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Currículo e interculturalidade - caminhos para uma educação antirracista

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1 
Campos dos Goytacazes 
2018 
Universidade Federal Fluminense – UFF 
Polo Universitário de Campos dos Goytacazes - PUCG 
Departamento de História – DHT 
Instituto de Ciência da Sociedade e Desenvolvimento 
Regional – ESR 
 
 
 
 
 
 CURRÍCULO e INTERCULTURALIDADE 
 Caminhos para uma educação antirracista 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso 
apresentado ao Departamento de História do 
Instituto de Ciência da Sociedade e 
Desenvolvimento Regional – ESR da 
Universidade Federal Fluminense (Campus 
Campos dos Goytacazes) como requisito 
parcial para a obtenção do grau de licenciado 
em História, tendo como orientadora a 
Professora Doutora Erika Arantes. 
 
 
 Aluno: Josimarson Ramos da Silva 
 
 
 
 
2 
Campos dos Goytacazes 
2018 
RESUMO: O presente artigo pretende construir uma reflexão em 
torno da epistemologia presente na atual construção curricular de 
ensino de História. E partindo disso pensar em como o 
multiculturalismo e a interculturalidade influenciam na construção 
de uma educação antirracista. Através da experiência de 
observação da ação docente e dos desafios que os docentes 
enfrentam no processo de tornar-se professor, pretende-se pensar 
como o currículo pode ser um instrumento de resistência e 
desconstrução de preconceitos criados ao longo da construção da 
educação brasileira. 
Palavras-chave: Currículo – Multiculturalismo – 
interculturalidade – Educação Antirracista 
 
Introdução 
 A nossa sociedade tem experimentado nas últimas décadas um fenômeno de 
aparente aceleração da produção de conhecimento e difusão do mesmo, isso tem 
propiciado, cada vez em maior escala, o conhecimento de diferentes grupos culturais, ou 
seja, a cada dia mais diferenças se acentuam e são ressignificadas e hierarquizadas no seio 
dessa sociedade composta por múltiplas culturas. 
 A partir da afirmação de que vivemos em uma sociedade multicultural, ou seja, 
onde convivem diferentes grupos culturais em um mesmo espaço, pretende-se pensar 
como essa multiplicidade de culturas está representada (ou não), dentro do campo de 
significação que é o currículo de História nas escolas. Privilegiaremos aqui o diálogo com 
a teoria pós-crítica do currículo, que traz a importância de conceitos como: identidade, 
alteridade, diferença, subjetividade, significação e discurso, saber-poder, representação, 
cultura, gênero, raça, etnia, sexualidade e multiculturalismo. Pensando no aspecto 
multicultural de nossa sociedade pretendo apontar as limitações em torno da 
epistemologia multicultural e através disso pensar caminhos para uma educação 
intercultural. 
O objetivo desse trabalho não é rotular ou engessar a ideia de currículo, mas sim 
pensar a dimensão humana, os interesses políticos e sociais na construção do currículo do 
3 
Campos dos Goytacazes 
2018 
ensino de História e sua relação com a questão do negro no Brasil. Nas palavras de Tomaz 
Tadeu da Silva (2010) é preciso pensar o currículo como lugar de significação, produção 
de sentido e identidades. É pensar que existem possibilidades epistemológicas além das 
colocadas pela atual construção curricular e a partir disso pensar uma educação 
antirracista. 
Currículo 
 Ao pensar o currículo como lugar de significação, faz-se necessário refletir sobre 
quais significados são produzidos e quais grupos acabam por ditar essa significação. É 
necessário pensar que vivemos uma época onde a globalização aponta para o fenômeno 
de hibridizações culturais1 (SILVA, 2010). Essa mesma globalização, enraizada nas 
regras de mercado, por um lado pode ser considerada como um estreitar de fronteiras 
econômicas e mesmo culturais, por outro tende a suprimir as especificidades culturais de 
determinados grupos, pois nesse dito hibridismo cultural, são os grupos hegemônicos que 
terão o maior exercício de poder na produção dessa significação social. Nas palavras de 
Silva: 
“A doxa triunfante, o pensamento único, o consenso fabricado, fecham o campo 
da significação, restringem as alternativas, apagam a memória, negam o passado, 
reificam o presente e sequestram o futuro. O trabalho de significação entra em 
curto-circuito, se encerra numa trajetória circular para repetir incessantemente, 
indefinidamente, que não há salvação fora do movimento da mercadoria, que o 
funcionamento da “boa” sociedade é homólogo ao bom funcionamento do 
mercado, que a identidade pública da esfera da cidadania se confunde com a 
identidade privada da esfera do consumo” (SILVA, 2010, p.8) 
 Ao pensar a globalização como um mecanismo da manutenção das estruturas do 
mercado, pensemos a influência do modelo econômico neoliberal que perpassou a 
comunidade internacional a partir da década de 1980. O neoliberalismo é segundo Ediane 
Carolina Peixoto Marques Lopes e Marina Caprio (2008) uma postura política e 
econômica do capitalismo que aponta para a criação de um Estado mínimo. Essa proposta 
de influência mínima do Estado na economia tem ligação com o período em que o termo 
foi cunhado pelos economicistas norte-americanos Milton Friedmann e Frederic Hayek, 
que foi o da crise econômica de 1960, onde a ação estatal é culpabilizada pela situação 
crítica da economia. (LOPES e CAPRIO, 2008) 
 
1 Sobre Hibridização Cultural ler “Culturas Hibridas: Estratégias para entrar e sair da Modernidade” 
(CANCLINI, 1990). 
4 
Campos dos Goytacazes 
2018 
 No que diz respeito a educação, a conduta neoliberal retira a mesma do campo 
social e a coloca na esfera do mercado, onde podemos então pensar uma mercantilização 
da educação a partir dos seguintes objetivos pretendidos pelo neoliberalismo no campo 
educacional: 
1. Atrelar a educação escolar à preparação para o trabalho e a pesquisa acadêmica ao 
imperativo do mercado ou às necessidades da livre iniciativa. Assegurar que o mundo 
empresarial tem interesse na educação porque deseja uma força de trabalho qualificada, 
apta para a competição no mercado nacional e internacional. [...] 2. Tornar a escola um 
meio de transmissão dos seus princípios doutrinários. O que está em questão é a 
adequação da escola à ideologia dominante. [...] 3. Fazer da escola um mercado para os 
produtos da indústria cultural e da informática, o que, aliás, é coerente com ideia de fazer 
a escola funcionar de forma semelhante ao mercado, mas é contraditório porque, 
enquanto, no discurso, os neoliberais condenam a participação direta do Estado no 
financiamento da educação, na prática, não hesitam em aproveitar os subsídios estatais 
para divulgar seus produtos didáticos e paradidáticos no mercado escolar. (MARRACH, 
1996, p. 46-48 apud LOPES e CAPRIO, 2008, p.2). 
 O que vemos de acordo com os pontos citados pelos autores é que a educação 
pensada pelo neoliberalismo está a serviço do grande capital, dos grupos que comandam 
a economia, ou seja, a educação se torna um agente de manutenção, produção e 
reprodução do mercado. Sendo assim, todo o processo de criticidade e de formação cidadã 
que a escola deveria fomentar e construir estaria sob a perspectiva neoliberal, associada 
aos interesses dos grupos que detém a maior parte do capital mundial. O neoliberalismo 
age mais amplamente na educação brasileira no início da década de 1990, por meio do 
Banco Mundial (BM)2. O BM aponta a educação como principal forma de um país se 
desenvolver economicamente e através desse posicionamento propõe uma série de 
reformas educacionais aos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil. (LOPES e 
CAPRIO 2008) Nesse pacote de reformas as autoras resumem os objetivos do BM 
expondo 
“que sua intervenção nas políticas educacionais evidencia a expansão das políticas mais 
convenientes aos interesses do capital internacional. A educação restringe-se ao papel de 
reproduzir a força de trabalho para o capital, formar ideologicamente conforme os 
interesses do mesmo e servir como segmentodo mercado a ser explorado comercialmente 
pelo setor privado.” (LOPES e CAPRIO, 2008, p.8) 
 
