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JÉLVEZ, Julio Alejandro Quezada. História da educação. 1 ed. Curitiba: InterSaberes, 2013. Download desse arquivo: shorturl.at/pEGH6 1 A educação nas civilizações antigas 1.1 Educação no Egito [p.16] Os registros históricos significativos mais remotos acerca da educação são da civilização egípcia, por volta de 2200 a.C. A civilização egípcia era muito desenvolvida no que se refere às ciências em geral. A matemática, a astronomia e a medicina eram expoentes dessa cultura, porém todo esse avanço era explicado pela religião e pela magia, além de ser monopolizado pelos pequenos grupos das elites política e religiosa. A educação no Egito era dirigida a classe dominante; os mestres ou escribas ensinavam aos filhos dos dirigentes e escolhidos as artes da política e da administração pública. A capacidade da fala, ou seja, a oratória, era um valor central naquela educação, pois o bom dirigente deveria ser capaz de se comunicar com facilidade sem o uso da escrita. A TRANSMISSÃO DE ENSINAMENTOS de geração para geração era rigorosamente respeitada, e a autoridade dos adultos era característica marcante no Egito. Em seus aspectos metodológicos, a educação era embasada na repetição de normas morais, e os alunos recitaram juntos os textos trabalhados. [p. 17] No Médio Império, surgiu a necessidade de sistematizar essa formação do homem político. Os primeiros modelos de escola que surgiram seguiam o modelo tradicional, com os mestres sentados em destaque e rodeados por seus discípulos, formando a base. Nesse período, o escriba, que era o responsável pelos trabalhos administrativos do governo por sua perícia na escrita, passou a exercer o papel de responsável pela educação dos jovens. Esses ensinamentos não tinham como intenção desenvolver a literatura artística nos alunos, mas, sim, prepará-los para administrar a sociedade. As letras serviam para o exercício do poder, até porque a classe que recebia essas instruções era a dominante. Outra característica pedagógica importante era a prática da educação física, estando entre as principais atividades a natação. Já no Novo Império, consolidou-se a educação relacionada ao preparo físico-militar e à introdução às grandes literaturas, ensinadas por meio ainda de repetição e de fortes castigos físicos, outro aspecto como comum nessa época. O viés da prática como repetição de procedimentos matemáticos também ganhou importância nesse tempo. O conceito de educação desenvolvido no Egito tinha como base a ideia de que a instrução diferenciava os indivíduos, pois aqueles que dominavam as letras e as ciências não praticavam os trabalhos pesados, que deveriam ser feitos por quem não tinha acesso à educação. A escrita, como era dominada por poucos, não teve um papel central na educação egípcia, mas, no que tange à religiosidade, ela foi fundamental para a conservação da história desse povo. 1.2. Educação na Grécia [p.18] A Grécia é tida, quase unanimemente, como a mãe da civilização ocidental, por ter sido onde se desenvolveram os valores e os conceitos básicos da nossa cultura. As ideais de liberdade política, de cidadania, de desenvolvimento intelectual, da individualidade, da filosofia, da poesia, da racionalidade, bem como os conceitos de arte e de lei, manifestaram-se embrionariamente nas sociedades gregas. Estas eram sustentadas por um sistema escravocrata, [...] eram pessoas de outros povos, vencidos em guerras e colonizados, ou, ainda, devedores de obrigações comerciais. [...] Com Homero (século VIII a.C.), autor de Ilíada e Odisseia, temos a primeira contribuição significativa para a educação, que, nesse período, era essencialmente prática. O autor trata, em seus poemas, de um duplo ideal de homem, o do fazer e o do saber, e essa ideia se estendeu por toda a história da educação grega. Tornar-se esse homem "completo" deveria ser o objetivo de todos os homens livres. [p. 19] (Sobre Esparta) [...] a prioridade da educação era o desenvolvimento de aspectos disciplinares de obediência às leis e dos valores relacionados à coragem dos indivíduos. A Música e a ginástica eram elementos encontrados na educação desse tempo. A primeira figurava como elemento de aculturação, obtida por meio de cantos religiosos e de guerra. A segunda, por sua vez, consistia no modo de treinamento do guerreiro. [...] Até os 7 anos, a criança ficava com a família, que a iniciava nos exercícios físicos e disciplinares, para que depois pudesse ser encaminhada a uma espécie de escola mantida pelo Estado, onde, no decorrer de sua adolescência, daria início aos estudos de estratégias de guerra e treinamentos militares. Somente com 30 anos se atingia a maioridade, mas isso não desvinculava o homem do Estado; pelo contrário, este seguia trabalhando em tempo integral em funções estatais. [...] Foi no Período Clássico (500 a.C até 336 a.C.) que os sofistas ganharam mais espaço, revolucionando a maneira de pensar dos gregos, problematizando os valores maniqueístas, como bem e mal, verdade e mentira, justiça e injustiça. Eram avançados para a sua época, pois criticavam a escravidão e a discriminação racial perante outros [p. 20] povos, bem como defendiam a liberdade e os direitos individuais, o que criou uma resistência por parte das alas conservadoras da sociedade grega. Acrescentemos que os sofistas transferiram o caráter inicial da educação, que era de certa estima mútua entre mestre e discípulo, para uma relação econômica. Em Atenas, por exemplo, começaram a surgir as primeiras leis sobre a educação e a escola, nas quais já eram tratados temas como os deveres educativos dos pais, a necessidade do ensinamento de um ofício para os pobres e da educação completa para os ricos, a quantidade de alunos por turma e a formação que deveriam ter os professores. Foi em meio a essas questões que nasceu a escola da escrita, ou seja, uma escola que, além de ensinar a música e a ginástica, passou a ensinar o alfabeto, a leitura e a escrita. Os registros mais precisos sobre a existência dessa escola datam do século V a.C. Surgiam então um meio democrático de comunicação, já que os homens livres passaram a ter acesso a esse tipo de escola. Os conservadores não apoiaram a criação dessas instituições educacionais, pois acreditavam ser perigoso difundir a escrita ilimitadamente. Entretanto, o que mudou foram os meios da educação, e não seu conteúdo. Mesmo assim, podemos afirmar que essa escola do alfabeto foi a primeira a existir com as características da escola formal que temos em nossos dias. Com a evolução dessa escola, que, primeiramente, era mantida com contribuições de soberanos, doações de particulares e, mais tarde, foi assumindo um caráter de instituição de Estado formou-se um quadro educacional bem desenvolvido. A maioria das crianças (filhos de homens livres) frequentava a escola, e os líderes políticos já davam uma atenção diferente aos meios de instrução da população. [p.21] