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CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE NA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ

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CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE NA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
Rafael Santana Frizon[footnoteRef:2] [2: 	Graduado em direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP), campus de Jacarezinho-PR. Advogado e juiz leigo no TJPR.] 
1. INTRODUÇÃO
	O presente artigo tem como objetivo verificar se o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná vêm realizando o controle de convencionalidade, e, sendo afirmativa a resposta, analisar em quais situações em que ele é realizado, bem como perquirir qual resultado desse seu exercício.
	Para tentar responder a estes objetivos, realizaremos pesquisa empírica direta, que consiste na coleta dos dados disponíveis no site do TJPR, através do link https://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia, e através da inserção da palavra “convencionalidade” estudaremos os acórdãos publicados pelo TJPR até o dia 22/05/2020, buscando apontar quais as normas que estão sendo submetidos ao controle de convencionalidade.
	A importância dessa pesquisa se justifica em razão da teoria do controle jurisdicional da convencionalidade das leis no Brasil ser relativamente nova, referido pelo STF no julgamento do HC n° 87.585/TO em 03.12.2008, por isso, merece ser melhor estudada e aplicada, tendo em vista a dimensão e peculiaridade do tema, que tem condão de influir diretamente no ordenamento jurídico interno.
	
2. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE.
	A expressão controle de convencionalidade designa a conformidade de uma norma interna com um tratado internacional de direitos humanos em vigor no Estado[footnoteRef:3]. Através dela é possível falar em compatibilidade vertical material das normas do direito interno com as convenções internacionais de direitos humanos em vigor no Estado[footnoteRef:4]. [3: 	 MAZZUOLLI, Valério de Oliveira. Controle Jurisdicional de Convencionalidade das leis, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2018, p. 27.] [4: 	 MAZZUOLLI, Valério de Oliveira. Controle Jurisdicional de Convencionalidade das leis, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2018, p. 28.] 
	O controle de convencionalidade surge pela primeira vez na jurisprudência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos, doravante denominada CIDH, no caso Almonacid Arellano e outros vs. Chile. Trata-se de caso ocorrido no Chile, durante a ditadura de Pinochet, que interrompeu o governo do Presidente Allende em 1973. Luis Alfredo Almonacid Arellano, profesor e militante do Partido Comunista, foi detido e alvejado com tiros por soldados em 16 de setembro de 1973. O Decreto-lei n° 2191 de 1978 concedeu anistia a todas as pessoas que haviam cometido crimes entre 1973 e 1978, fato que impedia a investigação e responsabilização pela morte de Almonacid Arellano[footnoteRef:5]. [5: 	ANTUNES, Fernando Luis Coelho. O controle de convencionalidade e as transformações no constitucionalismo contemporâneo: a ADPF 153 e a decisão da corte interamericana de direitos humanos no caso Gomes Lund. Revista de Direito Público, Londrina, v. 12, n. 3, p. 153-190, dez. 2017.] 
	Nessa decisão, a CIDH afirmou que era preciso verificar a compatibilidade de todas as ações do Estado, constitucionais ou legislativas, com a Convenção como uma questão de direito internacional e interno[footnoteRef:6]. [6: 	DULITZKY, Ariel. An alternative approach to the conventionality control doctrine. 2015. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/317362357_An_Alternative_Approach_to_the_Conventionality_Control_Doctrine/link/5b3263e1aca2720785e95580/download. Acesso em: 20 maio 2020. Tradução livre: in Almonacid v. Chile, it announced that domestic judges must check the compatibility of all State action, whether constitutional or legislative, with the American Convention as a matter of international and domestic law.] 
	Mazzuoli traz a informação de que pouco tempo depois (em novembro de 2006) voltou a Corte a referir-se ao controle de convencionalidade, agora no caso Trabalhadores demitidos do Congresso vs Peru[footnoteRef:7]. [7: 	 MAZZUOLLI, Valério de Oliveira. Controle Jurisdicional de Convencionalidade das leis, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2018, p. 43.] 