 Para que a problematização em torno da produção do texto curricular não fique 
reduzido a uma questão econômica, mas evidencie também o seu caráter identitário, faz-
se necessário entender a característica multicultural de nossa época. O multiculturalismo 
 
2 “O Banco Mundial, “foi concebido na Conferência de Breton Woods em julho de 1944, como instrumento 
para financiar a reconstrução dos países destruídos pela Segunda Guerra Mundial, sobretudo os da Europa” 
(ARRUDA, 1998, p. 45-46 apud LOPES e CAPRIO, P. 3). 
5 
Campos dos Goytacazes 
2018 
nas palavras de Marcelo Andrade (2009, p. 17) seria “a constatação de um fenômeno que 
envolve a convivência e a coexistência de diversas culturas num mesmo território e num 
mesmo tempo histórico.”. Dito isto deve-se voltar os olhos para o fenômeno da 
globalização, que através da expansão e aprimoração de meios de comunicação acaba por 
difundir e tornar conhecido um maior número de identidades, ao mesmo tempo que 
também produz e acentua mais as diferenças. Sendo o lugar de construção de sentido e 
identidades um território de interesses econômicos, é necessário entendermos que uma 
educação antirracista não é indissociável de uma educação anticapitalista. Nas palavras 
de Silva (2013, p.164) “os discursos e práticas racistas são o resultado da história 
econômica, social, política e cultural da sociedade na qual são produzidos”. 
 Entender que somos uma sociedade multicultural é um passo colocado por Silva 
no livro Documentos de Identidade – Uma introdução às teorias do currículo (2013), 
como muito importante para a organização política dos grupos dominados, mas que não 
extingue e nem pensa extinguir a opressão. O autor cita uma categoria chamada 
“multiculturalismo liberal”, que coloca em voga discursos como o da tolerância e respeito 
às diferenças, pois todos temos características que nos igualam em uma mesma 
humanidade. Ao falar de tolerância torna-se claro que o multiculturalismo é uma 
construção que legitima uma hierarquia social pautada pela desigualdade, que elege a 
diferença como mecanismo de manutenção das relações sociais de poder, ou seja, tolerar 
reafirma as desigualdades sociais. Nas palavras de Skliar 
“a tolerância não inclui a aceitação do valor do outro; pelo contrário, é uma vez mais, 
talvez de maneira mais sutil e subterrânea, a forma de reafirmar a inferioridade do outro 
e serve de antessala para a intenção de acabar com sua especificidade – junto ao convite 
ao outro para cooperar na consumação do inevitável. A tão aclamada humanidade dos 
sistemas políticos tolerantes não vai além de consentir a demora do conflito final.” 
(SKLIAR apud CAPUTO, 2012 p. 231) 
Segundo Andrade (2009), o multiculturalismo seria então um mecanismo de 
supressão cultural. Tolerar a diferença é uma forma de pensar uma cultura hibrida, onde 
não se nega a multiplicidade cultural, mas também não se planeja empoderar 
igualitariamente os grupos que compõem esta multiplicidade. O que se pode perceber, é 
uma aparente “celebração” das diferenças desde que essas diferenças não interfiram nas 
relações de poder constituídas, o que podemos perceber nos processos de folclorização e 
esteriotipização que vivem os grupos sociais considerados minorias políticas. Os 
processos de esteriotipização e folclorização atingem diretamente a relação de poder que 
representa a produção das identidades sociais. Ao viver este processo, os grupos sociais 
6 
Campos dos Goytacazes 
2018 
com menor representatividade na relação de poder veem ameaçada a premissa de que 
“qualquer comunidade humana trata sempre de salvaguardar sua cultura, já que é dessa 
maneira que se assegura sua continuidade.” (SILVA, 2013). 
O nosso tempo e as possibilidades do mesmo, propiciaram uma reformulação nas 
formas da militância. O advento das mídias sociais digitais nos anos 2000, foi de extrema 
importância para a difusão das pautas dos movimentos sociais. Mas também deve-se 
apontar que os meios de comunicação de massa caminham sempre para pensar um “senso 
comum” e alimentar slogans como: “Somos todos iguais!”. É preciso entender que as 
forças conservadoras, aqueles que estão em situações privilegiadas na atual distribuição 
de poder, não intentam uma divisão igualitária do mesmo. Dito isto, pode-se até perguntar 
o que teria tudo isso a ver com o texto curricular. Uma possível resposta pode ser vista na 
afirmação de Silva, de que “As relações sociais no interior das quais se realizam as 
práticas de significação não são simplesmente relações sociais; elas são mais do que isso: 
são relações sociais de poder.” (SILVA 2010, p. 23). Partindo do diagnóstico feito por 
Silva, aponto para a importância de se entender o currículo como território de disputa 
política e de reconhecimento de identidades sociais. Estudar currículo é estudar 
sociedade, política, manutenção de privilégios, acesso a direitos, justiça social, 
identificação e desconstrução de mazelas sociais vividas por vários grupos que compõem 
a nossa sociedade. 
Currículo e Raça 
No caso específico do negro no Brasil podemos citar o Movimento Negro como 
uma importante força política em torno da afirmação da identidade negra brasileira e 
como instituição responsável por trazer pautas que giram em torno da reavaliação da 
figura do negro na história do Brasil (PEREIRA, 2011). 
 Antes de entramos mais detalhadamente nas reinvindicações do Movimento 
Negro é necessário pensar alguns pontos em torno da construção curricular e como isso 
se reflete na imagem socialmente construída em torno da população negra do brasil. O 
primeiro ponto seria entender que a epistemologia que permeia a construção curricular é 
eurocêntrica. Em segundo lugar, afirmar que existe uma relação de colonialidade presente 
na produção de saberes desse currículo. Ao falar de relação de colonialidade, trazemos 
aqui o conceito de “colonialidade do poder” trazido através da leitura de Aníbal Quijano 
feita por Luiz Henrique Fernandes, que entende o conceito como 
7 
Campos dos Goytacazes 
2018 
“uma ferramenta útil para a compreensão da estrutura de dominação que subsiste e 
sobrevive à ruptura dos vínculos formais que instituem uma relação de exploração e 
dominação política/econômica das metrópoles sobre as colônias, permeando as 
sociedades que compartilham da assim chamada ‘herança colonial’ de modo a reproduzir 
socialmente hierarquias criadas pelo colonialismo” (FERNANDES 2015 p. 20) 
 Ainda trabalhando com o conceito de colonialidade, Torres (2007, P.113), afirma 
que 
O colonialismo denota uma relação política e econômica, na qual a soberania de 
um povo está no poder de outro povo ou nação, o que constitui a referida nação 
em um império. Diferente desta ideia, a colonialidade se refere a um padrão de 
poder que emergiu como resultado do colonialismo moderno, mas em vez de 
estar limitado a uma relação formal de poder entre dois povos ou nações, se 
relaciona à forma como o trabalho, o conhecimento, a autoridade e as relações 
intersubjetivas se articulam entre si através do mercado capitalista mundial e da 
ideia de raça. Assim, apesar do colonialismo preceder a colonialidade, a 
colonialidade sobrevive ao colonialismo. Ela se mantém viva em textos 
didáticos, nos critérios para o bom trabalho acadêmico, na cultura, no sentido 
comum, na autoimagem dos povos, nas aspirações dos sujeitos e em muitos 
outros aspectos de nossa experiência moderna. Neste sentido, respiramos a 
colonialidade na modernidade cotidianamente. 
 
