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Módulo 2 Ciclo de Gestão do Investimento Público Brasília - 2015 Fundação Escola Nacional de Administração Pública Presidente Gleisson Rubin Diretor de Desenvolvimento Gerencial Paulo Marques Coordenadora-Geral de Educação a Distância Natália Teles da Mota Teixeira Conteudista Prof. Ariel Cecílio Garces Pares Diagramação realizada no âmbito do acordo de Cooperação Técnica FUB/CDT/Laboratório Latitude e Enap. © Enap, 2015 Enap - Escola Nacional de Administração Pública Diretoria de Comunicação e Pesquisa SAIS – Área 2-A – 70610-900 — Brasília, DF Telefone: (61) 2020 3096 – Fax: (61) 2020 3178 SUMÁRIO 2. Avaliação Formal (ex ante) .............................................................................................. 5 2.1. Revisão Independente ou de Terceira Parte ................................................................ 13 2.2. Seleção de Projetos e sua Inclusão no Orçamento ...................................................... 19 2.3. Implementação .......................................................................................................... 23 2.4. Ajuste de Projeto ....................................................................................................... 28 2.5. Operação ................................................................................................................... 31 2.6. Avaliação (Ex post) ..................................................................................................... 33 3. Conclusão ..................................................................................................................... 34 4. Bibliografia ................................................................................................................... 36 5 2. Avaliação Formal (ex ante) Os projetos que atendem ao primeiro teste de seleção devem ser submetidos à apreciação da sua viabilidade, o que requer a realização de análises para a sua inclusão no plano e no orçamento. O objetivo, nesse estágio, é saber se uma organização da administração direta ou indireta deve prosseguir com o projeto, mesmo que esteja em alinhamento com as prioridades do governo. A técnica recomendada é a de comparação do projeto com alternativas que tentativamente possam atender aos mesmos objetivos. O resultado desse processo é a validação da intervenção governamental, assim como o refinamento dos objetivos, considerando as diversas escolhas e, sobretudo, o exame dos custos e benefícios de cada uma dessas. Nesse segundo estágio, o que se promove é uma análise detalhada do projeto (passagem de um Estudo de um Pré-EVTE para um EVTE), de modo a permitir que possa ser oferecido como “pronto para” entrar no orçamento. Uma vez orçado, o projeto passa ainda pela segunda e terceira fase de projeto, a de projeto básico e a de projeto executivo, antes de receber a “ordem de serviço” para execução do empreendimento. Além disso, com intuito de facilitar a implementação do projeto, sua concepção também deve fornecer uma avaliação completa dos riscos, indicadores de desempenho e uma estratégia de implementação que exponha à crítica a capacidade de execução do órgão ou agência executora. Este processo requer um conjunto de passos para a preparação de projetos. Na maioria das vezes, essa orientação é regulamentada pelo órgão central de coordenação do investimento. De modo geral, todos os projetos passam por dois momentos: • Elaboração de um estudo de pré-viabilidade técnico-econômica do projeto: inclui esforço de definir as possíveis alternativas para atingir os mesmos fins. Supõe fazer as seguintes perguntas: 9 O projeto deve ser executado e operado pelo setor público ou ser executado e operado pelo setor privado ou, ainda, apenas operado pelo setor privado? É nesse estágio que se define se o projeto será um empreendimento público, uma concessão ou uma parceria público-privada (PPP). 9 Qual tecnologia utilizar? 9 A localização é ou não a mais adequada? As respostas a essas perguntas embutem um, dois ou mais projetos alternativos que a boa técnica sugere confrontar. O estudo de pré-viabilidade ajuda a identificar alternativas relevantes antes de se realizar um estudo de viabilidade e permite descobrir, com antecedência, se o projeto proposto é viável em termos técnicos, econômicos, sociais e ambientais. • Elaboração de estudo de viabilidade técnico-econômica do projeto: incluindo a concepção preliminar, estudo preliminar de impacto ambiental e social (em alguns casos, quando envolve financiamento da União Europeia, por exemplo, é obrigatório o uso da técnica de Avaliação Ambiental Estratégica), que devem ser concluídos antes que o financiamento do projeto possa ser aprovado. Módulo 2 • O estudo de viabilidade tem o objetivo de: 9 Refinar o projeto, o produto e o serviço a ser prestado. 9 Expor os impactos dele decorrentes, descrevendo e analisando, em profundidade, a alternativa selecionada para alcançar os objetivos do projeto. Não poucas vezes, esse estudo auxilia a reduzir o escopo da intervenção e a desenhar uma alternativa ideal ao projeto. Quadro 2 Principais Componentes de Análise de Viabilidade Estudo prévio de viabilidade Estudo de viabilidade Coleta de dados (geográficos, climáticos, socioeconômicos e outros técnicos). Compilação de dados relevantes. Alternativas ao projeto. Tecnologias alternativas para o projeto. Principais riscos, incluindo o institucional e o orçamentário. Estimativa detalhada dos custos e benefícios de uma alternativa selecionada. Comparação de alternativas de engenharia, custos socioeconômicos e benefícios. Projeto preliminar. Projeto alternativo recomendado. Avaliação de risco detalhada. Estimativa preliminar dos custos e benefícios do projeto. Avaliação de sustentabilidade detalhada. 7 Exigências legais reguladoras. Avaliação de impacto ambiental. Identificação de informações que faltam para o Estudo de Viabilidade. Avaliação de impacto social. Faz parte da análise de viabilidade a submissão dos projetos a testes mais rigorosos do seu custo-benefício ou custo-eficácia. A escolha de uma ou outra dessas técnicas de avaliação dependerá da natureza do projeto, da recomendação do órgão central responsável pela coordenação dos investimentos no governo, ou, ainda, de recomendação do órgão setorial que propõe o projeto. O Livro Verde, do Reino Unido, recomenda, por exemplo, a análise de custo-benefício em vez da análise custo-eficácia, usando técnicas complementares para ponderar os custos e benefícios não diretamente valorados, situação comum na área social. A definição por esse guia de ambas as técnicas é: • Análise custo-benefício – análise que quantifica, em termos monetários, custos e benefícios de uma proposta (se possível e viável), incluindo itens para os quais o mercado não mensura o valor econômico de forma satisfatória. • Análise custo-eficácia – análise comparativa dos custos de se produzir resultados iguais ou semelhantes por meios alternativos. Dos estudos de pré-viabilidade aos estudos de viabilidade, há um processo de refinamento, tornando o seu desenho mais específico e preciso. Todavia, o esforço deve ser proporcional aos recursos envolvidos, isto é, à escala do projeto, aos resultados esperados e ao tempo disponível. Trata-se, essencialmente, de processos de aproximações sucessivas, pelos quais as etapas iniciais de apreciação das alternativas de projetos são feitas com desenho resumido e dados facilmente disponíveis. Nas etapas subsequentes, em que a maioria das alternativas foi descartada deliberadamente, são escolhidos um ou dois projetos alternativos, entre aqueles de melhor desempenho para confrontar com a proposta original. Nesse momento, as exigências de dados mais confiáveis tornam-se um imperativo.Em geral, o processo de avaliação passa por uma série de reiterações (idas e vindas) antes das propostas serem finalizadas. Assim, as análises, frequentemente, são repetidas à medida que o projeto vai ganhando consistência, em especial quando é importante examinar o impacto de riscos identificados, incertezas típicas de projeto. Por exemplo, inflação, custos de manutenção, mudança na produção e preços de insumos importantes para a vida do projeto. Isso ajuda a evitar a “precisão espúria”1ou o conhecido “viés de otimismo”2, típico das organizações que formulam as propostas, e a entender se, à luz de mudanças das circunstâncias, a proposta continuará apresentando boa relação custo-benefício. O processo de avaliação formal (ex ante) do projeto precisa garantir que os projetos propostos para financiamento público sejam apreciados pelo seu valor social e econômico. Para fazê-lo de forma eficaz, a experiência mostra que os governos devem ter uma orientação formal e bem divulgada sobre os critérios técnicos de avaliação de projeto. Muitas vezes, os departamentos e agências responsáveis pela coordenação desse processo publicam modelos de boas práticas de avaliação de projetos3. 1. DEPARTAMENTO DO TESOURO (2003 2. RAJARAN, Anand (2010). 