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RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS, CULTURA AFRO-BRASILEIRA E POVOS INDÍGENAS PROF. DR. DELTON APARECIDO FELIPE Reitor: Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira Pró-Reitoria Acadêmica: Maria Albertina Ferreira do Nascimento Diretoria EAD: Prof.a Dra. Gisele Caroline Novakowski PRODUÇÃO DE MATERIAIS Diagramação: Alan Michel Bariani Thiago Bruno Peraro Revisão Textual: Felipe Veiga da Fonseca Luana Ramos Rocha Marta Yumi Ando Produção Audiovisual: Adriano Vieira Marques Márcio Alexandre Júnior Lara Osmar da Conceição Calisto Gestão de Produção: Aliana de Araujo Camolez © Direitos reservados à UNINGÁ - Reprodução Proibida. - Rodovia PR 317 (Av. Morangueira), n° 6114 Prezado (a) Acadêmico (a), bem-vindo (a) à UNINGÁ – Centro Universitário Ingá. Primeiramente, deixo uma frase de Só- crates para reflexão: “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida.” Cada um de nós tem uma grande res- ponsabilidade sobre as escolhas que fazemos, e essas nos guiarão por toda a vida acadêmica e profissional, refletindo diretamente em nossa vida pessoal e em nossas relações com a socie- dade. Hoje em dia, essa sociedade é exigente e busca por tecnologia, informação e conheci- mento advindos de profissionais que possuam novas habilidades para liderança e sobrevivên- cia no mercado de trabalho. De fato, a tecnologia e a comunicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, diminuindo distâncias, rompendo fronteiras e nos proporcionando momentos inesquecíveis. Assim, a UNINGÁ se dispõe, através do Ensino a Distância, a proporcionar um ensino de quali- dade, capaz de formar cidadãos integrantes de uma sociedade justa, preparados para o mer- cado de trabalho, como planejadores e líderes atuantes. Que esta nova caminhada lhes traga muita experiência, conhecimento e sucesso. Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira REITOR 33WWW.UNINGA.BR UNIDADE 01 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ..............................................................................................................................................................4 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS E OS MOVIMENTOS SOCIAIS ..........................................................5 2 - POLÍTICAS EDUCACIONAIS E O COMBATE AO RACISMO NO ESPAÇO ESCOLAR .......................................10 3 - A LEI 10.639/2003 E A LEI 11.645/2008: O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍ- GENA EM SALA DE AULA ..........................................................................................................................................16 4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................................... 17 POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS PARA A FORMAÇÃO ÉTNICO RACIAL NO BRASIL PROF. DR. DELTON APARECIDO FELIPE ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS, CULTURA AFRO-BRASILEIRA E POVOS INDÍGENAS 4WWW.UNINGA.BR RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Ao iniciarmos a unidade 1, é essencial entendermos em que ponto essa discussão está na atualidade. Escolhermos o campo das políticas públicas para isso, visto que a maior parte do debate sobre as questões aqui propostas estão norteadas por leis, decretos e normativas aprovadas no decorrer da história brasileira. Um exemplo é o artigo 3º inciso IV que postula que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Mas antes de irmos propriamente para bases legais e como elas se construíram, é necessário nos perguntarmos: o que são políticas públicas educacionais? Em sua base etimológica, a palavra “política” é de origem grega, signi� cando a condição de participação da pessoa que é livre nas decisões sobre a pólis – como eram conhecidas as cidades na Grécia. Já a palavra pública é de origem latina, publica, e signi� ca povo, ou do povo. Assim, podemos a� rmar que, etimologicamente, políticas públicas referem-se à participação do povo nas decisões que envolvem a cidade. Lógico que precisamos entender que no decorrer da história, o conceito de políticas públicas ganhará conotações diferentes, dependendo do lugar e do tipo de governo organizado por cada sociedade. Abordar todas as políticas públicas e como elas se construíram, de modo que agora enfocam as relações étnico-raciais no Brasil, em especial, visando a população negra e os povos indígenas, seria um trabalho hercúleo para nós nesse momento, por isso que nos limitaremos a falar das políticas públicas educacionais, ou seja, aquelas ações governamentais que são adotadas tendo o espaço escolar como objetivo. Isso se deve a uma crença que temos de que a escola é um espaço que pode oferecer elementos para a construção de uma sociedade, mais justa, igualitária e em que não haja quaisquer formas de discriminação como enseja a Constituição Federal de 1988. 5WWW.UNINGA.BR RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA 1 - POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS E OS MOVIMENTOS SOCIAIS Souza (2003) apresenta uma pequena sistematização para podemos entender o campo das políticas públicas no Brasil. A autora a� rma que é um: Campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações e ou entender por que o como as ações tomaram certo rumo em lugar de outro. Em outras palavras, o processo de formulação de política pública é aquele através do qual os governos traduzem seus propósitos em programas e ações, que produzirão resultados ou as mudanças desejadas no mundo real (SOUZA, 2003, p. 13, grifo nosso) A partir da formulação de Souza (2003), podemos intuir que as políticas públicas, na atualidade, estão diretamente vinculadas aos interesses de um governo (representante do povo) para a sua cidade, seu estado ou mesmo seu país, o que nos leva a perguntar: qual é o sentindo das políticas públicas quando elas são aplicadas no campo da educação escolar? Figura 1 - Formulação de políticas públicas educacionais. Fonte: Faber Castel (2017). Como podemos ver na � gura exposta, as políticas públicas educacionais são tudo aquilo que um governo faz para a educação escolar. Outro fator que não podemos deixar de considerar na construção de políticas públicas no Brasil é que ela também se origina da ação popular, ou seja, medidas requeridas pelas pessoas. Como argumenta o � lósofo francês Michel Foucault (1997), todas as pessoas fazem política, todos os dias. Isso seria possível na medida em que, diante de con� itos, as pessoas precisam decidir, sejam esses con� itos de caráter social, pessoal e/ou subjetivo. Socialmente, a política, ou seja, a decisão mediante ao choque de interesses desenha as formas de organização dos grupos, sejam eles econômicos, étnico-raciais, de gênero, culturais, religiosos. O que nos demonstra que a organização social é fundamental é o fato de que ela é necessária para que decisões coletivas sejam favoráveis aos interesses do grupo. Ou seja, no campo das políticas públicas educacionais, os grupos se organizam, e traçam estratégias políticas para pressionarem o governo, a � m de que políticas públicas sejam tomadas a seu favor, e com a população negra e povos indígenas não são diferentes. 6WWW.UNINGA.BR RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA A sociedade brasileira, no � nal de 1970, passa por uma transformação signi� cativa com início da redemocratização política do Brasil. Nadai (1992) relata que diversos movimentos sociais começam a requerer mudançasnas leis brasileiras, na forma de participação da população, no processo democrático e no modelo de educação no Brasil. Os intelectuais e militantes dos movimentos voltados às discussões das relações étnico-raciais começaram a problematizar os conceitos como o de democracia racial – que postulava a crença de que no Brasil não existia con� itos raciais. Dentre as disciplinas escolares que mais sofreram pressão para que mudassem seu foco, estava a História. Houve um forte processo de rejeição ao ensino de história, recomendado pelos governantes brasileiros para forjar o espírito de nacionalidade. Questionava-se o ensino preocupado em reproduzir uma narrativa que estava preocupada com os heróis e grandes nomes que sua maioria tinha origem europeia. Começou a problematizar uma narrativa história que veiculava estereótipos e preconceitos sobre populações negras e povos indígenas. As propostas para o ensino de história no Brasil desa� avam as condições políticas para reverter a equação do poder, até então, representativo da nação brasileira e, a partir dessa reversão, implementar um projeto social mais justo, mais humano e com a participação efetiva de todos os grupos sociais – nessas discussões em que a concepção de ensino nascente estava comprometida com as transformações sociais almejadas pelos movimentos sociais emergentes (FELIPE, 2015). Um dos marcos dessas reformulações propostas pelos movimentos sociais, de acordo com Schmidt e Cainelli (2004), está nas reformulações propostas para o ensino escolar. Assim, concentrou-se na perspectiva de tratar docentes e discentes como sujeitos da história e da produção do conhecimento histórico, com o objetivo de formar sujeitos produtores da história, não mais receptores passivos, espectadores de uma história de heróis que compunha os personagens dos livros didáticos. Em 18 de junho de 1978, representantes de vários grupos se reuniram em respos- ta à discriminação racial sofrida por quatro garotos do time infantil de voleibol do Clube de Regatas Tietê, e a prisão, tortura e morte de Robison Silveira da Luz, tra- balhador, pai de família, acusado de roubar frutas em uma feira, sendo torturado no 44º Distrito Policial de Guaianases, falecendo em consequência das torturas. O grupo decidiu pela criação de um Movimento Unifi cado Contra a Discriminação Racial, lançamento público aconteceu em uma manifestação no dia 7 de julho, do mesmo ano, nas escadarias do Teatro Municipal da Cidade de São Paulo, reunindo duas mil pessoas, segundo o jornal Folha de São Paulo. Acesse esse conteúdo através de um leitor de QR Code ou pelo link: https://www.geledes.org.br/movimento-negro-unifi cado-miltao/. Acesso em: 16/12/2017. 7WWW.UNINGA.BR RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Um exemplo dessas reformulações está na discussão sobre a constituição do saber histórico, que se desenvolveram no � nal dos anos de 1970 e nos anos de 1980 para ser ensinadas na disciplina de história, que, de maneira progressiva, começou a inserir outros sujeitos sociais nos estudos historiográ� cos, por exemplo, as mulheres, os negros, os homossexuais, os prisioneiros, os loucos, as crianças, as populações indígenas, sujeitos que, até esse período, constituíam em uma ampla gama de excluídos, que reclamavam seu lugar na história social do país. As reformulações curriculares passaram a ser permeadas por discussões que questionavam os conteúdos ensinados na educação escolar em todos os níveis. Aqueles pertencentes às culturas negadas e silenciadas nos currículos escolares começavam a reagir contra a sua marginalização. De acordo com Gomes (2008), os excluídos dos discursos normativos do currículo escolar lançaram mão de estratégias coletivas e individuais, articulando-se em redes, dando início a diversos movimentos sociais de caráter identitário. Dentre os movimentos sociais que lutavam pela representatividade nas esferas sociais brasileiras a partir da década de 1970, encontra-se o Movimento Negro Uni� cado (MNU) e o Movimento Indígena brasileiro. O Movimento Negro Uni� cado, de acordo com Pereira (2002), iniciou-se em São Paulo na década de 70, em pleno regime militar, com o objetivo de combater o mito da democracia racial e denunciar que o Brasil é uma nação racista, na qual os negros estavam à margem na maioria das instituições sociais. Figura 2 – Manifestação do Movimento Negro Uni� cado em meados de 1980 Fonte: Yahoo (2017). Além disso, o MNU tinha como papel destacado fomentar um processo de constituição da identidade positiva do negro e de sua conscientização política na vida nacional. Paul Singer, um dos fundadores do MNU, em uma carta aberta, lida em ato público no dia 7 de julho de 1978 nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, posiciona-se a respeito da discriminação no Brasil 8WWW.UNINGA.BR RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Não podemos mais calar. A discriminação racial é um fato na sociedade brasileira, que barra o desenvolvimento negro, destrói a sua alma e sua capacidade de realização como ser humano [...]. Não podemos mais aceitar as condições em que vive o homem negro sendo discriminado da vida social do país, vivendo no desemprego, subemprego e nas favelas. Não podemos mais consentir que o negro sofra perseguições constantes da polícia sem dar uma reposta (SINGER, 1981, apud SILVA, 2001, p. 38). A manifestação do MNU teve dois propósitos: fazer uma denúncia de existência do racismo no Brasil, uma vez que a elite brasileira tentava constituir, no Brasil, o princípio de que todos somos tratados como iguais independente de sua cor; buscar um processo de formação da identidade positiva do negro, por meio de ações políticas, com a valorização de seus aspectos simbólicos, formas de vestir, de pentear e de falar. O bloco afro Ilê Aiyê, um dos primeiros blocos de carnaval representativo da cultura afro-brasileira, captou esse sentimento dos ativistas das organizações negras, fazendo o seguinte registro: Durante este tempo demos o nosso grito de liberdade [...] A liberdade de podermos ser negros, de dançar a nossa dança, de cantar o nosso canto. Canto esse que conta a nossa história e nossa libertação. E esse verdadeiro canto ecoou no Curuzu: um canto de fé por um mundo melhor. O brilho da avenida não ofusca o brilho desta raça de origem nagô (CADERNOS CANTO, 1988, p. 32). Percebemos, nesse registro, que os ativistas acreditavam no reconhecimento e na recriação dos aspectos da cultura negra, de modo que o Movimento Negro Uni� cado adotava uma postura de questionamento dos padrões estabelecidos na sociedade brasileira e propunha uma nova política cultural para pensar raça e etnia no Brasil. O movimento negro adotou como uma das premissas a promoção de uma identidade étnica especí� ca do negro. A partir dos seguintes pontos: • Resgate das raízes ancestrais norteou o comportamento da militância; • Houve a incorporação do padrão de beleza, da indumentária e da culinária africana; • As crianças negras, recém-nascidas, puderam ser registradas com nomes africanos, sobretudo de origem iorubá – Grupo de africanos que foram trazidos para o Brasil como escravos; • O movimento Negro é Lindo” ocorre uma busca de adesão estética e corporeidade da negritude – vestuário, penteados, adereços, ditos afros. Além de sua própria imagem, a adesão deveria passar pela valorização e mesmo adoção de elementos da cultura africana no Brasil. Para completar, “o modelo, insiste-se na adoção, para as crianças, de nomes africanos, que aparecem sempre nos jornais acompanhados de sua tradução para o português” (MAUÉS, 1991, p. 127). • No terreno religioso houve um processo de questionamento das bases religiosas. Se, em outros momentos, o movimento negro era notadamente cristão,chegou o momento de questionamento dos padrões europeus. Houve a cobrança para que a nova geração de ativistas assumisse as religiões de matriz africana, em particular o candomblé, tomado como principal guardião da fé ancestral (MAUÉS, 1991). 9WWW.UNINGA.BR RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Após três décadas de reivindicações do MNU, consideramos que houve avanços na luta contra o racismo e a discriminação da população negra no Brasil, mas, ainda, o racismo e o preconceito persistem na sociedade brasileira. Hoje, não é mais aceitável a ideia de democracia racial entre os brasileiros. Com a promulgação da Constituição de 1988, considerada por muitos uma constituição cidadã, houve uma tentativa de valorização dos diversos povos e culturas existentes no Brasil, por exemplo: o 5º artigo, no parágrafo XLII, prevê que casos de discriminação racial serão tratados como crimes imprescritíveis e ina� ançáveis, este artigo reconhece a existência do racismo no Brasil. No caso do Movimento Indígena Brasileiro, apesar de termos registro de suas ações mesmo antes da primeira metade do século XX, somente a partir da década de 1970 que diversos povos indígenas se reuniram em Assembleias no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e a� rmaram que os problemas indígenas seriam resolvidos por eles mesmos. Figura 3 - Participantes do evento de 20 anos de comemoração da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro em 2007 (FOIRN). Fonte: Rio Negro (2017). Borges (2003) argumenta que devido a diversidade e quantidade de povos indígenas no Brasil no decorrer da década 1970 e 1980, houve várias reuniões com pautas muitas vezes consonantes e dissonantes. Porém, podemos reunir essas pautas nos seguintes pontos: 1) A demarcação por meio de regularização fundiária e � scalização para garantir que essas terras indígenas não sejam descaracterizadas; 2) A luta pela ampliação das terras indígenas e por políticas de manutenção e sobrevivência das famílias indígenas nas terras demarcadas; 3) A luta pelo fortalecimento dos povos e organizações indígenas e o acesso à educação que respeite suas características, políticas de saúde diferenciada, projeto socioeconômico e políticas ambientais. 10WWW.UNINGA.BR RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Outra questão que precisamos ressaltar do movimento indígena brasileiro, também conhecido por muitos por indigenistas, é que a educação é vista como um elemento social fundamental para o reconhecimento e a preservação da memória desses povos e cumprimento de seus direitos. A partir do exposto, chegou-se ao pressuposto, na atualidade, de que não se pode só reconhecer a existência do racismo no Brasil, é necessário combatê-lo e trabalhar para amenizar as consequências da submissão e da marginalização da população negra e dos povos indígenas. Nesse ponto, em que ainda haviam grandes di� culdades, uma das primeiras instituições sociais chamadas a entrar na luta contra o racismo e para a valorização da população negra em seus aspectos físicos e culturais, como formadoras da população brasileira, foi a escola. Por acreditar que a escola, em cada momento histórico, constitui-se como uma expressão e uma resposta à sociedade é que o Movimento Negro Uni� cado e outros grupos sociais identitários, como os povos indígenas que pressionaram o governo para a elaboração de políticas públicas que tenham como objetivo colaborar com o combate ao racismo e diversos estereótipos que esses grupos vivenciam no Brasil. A pergunta que � ca é: como essas políticas funcionam dentro do espaço escolar? 2 - POLÍTICAS EDUCACIONAIS E O COMBATE AO RACISMO NO ESPAÇO ESCOLAR O Indigenismo é uma doutrina formulada inicialmente no México no Primeiro Con- gresso Indigenista Interamericano de 1940, e é caracterizada pela defesa e valori- zação das populações indígenas de um país, região. Os princípios e metas desse congresso foram transformados em práticas e políticas indigenistas, que foram formulados por diversos países do continente americano, incluído o Brasil. Fonte: http://parquedaciencia.blogspot.com.br/2013/06/o-movimento-indigena- -no-brasil.html. Acesso 17/12/2017. Em 2004, a professora Beatriz Petronilha Gonçalves e Silva (BRASIL, 2004), ao escrever o Relatório das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Re- lações Étnico-Raciais Para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, defende que, para as instituições de ensino desempenharem seu papel de educar, é necessário que constituam um espaço democrático de produção e divulgação de conhecimentos e de posturas que visam uma sociedade justa. 11WWW.UNINGA.BR RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 4 - Parecer 03/2004, de 10 de março, do Conselho Pleno do CNE. Fonte: INEP (2017). No decorrer do relatório, veri� camos que a população negra não foi alvo das instituições de ensino. O mesmo podemos a� rmar para os povos indígenas, já que a escolarização visava formar o ideal de homem brasileiro que tinha como referência o homem branco europeu. Quando analisamos o pensamento educacional brasileiro no decorrer do século XX, percebemos que a cultura da população e, consequentemente, a dos povos indígenas foram silenciadas ou estereotipadas no currículo escolar (FELIPE; TERUYA, 2007). No caso especí� co da população negra, como alerta Felipe (2015), durante mais de um século da implementação da escola pública no Brasil, a sua cultura poucas vezes foi contemplada nos conteúdos programáticos e, quando foi, abordaram a partir da visão dos europeus. Como vimos no tópico anterior, somente depois de 1980, com as constantes reivindicações do Movimento Negro Uni� cado, houve tentativas de inserir conceito de pluralidade na educação brasileira. É bem verdade que os debates promovidos depois de 1980 sobre a pluralidade cultural do Brasil favoreceram várias modi� cações importantes na educação escolar e no ensino de história no Brasil. Fernandes (2005) reconhece que apesar da renovação teórico-metodológica da história nos últimos anos, o conteúdo programático dessa disciplina na educação básica ainda tem primado uma visão monocultural e eurocêntrica de nosso passado. Isso signi� ca que a educação escolar ainda não aprendeu a valorizar a diversidade étnico-racial que compõe o ambiente escolar e a sociedade brasileira. Isso � ca bem nítido quando percebemos a di� culdade que o(a) brasileiro(a) tem em lidar com o conceito de raça e etnia, diante disso, nos perguntar, dentro das discussões sobre relações étnico-raciais Brasil, o que signi� ca o conceito de raça e o conceito de etnia. 12WWW.UNINGA.BR RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Os conceitos de raça e etnia são construções sociais, forjadas nas relações entre cultura, conhecimento e poder. O conceito raça, utilizado dentro de uma perspec- tiva política, nada tem a ver com conceito biológico de raça cunhado no século XIX. Silva, no relatório sobre a Lei 10.639/2003 (BRASIL, 2004), afi rma que o termo raça, utilizado nesse contexto de questionamento de uma cultura homogênea, é utilizado para informar como determinadas características físicas, como cor da pele, tipo de cabelo, entre outras, infl uenciam, interferem e até mesmo determi- nam o destino e o lugar social dos sujeitos no interior da sociedade brasileira. O emprego do termo étnico, na expressão étnico-racial, como faz Silva (BRASIL, 2004), serve para marcar que as relações tensas causadas pelas diferenças na cor da pele e traços fi sionômicos, são também por causa da raiz cultural plantadana ancestralidade africana e indígena, que pode diferir em visão de mundo, valores e princípios das origens, europeia ou asiática (FELIPE, 2015). Apesar dos problemas teórico do emprego dos termos raça e etnia, os dois conceitos são fundamentais para fazer uma análise do local social que a população negra e os povos indígenas ocuparam na formação social do Brasil. No caso da população negra, é importante ressaltar que os africanos que aportaram em nosso território do século XVI ao XIX, em sua maioria estava em condição de escravizados, e os negros eram vistos como mercadoria e objeto nas mãos de seus proprietários. Foi atribuída ao negro uma participação subalterna na construção da história e da cultura brasileira, embora tenha sido ele a mão-de-obra predominante na produção da riqueza nacional, trabalhando na cultura canavieira, na extração aurífera, no desenvolvimento da pecuária e no cultivo do café em diferentes momentos de nosso processo histórico. Quando se trata de abordar a cultura dessas minorias, estamos pensando no sentido político da palavra, já que os dados do IBGE, conforme podemos ver na � gura a seguir, demonstram que, atualmente, a população negra brasileira é de 50,7%. Mas ela é vista de forma folclorizada e pitoresca, e as culturas europeias, assim, são elevadas à condição de superiores e civilizadas. 13WWW.UNINGA.BR RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Figura 5 - Organização histórica da população e seu processo de escolarização utilizando o critério raça/cor. Fonte: Opera Mundi (2017). Como podemos analisar, ainda há uma disparidade entre o número da população negra no Brasil e seu processo de escolarização, se compararmos a população branca. Além disso, ainda vemos os conteúdos escolares permeados de relatos de grandes fatos e feitos dos chamados heróis nacionais, geralmente brancos, escamoteando, assim, a participação de outros segmentos sociais no processo histórico do país. Para Silva (1998), por exemplo, a maioria das concepções históricas que perpassa o ensino de história no Brasil despreza a participação das minorias étnicas, especialmente de índios e negros. Quando eles aparecem nos livros didáticos, seja em forma de textos, seja em forma de ilustrações, são tratados de forma pejorativa e, portanto, preconceituosa e estereotipada. A � m de combater essa visão monocultural e eurocêntrica que foi forjada no saber histórico brasileiro, ao ter como padrão a visão dos grupos dominantes, o governo brasileiro, por meio de seus órgãos legais, tem incorporado na legislação brasileira alguns tópicos de modo a contribuir com a visualização de um Brasil pluriétnico. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em seu artigo 26, parágrafo 4, rati� cando posição da Constituição Federal de 1988, determina que “o ensino história do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e europeia” (BRASIL, 1996a) Por sua vez, o Ministério da Educação (MEC), em cumprimento ao dispositivo constitucional assente no art. 210 de nossa Carta Magna e sensível à necessidade de uma mudança curricular face à emergência de temas sociais relevantes para a compreensão da sociedade contemporânea, elaborou para a educação básica os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). A grande inovação da nova proposta é a existência de temas transversais que deverão perpassar as diferentes disciplinas curriculares – Língua Portuguesa, Matemática, História, Geogra� a, Ciências e Artes – e permitir, com isso, a interdisciplinaridade no ensino fundamental, tais como: Convívio Social e Ético, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente, Orientação Sexual, Saúde, Trabalho e Consumo. Após as discussões com as secretarias de educação de estados e municípios e com especialistas de diversas áreas do conhecimento, os PCN foram aprovados pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE), servindo de referência nacional para que os sistemas de ensino estaduais e municipais pudessem adequá-lo à sua realidade educacional (BRASIL, 1997). 14WWW.UNINGA.BR RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Reconhecendo a necessidade de uma educação multicultural, os PCN estabelecem como tema transversal o estudo da Pluralidade Cultural, a � m de ser trabalhada em diferentes disciplinas curriculares. [...] temática da Pluralidade Cultural diz respeito ao conhecimento e à valorização das características étnicas e culturais dos diferentes grupos sociais que convivem no território nacional, às desigualdades socioeconômicas e à crítica às relações sociais discriminatórias e excludentes que permeiam a sociedade brasileira, oferecendo ao aluno a possibilidade de conhecer o Brasil como um país complexo, multifacetado e algumas vezes paradoxal (BRASIL, 1997, p. 33). Esse mesmo documento do MEC traz como um dos objetivos gerais da educação básica o conhecimento e a valorização da pluralidade do patrimônio sociocultural do país, bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações, devendo alunos e alunas, professores e professoras posicionarem-se contra quaisquer formas de discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais. Além dos PCN, dispomos das diretrizes curriculares elaboradas pelo CNE para a educação básica. Recentemente, esse órgão normativo e consultivo do MEC instituiu, com base no parecer da conselheira Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Ainda no âmbito das políticas públicas governamentais, podemos citar o Programa Nacional de Direitos Humanos, elaborado pelo Ministério da Justiça na gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que previa, entre uma série de ações para as populações negras no Brasil, o estímulo à “[...] elaboração de livros didáticos que enfatizem a história e as lutas do povo negro na construção do nosso País, eliminando estereótipos e discriminações” (BRASIL, 1996b, p. 31). Mais recentemente, por ocasião do início do Governo Lula, foi sancionada a Lei nº. 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que “altera a Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo o� cial da rede de ensino obrigatoriedade da temática história e cultura afro-Brasileira, e dá outras providências”. A Lei estabelece o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas sociais, econômicas e políticas pertinentes à História do Brasil (art. 26-A, § 1º) e, tornando-o obrigatório no currículo escolar da educação básica (BRASIL, 2003). Nesse momento histórico, a demanda por geração de oportunidades requer do Estado e da sociedade medidas que contemplem a população negra nas oportunidades que irão amenizar os danos psicológicos, materiais, sociais, políticos e educacionais herdados do regime escravista, bem como das políticas explícitas ou tácitas de branqueamento da população, de manutenção de privilégios exclusivos para os grupos com poder de governar e de in� uir na formulação das políticas no pós-abolição. Tais medidas se concretizam com iniciativas de combate ao racismo e demais formas de discriminação. O posicionamento daqueles que já conhecem este dispositivo legal é dividido, uns concordam e outros discordam. Os argumentos da discordância sustentam que a Lei não se traduz, na prática, em uma mudança necessária e que produziria um acirramento ainda maior entreos vários grupos étnicos que compõem a população brasileira. 15WWW.UNINGA.BR RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA Além disso, argumentam os discordantes que a legislação seria racista por privilegiar um setor especi� co do mosaico étnico brasileiro em detrimento dos demais. Um exemplo desse pensamento é do professor Peter Fry (2005) que, em seu livro A Persistência da Raça a� rma que a Lei 10.639/2003 estaria reapresentando o surrado conceito de raças humanas, portanto, não possui base cientí� ca pelo simples motivo que existe apenas uma raça: a humana. Nesse sentido, Fry a� rma que a Lei 10.639 poderia desencadear reações de outros grupos, constrangidos por estarem pouco representados nos currículos. Os argumentos dos concordantes postulam que a Lei é fundamental, porque contribui para ampliar o conhecimento sobre a história dos negros formadores da população brasileira. Para Lopes (2003, p. 19), “a Lei 10.639/2003 do CNE vem reconhecer a existência do afro- brasileiro e seus ancestrais (os africanos), sua trajetória na vida brasileira e na condição de sujeitos que contribuíram para a construção da sociedade”. Essa alteração, em seus aspectos explícitos e implícitos, precisa ser construída no cotidiano do fazer pedagógico no interior das escolas, envolvendo alunos, professores, corpo diretivo, corpo administrativo e comunidade escolar em geral, tendo como suporte um currículo com base na abordagem da diversidade cultural. Outro argumento favorável é que apesar da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB, 9394) aprovada em 1996 ter explicitamente incluído a história afro-brasileira como conteúdo pedagógico, na realidade, nada disso aconteceu. Nessa concepção, a nova Lei estaria antes de tudo cobrando a efetivação de um parecer pedagógico já existente. Em nossa perspectiva, o argumento dos que a� rmam que a Lei 10.639/2003 estaria privilegiando uma etnia/raça determinada – a dos negros, não se sustenta. No Brasil, a população negra, mesmo constituindo cerca de 50% da demogra� a brasileira, ainda está subrepresentado na maioria das esferas da vida social. Essa ausência de representatividade repercute no sistema de ensino que desquali� ca ou simplesmente se cala a respeito da história e da cultura negro-africana. Quanto aos demais grupos, segundo Serrano e Waldman (2007), é possível argumentar que a própria lei que incentiva o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana também inclui a discussão sobre a diversidade étnico-racial no Brasil. Estas medidas contribuem para a reeducação das relações entre os vários grupos sociais constituintes da sociedade brasileira, provocando o questionamento das relações étnico-raciais baseadas em preconceitos e na desquali� cação do outro. Tal argumento pode ser comprovado com a aprovação em março de 2008 da Lei 11.645, que além da obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana na educação básica prevê também o ensino da história e cultura indígena (BRASIL, 2008). Por � m, em relação aos segmentos que repudiam a Lei em nome de um suposto racismo que estaria perpassando a sua essência ao prever o ensino da história e da cultura afro-brasileira, entendemos que a questão racial não se esgota em um ponto de vista genético. É necessário ressaltar os condicionamentos histórico-sociais dos conceitos que envolvem as questões raciais. Se, no passado, a ideia da existência de raça superior e da raça inferior legitimava a escravização com comprovação cientí� ca da inferioridade dos negros, atualmente, para legitimar a ordem estabelecida, funda-se na não existência de raças, apoiando-se nos direitos democráticos válidos para todas as etnias. A existência ou não de raça depende da conveniência em um determinado momento social. Em resumo, a Lei 10.639/2003 constitui um passo importante para resgatar e valorizar os diversos grupos étnicos que estão à margem da sociedade brasileira. Os currículos escolares do sistema educacional podem ser aliados valiosos nessa luta. Como ressalta Gomes (2008), esta Lei que não é somente uma norma: é resultado da ação política e da luta de um povo, cuja história, sujeitos e protagonistas ainda são poucos conhecidos e a nosso ver levou a aprovação da Lei 11.645/2008. 16WWW.UNINGA.BR RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA 3 - A LEI 10.639/2003 E A LEI 11.645/2008: O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA EM SALA DE AULA A Lei 10.639/2003 e a Lei 11.645/2008, sem dúvida, representam um avanço ao possibilitar a construção de uma educação para relações étnico-racial na escola brasileira, que ao mesmo tempo reconhece uma luta histórica do movimento negro e povos indígenas, proporcionando a estes maior representatividade, e indica caminhos para construir uma história valorativa desses grupos em nosso país, ao questionar as marginalizações históricas na formação do Brasil. Um exercício frutífero para trabalhar a história e cultura afro-brasileira e indígena em concordância comas leis supracitas é levarmos em consideração algumas questões: Como pensar uma escola que tenha como base uma educação na perspectiva da pluralidade étnico-racial? Como romper com o modelo pedagógico vigente? O que fazer para que a sociedade civil, organizada por meio de suas legítimas representações, inclua a população negra e os povos indígenas? (CONCEIÇÂO, 1999). Fazer esses questionamentos são fundamentais para contemplar os brasileiros descendentes de africanos e de indígenas, para pensar em uma nova educação escolar. Silva (2001) expõe que trabalhar a partir de valores somente eurocêntricos no sistema escolar leva as crianças e adolescentes negros e indígenas a se sentirem inferiores e a serem considerados como tal pelos demais. A convivência com a imagem estereotipada, que causa danos psicológicos e morais, pode bloquear a personalidade étnica e cultural de povo, por exemplo, a não aceitação de sua aparência, como cor de pele, tipo de nariz e tipo de cabelo. Como ainda vemos em matérias escolares, propagandas televisivas e o imaginário social quanto à população indígena ainda hoje é retratada em muitas atividades escolares sem historicidade, como se todos os povos indígenas estivessem restritos às aldeias e tivessem o mesmo modo de vida, como retratado nas obras do pintor Albert Eckhout no século XVII. Figura 6 – ECKHOUT, Albert. Óleo sobre tela,1641, 266x159 cm. Fonte: Arte na Escola (2019). 17WWW.UNINGA.BR RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 1 ENSINO A DISTÂNCIA O que nos leva a concordar com o raciocínio de Felipe e Teruya (2008) que a� rmam que o brasileiro, de um modo geral, sabe pouco a respeito da história da população negra e dos povos indígenas, e quando sabe, seu conhecimento está repleto de ideias preconceituosas. Ao a� rmar isso, Felipe e Teruya (2008) nos convidam a um desa� o, que é reler a história do Brasil com olhos mais atentos às hierarquizações de poder existentes, que marginalizaram e marginalizam parte da população brasileira. 4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao dissertamos nessa primeira unidade sobre as políticas públicas para formação étnico- racial do Brasil, tivemos que mostrar que a história brasileira é campo de tensões e de relações de poder que nos leva a questionar as representações e os estereótipos sobre a África, os africanos, negros brasileiros, os povos indígenas e sua cultura. A ideia de inferioridade cultural dos negros e dos indígenas, que foi a linha norteadora a formação cultural de nosso país, foi construída historicamente e socialmente, de modo que justi� cou os processos de dominação, colonização e escravização de ambos os povos. Tratar da históriae cultura afro-brasileira e indígena é um exercício para a valorização da diversidade cultural, racial e social e econômica brasileira, e a escola foi entendida como uma instituição profícua para que essa discussão ocorresse. As reivindicações estabelecidas na Lei 10.639/2003 e 11.645/2008 lançam novas bases para a educação escolar, uma vez que o legado eurocêntrico resultou em um raciocínio que ainda hoje di� culta os estudos sobre África e sobre a população negra e povos indígenas no Brasil. 