Ao pensar em hierarquias produzidas pelo colonialismo e readaptadas na relação 
de colonialidade é importante fazer um resgate da memória, entender o processo de 
escravização vivido pelo negro no Brasil e o processo pelo qual o mesmo passa no pós-
abolição. Ao pensarmosisso de uma forma “colonizada”, ou seja, apenas do ponto de 
vista construído pelo olhar colonizador/colonizado caminha-se para a manutenção, 
produção e reprodução de uma sociedade racista. É de extrema importância que 
entendamos que as vozes silenciadas do currículo (Silva, 2013), não significam apenas 
ausências em um documento que irá definir tópicos que se transformarão em conteúdo. 
Essas ausências contribuem de maneira contundente na formação dos estudantes das 
escolas. 
 Pensando sobre o que foi dito até aqui e reafirmando o currículo como mecanismo 
de produção de sentido e identidades, neste ponto onde já sabemos que o currículo é um 
lugar de disputas identitárias, que nada tem de neutro, e que o texto ali produzido é agente 
de perpetuação de uma relação de colonialidade, Nilma Lino Gomes diz: 
“Descolonizar os currículos é mais um desafio para a educação escolar. Muito já 
denunciamos sobre a rigidez das grades curriculares, o empobrecimento do 
caráter conteudista dos currículos, a necessidade de diálogo entre escola, 
currículo e realidade social, a necessidade de formar professores e professoras 
reflexivos e sobre as culturas negadas e silenciadas nos currículos.” (GOMES, 
2012) 
8 
Campos dos Goytacazes 
2018 
É na necessidade de diálogo entre o currículo e a realidade social que se percebe 
a importância dos movimentos sociais para esse processo de descolonização do currículo. 
Pensar a descolonização do currículo é também afirmar que a história pode e deve ser 
vista de mais de uma perspectiva, é entender os perigos de uma História única3. Ao pensar 
essa história diferente da qual é representante nossa atual construção curricular, é 
necessário elencar importantes conquistas do Movimento negro no Brasil, mais 
especificamente as voltadas para o campo da educação, pois contar parte da história deste 
movimento social é um importante passo para a reavaliação do papel do negro na história 
do Brasil (PEREIRA, 2011). 
 Para falar de como o Movimento Negro se organiza devemos antes pensar em 
como foram produzidas as questões que cercam a imagem social do negro no Brasil, 
partindo do processo de marginalização e exclusão que a população negra passa no pós- 
abolição, passando pelo racismo científico, pelo movimento eugênico brasileiro 
compostos por parte da intelectualidade da época (fim do século XIX e início do XX), 
que usaram de pressupostos científicos para construírem uma imagem de inferioridade 
em volta da presença negra nos trópicos. Ambos apontam para a presença dos negros no 
Brasil como causa para o não desenvolvimento do país nos moldes da Europa. O processo 
de embranquecimento ou melhoramento da raça apontado na produção de Raimundo 
Nina Rodrigues e outros, e pelo eugenismo, foi em determinado momento prática estatal, 
como vemos no Decreto nº 528, de 28 de junho 18904, emitido pelo governo provisório 
que consistia em 
“Considerar livre a entrada de imigrantes com as seguintes condições: que os 
imigrantes tivessem capacidade para o trabalho, que não estivessem sendo 
processados por crime; que não fossem oriundos da África entre outras coisas.” 
(Neves 2008, p.243) 
 Sendo assim, vemos o Movimento Negro como representante de um grupo que 
foi e é marginalizado na sociedade brasileira. Ele usa da diferença produzida no seio da 
sociedade para reivindicar melhorias de existência que lhe foram negadas a população 
 
3 Vídeo da escritora nigeriana Chimamanda Adichie onde aponta para a imagem construída da África pela 
epistemologia eurocêntrica. Disponível em: 
https://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story/up-next?language=pt-br 
acesso em 11 de junho de 2017. 
4 Decreto nº 528, de 28 de junho de 1890 – Disponível em: 
ww2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-528-28-junho-1890-506935-publicacaooriginal-1-
pe.html acesso em 15 de julho de 2017. 
 
https://www.ted.com/talks/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story/up-next?language=pt-br
9 
Campos dos Goytacazes 
2018 
negra por um processo de abolição da escravatura pensado sem nenhum aparente projeto 
de equiparação. 
 Dialogando com Amilcar Araújo Pereira (2011) vejamos melhor como se dá a 
ação do Movimento negro na luta por educação e em torno da reavaliação do papel do 
negro na história do brasil, pois é talvez essa a pauta que melhor unifica toda a 
organização deste movimento político. 
 A luta dos movimentos políticos negros no Brasil em torno da educação da 
população negra, passa por diferentes fases e instituições, como o programa de 
alfabetização desenvolvido pelo Teatro Experimental do Negro, sob a direção de Abdias 
Nascimento e as diferentes campanhas lideradas por grupos como A Frente Negra 
Brasileira e o Centro Cívico de Palmares entorno da integração da população negra na 
sociedade brasileira do pós-abolição. (PEREIRA 2011) 
 Porém é sobre acontecimentos no campo educacional, mais próximos dos nossos 
dias que irei apontar. Com o avançar das discussões em torno do que é ser negro no Brasil, 
principalmente após a redemocratização do país em 1988, cresce ou ressurge após os anos 
de censura questões que cercam a história da relações étnico raciais no Brasil. Ainda no 
início da década de 1980, intelectuais como Maria Raimunda Araujo (mais conhecida 
como Mundinha)5 desenvolve uma trabalho que envolvia a formação de professores e 
alunos sobre as diversas histórias experienciadas pela população negra ao decorrer da 
história do Brasil. Mundinha Araújo também fez parte do grupo de militantes que 
produziu materiais didáticos, que foram publicados em outros estados além do Maranhão. 
(PEREIRA 2011) 
 O que o trabalho de militantes como Mundinha Araújo nos mostra é a importância 
das práticas dos movimentos políticos negros para se repensar o papel do negro na história 
do Brasil. O trabalho dela a frente do Centro de Cultura negra (CCN) do Maranhão, nos 
mostra também a importância dos movimentos sociais fazerem parte das discussões que 
constroem os parâmetros educacionais, mais que isso, dos mesmos estarem inseridos na 
escola. A prática política e educacional de Mundinha Araújo não consistia apenas na 
formação de professores e alunos, mas de militantes também, pois foi uma prática 
 