3. Por exemplo, no Reino Unido cases e modelos de boas práticas podem ser encontrados em sítios como - https://www.gov.uk/government/organisations/cabinet-office/ ou visitar o sítio do NAO, Escritório Nacional de Auditoria - http://www.nao.org.uk/ 8 Nesse sentido, é preciso equilibrar o esforço que se solicita dos órgãos setoriais proponentes com o resultado desejado, adequando-se às exigências à capacidade técnica dos mesmos. A orientação deve descrever as técnicas de avaliação econômica com a complexidade adequada à escala e ao escopo do projeto (projetos maiores exigem testes mais rigorosos de viabilidade econômica e financeira e de sustentabilidade). A boa prática recomenda que, nesse estágio, o processo de avaliação do projeto deve considerar propostas desse em diferentes escalas, dado o diferencial de custos e o impacto esperado. Em suma, a ênfase durante a elaboração de projetos deve ser dada sobre os elementos básicos da avaliação formal (ex ante) do projeto. São eles: • Justificativa da ação. • Definição de Objetivos claramente especificados. • Apreciação das alternativas de projeto para o alcance dos objetivos. • Desenvolvimento e implementação de uma solução para o problema. • Custos do projeto, totalmente estimados e com precisão. • Benefícios prováveis do projeto, avaliados para justificar os custos. A experiência internacional demonstra que é útil criar e manter uma carteira de projetos avaliados (é o denominado banco de projetos). Essa carteira, como se espera, não só confere maior qualidade ao gasto, mas, sobretudo, amplia fortemente a eficiência do governo na realização do investimento pela pronta disponibilização do projeto. Além disso, permite avaliar os projetos considerando a complementaridade que este guarda com os demais em carteira, examinados em base territorial nacional, regional e local. Outra vantagem de manter projetos em estoque é que os rejeitados no passado podem ser resgatados em face às mudanças no contexto subjacente ao projeto. Resta, no mais das vezes, fazer uma simples atualização e verificação dos parâmetros custo/benefício que os tornam suscetíveis em gerar benefícios líquidos positivos. Assim, a boa prática sugere que todos os projetos avaliados devam ser registrados em um banco de dados, classificados por prioridade após apreciação do órgão central responsável (planejamento e/ou orçamento, isso depende de cada governo). A existência do Banco de Projetos serve, em alguns países, para que o legítimo processo de emendas ao orçamento, realizado pelo parlamento, possa se exercer com cláusulas de obrigação de que estas emendas só se integrem ao orçamento se estiverem no Banco de Projetos. É isso que ocorre, por exemplo, no Reino Unido: quando um parlamentar não encontra no Banco de Projetos a proposta desejada, este tem a prerrogativa de solicitar que o projeto seja elaborado para que entre no próximo orçamento. Há, em qualquer circunstância, uma convergência no ritual de emendas, com a demanda previamente diagnosticada pelo órgão setorial e com os parâmetros de qualidade do governo. Uma pergunta frequente na formação da Carteira de Projetos é: • Qual o estágio de maturação do projeto que se deve considerar para a entrada dele na Carteira? A literatura não parece conclusiva, mas geralmente se aceita como adequado o estágio de Estudo de Viabilidade Técnico e Econômico (EVTE), que precede os dois outros estágios superiores, Projeto Básico (PB) e Projeto Executivo (PE). 9 Uma das dificuldades para fixar esse critério reside na inexistência de um padrão internacional que dê conforto aos gestores sobre o que deve conter o projeto em cada um desses estágios. É recorrente haver zonas de sombreamento entre estes. Há EVTEs que, de tão detalhados, se aproximam de um PB, assim como se verificam PBs que assumem o perfil de um quase PE, dispensando muitas vezes a elaboração desse último estágio de projeto. No Brasil esta é uma prática comum, seja porque o setor público contrata a fase de PB, com detalhamento de PE e passa direto à licitação da execução da obra, seja porque delega à empresa vencedora que executará o projeto, a missão de elaborar o PE. A Lei de Licitações nº 8.666 não exige do governo que apresente o PE para licitar a execução de um investimento. Projetos envolvendo processos de financiamento e aquisição não-padrão, (tais como parcerias público-privadas ou concessões), em tese deveriam estar sujeitos, também, a procedimentos de avaliação similares ao investimento público quando financiado pelo sistema padrão, isto é, financiado por meio do orçamento público. Mais que isso, os custos e benefícios de tais projetos deveriam ser comparados com projeto semelhante, se realizados pelo setor público. Um observador atento poderia, contudo, arguir em favor da dispensa de um processo de avaliação de projetos que, por definição, serão financiados com recursos privados e, portanto, caberia aos futuros detentores das concessões assumirem a tarefa de avaliação de projetos e dos riscos à qualidade e à eficiência, que, neste caso, também seriam do setor privado. Certos países, como o Brasil, possuem leis de concessão4 e de PPPs5 que definem o formato de provimento dos investimentos na área de serviços públicos. Em ambos os modelos de financiamento, estão previstos, em lei, o processo de avaliação das propostas. A partir do procedimento de avaliação, sempre realizado por órgão público, os projetos tornam-se aptos para a fase de licitação na qual, mais uma vez, testa-se a consistência da proposta. Em resumo, na modalidade de financiamento não-padrão, ocorre um processo de avaliação aparentemente muito mais rigoroso que na modalidade padrão. Essa característica é, muito provavelmente, uma das variáveis-chave que explica o inegável melhor desempenho na execução e na operação dos investimentos financiados nestas duas modalidades. É essa constatação que, embora associada a outros fatores, tem levado os governos, na maioria das vezes, a fazer uma opção deliberada na promoção de investimentos via concessão ou PPPs. Este mesmo observador poderia fazer ainda uma segunda pergunta. Como assegurar a complementaridade e consistência estratégica entre projetos de investimentos que estão no orçamento e os projetos de investimentos que seguem um trâmite totalmente independente, como concessões ou PPPs? A ausência de um sistema público de investimentos e a falta de um planejamento do desenvolvimento, em base ao território, que considere as assimetrias regionais e as demandas locais, cobra caro com o aumento do desperdício do gasto público. Esta lacuna gera umaredução na produtividade macroeconômica e social do investimento agregado, assim como uma perda de efetividade do investimento ao nível regional, ou local, medido pela menor taxa de aproveitamento do investimento para gerar empregos, renda e melhoria da qualidade de vida. Esse fenômeno revela a permanente tensão, no campo das políticas públicas, entre uma abordagem projeto-a-projeto e um tratamento por meio de agrupamento ou cluster de 4. Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8987compilada.htm. 5. Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004 - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2004/lei/ L11079compilado.htm. 10 investimentos voltados para o desenvolvimento de uma região. Tensão esta que se verifica, igualmente, entre uma abordagem exclusivamente setorial, como é a praxe, e a abordagem territorial do investimento, que busca combinar da melhor forma o “mix” adequado de recursos de cada uma das políticas setoriais, de acordo com a demanda que o diagnóstico regional propõe. Os estudos revelam que não se deve privilegiar uma em detrimento da outra, em nenhum dos dois casos. Todavia, não é isso o que ocorre, no mais das vezes, em especial no Brasil, que ainda não constituiu seu sistema público de gestão do investimento, nem tampouco institucionalizou o planejamento territorial do país como complemento ao planejamento setorial. Quadro 3 Características básicas da etapa 2: Avaliação formal (ex ante) Arranjo institucional desejável Projetos ou programas que passam na primeira triagem (seleção de projetos) deverão passar por escrutínio mais rigoroso acerca de seus custos/benefícios e custo-efetividade. Direcionamento publicizado e transparente, com respaldo de treinamento efetivo e emprego da equipe para elaboração e avaliação de projeto (inclusive consulta às partes interessadas na elaboração do projeto. Aplicação do direcionamento estratégico na avaliação do Projeto. Principais problemas “O valor de uma avaliação ex ante do projeto depende muito da qualidade da análise que, por sua vez, depende da capacidade das equipes em manejar, com competência, a técnicas de avaliação de projetos6.”O esforço prévio e permanente em treinamento, voltado para a difusão de técnicas em elaboração e avaliação de projetos é uma variável essencial de um sistema eficaz de investimento público7. Embora haja uma distinção clara entre a elaboração e a avaliação de projetos, nas finalidades e nas tarefas, sabe-se que só se elaboram bons projetos aqueles que têm habilidades para avaliá-los. Daí ser importante que a formação, quando possível, cubra as duas finalidades com o mesmo público. Até porque a elaboração de projeto usa recorrentemente as técnicas de avaliação para dar robustez à proposta num processo de aproximação sucessiva em direção à qualidade de projeto desejada. Além disso, os requisitos básicos que devem conformar um projeto, independentemente do setor que o propõe, são definidos pela coordenação central do sistema público de investimento. Essa tarefa é geralmente realizada por meio da edição de manuais, guias ou normas. A existência de um processo permanente de formação de pessoal nas técnicas de elaboração e avaliação de projetos é um indicador de capacidade do governo em assegurar equipes de excelência na gestão do investimento. Apurar o número de servidores na administração pública com capacidade para a elaboração e a avaliação de projetos é outro indicador relevante, assim como a presença de esquema para manter atualizada a oferta e demanda de competências setoriais. Identificar se esses técnicos estão em tarefas de linha que demanda o uso efetivo de suas habilidades é outro indicador que mede os reais benefícios do investimento em capacitação. 6. Rajaram, Anand (2010). 