1818WWW.UNINGA.BR UNIDADE 02 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO .............................................................................................................................................................19 1 - A POPULAÇÃO NEGRA E INDIGENA NO DISCURSO NACIONAL .................................................................... 20 2 - A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL E AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS ...............................27 3 - CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................................................................32 FORMAÇÃO SOCIAL BRASILEIRA E A FÁBULA DAS TRÊS RAÇAS PROF. DR. DELTON APARECIDO FELIPE ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS, CULTURA AFRO-BRASILEIRA E POVOS INDÍGENAS 19WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 2 INTRODUÇÃO Ninguém ouviu Um soluçar de dor No canto do Brasil Um lamento triste Sempre ecoou Desde que o índio guerreiro Foi pro cativeiro E de lá cantou Negro entoou Um canto de revolta pelos ares No Quilombo dos Palmares Onde se refugiou (...) Canto das Três Raças – Clara Nunes Prezado(a) aluno(a), iniciamos a unidade 2 com a música Canto das três raças de um ícone da música popular brasileira: Clara Nunes. A letra dessa música demonstra uma mentalidade comum sobre a formação social brasileira, que é o encontro das três raças formadoras do Brasil: indígena, negro e banco. Ao discutir sobre esse encontro, que é tão utilizado para explicar a formação social do Brasil, percebe-se que a música nos informa qual é o local que os povos indígenas ocuparam nessa formação social, que é ir para o cativeiro – o local da população negra, que fugiu para o quilombo. Inspirado por Clara Nunes, o objetivo que vai nos mover nessa unidade é problematizar o espaço ocupado pela população negra e pelos povos indígenas na formação nacional brasileira e como a escola colaborou para sedimentação desse espaço ocupado. Para atingir nosso objetivo, recorremos ao pensamento do sociólogo Roberto Da Matta (1981), que argumenta que a construção da nacionalidade veio em forma da fábula das três raças, uma ideologia que permite conciliar uma série de impulsos contraditórios de nossa sociedade sem que se crie um plano para sua transformação profunda, difundindo a ideia de que no Brasil o racismo é cordial . Para entendermos os argumentos de Da Matta (1981), temos que analisar as teorias raciais que construíram para a formação da mentalidade do povo brasileiro do período em que antecede a abolição da escravatura, Proclamação da República e a até os dias atuais. Como veremos no decorrer dessa unidade, após a Abolição da escravatura em 1888, a condição jurídica da população negra sai de pessoa escravizada para uma cidadania de segunda classe. A fábula das três raças, hoje, tem a força e o estatuto de uma ideologia dominante em um sistema totalizado de ideias que interpenetra a maioria dos domínios explicativos da cultura brasileira. Durante muitos anos, essa fábula forneceu, e ainda hoje fornece, as bases para analisar a diminuta representatividade negra e indígena entre as � guras históricas nacionais. Nesse aspecto, um dos fundamentos para a aplicabilidade de políticas públicas educacionais para as relações étnico-raciais é o um olhar para a história da formação nacional brasileira. 20WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 2 1 - A POPULAÇÃO NEGRA E INDIGENA NO DISCURSO NACIONAL Como explicamos na Unidade 1, a aplicabilidade da Lei 10.639/2003 e a Lei 11.645/2008 nas salas de aula do Brasil demanda discutir como a população negra e os povos indígenas foram inseridos no projeto nacional no � nal do século XIX e início do século XX, período em que diversas teorias raciais estavam em vigência no Brasil. Cabe ressaltar que chamaremos o projeto nacional brasileiro após a Proclamação da República de projeto moderno de construção da identidade nacional, visto que a Família Real brasileira, em especial na � gura de D. Pedro II, tinha idealizado um projeto nacional também, porém vinculado aos pressupostos monárquicos. Cabe ressaltar aqui a importância do Instituto Histórico Geográ� co Brasileiro, conhecido por IHGB, fundado em 1831 para o projeto de nacionalidade monárquico. O IHGB foi criado em 1838 e tinha como intenção arquitetar a nação que D. Pedro II almejava, além de reunir e organizar materiais para escrever a história do Brasil. Em um contexto em que era preciso produzir uma história do Brasil que desse um per� l à sociedade brasileira e que abarcasse a diversidade do país, o recém-criado IHGB se mostrou aberto para receber ideias de como esta história poderia ser escrita. Silva (2016) argumenta que uma das � guras mais eminentes do IHGB era Francisco Adolfo de Varnhagen (2016) e foi responsável por sedimentar uma narrativa histórica que já localizava a população negra, os povos indígenas e a população branca europeia no tecido social do Brasil Imperial. Sobre os indígenas, Varnhagen (2016) descreveu sobre a cultura, a língua, os costumes, suas moradias, alimentação, sua disposição pelo território e a relação entre aos povos indígenas foram mais cheias de detalhes. Porém, Varnhagen (2016) não mostrou afeição pelos indígenas, desprezando e falando mal de suas condições. Considerava-os bárbaros e criticava os seus costumes primitivos, sem compreender como alguns consideravam este estágio como tendencioso à felicidade do homem. Sobre a população negra, Varnhagen (2016) também tinha uma visão negativa, de modo que via a presença negra no Brasil como um problema, e considera a miscigenação como uma espécie de esperança para estes problemas. O autor torcia para que a mistura das raças faça desaparecer a in� uência africana. Para Varnhagen (2016), o português – representava progresso – foi o que trouxe o desenvolvimento do Brasil e o livrou de um futuro decadente fundado no modo vida indígena. Essa visão de Varnhagen (2016) – quanto ao branco e o seu lugar essencial na formação do Brasil, superando até mesmo o índio e o negro – é um re� exo da própria época em que ele escreve. O seu modo de ver o Brasil é uma referência das ideias que prevaleciam no século XIX, especialmente entre as elites, que defendiam que o Brasil deveria ser branco e, em hipótese alguma, negro, indígena ou misturado (SILVA, 2016). As transformações sociais e políticas que o Brasil passou a partir da segunda metade do século XIX, com o � m da escravidão negra e a Proclamação da República, remodelou as relações de trabalho do regime escravo para o trabalho livre e assalariado. Além disso, milhares de homens negros e mulheres negras que eram considerados ferramentas vivas de trabalho, agora passam a fazer parte da população brasileira com o status de cidadania, mesmo que uma cidadania restritiva, mas mesmo assim, cidadania. 21WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 2 Figura 1 - A publicação no jornal Gazeta de Notícias da Lei Nº 3.353, de 13 de maio de 1888. Fonte: O Diário (2017). Outro fator que temos que chamar atenção é que no plano político no � nal do século XIXocorria o � m da monarquia, desencadeada pelas disputas internas existentes desde a Independência do Brasil em 1822, pelos segmentos das classes dirigentes. Somada a esse fato, havia também uma pressão internacional pela Proclamação da República brasileira, já que o Brasil era o único país na América Latina governado por uma monarquia. No setor econômico, houve crescimento dos setores de prestação de serviços e aumento da pequena indústria têxtil. Esses fatos estavam associados ao início do processo de urbanização, ao crescimento das camadas médias e ao aparecimento de um proletariado urbano, formado pelos imigrantes, que ao chegarem ao país, abandonaram o trabalho na zona rural em direção às cidades. Nesse contexto de transformações sociais, econômicas e políticas, acreditava-se que o projeto de nacionalidade brasileira para viabilizar o progresso da nação só poderia ser feito pelo homem branco europeu. Como argumenta Ho� auer (2006, p. 56), um “bando de ideias novas, que nascidas no além-mar atravessam o atlântico” aportavam no pensamento ilustrado brasileiro. Uma dessas ideias era a ideologia do “ideal branco” de homem brasileiro, tendo como referência o imigrante europeu. O projeto moderno de construção da identidade nacional baseada no ideal republicano brasileiro encontrou na população negra e indígena um entrave, visto que para parte dos ideólogos do projeto republicano, o sangue negro e indígena impediria o desenvolvimento do país e não permitiria o avanço econômico e social (FELIPE, 2009). 22WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 2 Além dos argumentos eugenistas, a escola foi vista como um espaço de melhora social, visto que os republicanos entendiam o letramento e a instrução como uma condição para o exercício da cidadania e implementação da modernização da nação. No pensamento republicano brasileiro do século XIX, essas transformações eram fundamentais para a reconstrução do país dentro de uma perspectiva de progresso, mas para isso eram necessárias mudanças de comportamento, de hábito e apropriação de uma forma de organização política e econômica que levasse ao desenvolvimento nos moldes europeus (FERNANDES, 1978). A população negra não se encaixava nessa perspectiva de progresso, visto que acabará de sair da condição de objeto de trabalho para cidadania. O que só foi devido a diversas políticas públicas adotadas do Brasil Imperial, que progressivamente levariam à abolição da escravidão em 1888, tais como: • A primeira lei elaborada para resolver o problema da escravidão no Brasil foi a Lei do Ventre Livre, promulgada em 28 de setembro de 1871. Para Silvério (2004), na prática ela teve poucos efeitos para a população negra, pois dava liberdade aos � lhos de escravos nascidos a partir daquela data, mas os mantinha sob a tutela do senhor até os 21 anos. • Outra lei instituída, exatamente 14 anos depois, em 28 de setembro de 1885, foi a Lei do Sexagenário, que libertava todos os negros escravizados com mais de 60 anos, mediante à compensação do proprietário. Essa lei teve pouco efeito prático também, já que a expectativa de vida dos homens e das mulheres submetidos ao regime de escravidão nesse período não passava dos 45 anos. • E, � nalmente, foi aprovada a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888. Isso permitiu, pelo menos legalmente, a liberação da população negra da escravidão. A abolição da escravatura chegou 1888, porém não propiciou à população negra acesso aos bens produzidos nesse processo histórico, como terra, moradia e educação. Podemos a� rmar que a cidadania chegou para a população negra com abolição e a Proclamação da República, no entanto, ela chegou pautada nas desigualdades sociais e no racismo que ainda afeta milhares de mulheres e homens negros (FELIPE; TERUYA, 2010). O que nos leva ao seguinte questionamento: O que aconteceu com a população negra depois da abolição da escravatura em 1888? Podemos a� rmar que se até o � nal do século XIX a população negra, em boa parte, estava vinculada à situação de escravidão. A implementação do projeto da modernidade, vindo por causa da abolição da escravidão e da Proclamação da República, fez com que a população negra sofresse um branqueamento, ou seja, a busca genética para eliminar as características africanas da população brasileira, pois essa população, ao se parecer mais com a população europeia, levaria o Brasil ao pretenso progresso. “Pela seleção natural, todavia, depois de prestado o auxílio de que necessita, o tipo branco irá tomando a preponderância até mostrar-se puro e belo como no velho mundo” (ROMEIRO apud BENTO, 2002, p. 23). As políticas de branqueamento nesse período con� guraram-se como uma das formas de assegurar a modernização do país. Não é por outra razão que o Estado brasileiro, no início do século XX, buscava a mão de obra europeia, cuja imigração ainda era celebrada cotidianamente nos meios de comunicação, principalmente no que se referia às imigrações italiana, alemã, polonesa, entre outras de origem europeia (MUNANGA, 1999). 23WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 2 No Brasil, uma das medidas para diminuir as características da população negra na população brasileira foi a importação de milhares de imigrantes europeus. Ao mesmo tempo, procuravam reduzir os contingentes considerados indesejáveis, por meio da expulsão sistemática, incluindo as restrições de acesso aos bens materiais e bens simbólicos, como a educação escolar. Serrano e Waldman (2007) a� rmam que, nesse período, diversos projetos foram elaborados pela elite brasileira para que a população negra voltasse ao continente africano. No discurso nacional, após a abolição da escravidão, os negros e as negras se tornaram indesejáveis e foram enredados em um discurso de corruptores do projeto nacional e considerados fatores impeditivos do desejo de modernização da sociedade por ameaçar o desenvolvimento nacional. Nas palavras do médico baiano Nina Rodrigues (1862 a 1906), “a in� uência do negro, disse, há de constituir sempre um dos fatores da nossa inferioridade como povo; nada poderá deter a eliminação do sangue branco” (RODRIGUES, 1999, p. 28). Esse tipo de narrativa discursiva abriria espaço às teorias de práticas sociais que projetavam uma nova nação, com possibilidade de eliminação ou de diminuição dos indesejáveis, tendo na negritude seu alvo preferencial. De todo modo, o projeto para modi� car a população brasileira, trazendo imigrantes da população branca europeia, possibilitou a inversão do padrão racial da população brasileira, principalmente no que se refere à participação da população negra, que era de maioria populacional, 58% do total, conforme o Censo do Império em 1872. Para Andrews (1992), a imigração europeia, ocorrida entre o � nal do século XIX e o início dos anos 30 do século XX, implicou em uma recomposição racial da população brasileira, somada à participação dos brancos, alçou 64% no recenseamento de 1940. Além das estratégias demográ� cas de branqueamento, outras foram formuladas para a construção de um per� l de estabilidade das transformações impostas, tendo sempre o sujeito do Iluminismo como padrão de explicação. O ideal do branqueamento respaldou-se na desquali� cação dos negros, que supostamente não teriam capacidade de produzir em um sistema de livre iniciativa, bem como seriam moralmente degenerados. O movimento eugenista, ao procurar ‘melhorar a raça’, deveria ‘sanar’ a sociedade de pessoas que apresentassem determinadas enfermidades ou características consideradas ‘indesejáveis’ (tais como doenças mentais ou os então chamados ‘impulsos criminosos’), promovendo determinadas práticas para acabar com es- sas características nas gerações futuras. Todavia, esse quadro aplicadoapenas a indivíduos, mas, principalmente, às raças, baseando-se num determinismo racial (se pertence a tal raça, será de tal forma) fazia com que a hierarquia social fosse traduzida por hierarquia racial (MACIEL, 1999, p. 121). 24WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 2 Figura 2 - Primeiro Congresso Brasileiro de Eugenia Fonte: Lapes (2019). 25WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 2 Dessa forma, a substituição da mão de obra negra pela branca imigrante, e o incentivo à miscigenação para gerar um povo cada vez mais branco, ou, como a� rma o documento na imagem supracitada, “na esperança de tornar a pátria mais forte, mais útil e mais bela” (LAPES, 2019), foram estratégias encontradas para melhorar gradativamente a população que compunha a nação brasileira. Doebber (2012) argumenta que, embora autores como Gadelha (2009) a� rmem que durante o Estado Novo (1930-1945) tornara-se difícil admitir a existência e o funcionamento de uma biopolítica consolidada, já era possível identi� car, nesse período, uma tendência de “gestão da população”. Semelhante ao modo como ocorreu com os leprosos expulsos das cidades na Idade Média, por serem considerados uma ameaça à ordem pública, o controle sobre a vida da população negra se daria também pela via da exclusão. Castro (2009, p. 57) explica que “ao antigo direito do soberano de fazer morrer ou deixar viver se substitui um poder de fazer viver ou abandonar à morte”. O poder sobre a vida se explicitaria nas políticas sobre a vida biológica, entre elas, a política de incentivo à imigração. Já o poder sobre a morte se explicitaria por meio do racismo, por exemplo, presente no modo como o povo negro foi abandonado, pelo Estado, à própria sorte. Nesse sentido, o Estado estaria mais preocupado em fazer viver um “tipo racial”, considerado superior, e deixar morrer outro “tipo racial”, considerado inferior. Outro discurso que reverberou socialmente para a negação das características negras população brasileira na primeira metade do século XX foi o da mestiçagem. Nesse discurso, não mais se negava a população negra e indígena como constitutivo da população brasileira, mas sim aceitava-se enquanto um dos sujeitos da constituição nacional. Guimarães (2002, p. 168) a� rma que, nesse período, os antropólogos, como Roger Bastide e Gilberto Freyre, enunciaram, pela primeira vez, a ideia de uma democracia racial e, com o tempo, a expressão ganhou “a conotação de ideal de igualdade e de oportunidade de vida e de respeito aos direitos civis e políticos que nos anos de 1950”. Guimarães (2001), ao fazer uma genealogia do termo democracia racial, ressalta que esse termo foi empregado pela primeira vez por Arthur Ramos, em 1941, durante um seminário de discussão sobre a democracia no mundo pós-fascista. Campos (2002) argumenta que Roger Bastide, em um artigo publicado no Diário de S. Paulo, em 31 de março de 1944, no qual se reporta uma visita feita a Gilberto Freyre, em Apipucos, Recife, também emprega a expressão, o que indica que apenas nos 1940 ela começa a ser utilizada pelos intelectuais. “Teriam Ramos ou Bastide cunhado a expressão ou a ouvido de Freyre? Provavelmente, trata-se de uma tradução livre das idéias [sic] de Freyre sobre a democracia brasileira” (CAMPOS, 2002, p. 77). Na literatura acadêmica, a expressão democracia racial só aparecia alguns anos mais tarde, por volta de 1943. “O Brasil é renomado mundialmente por sua democracia racial”, escrevia Wagley (1952), na Introdução ao primeiro volume de uma série de estudos sobre relações entre negros e brancos no Brasil, patrocinados pela UNESCO. Ao que parece, Arthur Ramos, Roger Bastide e, depois, Wagley introduziram a expressão que se tornaria não apenas célebre, mas a síntese do pensamento de toda uma época e de toda uma geração de cientistas sociais (GUIMARÃES, 2001; CAMPOS, 2002). Se desde o início do século XX uma visão positiva recaía sobre a miscigenação, convivendo com posturas mais radicais de caráter puramente eugenista, “a partir da década de 1930, ela sofre uma reinterpretação, momento em que os principais estudiosos brasileiros do assunto passaram a destacar os aspectos positivos da mestiçagem, momento em que se consolida a ideia de democracia racial” (TADEI, 2002, p. 4). 26WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 2 Tadei (2002) a� rma que a biopolítica de Estado, que se iniciara com a Era Vargas (1930 -1945), fazia da miscigenação uma prova da inexistência do racismo no Brasil, um traço estruturante da identidade nacional, traduzida na chamada ideologia da Democracia Racial. O Brasil passou a se mostrar, ao mundo, como um exemplo de solução racial. O preconceito racial era banido da sociedade brasileira que, daquele momento em diante, passou a rejeitar discursivamente o racismo, sobretudo do ponto de vista individual. Figura 3 - Ilustração sobre as matrizes culturais do Brasil estão relacionadas à formação cultural da população bra- sileira. Fonte: Grupo Escolar (2017). A fábula das três raças constituidoras do Brasil teria a função de integrar idealmente a população, depois da abolição, em um marco comum, e que, por meio do branqueamento, atingiria, algum dia, homogeneidade e harmonia. A ideologia da integração das raças, fosse no plano sexual, da música, da mulher, do carnaval, mascararia a realidade das profundas diferenças de poder. Além disso, o próprio pressuposto da integração pelo branqueamento é profundamente racista e negador de uma identidade negra (DA MATTA, 1989). O medo da diluição do sangue branco na presença do contingente negro, expresso por Nina Rodrigues em seus escritos, demandou ações mais contundentes para a preservação da branquitude nacional. Iniciativas tanto de manipulação da carga biológica quanto visando a eliminação simbólica da população negra, como requisito fundamental para o predomínio branco. Nas palavras de Carneiro (1968, p. 95), “[...] a ruptura dos laços com África, mesmo por meios de frequentes processos brutais, parece para mim ser uma válida aquisição do povo brasileiro”. Além da redução simbólica resultante das ações culturais de branqueamento, que incluíam a violenta repressão das manifestações culturais, artísticas e religiosas negras, as relações dos brancos com os indesejáveis tiveram apoio de políticas públicas de manutenção da inferiorização e desvalorização. A ação estatal, dirigida à população negra nessa época, estava reduzida basicamente à repressão policial e ao controle de endemias, que tinham em comum os métodos violentos (SEVCENKO, 1984). As iniciativas de redução das populações indesejáveis, desde a perspectiva eugenista, compreendem um conjunto de ações, tanto biológicas quanto materiais e simbólicas, que construíram um discurso de eliminação da negritude e dos aspectos culturais dessa população. 27WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 2 A lógica racista cientí� ca apoia-se em um discurso � losó� co moderno orientando pelas metáforas oculares gregas, sustentado pelas anotações cartesianas da primazia do sujeito e da preeminência da representação, e fortalecido pelas ideias baconianas de observação e evidência e con� rmação que promovem e encorajam as atividades de observação, comparação, avaliação e ordenação das características físicas dos corpos humanos segundo a renovada apreciação estética e das normas culturais clássicas. Dentro dessa lógica, os conceitos de feiura negra, de� ciência cultural e inferioridade intelectual são legitimados pelaautoridade da ciência, carregada de valor e também prestigiada (WEST apud GIROUX, 1999a, p. 136). As narrativas da ciência, da medicina e da técnica seriam as principais bases de sustentação na efetivação de medidas eugênicas sobre diferentes populações. No caso da população negra brasileira, justi� cariam os discursos de inferioridade as políticas de branqueamento e marginalização desses grupos. As ideias de miscigenação, do branqueamento, da eliminação do elemento africano na constituição do povo brasileiro e da instituição da democracia racial comporiam uma rede discursiva própria da realidade brasileira. O processo de encontro entre as raças seria considerado pací� co ou ausente de maiores con� itos. Mesmo a escravidão brasileira era considerada mais branda, se comparada à dos outros países. Essas formas discursivas proporiam saberes de como a população negra que foram retratadas no projeto de modernidade brasileiro. 2 - A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ESCOLAR NO BRASIL E AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS Qual é a relação entre a educação escolar, as relações étnico raciais e a construção do Estado moderno brasileiro? Para responder esse questionamento, primeiro precisamos de� nir o Estado moderno brasileiro, o conjunto de políticas públicas e ações governamentais após a proclamação da república em 1989, ou seja, o início do período republicano no Brasil. Para Carvalho (1989), a construção do Estado moderno brasileiro está relacionada com as discussões geradas em torno da Proclamação da República (1889) que tinha como slogan “Ordem e Progresso”. A educação escolar era elevada à condição de redentora da nação e de instrumento de modernização por excelência. Hilsdorf (2005) lembra que apesar de a escola pública ter tido como projeto a educação da grande massa, não se tratava de fornecer todo o ensino a toda a sociedade, já que essa escola era oferecida nos moldes das elites cafeicultoras da época, que visavam ao desenvolvimento econômico brasileiro nos moldes europeus. No relatório das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico- Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana no currículo do Ensino Básico, escrito por Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva (2004), a� rma-se que O Brasil, Colônia, Império e República, teve historicamente, no aspecto legal, uma postura ativa e permissiva diante da discriminação e do racismo que atinge a população afrodescendente brasileira até hoje. O Decreto nº 1.331, de 17 de fevereiro de 1854, estabelecia que nas escolas públicas do país não seriam admitidos escravos, e a previsão de instrução para adultos negros dependia da disponibilidade de professores. O Decreto nº 7.031-A, de 6 de setembro de 1878, estabelecia que os negros só podiam estudar no período noturno e diversas estratégias foram montadas no sentido de impedir o acesso pleno dessa população aos bancos escolares (BRASIL, 2004, p. 7, grifo nosso). 28WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 2 Os decretos citados por Silva (BRASIL, 2004) permitem que se in� ra que no � nal do século XIX, início da República brasileira, período em que se intensi� cava o debate sobre a modernização do Brasil, a presença da população negra nos bancos escolares era restringida ou proibida. Ressalto que naquele momento histórico, demarcado pelos decretos de 1854 e 1878, as discussões sobre a abolição da escravidão dos negros e das negras já ganhavam contornos. No entanto, essa população ainda estava refém do trabalho escravo. No contexto de transformações políticas e culturais que aconteceram no � nal do século XIX e início do século XX, Schelbauer (1997, p. 1) alerta: Sabe-se que no Brasil, a educação das classes populares suscitou um amplo e prolongado debate, tendo como cenário as transformações que estavam ocorrendo na forma do trabalho e conseqüentemente, na organização política, determinada pelo movimento geral do capitalismo no � nal do século. Como estratégias para organizar o Brasil frente às transformações que estavam ocorrendo no mundo no � nal de século XIX, parte da elite e intelectuais elaborarou o documento chamado Manifesto Republicano. Hilsdorf (2005) argumenta que os signatários do Manifesto Republicano tinham a convicção de que a educação escolar levaria o Brasil rumo ao desenvolvimento econômico para se equiparar às nações europeias, como França e Inglaterra. Seria a solução para a transformação econômica almejada pela sociedade brasileira, pois o progresso prometido pelos republicanos viria pela prática do voto dos alfabetizados. Figura 4 - Parte do O lançamento do Manifesto em 3 de dezembro de 1870. Fonte: De Olho Na História (2017). 29WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 2 Naquele momento histórico havia necessidade de transformar os homens em cidadãos aptos para viverem em regime democrático, a � m de con� gurar um signi� cado à ideia de nação. O ideário republicano acenava uma irredutível incompatibilidade entre um sistema representativo e a ignorância popular, no período monárquico. Na perspectiva dos republicanos emergentes, havia um antagonismo essencial entre realeza e povo, do qual a governabilidade da ordem monárquica se tornava gradualmente instável e sujeita a perturbações (FELIPE; TERUYA, 2007). O povo deveria ser educado para a vida democrática. Na escola eram depositadas as esperanças de preparar essa sociedade para o novo tempo, no qual haveria efetiva demanda do exercício dos direitos políticos. Os republicanos concebiam-se como agentes portadores das luzes da razão, com o advento de um novo modelo inspirado nos países europeus. Para Carvalho (1989, p. 77-78), o objetivo dos republicanos era produzir, pela consciência do indivíduo e de forma coletiva, a consciência nacional. Na verdade, a ação humana junto ao processo de desenvolvimento representava o elemento catalisador que poderia apressar ou retardar a “irresistível colaboração do espírito com a verdade”, sem, contudo, jamais conseguir interromper ou inverter sua direção. No entanto, o discurso republicano parecia não deter a certeza de que esse processo se realizasse sempre no sentido esperado, pois alertava para a existência de duas alternativas, o amesquinhamento “até a materialidade do instinto” e a subida até a “claridade da razão” – para que os indivíduos tivessem êxito em chegar à razão da escola, deveria utilizar os seus dispositivos internos. A responsabilidade pedagógica do Estado se aliava às necessidades ditadas pelas exigências do seu tempo histórico, de acordo com a marcha inexorável dos povos rumo a um processo de progressivo aperfeiçoamento, trazido, ao que se supunha, pelas luzes da civilização. Ocorre, entretanto, que essa ideia de uma nação a ser construída não constituía privilégio exclusivo do pensamento republicano, já que os elementos ilustrados da elite do país apontavam no Parlamento que os males, a serem erradicados do território brasileiro, originar-se-iam antes nos hábitos e na educação, para, como decorrência, � xarem-se posteriormente nas leis e nas instituições. Assim, a mística da nacionalidade veio acompanhada por um projeto pedagógico que traduzia, enquanto tal, a suposta feição de um caráter nacional a ser impresso no povo brasileiro, a brasilidade (CARVALHO, 1989). Um dos primeiros problemas que os cientistas sociais brasileiros buscaram resolver em � ns do século XIX foi o da existência e das características da brasilidade, que se comporia de [...] um patrimônio cultural formado de elementos harmoniosos entre si, que se conservaria semelhante através do espaço e do tempo; e a partilha do patrimônio cultural pela grande maioria dos habitantes do país, em todas as camadas sociais. Tais elementos consistiriam embens materiais (maneiras de viver) e espirituais (maneiras de pensar). A totalidade deste patrimônio cultural poderia apresentar diferenças através do tempo e do espaço; mas seriam diferenças super� ciais; um núcleo central profundo persistiria igual a si mesmo pelas idades afora, em todos os níveis sociais etnias (QUEIROZ, 1989, p. 18). Dessa forma, cabia ao Estado, como operador na identidade nacional, agir para a construção de uma identidade nacional harmoniosa, o que permitiria, ao Brasil, um desenvolvimento econômico, já que o país do século XIX não acompanhava a mesma realidade economicamente avançada dos países europeus. As formas arcaicas de produção, a abundância de mão de obra e a baixa densidade demográ� ca representavam uma limitação de nossa estrutura agrária exportadora na virada para o século XX. Mesmo assim, já se cogitava um processo de urbanização no próprio sistema monárquico, por isso havia a necessidade de criar uma educação voltada para a produção industrial, intrínseca ao desenvolvimento econômico do país. 30WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 2 Para exempli� car a busca pelo progresso, apregoado pelo Iluminismo no Brasil, Hilsdorf (2005) cita Rui Barbosa como um demonstrativo da ilustração liberal brasileira na rota do desenvolvimento do país. A autora ainda relata que Rui Barbosa, em seus pareceres sobre a reforma do Ensino Primário, apresentava nitidamente sua concepção sobre o terreno a ser cultivado. A prosperidade da nação deveria se aliar ao trabalho, e este, a seu corolário intrínseco: a instrução popular. Pelas lentes de Hilsdorf (2005), percebo que, para Rui Barbosa, a educação pública no Brasil teria a função de formar o sujeito iluminista, enfatizando a importância da instrução pública como forma de preparar o indivíduo para o trabalho. O discurso da elite brasileira em relação ao atraso econômico, social e cultural no Brasil, naquele momento da história, devia-se à ignorância das camadas brasileiras como fator propulsor de todos os males. Nesse discurso, somente pela razão, o homem poderia ser livre frente aos perigos da natureza porque o conhecimento cientí� co, transmitido pelas instituições escolares, poderia dominá-la. Constituir o ensino liberal não seria, contudo, uma tarefa para qualquer pessoa e sim um dever urgente de estratos esclarecidos da população, os únicos capazes de efetuar um projeto de responsabilidade social e política. Nesse projeto de formatar o Brasil, a escola era considerada uma instituição voltada para assegurar garantias da extensão progressiva, gradual, contida e vigiada da vontade popular. Figura 5 - Alunos e corpo docente do Grupo Escolar Oliveira Bello. Fonte: Acervo da Casa da Memória de Curitiba (1922). O discurso da escolarização em massa, difundido a partir da segunda metade do século XIX, apresentou muitos aspectos comuns de abrangência global, entre eles: a obrigação escolar, a responsabilidade estatal pelo ensino público, a secularização do ensino e da moral, a nação e a pátria como princípios norteadores da cultura escolar, a educação popular concebida como um projeto de consolidação de uma nova ordem social, os novos arranjos econômicos, geopolíticos e culturais. 31WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 2 Lyotard (2002) a� rma que a visão moderna de ver o mundo não é uma descoberta do Iluminismo, mas uma invenção do próprio Iluminismo. Os conceitos da modernidade, para explicar os sujeitos sociais, são geogra� camente localizados e historicamente datados, por isso não são eternos e nem universais. Eles são questionáveis. A narrativa da modernidade de caráter legitimador, para explicar o sujeito do Iluminismo, buscou um indivíduo transcendental que estaria dentro de cada um de nós, [...] à espera de um aperfeiçoamento pela emancipação progressiva da razão, a liberdade e do trabalho; a dialética do espírito; a hermenêutica do sentido; a totalidade; um motor para história; o aumento da riqueza pelo avanço da ciência e da tecnologia; na parcela cristã, a salvação pela conversão à narrativa do amor mártir (LYOTARD, 2002, p. 71). Essa narrativa da modernidade, ao mesmo tempo em que nos explica o mundo, ela nos aprisiona dentro de determinados enquadres, construindo, assim, as metanarrativas, que têm as pretensões de organizar, subordinar e explicar outras narrativas. Elas são totalizantes e universalizantes, com pretensão de ensinar como pensar e analisar as questões sociais. Sacristan (2001) a� rma que a educação contribuiu consideravelmente para fundamentar e para manter a ideia de progresso como processo de marcha ascendente na História. A fé na educação nutre-se da crença de que esta possa melhorar a qualidade de vida, a racionalidade, o desenvolvimento da sensibilidade, a compreensão entre os seres humanos, o decréscimo da agressividade, o desenvolvimento econômico, ou o domínio da fatalidade e da natureza hostil pelo progresso das ciências e da tecnologia propagadas e incrementadas pela educação (SACRISTAN, 2001, p. 21). Carvalho (1989) lembra-nos de que, na reorganização dos programas escolares, várias disciplinas, tais como, leitura, escrita, história, geogra� a, economia, direito, encontravam sua substância na própria realidade nacional, que era a vinda de um grande número de imigrantes europeus. Além disso, a introdução de novas disciplinas nos programas do Ensino Primário, especialmente ciências, desenho e educação física, articulou-se com a nova realidade brasileira que apresentava o crescimento dos setores de prestação de serviços e o desenvolvimento da pequena indústria, e isso justi� cava a inclusão de conteúdo. No período da Primeira República, há registros do esforço do Estado em oferecer a escolarização do trabalhador branco nacional ou estrangeiro nas escolas públicas o� ciais. Os censos escolares do início do século XX registram a presença marcante dos � lhos dos imigrantes nas escolas públicas nos dados apresentados: “os � lhos de pais estrangeiros eram em algumas escolas duas a três vezes superior aos � lhos de pais brasileiros” (SOUZA 1998, p. 27). Sobre a instrução escolar dos ex-escravos no período de 1889 a 1930, há poucos registros, porém, ao investigar diversas fontes primárias ou fontes secundárias que analisaram documentos, fotogra� as e depoimentos dessa época, é possível encontrar alguns dados nos discursos emitidos na imprensa escrita sobre o negro e a negra no pensamento educacional brasileiro. Souza (1998) traz dados que indicam as condições precárias da população negra e uma pequena presença de crianças negras que frequentavam os grupos escolares, reveladas nas fotogra� as da época. A� rma a autora: Pode-se dizer que os grupos escolares atenderam, nas primeiras décadas de sua implantação, a alunos provenientes das camadas populares, no entanto, daqueles setores mais bem integrados no trabalho urbano. Desse contingente estavam excluídos os pobres, os miseráveis e os negros (SOUZA, 1998, p. 27, grifo nosso). 32WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA RE LA ÇÕ ES É TN IC O- RA CI AI S, CU LT UR A AF RO -B RA SI LE IR A E PO VO S IN DÍ GE NA S | U NI DA DE 2 A organização da escola pública brasileira teve como base a construção dos sujeitos do Iluminismo moderno, mesmo assim vários grupos pertencentes a essa sociedade � caram de fora desse projeto. Souza (1998) cita pobres, miseráveis e negros que lutaram ao longo de todo o século XX, para adentrar no espaço escolar, e que naqueles espaços que conseguiram adentrar lutaram pela valorização de sua cultura e características identitárias. 3 - CONSIDERAÇÕES FINAIS Chegando ao � m dessa unidade, podemos concluir que para a construção da identidade nacional brasileira
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