociedades urbanas, fazendo com que vejam toda a sua cultura anterior a escola como primitiva e atrasada. 14 Os nomes das verdadeiros das docentes foram trocados por questões éticas de sigilo. 15 Documentário escolarizando o mundo – Disponível em: https://youtu.be/6t_HN95-Urs https://youtu.be/6t_HN95-Urs 20 Campos dos Goytacazes 2018 Devemos pensar enquanto docentes o quão importante é nossa postura ao entender que o aluno tem o direito a multiplicidade de ideias, e que não devemos ensiná-lo a odiar tudo que está à sua volta, mas construir mecanismos de entendimento e daí sim entender melhor esses fenômenos culturais como o funk, que vai muito além de melodia e letra, é também forma de denúncia e empoderamento. O que percebi também em conversa com os alunos é que muitos de tanto ouvir a repulsa dos professores à tais linguagens, reproduzem tais discursos, causando uma destruição de qualquer aspecto positivo que o aluno poderia ter da comunidade onde está inserido. Ao apontar o funk como cultura marginal ou não cultura e pensar determinados estilos musicais como a cultura certa a ser consumida, são acentuadas as relações de colonialidade presentes na educação brasileira, ao mesmo tempo percebemos que se trata de um educar para a manutenção de uma sociedade racista. Ainda na minha observação da ação docente percebi o despreparo de alguns para lidar com questões como as que Nilma Lino Gomes evidencia em Educação, identidade negra e formação de professores/as: um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo. Em um episódio ocorrido na escola, um professor define a Klu Klux Klan como grupo que perseguiu a população negra durante determinada época nos EUA. Até aí, nada a contestar na sua fala. No entanto, o mesmo professor dá sequência a sua fala com um infeliz comentário, "Mas, não pensem que adiantava alisar o cabelo para se achar branco, como os negros fazem no Brasil." O que aparentemente poderia ser visto como uma piada, como são vistas ainda muitas manifestações racistas em nosso país, deve ser visto como uma atitude racista. Para além disso, essa transposição de estruturas racistas feita pelo professor é no mínimo sofrível, pois é necessário que os alunos entendam que a estrutura racista do Brasil e dos EUA não se dão da mesma forma. Outra coisa que o professor perdeu a oportunidade de problematizar com seus alunos, ao fazer tal comentário, é a existência, no Brasil, de um projeto de embranquecimento mediado pelo Estado. Além disso, o professor deixa o aluno negro apenas no papel de vítima, ao falar da KKK em nenhum momento citou grupos negros organizados contra o avanço de tal organização. A fala do professor culpabiliza o negro pelas suas mazelas ou o culpa de usar legitimidades culturais sejam estéticas ou culturais para serem mais aceitos. O professor não analisa que sobreviver muitas vezes também é resistência, que os parâmetros de resistência não são uniformes e que muitas vezes não se pode dar da forma combativa direta, se analisarmos a forma que a estrutura de poder é construída no nosso país. A fala 21 Campos dos Goytacazes 2018 do professor acerta diretamente na questão estética do corpo negro, ao apontar o cabelo considerado “de branco”como melhor, reproduz-se o a ideia do “cabelo bom” e do “cabelo ruim”. Esta situação reafirma como a vivência escolar pode ser uma experiência de sofrimento para o estudante negro e como a mesma pode lhe fornecer um educar para a negação de sua afirmação como negro. Gomes (2003) traz para essa discussão não só a construção de uma educação antirracista, mas também a construção da autoestima dos alunos e alunas negras. Ela aponta a importância e ao mesmo tempo a escassez de produção de conhecimento sobre a valorização dos traços negros, da resistência que significa esse processo de valorização no construir de uma educação antirracista. A visão apresentada pela a autora, coloca para algo muito mais além do conhecimento dito científico o material adequado para construir a discussão em torno da valorização da identidade negra. Pensar na questão do corpo negro é para além da História, deveria ser disciplina de qualquer curso de formação docente. O racismo não espera a aula de História começar para aparecer, ele está implícito no currículo, nas piadas sobre cabelo de determinado aluno, sobre aquele menino ou menina que nunca é escolhido como par nas festas juninas do colégio, ou seja, uma educação antirracista está também ligada a autoestima individual do aluno e da aluna negra. As falas discriminatórias dos docentes, apenas reiteram como a escola pode ser nociva para o estudante negro, reproduzindo o processo excludente que vive o negro ao longo da história do Brasil. Dito isto, voltamos a Lei 10.639/03 com alguns questionamentos entorno do porquê esta lei ter sido criada. Quem motivou isso? A nossa sociedade tão culturalmente racista? Os nossos magistrados? Na verdade, como já foi dito nesse trabalho, a conquista dessa lei foi fruto de resistência e reinvindicação do movimento negro do Brasil. Pereira (2011) aponta para a deficiência que ainda existe no Brasil ao se tratar da história do negro, o que pode ser explicado pelo processo de invisibilização e folclorização que o negro sofreu ao longo da história da educação brasileira. Para a aplicação da Lei 10.639/03, o fomento de pesquisas que pensem a história do negro na formação do Brasil para além da imagem do cativo, faz se necessária. A própria afirmação da sanção da lei como resultados de lutas políticas do movimento negro e o histórico das mesmas deve ser pensada dentro das salas de aula. Ao pensar a aplicação 22 Campos dos Goytacazes 2018 da Lei 10.639/03, deve-se antes indagar, pensar, repensar e refletir em volta do que conhecemos como passado, do que foi invisibilizado ao longo da História, questionarmos as bases do nosso nacionalismo e da nossa imagem do que é ser brasileiro. A obrigatoriedade que a lei traz, por si só não resolve as questões que cercam a existência negra no Brasil. A categoria temporal denominada por nós como passado, as nossas tradições, os “nossos heróis”, devem ser indagadas, revisitadas e desconstruídas, descolonizando o pensamento, e ampliando as vozes da História. Para pensar a construção e manutenção de uma educação antirracista, deve-se passar pelo crivo da interculturalidade, que traz a indagação, o conflito, usando do espaço da sala de aula como lugar seguro para a desconstrução e desnaturalização do uso de diferenças culturais como parâmetros para a produção e reprodução de processos de exclusão e marginalização dos considerados pelos grupos hegemônicos como inferiores. A interculturalidade traz consigo a premissa de uma reflexão descolonizada sobre como é produzida a diferença e como podemos pensar uma educação que não a negue, mas que não se hierarquize a partir dela. É evidenciar como fomos educados com o olhar da folclorização sobre a cultura negra, que se apresenta na sala de aula como algo muito complexo, chegando a remontar até a visão que temos da própria África. O processo de folclorização cria o que este trabalho denomina, como “coisa de negro”. O processo folclorizador em torno da população negra, acaba por dizer onde é o lugar do negro; que é sempre construído através de estereótipos, o sambista, o jogador de futebol, o capoeirista, sempre atividade s que se relacionam ao corpo, sempre o lugar do entretenimento. Essa construção fala mais pelo não dito, ao dizer qual espaço é delegado ao negro, diz o que não é. Nesse ponto mais uma vez volto a questão do quanto é necessário que as vozes da memória da luta do movimento negro estejam presentes durante a construção de conhecimento dentro da sala de aula, pois sendo o nosso currículo ainda tão eurocêntrico, até os parâmetros do que é luta política é dito com bases em processos de luta protagonizados pelos privilegiados pela branquitude16. Conclusão Dados os seguintes apontamentos, esse trabalho não busca culpabilizar a categoria docente pela forma eurocêntrica e racista que toma a nossa educação brasileira, mas 16 Por branquitude, me refiro a imagem construída através do colonialismo, que elenca o branco (europeu) como agente civilizador e protagonista da história do Brasil. 23 Campos dos Goytacazes 2018 aponta que só através de uma prática docente praticante da desobediência epistêmica (OLIVEIRA e LINS, 2014) que pensa a interculturalidade, seria possível a construção de uma educação antirracista. Pensar através da interculturalidade é trazer contribuições epistemológicas além das colocadas no nosso currículo, pois ainda que hoje exista a Lei 10.639 as formas de aplicação que a mesma se dá na sala de aula são majoritariamente reprodutoras da relação de colonialidade presente na nossa construção curricular. É nesta desobediência epistemológica que este trabalho pensa como caminho para uma prática docente antirracista. Segundo Oliveira e Lins (2007) a função do interculturalismo seria dizer que “de fato são muitas as Áfricas e os Brasis. A lei 10.639/03, não deve ser somente um marco de abordagem multicultural e de combate a um tipo de exclusão que não se faz explicito para todos. Na verdade, o que se espera é que novas visões e versões sejam experienciadas de forma intercultural, baseadas no diálogo e respeito mútuo de todas as diferenças étnicas encontradas no Brasil.” (OLIVEIRA e LINS, 2007, p.11) A interculturalidade ao elencar as diferentes identidades que existem em nossa sociedade, almeja dialogar sobre como essa pluralidade de identidades que foi ressignificada para legitimar a desigualdade no acesso à direitos básicos para a existência humana. Ou seja, sem a premissa da pluralidade de existências e sem trazer a luz as várias histórias que existem dentro da História, a escola continuará sendo um mecanismo de produção e reprodução do processo de exclusão vivido pelos considerados “diferentes” dentro da sociedade brasileira. 24 Campos dos Goytacazes 2018 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Marcelo. “A diferença que desafia a escola: apontamentos iniciais sobre a prática pedagógica e a perspectiva intercultural.” In: ___ A diferença que desafia a escola: A prática pedagógica e a perspectiva intercultural. Rio de Janeiro: Quartet, 2009, pp. 13-47. ARAUJO, Cinthia. Educar para o “Nunca mais”: Ensino de História e educação em Direitos Humanos. Disponível em: www.faac.unesp.br/ridh/index.php/ridh/article/view/213 , acesso em 17 de julho de 2017. BRANDÃO, Luiz Henrique Santos. “Educação, Ensino De História E Colonialidade Do Saber.” In: ___ História, Colonialidade E História Da África No Ensino Médio. Brasília: UNB, 2016, Pp. 32-39. 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