	A teoria do controle jurisdicional de convencionalidade das leis é uma técnica, em que a norma estrangeira de direitos humanos, um tratado, por exemplo, torna inconvencional uma norma de natureza interna que é menos favorável ao jurisdicionado.
Perceba que não se usa o termo ilegal ou inconstitucional para se referir à invalidade da norma interna, posto que o parâmetro de controle desta norma é um tratado de direitos humanos.
3. JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ E O CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE.
	Neste tópico o objetivo é verificar se o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, doravante denominado TJPR, vêm realizando o controle de convencionalidade, e, sendo afirmativa a resposta, analisar em quais situações em que ele é realizado, e, por fim, qual o resultado do seu exercício.
	Para realizar estes três objetivos nós utilizamos da pesquisa jurisprudencial disponível no site do TJPR até o dia 22/05/2020, através do link https://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia. No campo 'pesquisa livre' foi digitado a palavra " convencionalidade". 
	Apareceram 16 resultados, e após a análise dos acórdãos, 8 foram descartados, porque não se relacionavam com "controle de convencionalidade".
	Essa pesquisa permitiu a construção de uma planilha através da análise dos 8 acórdãos que se referem ao tema objeto da nossa pesquisa, que está no apêndice deste trabalho, dividida em três colunas, em que consta o número dos autos com sua ementa, o objeto do controle de convencionalidade e, por fim, a informação se houve, ou não, a realização do controle de convencionalidade.
	Dos 8 acórdãos analisados verificou-se singularidade no objeto em discussão pelo tribunal, uma vez que, em todos a controvérsia recaiu sobre a análise da convencionalidade do art. 331 do CP (crime de desacato) com o art. 13 do Pacto de São José da Costa Rica (liberdade de expressão).	Destes 8, 5 acórdãos utilizaram-se como argumento para reconhecer a inconvencionalidade do art. 331 do CP, a decisão da 5° turma do STJ, os autos REsp 1.640.084/SP, Dje 01.02.2017, que entendeu inconvencional o art. 331 do CP, por afrontar o art. 13 Pacto São José da Costa Rica (liberdade de expressão).
	Mazzuoli, comentando a decisão proferida nos autos REsp 1.640.084/SP, Dje 01.02.2017, e que foi utilizada como paradigma para o acórdão do TJPR mencionado no parágrafo anterior, concorda com a inconvencionalidade, e, inclusive, a estende para ser, igualmente inconvencional, os tipos penais do desacato dos arts. 299 e 300 do Código Penal Militar, sob a justificativa de que violam o direito à liberdade de expressão garantido constitucional e convencionalmente[footnoteRef:8]. [8: 	 MAZZUOLLI, Valério de Oliveira. Controle Jurisdicional de Convencionalidade das leis, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2018, p. 205] 
	1 acórdão utilizou como argumento para reconhecer a convencionalidade do art. 331 do CP, a decisão da 3° seção do STJ, nos autos HC n° 379.269/MS, Dje 30.06.2017, que entendeu convencional o art. 331 do CP.
	Mazzuoli, comentando a decisão proferida nos autos HC n° 379.269/MS, e que foi utilizada como paradigma para o acórdão do TJPR mencionado no parágrafo anterior, discorda da decisão, e lança uma crítica:
“o voto vencedor se utilizou do argumento da soberania para afastar eventual decisão da Corte Interamericana a respeito do tema, baseando-se na falaciosa ideia de margem de apreciação nacional, não adotada, como se sabe, pelo sistema interamericano de direitos humanos. Tal interpretação, portanto, não é correta e está em desacordo com os parâmetros de interpretação presentes no sistema interamericano[footnoteRef:9]. [9: 	 MAZZUOLLI, Valério de Oliveira. Controle Jurisdicional de Convencionalidade das leis, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2018, p. 206] 
	Por fim, 2 acórdãos não realizou o controle de convencionalidade,justificando que o art. 13 Pacto São José da Costa Rica não tem força vinculante.	