5 Maria Raimunda Araujo, a Mundinha, nasceu em 08 de janeiro de 1943, em São Luís. Formou-se em 
Comunicação Social pela Federação das Escolas Superiores do Maranhão (1975). Fundadora do Centro de 
Cultura Negra do Maranhão (CCN, em 1979), do qual foi presidente entre 1982-1984. (PEREIRA, 2011) 
10 
Campos dos Goytacazes 
2018 
pioneira a entrada de movimentos políticos de minorias terem alguma voz na escola 
(PEREIRA 2011). Em suma, o que se busca afirmar com o que foi dito, é que toda 
conquista em prol de uma educação antirracista no Brasil, é consequência de processos 
de luta de movimentos políticos negros. 
Lei 10.639/03 e DCN’s 
 Como vimos anteriormente, todas as conquistas educacionais ligadas a existência 
negra no Brasil é fruto da luta dos movimentos políticos negros, sendo assim será dessa 
forma que pretendo analisar a sanção da Lei 10.639 de 2033, que torna obrigatório o 
ensino de história da África e da cultura afro-brasileira no Brasil. 
 A Lei 10.639/036 sancionada em 09 de janeiro de 2003 pelo Presidente da 
república Luiz Inácio Lula da Silva se resume no seguinte quadro. 
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e 
particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. 
1° O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo 
da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra 
brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo 
negro nas áreas social, econômicae política pertinentes à História do Brasil. 
 A obrigatoriedade proposta pela Lei 10.639/03 enfrenta desafios que giram em 
torno da educação das relações étnico-raciais do Brasil. Como já foi dito em um momento 
anterior, a história do negro no Brasil sempre foi oficialmente contada por um viés 
eurocêntrico. No que diz respeito às relações étnico-raciais, o negro no Brasil passa por 
dois momentos, o da explicita exclusão e marginalização, percebido nos discursos 
abertamente racistas de cientistas, intelectuais e autoridades, e outro em que ganha ecos 
na sociedade o mito da democracia racial. 
Outro desafio para a aplicação da Lei 10.639/03 seria a formação docente. A partir da 
promulgação da lei pode-se até vislumbrar que os docentes em formação receberão 
instrumentos para trabalhar com as questões presentes no texto da lei. Mas devemos ainda 
pensar nas gerações de professores já formados e atuantes, que não tiveram em sua 
formação nenhum tipo de instrumentalização para lidar com essas questões, ou pior, que 
 
6 Lei 10.639/03 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm acesso em 16 
de julho de 2017. 
LEI Nº 11.645/08. Responsável por incluir a obrigatoriedade do ensino da história dos indígenas brasileiros. 
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm acesso 16 de 
julho de 2017. 
 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm
11 
Campos dos Goytacazes 
2018 
foram educados para não lidar com elas. A implantação da Lei 10.639/03 enfrenta como 
principais desafios o olhar docente que acaba por ver a obrigatoriedade que traz a lei como 
“mais conteúdo”, o que podemos perceber como fruto da construção eurocêntrica que 
permeia o currículo, que sempre contou uma história do ocidente ou da ocidentalização 
do mundo, que sempre elegeu a Europa como protagonista da história mundial. Sendo a 
construção curricular eurocêntrica, percebe-se que todo grupo social, que não se enquadra 
nessas características sócio histórica, sofre um processo de violência dentro do processo 
educacional brasileiro. As resistências à implantação da Lei 10.639/03 perpassa diferentes 
caminhos, a não formação continuada dos professores para lidar com toda a gama de 
ações, conceitos e equipamentos que se faz necessária para a implantação da lei, que são: 
“identidade negra, democracia racial, diferenças, igualdade, identidade, cultura, 
multiculturalismo, livros didáticos, movimento negro, políticas de ações afirmativas, 
formação docente, interculturalidade, exclusão, evasão escolar, repetência, formação 
docente e outros.” (OLIVEIRA, p.02). 
Com toda essa ausência de conhecimento sobre as categorias necessárias e com a 
construção eurocêntrica do currículo, percebe-se a sala de aula como espaço de resistência 
às mudanças, pois historicamente tudo que é considerado herança europeia é mais bem 
quisto no processo educacional. Dito isto percebe-se a resistência de pais, professores e 
alunos, que por terem credos religiosos que demonizam a religião afro-brasileira e de 
matriz africana, acaba por demonizar o ensino proposto na Lei. 10.639/03, pois sabemos 
que as configurações de um povo é um fenômeno cultural que explica através da 
cosmogonia as formas de organização social de cada sociedade. A lei 10.639/03, neste 
ponto, acaba por ser também um mecanismo que traz a luz o racismo estruturante da 
educação brasileira, assim como acende o foco sobre o racismo religioso que alunos e 
professores adeptos de religiões afro-brasileiras e de matriz africana sofrem no ambiente 
escolar. Chamo de racismo religioso, pois religiões com o candomblé, mas também a 
Umbanda, são religiões historicamente vistas como resistência negra no Brasil e, como 
todas as dimensões da existência negra, o aspecto religioso também é atingido pelo 
racismo estrutural e estruturante da nossa sociedade. 
 Pela brevidade do texto da lei podemos perceber que ela traz a legitimação da 
aplicação, mas não diz as formas de tornar aplicável o proposto nela. Neste ponto, 
voltamos o olhar para as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações 
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana 
12 
Campos dos Goytacazes 
2018 
(DCNERER). São elas que serão responsáveis por apontar caminhos para se pensar a 
aplicabilidade da Lei 10.639/03, como propõe seu texto 
A obrigatoriedade de inclusão de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana 
nos currículos da Educação Básica trata-se de decisão política, com fortes 
repercussões pedagógicas, inclusive na formação de professores. (...). É 
importante destacar que não se trata de mudar um foco etnocêntrico 
marcadamente de raiz europeia por um africano, mas de ampliar o foco dos 
currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econômica 
brasileira. Nesta perspectiva, cabe às escolas incluir no contexto dos estudos e 
atividades, que proporciona diariamente, também as contribuições histórico-
culturais dos povos indígenas e dos descendentes de asiáticos, além das de raiz 
africana e europeia (Brasil, 2004, p. 8 Apud OLIVEIRA E LINS 2014 p. 372). 
 