7. Veja Fontaine (1997) para uma descrição do esforço contínuo realizado pelo Chile para treinar um número de gerações de funcionários públicos em técnicas de avaliação de projetos. 11 É importante dar atenção especial à criação de incentivos, simultaneamente aos processos de capacitação, de forma a ampliar a adesão de servidores e a assegurar que as habilidades adquiridas para elaboração e avaliação de projetos sejam realmente aplicadas. Um número suficiente de pessoal qualificado é uma condição necessária, mas não suficiente, para melhorar as práticas de elaboração e avaliação do projeto. Box 2 Nota sobre o Brasil Não é usual, na administração pública brasileira, editar manuais que digam com clareza ao conjunto de órgãos do governo como devem elaborar os seus projetos. Há, por vezes, orientações setoriais quanto a quesitos mínimos que devem ser observados na elaboração e na avaliação de projetos, mas tratam geralmente de aspectos específicos da área. O Ministério dos Transportes, por exemplo, possui manuais para apresentar e avaliar projetos de infraestrutura de transportes. O que preocupa é a ausência de orientações quanto aos quesitos gerais de como apresentar os projetos e quais perguntas devem ser respondidas nas quatro fases mais conhecidas de maturação do projeto: Pré-Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica (Pré- EVTE), Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica (EVTE), Projeto Básico (PB) e Projeto Executivo (PE), independentemente do setor. São estas exigências gerais que permitem aos governos impor uma linha de base sobre a qualidade e o desempenho desejável, de tal forma que as escolhas na fase do processo alocado, sejam a base a projetos de mesmo padrão. Atualmente, não é incomum o ingresso de ações de investimento no orçamento que não passam de uma simples ideia. Essa é a praxe no trato com as emendas parlamentares. Situação que dificilmente será alterada se não forem tomadas providências para que as proposições parlamentares tenham prévia acolhida nos departamentos setoriais de projeto, antes de ingressarem no orçamento. Caso não haja projeto, nem avaliação deste para ingresso no orçamento, os projetos se reduzem a cumprimento de compromisso político, mesmo sabendo que o ônus social, a futuro, tende a ser maior que os benefícios imaginários esperados, a presente. No Executivo ocorrem situações semelhantes. Quando se examinam os procedimentos exigidos para investimentos em equipamentos sociais, como habitação de interesse social, saneamento, escolas, entre outros, cuja atribuição é dos governos estaduais e municipais, verifica-se a decisão de realizar a obra é anterior apresentação de projeto. Veja, nessa direção, registro em Relatório de Auditória do TCU sobre as operações da FUNASA nas áreas de saneamento22. “No caso de recursos do PAC, o processo se inicia com a definição, realizada pelo Comitê Gestor do PAC – CGPAC, dos municípios a serem atendidos pelos recursos alocados pelo Programa”. Essa relação é inserida no Sigob, que é utilizado também para o preenchimento pelos convenentes selecionados das informações básicas relativas ao objeto a ser pactuado. Posteriormente, estas informações também são migradas ao Siscon, no qual se dá prosseguimento ao termo de compromisso firmado. 8 8. Tribunal de Contas da União 2013. Sumário: relatório de levantamentos. Auditoria de natureza operacional para conhecimento da estrutura da fundação nacional de saúde e dos fatores limitantes à sua atuação na consecução de obras de saneamento. Determinações e recomendações. Brasília, Mimeo. 12 Box 2 Importa ressaltar que o convênio ou termo de compromisso, regra geral, é celebrado sem apresentação do projeto básico (apenas com a fixação de prazo para sua apresentação), ou seja, o instrumento pactuado não possui documentação suficiente para definir de forma adequada o objeto a que se refere. A maioria dos instrumentos celebrados demora grande lapso de tempo na fase de apresentação e análise de projeto básico (fase três do Siscon), em geralpor não apresentação tempestiva por parte dos municípios dos projetos básicos, ou pela apresentação de projetos básicos inadequados, requerendo normalmente inúmeras alterações em função de análises e requisições realizadas pela Funasa. Superada a fase de análise do projeto, se dá a ratificação da aprovação do projeto pelo gestor hierarquicamente superior ao analista (no âmbito da própria superintendência estadual responsável) sendo finalmente os dados migrados para o Sigesan, que é o sistema responsável pelo acompanhamento da execução da obra e controle das respectivas parcelas de recursos das transferências.” (...). “A seleção de municípios a serem atendidos pelos recursos da Funasa, definidos como PAC, é realizada pelo Comitê Gestor do Programa de Aceleração do Crescimento (CGPAC), instituído pelo Decreto 6.025, de 22/1/2007, para acompanhamento e avaliação dos projetos de investimento do Programa.” (...) “a seleção dos municípios a serem contemplados com ações de saneamento integrantes do componente de infraestrutura social e urbana do Programa de Aceleração do Crescimento considera critérios epidemiológicos, socioeconômicos e ambientais, voltados para a promoção à saúde e para a prevenção e controle de doenças e agravos, com destaque para a redução da mortalidade infantil. No entanto, registra-se que não há adequada transparência e publicidade desses critérios” (...) “Em função da própria Funasa e do CGPAC terem identificado alguns pontos deficientes, relativos à atuação da instituição na execução de transferências inseridas no âmbito do PAC, foram propostas substanciais alterações de procedimentos quando da formulação da segunda fase do Programa de Aceleração do Crescimento (denominado PAC 2), iniciado no exercício de 2011.” (...) Segundo o Ministério do Planejamento, poder-se-ia elencar como os principais objetivos do PAC 2: a) maior rigidez no monitoramento e acompanhamento do desempenho dos prazos e metas (com maiores possibilidades de cancelamento de empreendimentos contratados e não iniciados ou com percentual de execução abaixo do esperado); b) o aperfeiçoamento dos requisitos a serem cumpridos pelas propostas de transferências relativas à água e esgoto; e c) institucionalização de prioridades para seleção de município a serem atendidos com recursos do programa”. 13 É comum alocar projetos no orçamento, considerando apenas o estágio em que se encontram, ou seja, passam primeiro aqueles que estão mais desenvolvidos, sem que uma análise de custo/benefício ou estudo de alternativas melhores para atingir os mesmo resultados, tenha sido realizada. “Em discussões com representantes do PAC, foi sugerido que há um baixo grau de crença na habilidade de realizar avaliações ex ante, a fim de dar assistência ao processo de identificação de projetos viáveis. De fato, o argumento foi de que os projetos são necessários e de que era meramente bom senso implementar determinados projetos. Essa visão também foi apresentada no Ministério dos Transportes, em que a decisão-chave parecia estar alinhada com a estratégia do PNLT, e que há engajamento e suporte dos governos municipais e estaduais23.” Em outras palavras, os departamentos e ministérios de linha dispensam avaliações formais na elaboração dos seus projetos. As expectativas geradas pela criação da CMA estão, por enquanto, suspensas, embora elas sejam corroboradas pelo documento do BIRD “(...) a alocação de recursos públicos enseja questões de escassez e trade-offs, entre várias demandas concorrentes. A visão geral é de que os tomadores de decisão deveriam pelo menos estar cientes dos custos e dos benefícios relativos aos cursos de ação tomados”. Embora a experiência tenha sido reconhecida, no Relatório do Banco Mundial, como um avanço inegável para promover a avaliação de projetos de investimentos, esse aponta deficiências: “Apesar da existência de um manual padronizado, as análises que os órgãos devem realizar, a forma de apresentação dos projetos e a análise da amostra de 16 estudos que o MPOG forneceu, mostram que os vários órgãos usam metodologias diferenciadas. (...) Além disso, a aplicação da técnica se mostrou irregular, e em algumas das amostras não conseguiu contemplar questões de viabilidade financeira. A quantidade de documentação de apoio não era suficiente; tais documentos eram indicativos de algo que se aproxima de uma avaliação formal, mas os projetos não estão passando de fato por uma revisão de avaliação rigorosa. Além disso, o lançamento do manual não foi seguido por uma política de fortalecimento de capacidades dos ministérios setoriais a fim de produzir tais estudos24.” 9 10 2.1. Revisão Independente ou de Terceira Parte É sempre recomendável, assim como é exemplo de boa prática, realizar, nos processos de avaliação de projetos, uma revisão a ser feita por uma equipe independente. A iniciativa visa a reduzir um fenômeno frequente, e até mesmo compreensível, de atribuir à proposta um “viés de otimismo”, reflexo da cultura da organização e daqueles que têm a responsabilidade de realizar, no nível setorial, o desenvolvimento do projeto. O resultado imediato é a subestimação de custos e superestimação dos benefícios, práticas bem documentadas na literatura. Neste terceiro estágio, importa assegurar a realização de uma avaliação em cima da avaliação formal, feita pela unidade setorial. Essa função é exercida pelo órgão de coordenação responsável pelo sistema de investimento do governo, geralmente assumida pelas estruturas de planejamento ou finanças da administração pública. Algumas vezes, a revisão pode ser delegada a uma agência especializada, incumbida dessa finalidade. A praxe em governos com sistemas públicos de investimentos pouco desenvolvidos é a eliminação dessa etapa. Os departamentos e/ou ministérios setoriais elaboram as propostas e realizam também a avaliação 9. BANCO MUNDIAL (2009). 