	No que se refere a estes 2 acórdãos, lamentamos a posição do TJPR, que, ao decidir dessa forma, ignorou tanto a existência do decreto 678/92, que promulgou o Pacto São José da Costa Rica, quanto a decisão proferida pelo STF no RE 466.343, que reconheceu seu caráter vinculante, inclusive, a ponto de decidir pela ilegalidade da prisão do depositário infiel:
“desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7°, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do CC de 1916 e com o DL 911/1969, assim como em relação ao art. 652 do novo CC (Lei 10.406/2002)”[footnoteRef:10]. [10: 	RE 466.343, rel. min. Cezar Peluso, voto do min. Gilmar Mendes, j. 3-12-2008, P, DJE de 5-6-2009, com repercussão geral.] 
	A análise dos dados levantados aponta que a jurisprudência paranaense, referente ao tema “controle de convencionalidade”, enfrentou somente um tema refere ao controle de convencionalidade – o art. 331 CP (crime de desacato) e sua convencionalidade com o art. 13 Pacto São José da Costa Rica (liberdade de expressão) –.
	Essa escassez de acórdãos – apenas 8 –, combinado com a homogeneidade da discussão, que se encerra na controvérsia “desacato x liberdade de expressão”, demonstra a incipiência da realização do controle de convencionalidade em sede jurisprudencial, e, talvez isso se justifique, utilizando da expressão do Ministro do STJ Rogério Schietti Cruz no seu voto no recurso especial nº 1.743.448 - MT (2017/0202885-8), pela “dificuldade que ainda temos de incorporar, não só à praxe dos tribunais, mas ao nosso modo de decidir, as normas de Direito Internacional”.
	Louise de Araujo, por sua vez, aponta que esse problema é em razão desconhecimento do plano internacional dos direitos humanos. Um problema cultural e que reflete diferentemente nas decisões quanto a proteção dos direitos humanos no plano nacional. Por isso, o Brasil necessita de efectivas politicas públicas para desenvolver a consciência de promoção e proteção dos direitos humanos[footnoteRef:11]. [11: 	ARAUJO, Louise de. OS DIREITOS HUMANOS COMO PARÂMETRO DE APLICAÇÃO DO CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE DAS LEIS:: precedentes do sistema interamericano e o caso brasileiro. 2015. 85 f. Dissertação (Doutorado) - Curso de Ciências Jurídico-políticas, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2015.] 
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
	Através do método empírico direto, pode-se concluir que até o dia 22/05/2020 o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná tratou sobre o tema controle de convencionalidade em apenas 8 acórdãos, e em todos a controvérsia convencional foi simples, tendo de um lado, o art. 331 do Código Penal, que criminaliza o desacato, e, por outro lado, o art. 13 do pacto de São José da Costa Rica, que prevê o direito à liberdade de expressão.
	Embora seja um tema de grande relevância, com condão de influir diretamente no ordenamento jurídico interno, percebe-se que ele ainda é incipiente na prática jurídica paranaense, pois a quantidade de acórdão constatada é ínfima.
	Além disso, verifica-se que nestes acórdãos há uma evidente homogeneidade na discussão, pois o debate se encerra entre o art. 331 do CP e o art. 13 do pacto.
	
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
ARAUJO, Louise de. Os Direitos Humanos como Parâmetro de aplicação do controle de convencionalidade das leis: precedentes do sistema interamericano e o caso brasileiro. 2015. 85 f. Dissertação (Doutorado) - Curso de Ciências Jurídico-políticas, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2015.
ANTUNES, Fernando Luis Coelho. O controle de convencionalidade e as transformações no constitucionalismo contemporâneo: a ADPF 153 e a decisão da corte interamericana de direitos humanos no caso Gomes Lund. Revista de Direito Público, Londrina, v. 12, n. 3, p. 153-190, dez. 2017.
DULITZKY, Ariel. An alternative approach to the conventionality control doctrine. 2015.Disponível:https://www.researchgate.net/publication/317362357_An_Alternative_Approach_to_the_Conventionality_Control_Doctrine/link/5b3263e1aca2720785e95580/download. Acesso em: 20 maio 2020.
MAZZUOLLI, Valério de Oliveira. Controle Jurisdicional de Convencionalidade das leis, Rio de Janeiro: Editora Forense, 2018, p. 27.
RE 466.343, rel. min. Cezar Peluso, voto do min. Gilmar Mendes, j. 3-12-2008, P, DJE de 5-6-2009, com repercussão geral.
APÊNDICE
	Autos
	Objeto
	Foi exercido o controle de convencionalidade?
	JPR - 3ª C.Criminal - 0002310-38.2018.8.16.0030 - Foz do Iguaçu - Rel.: Desembargador Eugênio Achille Grandinetti - J. 14.02.2019
	Art. 331 CP (crime de desacato) x art. 13 Pacto São José da Costa Rica (liberdade de expressão).
	Não foi exercido o controle de convencionalidade, sob justificativa de ausência de força vinculante.
	TJPR - 5ª C.Criminal - 0015092-11.2017.8.16.0031 - Guarapuava - Rel.: Desembargador Marcus Vinícius de Lacerda Costa - J. 16.08.2018
	Art. 331 CP (crime de desacato) x art. 13 Pacto São José da Costa Rica (liberdade de expressão).
	Não foi exercido o controle de convencionalidade, sob justificativa de ausência de força vinculante.
	TJPR - 2ª C.Criminal - AC - 1721023-8 - Curitiba - Rel.: Juiz Marcel Guimarães Rotoli de Macedo - Unânime - J. 08.02.2018
	Art. 331 CP (crime de desacato) x art. 13 Pacto São José da Costa Rica (liberdade de expressão).
	Sim, e utilizou como argumento decisão da 3° seção do STJ, nos autos HC n° 379.269/MS, Dje 30.06.2017, que entendeu convencional o art. 331 do CP.
	TJPR - 2ª C.Criminal - AC - 1598113-2 - Wenceslau Braz - Rel.: Desembargador Roberto De Vicente - Unânime - J. 04.05.2017
	Art. 331 CP (crime de desacato) x art. 13 Pacto São José da Costa Rica (liberdade de expressão).
	Sim, e utilizou como argumento decisão da 5° turma do STJ, nos autos 1.640.084/SP, Dje 01.02.2017, que entendeu inconvencional o art. 331 do CP.
	TJPR - 5ª C.Criminal - AC - 1589365-7 - Campo Mourão - Rel.: Desembargador Rogério Coelho - Unânime - J. 16.03.2017
	Art. 331 CP (crime de desacato) x art. 13 Pacto São José da Costa Rica (liberdade de expressão).
	Sim, e utilizou como argumento decisão da 5° turma do STJ, nos autos 1.640.084/SP, Dje 01.02.2017, que entendeu inconvencional o art. 331 do CP.
	TJPR - 2ª C.Criminal - AC - 1616097-3 - Grandes Rios - Rel.: Desembargador Roberto De Vicente - Unânime - J. 27.04.2017
	Art. 331 CP (crime de desacato) x art. 13 Pacto São José da Costa Rica (liberdade de expressão).
	Sim, e utilizou como argumento decisão da 5° turma do STJ, nos autos 1.640.084/SP, Dje 01.02.2017, que entendeu inconvencional o art. 331 do CP.
	TJPR - 2ª C.Criminal - AC - 1598483-9 - Jaguariaíva - Rel.: Desembargador Roberto De Vicente - Unânime - J. 27.04.2017
	Art. 331 CP (crime de desacato) x art. 13 Pacto São José da Costa Rica (liberdade de expressão).
	Sim, e utilizou como argumento decisão da 5° turma do STJ, nos autos 1.640.084/SP, Dje 01.02.2017, que entendeu inconvencional o art. 331 do CP.
	TJPR - 2ª C.Criminal - AC - 1559533-6 - Primeiro de Maio - Rel.: Desembargador Roberto De Vicente - Unânime - J. 27.04.2017
	Art. 331 CP (crime de desacato) x art. 13 Pacto São José da Costa Rica (liberdade de expressão).
	Sim, e utilizou como argumento decisão da 5° turma do STJ, nos autos 1.640.084/SP, Dje 01.02.2017, que entendeu inconvencional o art. 331 do CP.

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