 Pelos parâmetros presentes na citação podemos perceber que o intuito da 
Lei.10.639/03 e das diretrizes não é inverter o caráter etnocêntrico do nosso currículo para 
um afrocêntrico, mas pensar também as contribuições dos diferentes povos que 
constituem a sociedade brasileira, ou seja, a proposta de uma educação que pense 
epistemologicamente para além da visão colonizada do nosso currículo. O que fica mais 
evidente com as propostas a seguir. 
1- O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, (...) envolverá 
articulação entre passado, presente e futuro no âmbito de experiências, construções e 
pensamentos produzidos em diferentes circunstâncias e realidades do povo negro. (...) e 
tem por objetivos o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos 
afro-brasileiros, (...) e igual valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado 
das indígenas, europeias, asiáticas. 
2 - O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana se fará por 
diferentes meios, em atividades curriculares ou não, em que: - se explicite, busque 
compreender e interpretar, na perspectiva de quem o formule, diferentes formas de 
expressão e de organização de raciocínios e pensamentos de raiz da cultura africana; (...). 
3 - O ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a educação das 
relações étnico raciais, tal como explicita o presente parecer, se desenvolverão no 
cotidiano das escolas, nos diferentes níveis e modalidades de ensino, como conteúdo de 
disciplinas, (...). 
4 - O ensino de História Afro-Brasileira abrangerá, entre outros conteúdos, 
iniciativas e organizações negras, incluindo a história dos quilombos, (...) a começar pelo 
de Palmares, e de remanescentes de quilombos, que têm contribuído para o 
desenvolvimento de comunidades, bairros, localidades, municípios, regiões (Exemplos: 
associações negras recreativas, culturais, educativas, artísticas, de assistência, de 
pesquisa, irmandades religiosas grupos do Movimento Negro). 
5 - Datas significativas para cada região e localidade serão devidamente 
assinaladas. O 13 de maio, Dia Nacional de Luta contra o Racismo, será tratado como o 
dia de denúncia das repercussões das políticas de eliminação física e simbólica da 
população afro-brasileira no pós-abolição, e de divulgação dos significados da Lei áurea 
para os negros. No 20 de novembro será celebrado o Dia Nacional da Consciência Negra, 
(...). Entre outras datas de significado histórico e político deverá ser assinalado o 21 de 
março, Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial. 
6- Em História da África,tratada em perspectiva positiva, (...) ao papel dos 
anciãos e dos griots como guardiões da memória histórica; - à história da ancestralidade 
e religiosidade africana; - aos núbios e aos egípcios, como civilizações que contribuíram 
decisivamente para o desenvolvimento da humanidade; - às civilizações e organizações 
políticas pré-coloniais, como os reinos do Mali, do Congo e do Zimbabwe; - ao tráfico e 
à escravidão do ponto de vista dos escravizados; - ao papel dos europeus, dos asiáticos e 
também de africanos no tráfico; - à ocupação colonial na perspectiva dos africanos; - às 
13 
Campos dos Goytacazes 
2018 
lutas pela independência política dos países africanos; - às ações em prol da união africana 
em nossos dias, bem como o papel da União Africana, para tanto; - às relações entre as 
culturas e as histórias dos povos do continente africano e os da diáspora; 
7 - À formação compulsória da diáspora, vida e existência cultural e histórica 
dos africanos e seus descendentes fora da África; - à diversidade da diáspora, hoje, nas 
Américas, Caribe, Europa, Ásia; - aos acordos políticos, econômicos, educacionais e 
culturais entre África, Brasil e outros países da diáspora. 
8 - O ensino de Cultura Afro-Brasileira destacará o jeito próprio de ser, viver e 
pensar (...) como congadas, moçambiques, ensaios, maracatus, rodas de samba, entre 
outras - O ensino de Cultura Africana abrangerá: - as contribuições do Egito para a ciência 
e filosofia ocidentais; - as universidades africanas Tambkotu, Gao, Djene que floresciam 
no século XVI; - as tecnologias de agricultura, de beneficiamento de cultivos, de 
mineração e de edificações trazidas pelos escravizados, bem como a produção científica, 
artística (artes plásticas, literatura, música, dança, teatro) política, na atualidade . 
9 - O ensino de História e de Cultura Afro-Brasileira, far-se-á por diferentes 
meios, inclusive, a realização de projetos de diferentes naturezas, no decorrer do ano 
letivo, com vistas à divulgação e estudo da participação dos africanos e de seus 
descendentes em episódios da história do Brasil, na construção econômica, social e 
cultural da nação, destacando-se a atuação de negros em diferentes áreas do 
conhecimento, de atuação profissional, de criação tecnológica e artística, de luta social 
(...) (BRASIL, 2004, p. 11-13 Apud OLIVEIRA E LINS 2014 pp. 372-373). 
 
 O que propõe então as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das 
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana 
é nada mais do que o mesmo espaço que os grupos dominantes – notadamente a Europa 
– sempre estiveram nos currículos. Não se trata de uma inversão, mas de uma 
equiparação, de um processo de descolonização do pensamento social brasileiro sobre a 
África e o negro e principalmente, um projeto de educação antirracista. 
 O que se pretende com a reflexão deste trabalho é fomentar a discussão em torno 
de uma educação que desconstrua imagem historicamente construída em torno do 
continente africano, como um continente a-histórico, que tem a sua existência e a 
existência dos diversos grupos que o povoaram e povoam resumidas ao contato com os 
europeus. É como oposição a essas ideias e pensando a partir dos pontos enumerados 
pelas DCN’s que este trabalho pensa a construção de uma educação intercultural. 
O Caminho da Interculturalidade 
 A interculturalidade seria um caminho pelo qual se construiria uma nova 
perspectiva sobre o processo de ensino-aprendizagem. É uma proposta de uma nova 
epistemologia na construção do conhecimento. Nas palavras de Catherine Walsh a 
interculturalidade seria 
“- Um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e aprendizagem 
entre culturas em condições de respeito, legitimidade mútua, simetria e igualdade. 
14 
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- Um intercâmbio que se constrói entre pessoas, conhecimentos, saberes e 
práticas culturalmente diferentes, buscando desenvolver um novo sentido entre elas na 
sua diferença. 
- Um espaço de negociação e de tradução onde as desigualdades sociais, 
econômicas e políticas, e as relações e os conflitos de poder da sociedade não são 
mantidos ocultos e sim reconhecidos e confrontados. - Uma tarefa social e política que 
interpela ao conjunto da sociedade, que parte de práticas e ações sociais concretas e 
conscientes e tenta criar modos de responsabilidade e solidariedade. - Uma meta a 
alcançar.” (WALSH, 2001, p. 10-11 Apud CANDAU e OLIVEIRA 2010, p.27) 
 Pensando a partir da definição de Walsh, vislumbra-se uma ligação com os 
conceitos aqui já citados, que identificam as relações de colonialidade presentes na 
epistemologia eurocêntrica dos currículos de História. Ou seja, a interculturalidade seria 
o passo seguinte do multiculturalismo, pois a mesma enxerga as desigualdades da 
sociedade e fomenta o confronto a elas, diferente do multiculturalismo que caminha para 
um caráter assimilacionista das diferenças. 
 Uma educação intercultural é uma educação que prioriza questões em torno da 
formação cidadã, de consciência histórica e direitos humanos. Essa abordagem pensa um 
processo de igualdade na sociedade, mas aponta para a necessidade da equiparação e 
também para uma educação crítica. A interculturalidade na educação pode ser vista como 
o educar para “nunca mais” como vemos no artigo de Cinthia Araújo “Educar para “o 
nunca mais”: Ensino de História e Educação em Direitos Humanos”7, que nos traz o 
olhar da vigilância e do aspecto militante da educação intercultural ao refletir sobre as 
limitações em torno da universalização de garantia de acesso aos direitos humanos 
 Entende-se por Direitos Humanos 
“aqueles direitos considerados fundamentais a todos os seres humanos, sem 
quaisquer distinções de sexo, nacionalidade, etnia, cor da pele, faixa etária, 
classe social, profissão, condição de saúde física e mental, opinião política, 
religião, nível de instrução e julgamento moral”. (Benevides, 2000, p. 1 apud 
ARAUJO p.2) 
No Brasil, onde ainda vemos um Estado que pratica um olhar eugênico da nossa 
sociedade, onde é atribuído à população negra os piores índices de vulnerabilidade social, 
é de extrema importância que se eduque para o debate acerca os Direitos Humanos. A 
 
7 “A expressão “educar para el nunca más” foi cunhada no contexto das ditaduras militares latino-
americanas, mas que pode ser usada no contexto do pós-guerra. Nascida com o objetivo de sublinhar a 
importância da construção de uma memória coletiva na constituição dessa cultura de paz, estabelece uma 
relação entre a história – em sua função de (des)construir memórias – e a educação em direitos humanos. 
(ARAUJO, pp. 1-2) 
15 
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2018 
desigualdade de oportunidades no Brasil pode ser percebida no Mapa do Encarceramento, 
que traz a seguinte conclusão. 
“Em relação à informação cor/raça dos presos adultos no Brasil, verifica-se que, 
em todo o período analisado, existiram mais negros presos do que brancos. Em 
números absolutos: em 2005 havia 92.052 negros presos e 62.569 brancos; 
considerando-se a parcela da população carcerária para a qual havia informação 
sobre cor disponível, 58,4% era negra. Já em 2012 havia 292.242 negros presos 
e 175.536 brancos, ou seja, 60,8% da população prisional era negra. Constata-se 
assim que quanto mais cresce a população prisional no país, mais cresce a 
proporção de negros encarcerados.” (Mapa do encarceramento 2015, p.92) 
 
 O quadro do sistema carcerário do Brasil é mais uma prova das desigualdades que 
propiciam a questão do racismo no Brasil somada a questões de classe. 
 