10. BANCO MUNDIAL (2009). 14 de factibilidade. A experiência mostra que a ausência desse procedimento aumenta o risco de o governo adotar soluções inadequadas, executar projetos mais caros e ofertar serviços menos eficientes em empreendimentos que exigem mais manutenção pós-obra, razão pela qual se torna recomendável a introdução no ciclo de gestão do investimento público de uma etapa de análise independente, realizada por outra organização ou realizada por avaliador externo, a fim de checar o grau de subjetividade e/ou a existência de “viés otimista” decorrente do processo de autoavaliação. Quando os projetos são financiados por fundos multilaterais, como é o caso dos Fundos Estruturais da União Europeia, ou bancos multilaterais como o BID, BIRD, CAF, os critérios e processos de avaliação realizados por essas agências são significativos e podem substituir o que se espera desse terceiro estágio do ciclo: o exame isento do projeto, realizado pelo organismo financiador. Em qualquer circunstância, os projetos continuarão a ser submetidos às etapas subsequentes de avaliação à semelhança dos projetos financiados pelo governo, porém terão assegurada a submissão a esse filtro. É frequente, em muitos países, a exigência de seguro-performance para garantir ao governo que o executor da obra concluirá o contrato dentro do custo e da qualidade prevista, mesmo se for à falência ou ficar incapacitado para concluí-la. Nesses casos, a seguradora tende a cumprir o papel de avaliador de terceira parte, tanto em relação ao projeto quanto à competência da empresa para executá-lo. E o faz para calcular o valor do prêmio a fim de ter o projeto assegurado. Assim, para concorrer a uma licitação, as empresas se comprometem a contratar um seguro- performance, cujos valores entram no custo do empreendimento. Essas, por sua vez, também exigem dos subcontratados seguro-qualidade e seguro-performance, estabelecendo uma rede securitizada de todo o processo:projeto, obra e pós-obra. Com a introdução desse expediente há, invariavelmente, um aumento de custos dos empreendimentos. Em contrapartida, o modelo gera um filtro natural selecionando as melhores empresas. Isso porque o prêmio tende a ser menor, numa segunda vez, para empresas que mostraram ter melhor desempenho, dando a essas uma chance maior de praticar preços competitivos e vencer os editais de licitação de obras do governo. A França é um bom exemplo desse tipo de prática. Tem longa experiência e abrange todas as encomendas de governo na área da construção civil. No Brasil, há uma possibilidade de que o modelo venha a ser adotado com a decisão tomada, recentemente, pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) de exigir seguro das empresas que vencerem as licitações para execução das obras sob sua responsabilidade11. De outra parte, é fundamental não permitir a multiplicidade de avaliações e de agentes, com responsabilidades, às vezes pouco claras, no cumprimento dessas quatro primeiras etapas, todas relacionadas à análise de projetos. Isso invariavelmente tende a sobrecarregar o sistema de avaliação. Um conjunto formal de regras, procedimentos e atribuições dos agentes envolvidos é necessário para manter os projetos menores longe de entupimento com as avaliações. 11. Correio Braziliense, 31 de março de 2013, p. 7, Brasília. 15 Quadro 4 Características básicas da Etapa 3: Revisão independente ou de terceira parte Arranjo institucional desejável A revisão permite averiguar qualquer viés subjetivo e protecionista na avaliação feita pelo órgão proponente. Instâncias criadas para esse fim no âmbito do governo ou encomendadas a organizações especializadas ou expert, de fora do governo. Relatório disciplinado das avaliações do projeto concluído antes do orçamento. Manter um inventário de projetos avaliados, colocados em ordem de prioridade e prontos para entrar no orçamento, caso haja vontade política e aumento de limite fiscal para investimento. Clareza de papéis entre projetos menores e que devem ser avaliados unicamente pelo órgão proponente, e os de grande vulto, cujos riscos tendem a ser maiores e convém que sejam submetidos a uma avaliação realizada por órgão independente. 16 Box 3 Nota sobre o Brasil Como se sabe, não há, no âmbito do Governo Federal, um sistema único, linear e cronológico, com as oito fases, pelo qual todo o investimento seja obrigado a passar para ser financiado, seja pelo Orçamento, seja pelo setor privado por meio das concessões ou PPPs. Para atender o que se espera desse terceiro estágio, existem, superficialmente, três processos distintos para revisão independente, os quais variam conforme a natureza da fonte de financiamento e um quarto processo que, a depender da natureza do empreendimento, obriga-se a ser avaliado por órgão competente de meio ambiente. 1. Se o projeto for financiado pelo Orçamento, ele será avaliado uma segunda vez, agora pelo MPOG, que conta com a Comissão de Monitoramento e Avaliação, se esse for considerado de grande vulto, ou será avaliado pelas instâncias do PAC, situadas na Casa Civil da Presidência da República, caso integre a carteira do PAC. 2. Se o projeto for financiado por meio de bancos oficiais, bancos multilaterais (BIRD, BID, CAF etc), mesmo que venha a integrar o Orçamento, a avaliação de terceira parte estará assegurada pela análise realizada por esses agentes financeiros e pela Secretaria de Assuntos Internacionais SEAIN, do MPOG, que se vale do Grupo Técnico para avaliação do projeto, antes de ser submetido à apreciação da Comissão de Financiamento Externo - COFIEX. 3. Se o processo for financiado por meio de concessões e PPP’s: em ambos os casos, a rotina do executivo tem sido a de apelar preventivamente ao TCU para uma manifestação quanto aos fundamentos do projeto e recomendações, quando entender necessários. Além disso, esses projetos passam por um período de exame por parte dos interessados privados e são também submetidos a audiências públicas. Em ambos os casos, são procedimentos realizados segundo normas previamente estabelecidas. 4. A quarta situação refere-se à avaliação de projetos realizada no momento de solicitação do licenciamento ambiental. Essa avaliação é realizada em três etapas: a) Licença Prévia - autoriza prosseguir com o detalhamento do projeto; b) Licença de Instalação - permite executar o projeto; c) Licença de Operação - necessária para o funcionamento do empreendimento. Há, por último, em muitos casos, um exame do Ministério Público (MP) quando se trata de projetos de grande alcance e das externalidades do projeto que são consideradas negativas pelo MP. Embora seja uma iniciativa não obrigatória, essas avaliações têm sido cada vez mais frequentes. 17 Box 3 A conclusão mais imediata é que não faltam instâncias revisoras de projetos, se tomarmos como referência o Governo Federal. Apesar disso, o desempenho do investimento continua a apresentar problemas decorrentes da qualidade dos projetos. É que os processos de avaliação/revisão são realizados por organizações diferentes, que examinam aspectos específicos do projeto e, portanto, sob critérios diferentes, inibindo uma comparação entre projetos para uma seleção. A despeito do esforço do governo para ampliar fortemente o investimento, o mesmo não possui ainda um sistema que assegure um padrão mínimo de qualidade, um exame de custo-benefício com critérios comuns, aferição da capacidade do agente promotor de realizar o empreendimento e o seu impacto estratégico no agrupamento de investimentos no território. A partir de 2005, o Governo Federal passou a contar com um procedimento-padrão. Criou- se, para isso, no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG) a Comissão de Monitoramento e Avaliação (CMA), instalada na Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos (SPI)26. O governo passou a contar, a partir daí, com um arcabouço institucional. Criou regras claras de avaliação para entrada de projetos de investimento no PPA e no Orçamento-Geral da União. Exigência limitada apenas a projetos de grande vulto. Grande vulto é a denominação dada a todo projeto de investimento com valor acima de R$ 100 milhões, quando apresentado por empresa estatal, e que deve integrar o Orçamento das Estatais27; ou com valor acima de R$ 50 milhões, quando apresentado pelo restante da administração pública, e deve integrar, se aprovado, o Orçamento Fiscal e da Seguridade Social. O que importa destacar nesse processo é a amplitude da avaliação exigida ao órgão proponente. Os projetos, nesse caso, são avaliados segundo seis critérios de avaliação, sendo cinco deles claramente explicitados no manual de apresentação de estudos de viabilidade de projetos de grande vulto, que orienta a administração a esse efeito. Há um último critério, usado pelo MPOG, mas cuja análise não é exigida pelo órgão proponente, que é a identificação da viabilidade fiscal de execução do projeto: - Análise de pertinência ou análise fundamental. - Análise financeira. - Impacto ambiental. - Viabilidade socioeconômica. - Factibilidade institucional ou análise gerencial. - Viabilidade fiscal – análise feita a partir do limite fiscal histórico do órgão. 12 13 12. 26 Portaria Interministerial nº 10/MP/MF/CC, de 11 de janeiro de 2005, e posteriormente o Decreto nº 6.601, de 10 de outubro de 2008. 13. Nem toda empresa estatal integra o Orçamento de Investimentos das Estatais, apenas aquelas que não dependem de recursos fiscais permanentes para sua operação. Assim, empresas como Embrapa ou Codevasf comparem apenas no Orçamento Fiscal e da Seguridade Social. 18 Box 3 Com a criação da CMA, foram instituídas, também, as Unidades de Monitoramento e Avaliação (UMA) nos ministérios setoriais, encarregadas de capacitar asequipes locais, apoiar os departamentos a elaborar projetos e programas e a avaliá-los, segundo diretrizes da SPI/MPOG. A intenção era claramente a de criar um sistema transversal que demandaria avaliações no cerne do Governo Federal. O modelo tinha como base, em grande medida, a experiência do Canadá, cujo sistema de avaliação foi considerado, à época, exitoso e consolidado. Pode-se dizer que essa experiência funcionou bem de 2005 a 2007. Receberam, nesse período, 312 estudos de viabilidade e avaliaram 149. Em 2008, em plena vigência do PAC, a CMA recebeu apenas 18 estudos de viabilidade28. As tentativas de manter o sistema ativo, evidenciadas pela edição de novas normas, reformatando a CMA e as UMAs para o PPA 2008-2011, e nova edição do manual para avaliação de projetos de grande vulto, surtiram pouco ou nenhum efeito. Atualmente, ao que tudo indica, a comissão não tem sido mobilizada para esse efeito. Estão isentos dessa avaliação todos os investimentos prioritários do governo incluídos no PAC ou no Programa Minha Casa, Minha Vida. Os que restam são de pequena escala. De uma forma ou de outra, é fato que o governo não tem se valido de procedimentos sistemáticos e com base em técnicas de avaliação objetivas para assegurar qualidade aos projetos selecionados para entrar no PPA e nos orçamentos anuais. “Atualmente, tem prevalecido o uso de critérios mais qualitativos de apoio à decisão para definição de projetos estratégicos. Trata-se de decisão tomada em reuniões realizadas entre os ministérios setoriais e as instâncias de gestão do PAC na Casa Civil da Presidência da República”29. “A seleção de projetos do PAC seguiu uma série de critérios claros e transparentes30; entretanto, não houve exigências aos órgãos proponentes de apresentar análise de custo- benefício nem estudos formais de viabilidade para que um projeto se tornasse parte do PAC.”31 (p. 18). “Há pouca dúvida de que o PAC representa um esforço de melhorar a direção e a fiscalização sobre os investimentos. Entretanto, a triagem para selecionar quais projetos entram no PAC não estava clara nem tecnicamente direcionada.”32 (p.19) A avaliação feita pelo Banco Mundial revelou a necessidade de aperfeiçoamentos nesse arranjo. Com baseado numa amostra de 16 projetos avaliados pela CMA, concluiu-se que, apesar da existência do manual que impõe um padrão para apresentação dos projetos: - “(...) vários órgãos usam metodologias diferenciadas.” (p. 20) - “A aplicação da técnica se mostrou irregular (...) ao não contemplar plenamente questões de viabilidade financeira.” (p. 20) 14 15 16 17 18 14. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO 2010. Relatório de Levantamento dos Sistemas de Monitoramento e Avaliação dos Órgãos da Administração Direta do Poder Executivo. TC 032.287/2010-0 Fiscalização 1136. 15. 29PAC conta, no nível de gestão estratégica, com o Comitê de Gestão (GPAC). No nível tático, conta com o Grupo Executivo (Gepac), constituído por representantes da Secretaria de Orçamento Federal (SOF), da Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos (SPI), Secretaria do Tesouro Nacional (STN), Secretaria de Política Econômica (SPE) e Secretaria de acompanhamento e Monitoramento (SAM). Esse desenho institucional sofreu adaptações com o Governo Dilma, e a transferência da gestão do PAC para o MPOG, onde se criou uma secretaria específica para gerir o PAC e o Programa Minha Casa, Minha Vida. 16. Retornos socioeconômicos em potencial, recuperação da infraestrutura existente, projetos sob execução (integral ou parcial até o fim do governo) e as sinergias entre os projetos. 17. BANCO MUNDIAL (2009). 18. BANCO MUNDIAL (2009). 19 Box 3 - “A quantidade de documentação de apoio não era suficiente.” (p. 20) - “(...) os projetos não estão passando por uma revisão de avaliação rigorosa.” (p. 20) - “(...) “o lançamento do manual não foi seguido por uma política de fortalecimento de capacidades dos ministérios setoriais a fim de produzir tais estudos”. (p. 20) “Apesar da tentativa de criar um sistema que demandaria avaliações no cerne do governo, a experiência morreu antes de nascer. A demanda inicial não foi seguida pela criação das condições nos ministérios setoriais, a fim de produzir estudos de viabilidade. Em três anos (2005-2007) a CMA funcionou e avaliou 149 estudos de viabilidade. Entretanto, quando o PAC foi criado, a pressa para começar a execução levou alguns projetos a ficarem de fora da análise da CMA. Essa decisão interrompeu abruptamente a tentativa de criar um sistema robusto de avaliação no Brasil”33 (p. 20). 19 2.2. Seleção de Projetos e sua Inclusão no Orçamento É fundamental que o processo de avaliação e seleção de projetos esteja ligado, de forma adequada, ao ciclo de planejamento e de orçamento, embora o ciclo de avaliação de projetos possa ser executado ao longo de um calendário diferente. Há claramente uma relação de mão dupla entre o ciclo de orçamento e o ciclo de seleção do projeto. O quadro fiscal e o orçamento anual têm necessidade de fixar limites para o investimento público (no total e/ou em base setorial), para que novos investimentos possam ser empreendidos de forma sustentável20. A chave para o investimento eficiente depende da combinação de dois fatores profundamente imbricados: • boas decisões na escolha dos novos investimentos, assim como na gestão dos equipamentos em operação ou do patrimônio público (no que respeita às possibilidades de alienação ou destinação que apoiem novos investimentos). • processo orçamentário que assegure o financiamento, seja no período de implantação do projeto, seja no período pós-obra, para operar e manter os ativos existentes. Esse último é especialmente importante para projetos financiados por fundos extraorçamentários ou investimentos doados pelo governo a entes subnacionais que criam ativos enquanto os custos de operação e manutenção são assumidos pelo governo receptor. Os órgãos públicos que prestam algum serviço à sociedade possuem, na sua carteira de ativos, equipamentos em operação, investimentos em implantação e outros em fase de projeto. Para um orçamento ajustado, o órgão deve, antes de tudo, construir um orçamento plurianual que permita refletir, claramente e com precisão, despesas e receitas: inicialmente, o gasto com a implantação do projeto (na classificação orçamentária, despesa de capital, portanto, finita no tempo); depois, o impacto dos custos decorrentes da sua entrada em operação no futuro (na classificação orçamentária, despesa corrente, portanto, permanente daí para frente). Deve, ainda, contabilizar as despesas efetuadas para a manutenção de prédios e equipamentos existentes (novamente despesa de capital). Por último, cabe uma estimativa das receitas oriundas da operação. 19. BANCO MUNDIAL (2009). 20. Um quadro orçamentário de médio prazo pode fornecer alguma visibilidade para frente em relação à disponibilidade de recursos e à previsibilidade para investimentos na gestão de longo prazo. 20 Nesses termos, o financiamento dos órgãos setoriais deve ser revisto sistematicamente porque os custos e receitas podem alterar-se com facilidade. Esse é um procedimento que as autoridades econômicas de governo devem igualmente realizar durante a preparação do orçamento. Um exemplo simplificado de como essa análise de disponibilidade financeira pode ser feita é mostrado no Quadro 5, considerando a existência de uma unidade em operação e outra em implantação, ambas com mesma escala de operações e receitas, sendo, porém, a segunda mais moderna, com maior produtividade e menor custo operacional. Quadro 5 $ - Aumento/(diminuição) Ano 0 Ano 1 Ano 2 Ano 3 Outros anos Carteira do Ministério Setorial Despesas operacionais: (unidade implantada) 0,75 0,75 0,75 0,75 0,75 Despesas operacionais: (unidade em implantação) 0,50 0,50 Total de receitas 0,75 0,75 0,75 1.5001.500 Despesas de implantação do projeto Z (itens a especificar) 1000 2000 0,50 Total operacional 0,75 0,75 0,75 1,25 1,25 Total implantação 1000 2000 0,50 Recursos comprometidos (regime de caixa) (1.750) (2.750) (1.250) (1.250) (1.250) Saldo de caixa Equilíbrio fiscal (regime de caixa) (1.000) (2.000) (0,50) 0,25 0,25 Alguns países utilizam modelo de avaliação multicritério, também conhecido como Análise Hierárquica de Projetos (AHP) – mesmo nome dado aos softwares usados para esse fim –, cujo intuito é auxiliar a tomada de decisão pela cúpula do governo em relação aos novos projetos que deverão entrar no Orçamento. A opção se prende ao fato de que, nesse nível, outros objetivos devem ser atendidos pelos projetos. Portanto, além da sua qualidade intrínseca, é essencial que todos os projetos, previamente selecionados e que passaram pelas três fases anteriores, possam ser examinados comparativamente à luz do impacto que esses proporcionam aos vários objetivos de governo. Esses objetivos recebem pesos distintos segundo avaliação dos decisores no mais alto nível do governo. Cada um desses objetivos, por sua vez, é desdobrado em objetivos de segunda ordem, que também recebem pesos. Há, por certo, inúmeras formas de compor esses modelos de avaliação multicriterial, o que importa é o uso de ferramentas que ampliam significativamente a qualidade da decisão e do gasto público em definitivo. 21 A Coreia do Sul é um desses países que se vale dos recursos de análise multicriterial para definir os projetos que serão inseridos no Orçamento. O argumento dado é a possibilidade de comparar projetos e tornar transparentes os custos na escolha de certos projetos que podem ter objetivos não econômicos. Uma representação em forma de diagrama do processo realizado pela Coreia pode ser vista no documento do BIRD, que avaliou a gestão do investimento público no Brasil21. O que chama atenção no diagrama é o peso atribuído ao impacto regional do investimento, visto como de nível hierárquico igual à dimensão política e econômica. A preocupação com o impacto do investimento no território é quase constante nas avaliações executadas em países desenvolvidos que possuem mecanismos para padronizar a qualidade e harmonizar a demanda do investimento público. Entre eles, Canadá, Reino Unido, Holanda, França e a própria União Europeia. O mesmo ocorre em vários países da América Latina, que implantaram, a partir do final dos anos 1990, sistemas nacionais de investimento, em grande parte, influenciados pela Cepal e pelo BID, os quais auxiliaram na tarefa. 21. BANCO MUNDIAL (2009). 22 Quadro 6 Características básicas da etapa 4: Seleção do projeto e sua inclusão no orçamento Arranjo institucional desejável Ligação adequada entre o processo de avaliação e o de seleção dos projetos de investimento público e o ciclo orçamentário. Critérios transparentes de seleção de projetos com referência aos objetivos de política no nível ministerial. Processo bem estruturado de elaboração do orçamento, com o escopo de integrar investimentos e implicações recorrentes de projetos. Controle eficaz de manutenção para garantir que apenas os projetos avaliados e aprovados sejam selecionados para o financiamento pelo orçamento. Garantia de financiamento adequado para os projetos selecionados, inclusive necessidades pós-obra para a entrada em operação. Box 4 Nota sobre o Brasil O Orçamento no Brasil é anual, como na maioria dos países. Ele autoriza legalmente o gasto no período fiscal, que vai de janeiro a dezembro e não aprova o custo total do investimento. O comportamento financeiro do projeto para sua execução, nos anos seguintes, vai depender da disponibilidade fiscal e da prioridade conferida a esse nos próximos orçamentos. Não se tem, no Brasil, a figura do orçamento plurianual36, que a literatura denomina de Mediun Term Expenditure Framework (MTEF). Desde os anos 1980, países têm adotado o MTEF como complemento do orçamento anual. Trata-se de um documento de controle microfiscal que assegura o compromisso futuro dos investimentos aprovados no orçamento, assim como das despesas correntes que advirão no momento da sua entrada em operação. O modelo de Sistema Nacional de Investimento Público, promovido pela Cepal e pelo BID, incorpora mecanismo similar ao que exerce o MTEF, porém nenhuma das duas opções é praticada no Brasil. O Plano Plurianual poderia cobrir parte dessa lacuna se os gastos plurianuais de investimento previstos fossem levados em consideração como um compromisso de gasto. A integração plano e orçamento, prevista na Constituição e aplicada desde o PPA 2000-2003, permitiria reduzir a incerteza que paira sobre todo projeto de investimento, mesmo que incorporado ao orçamento, mas não é o que de fato ocorre. Pior, essa possibilidade foi ainda mais reduzida com o atual PPA 2012-2015, cuja estrutura se descolou completamente do orçamento, diferentemente dos PPAs anteriores. 22 22. Não confundir com o Plano Plurianual (PPA), que é um instrumento de planejamento. 23 Box 4 Mesmo com todo o esforço para integrar as funções de planejamento e orçamento realizado na última década, os projetos novos, quando incorporados ao PPA, dificilmente conseguem alocar toda a necessidade financeira à sua execução dentro do cronograma de desembolso previsto. Na maioria dos casos, o andamento da execução dos projetos ainda depende do comportamento fiscal e do corte de outras despesas que permitam abrir espaço nos orçamentos seguintes, se esses forem do PAC ou do Programa Minha Casa, Minha Vida. Os não incluídos entre os prioritários dependerão de um desempenho fiscal excepcional, que gere sobras extraordinárias para tocar o resto dos investimentos. A pergunta é: por que não limitar a entrada de novos projetos no PPA a aqueles que podem ser executados dentro da projeção fiscal fixada para o PPA? Porque o País possui ainda alta volatilidade fiscal e compromissos de superávit elevados. Embora o Brasil tenha uma disciplina fiscal de país avançado, no que respeita ao investimento operamos, em alguns casos, como um país atrasado. Para escapar da realidade fiscal, aceitamos incluir, no PPA e no Orçamento, promessas que, para se realizarem, vão depender de um melhor desempenho fiscal nos anos seguintes. A consequência imediata é uma incerteza quanto à viabilidade dos cronogramas dos projetos não inseridos nas prioridades do governo. De outra parte, não é a única forma de assegurar recursos para o cumprimento financeiro plurianual dos investimentos. Países como a França, por exemplo, adotam mecanismo de aprovação do orçamento no Parlamento que separa a aprovação das novas despesas de capital – resultado de novos investimentos – daquelas que foram aprovadas no passado e que passam a ser consideradas como despesa obrigatória nos orçamentos seguintes. A base fiscal de gastos do orçamento incorpora essas despesas antes de iniciar novos investimentos. A ausência de mecanismos como esses traz consequências graves ao financiamento público dos investimentos. Essa é uma das principais razões para que os sucessivos governos da União, desde os anos 1990, tenham adotado um modelo de gerenciamento intensivo de carteira estratégica de investimentos, cujo diferencial é de ter seus recursos assegurados plurianualmente por vontade política do alto governo. Foi assim com o Avança Brasil e Brasil em Ação, nos dois governos Fernando Henrique, e o mesmo tem ocorrido com a edição do PPI, do PAC e da Minha Casa, Minha Vida. É de amplo conhecimento o atraso na entrega dos equipamentos projetados e executados com recursos públicos. É um problema antigo e de grande resiliência que perpassa os governos sem que se faça algo para superá-lo de forma definitiva. É um fenômeno recorrente e generalizado, independentemente dosetor responsável pelo projeto. 2.3. Implementação Além das análises anteriores, todo projeto deve ser avaliado pela estratégia de implementação adotada. A capacidade de execução do agente implementador é crucial para reduzir o risco de não conclusão do empreendimento ou de ampliação, em muito, dos custos originalmente previstos. A fase de implementação é o coração do ciclo de vida do projeto. Os equívocos cometidos nesse estágio acarretam prejuízos permanentes. O descumprimento de prazos traz aumento dos custos financeiro e social e desgaste político. 24 De igual modo, falhas nessa fase podem reduzir a qualidade da obra, elevar os custos de manutenção pós-obra e, consequentemente, elevar os custos dos serviços na operação. Em resumo, causam perdas consideráveis no retorno socioeconômico do empreendimento (aumento do custo e diminuição do benefício). Os projetos devem refletir, com realismo, as dificuldades e as complexidades da implementação. A concepção do projeto deve incluir arranjos organizacionais claros, a tecnologia a ser empregada e um calendário realista. E todas essas definições devem estar adequadas à capacidade de implementação do projeto. A existência de um plano de gerenciamento e capacidade instalada ou prevista para ser suprida por terceiros fará toda a diferença e soma pontos importantes junto aos analistas que auxiliam na preparação do orçamento. Para se ter uma ideia da importância de se dedicar tempo e conhecimento na elaboração da estratégia de implementação, basta examinar o que recomenda o Guia PMBOK23 para o gerenciamento adequado de projetos. Essa é uma tarefa do órgão que propõe o projeto. Reflete, normalmente, o modelo de realização dos investimentos, próprios a cada setor, e a forma com que cada uma das políticas setoriais provê os serviços públicos. Se tomarmos como exemplo o Brasil, encontramos três famílias de estratégia de execução do investimento, cada uma dessas com variantes específicas, que se diferenciam de acordo com o órgão que recebe formalmente o empreendimento: 1. Realização direta pelo órgão público – geralmente contrata-se uma empresa de obras. Quem recebe a obra é o órgão público; portanto, toda a responsabilidade pelos custos, qualidade e prazo de entrega do empreendimento é integralmente da administração pública. Em se tratando de uma unidade prestadora de serviços, como um hospital, escola ou centro poliesportivo, a aquisição dos equipamentos tende a ser de responsabilidade também do órgão público. Esse é o modelo mais frequente nas áreas de saúde, educação, infraestrutura hídrica, presídios e transportes. 2. Realização indireta pelo órgão público – via de regra, utiliza-se o expediente da concessão ou da PPP. Nesse caso, a responsabilidade pela execução do investimento e por receber formalmente o empreendimento é integralmente do setor privado. Esse modelo é mais frequente nas áreas de energia, telecomunicações e mais recentemente obras de logística. A área de transportes passa, nesse momento, por uma transição na qual deverão combinar- se os dois modelos de acordo com o tipo de empreendimento e modal logístico: execução direta para investimentos em rodovias e uso de concessões e/ou PPPs para ferrovias, portos e aeroportos. 3. Realização feita por intermédio de bancos oficiais – Nessa modalidade, a União, para financiar os investimentos em áreas como habitação, saneamento e mobilidade urbana, de responsabilidade dos municípios e estados, utiliza a capilaridade da rede bancária oficial, presente em quase todos os municípios, e a capacidade de análise e acompanhamento de projetos dos seguintes bancos: • Caixa Econômica Federal (CAIXA) – o mais inserido nessa modalidade. 23. Agrupa o conjunto de conhecimentos em gerenciamento de projetos intrínsecos à profissão de gerenciamento de projetos. “Incluí práticas tradicionais comprovadas e amplamente aplicadas, além de práticas inovadoras que estão surgindo”. PROJECT MANAGEMEN INSTITUTE 2004. Guia PMBOK 25 • Banco do Brasil – apenas mais recentemente passou a participar desse esforço, num modelo similar ao da CAIXA. • Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – grandes projetos de infraestrutura realizados por meio de concessões ou PPPs, limitados à avaliação da factibilidade financeira e do negócio dos empreendimentos. • Banco do Nordeste (BNB) e Banco da Amazônia (Basa) – em casos que envolvam recursos dos Fundos Constitucionais do Nordeste e do Norte, recursos próprios e fundos públicos, como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do BNDES. Em qualquer circunstância, esses se limitam, como o BNDES, à avaliação da factibilidade financeira e do negócio dos empreendimentos. Nesse caso, quem recepciona a obra pode ser o órgão público interessado, estado ou município, ou o próprio banco que fez a medição da obra e realizou os pagamentos. Há uma controvérsia instalada no Governo Federal quanto a essa responsabilidade. É fundamental que o projeto apresente ao órgão de coordenação central (que seleciona o projeto, em última instância, e o inclui no Orçamento) sua estratégia de implementação, iniciativas que proporcionem confiança de que os riscos de execução foram contornados ou reduzidos a níveis aceitáveis para o padrão de execução vigente. A experiência na administração pública mostra que há dois pontos de permanente preocupação na análise de riscos da execução: 1. A estrutura da organização executora para gerir e monitorar a implementação do projeto. 2. A existência de um plano de gerenciamento do projeto24 bem feito e completo. Não por acaso, no Brasil, essas duas dimensões da estratégia de implementação são sistematicamente frágeis, seja porque os órgãos públicos responsáveis têm dificuldade de estruturar equipes de elaboração de projetos e de gerenciamento e monitoramento dos empreendimentos, assim como de posicioná-las com ascendência na organização. No caso dos planos de gerenciamento, esses são delegados a empresas executoras do empreendimento. Terceiriza-se uma variável essencial, sem controle ex post dessa tarefa junto à empresa encarregada da execução, pois se considera, nas licitações, uma variável competitiva, por isso, no-disclosure. 24. O Guia PMBOK recomenda que todo plano de gerenciamento de projeto se ocupe em detalhar oito planos que o integram: plano de gerenciamento de escopo; plano de gerenciamento do cronograma; plano de gerenciamento de custos; plano de gerenciamento da qualidade; plano de gerenciamento de pessoal; plano de gerenciamento das comunicações; plano de gerenciamento de riscos; e plano de gerenciamento de aquisições. 26 Quadro 7 Características básicas da etapa 5: Implementação Arranjo institucional desejável A factibilidade da execução dos projetos deve ser analisada. Publicação de diretrizes para implementação de projetos, de modo a garantir que os principais aspectos da implementação sejam preparados ex ante a essa fase. A execução deve ter o foco na eficiência. Uso de certame para escolher o melhor projeto custo/efetividade. Relatórios de implementação oportuna na execução dos grandes projetos. Garantia de orçamento público em todo o ciclo de vida dos projetos selecionados. Box 5 Nota sobre o Brasil39 “Em qualquer ambiente, há uma série de possíveis fatores que podem explicar a execução orçamentária lenta, desde a pobre identificação e elaboração de projetos até problemas específicos relacionados a etapas do processo de implementação, tais como contratos complexos e procedimentos difíceis. Para lidar com essa questão, é altamente desejável a iniciativa do PAC de pôr em prática uma estrutura clara de gestão e monitoramento, envolvendo salas de situação que reúnem os Ministérios do Planejamento, da Fazenda e da Comissão de Coordenação a cadaduas semanas ou mais e, ainda, um grupo executivo para monitoramento.” (p. 24) Esse modelo tem duas finalidades: primeiro, monitorar o andamento dos projetos, e segundo, intervir, de forma antecipada, com medidas proativas que possam resolver problemas de execução. “O fato de o orçamento para os projetos do PAC estar automaticamente garantido, independentemente da realização bimestral do superávit primário orçamentário, remove um grande obstáculo à sua boa execução. No entanto, como referido em relatórios do Banco Mundial e outros, as interrupções do fluxo de caixa compreendem apenas uma de uma série de perturbações potenciais para dificultar a implementação.” (p. 24 e 25) “A missão (responsável pela elaboração do relatório) ouviu uma série de queixas sobre os processos de licitação e de licenciamento ambiental. No primeiro caso, a questão envolve a natureza litigiosa do processo de licitação, enquanto que o segundo diz respeito às exigências ambientais dos vários níveis de governo.” (p. 25) 25 25. BANCO MUNDIAL. 2009. 27 Box 5 “O artigo 113 da Lei 8.666/93 permite a qualquer cidadão consultar o TCU e revisar o processo de licitação. A linguagem nessa cláusula é genérica, prevê que o TCU pode rever todo o processo que supostamente não tenha sido feito em conformidade com a lei de licitações. Como consequência, o TCU recebe um grande número de solicitações para análise, o que gera um efeito colateral dessa cláusula bem intencionada, pois as queixas podem ser perniciosas. Considerando que os custos associados com queixas referidas a um tribunal de justiça serão pagos pela parte vencida, os casos analisados pelo TCU são gratuitos para os requerentes. Dessa forma, os requerentes não têm qualquer incentivo para se abster de apresentar queixas que causem a lentidão da execução.” (p.25) “O caráter contraditório das licitações, embora não seja um problema significativo para a maioria dos processos realizados pela administração, é um gargalo comum para grandes contratos de obras civis e foi o motivo que atrasou os principais programas da administração federal, tais como obras de infraestrutura do PAC.” (p. 25) “No passado recente, o Brasil experimentou um grande número de ações propostas pelo governo para melhorar as taxas de execução. Porém, até agora, o sucesso dessas medidas revela-se um pouco evasivo.” (p. 25) “Esse fato é atribuído a graves problemas de implementação nos ministérios, a saber: I) dificuldades de coordenação intergovernamental (horizontal) e entre os níveis de governo (vertical). II) falta de equipe técnica (engenheiros especializados) para elaborar projetos de qualidade; III) falta de processos padronizados de licitação etc.” (p. 25) “Mais uma vez, a expectativa de que se superassem os problemas de baixa execução somente com a garantia de financiamento não aconteceu. A imprevisibilidade orçamentária parece ser apenas parte do problema.” (p. 25) “O processo de monitoramento do PAC é organizado em ciclos bimestrais. Cada ministério envia as informações sobre a execução dos projetos por meio de um sistema de informação on-line (Sispac). Segundo Viana (2008, p. 5)40 , o Sispac sofre dos mesmos problemas enfrentados por outros sistemas de informação do Governo Federal, quais sejam, fragmentação e informações gerenciais pobres. Trimestralmente, é realizada pela Casa Civil uma apresentação pública sobre o ritmo de execução dos projetos do PAC e seus dados macroeconômicos. Esses eventos são estratégicos e, dada a centralidade do PAC nas políticas do governo, atraem muita atenção da mídia. Os relatórios do PAC estão disponíveis on-line em <http://www.brasil.gov.br/pac/>.” (p. 26) 26 26. Viana, L. (2008). Programa de Aceleração do Crescimento: a experiência brasileira recente no monitoramento de projetos estratégicos. XIII Congreso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires. 28 Box 5 “Esses relatórios de monitoramento do PAC e o uso sofisticado de fotografias aéreas de locais de infraestrutura oferecem um panorama descritivo do que foi realizado e os próximos passos em implementação. No entanto, eles talvez estejam aquém de analisar as dificuldades encontradas na implementação e os ajustes necessários para o projeto ser aprovado. As classificações ‘Adequado’, ‘Atenção’, ‘Preocupante’ etc utilizadas nesses relatórios são simples, porém, não há explicação clara de como atribuí-las a projeto específico, somente o valor dos compromissos financeiros e/ou pagamento é apresentado.” (p. 26) “Existem características de forma e natureza específicas do PAC. Por exemplo, a carteira de projetos do PAC está isenta de uma série de procedimentos requeridos para projetos fora do PAC. Recentemente, a Emenda Legislativa nº 425/2008 dispensou todas as estradas de pré- licenciamento ambiental, como forma de acelerar a implantação desses projetos do PAC. Da mesma forma, o orçamento e os procedimentos financeiros são um pouco diferentes de outros projetos. A Secretaria do Tesouro Nacional ressalta que não é universalmente benéfico para todo projeto ser incluído no PAC, dado que, “por vezes, a inclusão no PAC atrai a atenção dos órgãos de controle que acabam retardando ou mesmo inviabilizando a execução.” (p. 26) “Dados sobre a execução orçamentária do PAC demonstram que, apesar do monitoramento intensivo, o ritmo de execução dos projetos tem sido mais lento que o esperado. (...) Esse perfil de execução permanece bastante similar ao do resto do orçamento.” (p. 26) 2.4. Ajuste de Projeto A fase de implementação embute inevitáveis incertezas, e fatos supervenientes devem ser assimilados na forma de revisão e ajustes de projeto. Todo o empenho do contratante nessa fase está concentrado em reduzir ao máximo o aumento de custos e/ou a ampliação do cronograma de execução. Do ponto de vista institucional, em geral há regras que definem a forma e o campo de possibilidades para revisões de projeto dentro da lisura e da transparência dos atos. O que pode ou não ser passível de revisão na fase de ajuste é parâmetro indispensável para o projetista distinguir o risco do projeto que deverá ser assimilado na forma de um custo adicional daqueles riscos de eventos inadvertidos que deverão ser assimilados na forma de ajuste de projeto, a posteriori, com o contratante e, portanto, não entram no custo de projeto. Todo projeto que disputa a preferência do contratante procura incorporar benefícios em termos de custo, qualidade, tecnologia e prazo, pelos quais compensa correr riscos. A isso se chama cálculo de riscos interno do projeto27, os quais não serão passíveis de negociação com o contratante. O fato é que a fase de execução traz o projeto ao nível da realidade, onde o plano de gerenciamento é testado diariamente, em especial o seu plano de riscos externos ao projeto. Entre os aspectos físicos não previsíveis e, por isso, não considerados, destacam- se: os compromissos descumpridos pelos fornecedores e/ou pelos funcionários diante de contratos assinados; as mudanças bruscas e intensas do ambiente econômico e fiscal, tais 27. O termo “o risco compensa o benefício desejado” diz muito sobre a relação entre risco e compensação. O risco é sempre calculado em função dos objetivos perseguidos. Se uma obra deve ser realizada mais rapidamente do que seria normal, é um risco voluntário assimilado no cálculo. Portanto, há sempre uma aceitabilidade de certo risco em função de compensações no desempenho e custo do empreendimento. Há riscos, em contrapartida, denominados involuntários, os quais são, em geral, causados pela natureza. São riscos considerados imotivados e a reação da sociedade é de modo fatalista. Adams, John, 2009. 29 como eventos climáticos. Trata-se de incertezas cujo histórico de empreendimentos similares não teve registros de ocorrência e,portanto, não se traduziu em risco calculado no plano de riscos objetivos28 do projeto. Alterações nas circunstâncias do projeto mudam o perfil de custos e de financiamento. O processo de revisão deve ter alguma flexibilidade para o seu acolhimento e procedimentos para sua aprovação. A boa prática recomenda que essas regras sejam públicas e incorporadas aos contratos29;30. Um bom sistema de investimento público deveria ser aquele que apresentasse o menor índice de revisão de projetos ou o menor sobrecusto em relação ao custo total da carteira. Esses índices refletem diretamente na qualidade do projeto o qual o sistema de GIP persegue e aceita. Existem, de maneira geral, dois grandes tipos de ajustes: • Demanda oriunda dos executores na forma de um pedido para recompor o equilíbrio econômico-financeiro do contrato31, bem como prorrogação ou alteração de projeto. De grande incidência, esse tipo de ajuste revela tanto a má qualidade dos projetos quanto, em certos casos, a estratégia deliberada dos executores que, ora subestimam custos para vencer o certame, ora aproveitam o caráter estratégico e indispensável do investimento no prazo previsto para pressionar a administração pública por melhores condições. • Demanda oriunda dos patrocinadores ou dos financiadores. A praxe de um parcelamento incremental do financiamento deve ser aproveitada para marcar, com distinção, determinadas parcelas que coincidam com fases independentes do projeto, sem prejuízo dos pagamentos periódicos por medição. O alvo aqui é a introdução, por parte, dos financiadores de um processo de monitoramento que permita solicitar aos executores do projeto, caso necessário, a reformulação do projeto ou mesmo a suspensão temporária dos desembolsos. Essa posição proativa e não reativa, como supõe a tradição, por exemplo, no Brasil, sugere que o monitoramento seja acompanhado por uma atualização da análise custo-benefício e de um lembrete aos executores de sua responsabilidade na entrega dos benefícios contratados. Essa postura se faz mais presente nos investimentos realizados por empresas estatais, os quais tendem a incorporar modelos gerenciais de excelência, típico do ambiente corporativo, mantendo a equipe altamente preparada para gerenciar e monitorar os executores, os custos e os resultados esperados32. 28. “O risco objetivo é o de domínio dos especialistas, em geral estatísticos e atuários”, o que esses “dominam é história, transmutada em risco...” ADAMS, John 2009. 29. Veja documento elaborado por Lucia Maria Vasconcelos Pereira, 2004. 30. 44A revisão de contratos está prevista no art. 65 da Lei de Licitações nº 8.666: “Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: I - unilateralmente pela Administração: a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos; b) “quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei;” 31. A questão referente ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo está prevista na Constituição da República, conforme preconiza o inciso XXI do art. 37: “remuneração que deve ser mantida durante toda a execução do contrato, assegurando-se ao contratado o direito da relação inicialmente estabelecida”. 32. 46Petrobrás e Eletrobrás são empresas que empregam sistemas informatizados sofisticados de gerenciamento e monitoramento dos investimentos que promovem. 30 As organizações públicas que financiam o investimento devem fazer escolhas: • Reforçar o processo de monitoramento, tornando-o um mecanismo proativo para atingir a melhor relação custo/benefício possível em face de uma execução com muitos imprevistos. • Optar por uma forma passiva de monitoramento, isto é, só começar a atuar quando as dificuldades já estiverem em curso e os prejuízos elevados implicarem inevitavelmente um ajuste pesado de projeto. • Utilizar o seguro-desempenho, mecanismo que se tem mostrado eficiente para reduzir o ônus de ajustes no projeto; porquanto, na maioria das vezes, os imprevistos são cobertos pelo seguro, de modo que cabe a ele arcar com os prejuízos decorrentes de fatos supervenientes na execução. • Substituir a realização do investimento direto pela sua promoção via recurso de concessões ou PPPs. Nesse caso, os prejuízos em termos de elevação de custo e extensão de prazo correm por conta do privado. Contudo, cabe recurso às agências de regulação, porque se trata de um serviço público entregue ao setor privado. Tais estruturas deverão ser implantadas ou ampliadas para atender aos procedimentos de monitoramento e fiscalização sobre a operação, e não mais sobre o investimento. Os custos dessa escolha deveriam ser igualmente aferidos, pois não só haverá elevação de custos administrativos como, também, elevação de tarifa dos serviços prestados, implicando ônus à população. Principais problemas Os prejuízos de uma má gestão nessa fase de ajuste de projeto podem ser incalculáveis do ponto de vista socioeconômico, em especial com o atraso na entrega dos empreendimentos. É nesse estágio que os problemas de baixa qualidade dos projetos se transformam em rombos financeiros expressivos e a precariedade de um monitoramento in loco de rotina amplifica os custos desnecessariamente. As organizações públicas delegam amiúde essa tarefa aos engenheiros da empresa encarregada da execução do empreendimento. Essas organizações não costumam fazer o acompanhamento adequado dos relatórios de controle obrigatório da obra. Tomam conhecimento de forma ex post, após um pedido de alteração de projeto solicitado pela executora. Os governos precisam criar capacidades para monitorar a implementação de projetos e tratar dos problemas de forma antecipada e tempestiva. Quadro 8 Características básicas da etapa 6: Ajuste do projeto Arranjo institucional desejável O processo de revisão para o reequilíbrio econômico deve assegurar alguma flexibilidade para permitir mudanças no perfil dos desembolsos, capazes de absorver as mudanças nas circunstâncias do projeto. Monitoramento ativo. 31 Box 6 Nota sobre o Brasil47 “Segundo o TCU, as principais causas de obras inacabadas ou paralisadas são a falta de priorização, a excessiva politização e a imprevisibilidade dos recursos orçamentários. O TCU apontou que não há demanda para a avaliação dos projetos e informações sobre a execução. Os ministérios têm muito pouco controle sobre suas obras, dado que nenhum dos sistemas de informação disponíveis (por exemplo, Sigplan, Sidor, Siafi, Siasg, Sispac, Sisconv) possui todas as informações necessárias para identificar as obras. Esse fato também cria dificuldades para as auditorias do TCU.” (p. 27) “Além disso, as deficiências na concepção dos projetos causam diversas irregularidades na implementação. Por exemplo, empreiteiros mudam as especificações dos projetos para torná- los mais caros. Contratos adicionais são assinados sem a formalização de alterações no projeto. Quando o TCU inspeciona o trabalho, é clara a falta de controle de qualidade da agência contratante. O resultado é que o TCU suspende a execução até que as irregularidades sejam resolvidas. Esse procedimento de controle contribui para o acúmulo de obras inacabadas.” (p. 27) “O TCU relatou uma amostra de 400 obras inacabadas. Esse relatório destacou a extrema dificuldade dos ministérios em obter informações sobre seus próprios investimentos. Dependendo do tipo de investimento (direto, convênio, contratos de transferência), existem diferentes meios de monitoramento de execução das obras. Sistemas como o Siafi, Siasg e Sigplan geram informação orçamentária, mas não são capazes de identificar uma obra, uma vez que eles não têm uma chave que relaciona
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