O que se percebe com esses 15 anos da sanção da Lei 10.639/03 é que ainda que 
essa seja uma conquista de extrema importância para uma educação antirracista, muito 
ainda há o que se fazer para que possamos implementar uma educação antirracistae, mais 
ainda, para que o racismo seja erradicado da sociedade. Exemplo disso são os pontos de 
tensão entre uma educação intercultural e a resposta dos grupos hegemônicos no que 
tange a distribuição de poder. Os pontos a seguir demonstram algumas ações que podem 
ser vistas como reações de setores conservadores da nossa sociedade em resposta às 
políticas públicas de inclusão racial, tais como a Lei 10.639/03. 
 A Medida Provisória nº 726, de 12 de maio de 20168, que entre outras ações, 
encerra os trabalhos da SEPPIR (Secretária de Políticas de Promoção da Igualdade 
Racial). A data escolhida para a programação traz à reflexão o processo de marginalização 
e exclusão que o negro enfrenta na sociedade brasileira após 13 de maio de 1888. Esta 
MP, segundo muitas lideranças negras do Brasil, pode pôr em risco muitas das ações 
afirmativas implementadas pela secretária. 
 Outro ponto é a discussão sobre a demarcação de terras quilombolas. O quilombo 
é considerado como um marco da resistência negra ainda dentro da escravatura e marco 
memorial de várias gerações do movimento negro do brasil. A demarcação de terras 
quilombolas tem ainda sido um grande debate no plenário em Brasília, onde a bancada 
ruralista já apresentou mais de 25 Projetos de Lei que dificultam a demarcação de terras 
 
8 Medida Provisória nº 726 , de 12 de maio de 2016, disponível em: 
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/Mpv/mpv726.htm , acesso em 15 de julho de 
2017. 
 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/Mpv/mpv726.htm
16 
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indígenas e quilombolas. A maioria destes PL’s se convertem na PEC 215/20009, que 
consiste em dar ao Congresso e em alguns casos como na PEC 257/200410 as Assembleias 
Legislativas o poder de decisão na demarcação das terras indígenas e quilombolas. O que 
afeta diretamente a perpetuação cultural dos grupos culturais que constroem e ocupam 
estes territórios. 
O decreto n° 7107, de 11 de fevereiro de 201011, mas conhecido como Concordata 
Brasil-Vaticano foi assinada em 2008 pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da 
Silva. O documento entre muitos outros pontos, reforça a presença ensino religioso 
católico na educação básica brasileira. 
Artigo 11 – A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de 
liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, 
respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da 
pessoa. 
Parágrafo 1º – O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de 
matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas 
públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural 
religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis 
vigentes, sem qualquer forma de 
discriminação.com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma 
de discriminação. 
 
Este documento fere a laicidade presente nos parâmetros educacionais das escolas 
públicas brasileiras. Devemos pensar alguns pontos deste documento: primeiro entender 
que o Vaticano tem status de Estado e, portanto, o Papa tem o status político de chefe de 
estado (CUNHA 2009). Outro ponto é entender o que significa para os alunos não 
cristãos, mais precisamente para os alunos que professam a fé em religiões afro-brasileiras 
e de matriz africana, que foi marginalizada e perseguida ao longo de toda história do 
Brasil. Esta concordata, ainda que traga o discurso da tolerância, significa mais um 
 
9 PEC 215/2000 (aprovada em 27/10/2015) – Disponível em: 
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=14562 acesso em 30 de 
julho de 2017. 
10 PEC 257/2004 – Disponível em: 
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=182202 acesso em 30 de 
julho de 2017. 
11 O Decreto n° 7107, de 11 de fevereiro de 2010 – Disponível em: 
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7107.htm acesso em 30 de julho de 
2017. 
 
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=14562
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=182202
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7107.htm
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mecanismo das relações de colonialidade presentes na educação pública brasileira, além 
de alimentar uma outra face do racismo, o religioso12. 
Partindo então da premissa de que a promulgação da Lei 10.639/03 é um marco 
importante, ainda que limitado, para uma educação antirracista, mas não o fim do 
processo em torno do que é ser negro no Brasil, dissertarei a partir daqui sobre minha 
experiência durante o meu estágio como aluno de licenciatura em História na UFF de 
Campos de Goytacazes. 
Estudo de caso 
O Colégio Estadual Dr. Phillippe Uébe conta com 810 alunos matriculados, com 
faixa etária entre 12 e 22 anos. Contendo 25 turmas de ensino regular (ensino médio e 
ensino fundamental), que se dividem nos turnos matutino (10 turmas), vespertino (10 
turmas) e noturno (5 turmas). Com o total de 85 funcionários, sendo dos quais 69 
professores, dos quais 06 são lotados na disciplina História, suas titulações variam entre 
graduados e mestres. O Colégio possui uma área total de 486 m² e está localizada no 
distrito de Guarus, às margens da BR101. 
O distrito de Guarus, é conhecido na cidade de Campos dos Goytacazes, como 
lugar de alta criminalidade. A população residente sofre com estigmas sociais ao se 
identificarem pertencentes aquela comunidade. Guarus é separado do centro da cidade 
pelo Rio Paraíba do Sul, essa separação ocasionada por um aspecto natural é 
ressignificada no âmbito social. Uma pesquisa realizada pelo Gabinete de Gestão 
Integrada Municipal (GGIM)13 e em parceria com o setor de análise do 8º Batalhão da 
Policia Militar aponta que entres os anos de 2011 e 2015 foram registrados 987 
homicídios, sendo 509 de jovens entre 15 e 29 anos. Desses 509 jovens, 96% eram negros 
ou pardos, de baixa escolaridade e moradores de bairros de Guarus. 
Como foi dito no início deste trabalho, classe e raça, são categorias distintas. Mas 
ao vermos os quadros de vulnerabilidade social do distrito de Guarus, podemos perceber 
que são indissociáveis, pois ao longo da história do Brasil o racismo estrutural reservou 
os negra às camadas mais pobres da sociedade. Ao ter ciência dessa realidade social da 
 
12 Ler CAPUTO, Stella Guedes. Educação nos terreiros e como a Escola se relaciona com crianças de 
Candomblé. 
13 Link da matéria onde foi noticiada a pesquisa, disponível em: http:///g1.globo.bom/rj/norte-
fluminense/noticia/2016/07/maiores-vitimas-de-homicidios-em-campos-sao-jovens-negros-diz-
estudo.html , acesso em 06 de junho de 2017. 
http://g1.globo.bom/rj/norte-fluminense/noticia/2016/07/maiores-vitimas-de-homicidios-em-campos-sao-jovens-negros-diz-estudo.html
http://g1.globo.bom/rj/norte-fluminense/noticia/2016/07/maiores-vitimas-de-homicidios-em-campos-sao-jovens-negros-diz-estudo.html
http://g1.globo.bom/rj/norte-fluminense/noticia/2016/07/maiores-vitimas-de-homicidios-em-campos-sao-jovens-negros-diz-estudo.html
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maior parte dos moradores de Guarus, a partir de pesquisa realizada durante o estágio, 
pretende-se pensar em como as questões em torno do que é ser negro é tratada na escola 
citada. 
 A primeira questão que me dispus a observar durante o estágio, foi a prática 
docente na disciplina História e algo em comum entre os três docentes que observei foi a 
forma “decoreba” de se ensinar História. Reduziam a História a um calendário e não se 
aprofundavam em analisar e/ou apontar as contribuições das diferentes épocas passadas 
para a sociedade atual. Os três aplicavamprovas - espelho, onde anteriormente revisões 
eram dadas para serem decoradas e depois transcritas na avaliação, que nada mais era que 
o mesmo questionário da revisão. Porém para que esse trabalho não caia no erro de 
culpabilizar a categoria docente pela forma que a construção do conhecimento acontece, 
faz-se necessário apontar as diversas formas de violência e negligência que a categoria 
vive na relação conflituosa com o Estado. O período no qual estagiei, foi o de deflagração 
de uma greve e o momento em que encerrei foi o acelerado processo de reposição de aulas 
que os docentes deviam executar. Durante meu estágio, presenciei alguns quadros 
preocupantes, como professor afastado por problemas nas cordas vocais ocasionados por 
excesso de trabalho e nenhum preparo fonoaudiológico para tal. Presenciei também 
professor tendo que abandonar a aula no meio, pois teve um pico hipertensivo, ocasionado 
por noites em claro, corrigindo trabalhos e avaliações das diversas escolas onde leciona. 
O que percebo é antes de tudo é uma romantização da prática docente, que retira toda a 
humanidade do professor, colocando uma alcunha infeliz de herói sobre seus ombros. É 
necessário que olhemos para esses professores também como trabalhadores expostos a 
condições massacrantes de trabalho. Essa desvalorização do material humano que é a 
categoria docente, acaba por influenciar negativamente o processo de construção do 
conhecimento, pois ao serem expostos a condições massacrantes de trabalho, não resta 
autoestima profissional para que esses professores possam construir um conhecimento 
com base em pesquisas, que permitam trazer diferentes pontos de vista, além do apontado 
nas páginas do livro-didático. 
 Ao pensar o ensino de História, observo a ausência de uma premissa para um 
ensino mais democrático, a pesquisa. Sobre a pesquisa Paulo Freire diz: 
"Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esse que fazeres se 
encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, 
reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me 
indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me 
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Campos dos Goytacazes 
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educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar 
a novidade." (FREIRE, 2013, 30-31) 
 No posicionamento de Freire, percebemos algumas características para uma 
educação que contribua para construção cidadã do educando, ao mesmo tempo que 
fomenta o processo permanente do tornar-se educador. A educação proposta por Freire, 
seria aquela que perpassa pelos saberes dos educandos, onde não se produz a verdade, 
mas se pensa nas indagações em volta do que é verdade e porque algo é considerado 
verdade ou mentira historicamente falando. 
Ao pensar sobre essas dualidades de verdade/mentira, certo/errado e legal/ilegal 
penso os diálogos ocorridos entre docentes da unidade escolar em momentos alheios a 
sala de aula, mas em presença de discentes. Como foi o caso de duas docentes (Ana e 
Clara14, que me fizeram pensar o quanto a cultura negra e periférica é rechaçada dentro 
da escola. Ao longo do diálogo travado pelas docentes, ao chegarem no assunto música, 
a docente de Artes, aponta o funk como responsável pela criminalização e marginalização 
da periferia, tentando culpabilizá-lo pelo que ocorre nas periferias pela ausência do Estado 
ou ação criminosa do mesmo. Ao indagar a docente sobre sua afirmação ela me respondeu 
com a citação de uma revista, que segundo ela, dizia que funk faz cair o rendimento 
escolar, que funk não é cultura e que alunos precisam mesmo é escutar música clássica. 
Ao narrar a fala da docente, trago o diálogo para o respeito aos saberes dos educandos, 
onde se faz necessário pensar o que o aluno traz consigo ao adentrar o espaço da escola, 
e indago se o padrão de cultura que a escola elege como correto dialoga com a realidade 
desse aluno. A professora dá prosseguimento a sua fala ao trazer a questão em torno do 
gênero do funk considerado "proibidão", que traz em suas letras de forma explícita 
apologia a drogas e linguagem sexual igualmente explícita. Neste momento eu trago o 
apontamento de que excluir também os textos dessas letras é excluir a realidade do aluno, 
é não tentar entender as forças presentes naquela construção cultural. 
O que pude perceber nesta escola é uma alienação dos alunos para com a 
comunidade onde está inserida. Abro aqui um adendo para citar o documentário 
Escolarizando o mundo - o ultimo fardo do homem branco15, onde vemos um vilarejo nas 
quais crianças e adolescentes são educadas para viverem em sociedades urbanas, fazendo 
com que vejam toda a sua cultura anterior a escola como primitiva e atrasada. 
 
14 Os nomes das verdadeiros das docentes foram trocados por questões éticas de sigilo. 
15 Documentário escolarizando o mundo – Disponível em: https://youtu.be/6t_HN95-Urs 
https://youtu.be/6t_HN95-Urs
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Devemos pensar enquanto docentes o quão importante é nossa postura ao entender 
que o aluno tem o direito a multiplicidade de ideias, e que não devemos ensiná-lo a odiar 
tudo que está à sua volta, mas construir mecanismos de entendimento e daí sim entender 
melhor esses fenômenos culturais como o funk, que vai muito além de melodia e letra, é 
também forma de denúncia e empoderamento. O que percebi também em conversa com 
os alunos é que muitos de tanto ouvir a repulsa dos professores à tais linguagens, 
reproduzem tais discursos, causando uma destruição de qualquer aspecto positivo que o 
aluno poderia ter da comunidade onde está inserido. Ao apontar o funk como cultura 
marginal ou não cultura e pensar determinados estilos musicais como a cultura certa a ser 
consumida, são acentuadas as relações de colonialidade presentes na educação brasileira, 
ao mesmo tempo percebemos que se trata de um educar para a manutenção de uma 
sociedade racista. 
Ainda na minha observação da ação docente percebi o despreparo de alguns para 
lidar com questões como as que Nilma Lino Gomes evidencia em Educação, identidade 
negra e formação de professores/as: um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo. 
Em um episódio ocorrido na escola, um professor define a Klu Klux Klan como grupo 
que perseguiu a população negra durante determinada época nos EUA. Até aí, nada a 
contestar na sua fala. No entanto, o mesmo professor dá sequência a sua fala com um 
infeliz comentário, "Mas, não pensem que adiantava alisar o cabelo para se achar branco, 
como os negros fazem no Brasil." O que aparentemente poderia ser visto como uma piada, 
como são vistas ainda muitas manifestações racistas em nosso país, deve ser visto como 
uma atitude racista. Para além disso, essa transposição de estruturas racistas feita pelo 
professor é no mínimo sofrível, pois é necessário que os alunos entendam que a estrutura 
racista do Brasil e dos EUA não se dão da mesma forma. Outra coisa que o professor 
perdeu a oportunidade de problematizar com seus alunos, ao fazer tal comentário, é a 
existência, no Brasil, de um projeto de embranquecimento mediado pelo Estado. Além 
disso, o professor deixa o aluno negro apenas no papel de vítima, ao falar da KKK em 
nenhum momento citou grupos negros organizados contra o avanço de tal organização. 
A fala do professor culpabiliza o negro pelas suas mazelas ou o culpa de usar 
legitimidades culturais sejam estéticas ou culturais para serem mais aceitos. O professor 
não analisa que sobreviver muitas vezes também é resistência, que os parâmetros de 
resistência não são uniformes e que muitas vezes não se pode dar da forma combativa 
direta, se analisarmos a forma que a estrutura de poder é construída no nosso país. A fala 
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do professor acerta diretamente na questão estética do corpo negro, ao apontar o cabelo 
considerado “de branco”como melhor, reproduz-se o a ideia do “cabelo bom” e do 
“cabelo ruim”. Esta situação reafirma como a vivência escolar pode ser uma experiência 
de sofrimento para o estudante negro e como a mesma pode lhe fornecer um educar para 
a negação de sua afirmação como negro. 
Gomes (2003) traz para essa discussão não só a construção de uma educação 
antirracista, mas também a construção da autoestima dos alunos e alunas negras. Ela 
aponta a importância e ao mesmo tempo a escassez de produção de conhecimento sobre 
a valorização dos traços negros, da resistência que significa esse processo de valorização 
no construir de uma educação antirracista. A visão apresentada pela a autora, coloca para 
algo muito mais além do conhecimento dito científico o material adequado para construir 
a discussão em torno da valorização da identidade negra. Pensar na questão do corpo 
negro é para além da História, deveria ser disciplina de qualquer curso de formação 
docente. O racismo não espera a aula de História começar para aparecer, ele está implícito 
no currículo, nas piadas sobre cabelo de determinado aluno, sobre aquele menino ou 
menina que nunca é escolhido como par nas festas juninas do colégio, ou seja, uma 
educação antirracista está também ligada a autoestima individual do aluno e da aluna 
negra. 
As falas discriminatórias dos docentes, apenas reiteram como a escola pode ser 
nociva para o estudante negro, reproduzindo o processo excludente que vive o negro ao 
longo da história do Brasil. Dito isto, voltamos a Lei 10.639/03 com alguns 
questionamentos entorno do porquê esta lei ter sido criada. Quem motivou isso? A nossa 
sociedade tão culturalmente racista? Os nossos magistrados? Na verdade, como já foi dito 
nesse trabalho, a conquista dessa lei foi fruto de resistência e reinvindicação do 
movimento negro do Brasil. Pereira (2011) aponta para a deficiência que ainda existe no 
Brasil ao se tratar da história do negro, o que pode ser explicado pelo processo de 
invisibilização e folclorização que o negro sofreu ao longo da história da educação 
brasileira. 
 Para a aplicação da Lei 10.639/03, o fomento de pesquisas que pensem a história 
do negro na formação do Brasil para além da imagem do cativo, faz se necessária. A 
própria afirmação da sanção da lei como resultados de lutas políticas do movimento negro 
e o histórico das mesmas deve ser pensada dentro das salas de aula. Ao pensar a aplicação 
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da Lei 10.639/03, deve-se antes indagar, pensar, repensar e refletir em volta do que 
conhecemos como passado, do que foi invisibilizado ao longo da História, questionarmos 
as bases do nosso nacionalismo e da nossa imagem do que é ser brasileiro. A 
obrigatoriedade que a lei traz, por si só não resolve as questões que cercam a existência 
negra no Brasil. A categoria temporal denominada por nós como passado, as nossas 
tradições, os “nossos heróis”, devem ser indagadas, revisitadas e desconstruídas, 
descolonizando o pensamento, e ampliando as vozes da História. 
Para pensar a construção e manutenção de uma educação antirracista, deve-se 
passar pelo crivo da interculturalidade, que traz a indagação, o conflito, usando do espaço 
da sala de aula como lugar seguro para a desconstrução e desnaturalização do uso de 
diferenças culturais como parâmetros para a produção e reprodução de processos de 
exclusão e marginalização dos considerados pelos grupos hegemônicos como inferiores. 
A interculturalidade traz consigo a premissa de uma reflexão descolonizada sobre como 
é produzida a diferença e como podemos pensar uma educação que não a negue, mas que 
não se hierarquize a partir dela. É evidenciar como fomos educados com o olhar da 
folclorização sobre a cultura negra, que se apresenta na sala de aula como algo muito 
complexo, chegando a remontar até a visão que temos da própria África. O processo de 
folclorização cria o que este trabalho denomina, como “coisa de negro”. O processo 
folclorizador em torno da população negra, acaba por dizer onde é o lugar do negro; que 
é sempre construído através de estereótipos, o sambista, o jogador de futebol, o 
capoeirista, sempre atividade s que se relacionam ao corpo, sempre o lugar do 
entretenimento. Essa construção fala mais pelo não dito, ao dizer qual espaço é delegado 
ao negro, diz o que não é. Nesse ponto mais uma vez volto a questão do quanto é 
necessário que as vozes da memória da luta do movimento negro estejam presentes 
durante a construção de conhecimento dentro da sala de aula, pois sendo o nosso currículo 
ainda tão eurocêntrico, até os parâmetros do que é luta política é dito com bases em 
processos de luta protagonizados pelos privilegiados pela branquitude16. 
Conclusão 
Dados os seguintes apontamentos, esse trabalho não busca culpabilizar a categoria 
docente pela forma eurocêntrica e racista que toma a nossa educação brasileira, mas 
 
16 Por branquitude, me refiro a imagem construída através do colonialismo, que elenca o branco (europeu) 
como agente civilizador e protagonista da história do Brasil. 
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aponta que só através de uma prática docente praticante da desobediência epistêmica 
(OLIVEIRA e LINS, 2014) que pensa a interculturalidade, seria possível a construção de 
uma educação antirracista. Pensar através da interculturalidade é trazer contribuições 
epistemológicas além das colocadas no nosso currículo, pois ainda que hoje exista a Lei 
10.639 as formas de aplicação que a mesma se dá na sala de aula são majoritariamente 
reprodutoras da relação de colonialidade presente na nossa construção curricular. É nesta 
desobediência epistemológica que este trabalho pensa como caminho para uma prática 
docente antirracista. Segundo Oliveira e Lins (2007) a função do interculturalismo seria 
dizer que 
“de fato são muitas as Áfricas e os Brasis. A lei 10.639/03, não deve ser somente 
um marco de abordagem multicultural e de combate a um tipo de exclusão que não se faz 
explicito para todos. Na verdade, o que se espera é que novas visões e versões sejam 
experienciadas de forma intercultural, baseadas no diálogo e respeito mútuo de todas as 
diferenças étnicas encontradas no Brasil.” (OLIVEIRA e LINS, 2007, p.11) 
 
 A interculturalidade ao elencar as diferentes identidades que existem em nossa 
sociedade, almeja dialogar sobre como essa pluralidade de identidades que foi 
ressignificada para legitimar a desigualdade no acesso à direitos básicos para a existência 
humana. Ou seja, sem a premissa da pluralidade de existências e sem trazer a luz as várias 
histórias que existem dentro da História, a escola continuará sendo um mecanismo de 
produção e reprodução do processo de exclusão vivido pelos considerados “diferentes” 
dentro da sociedade brasileira. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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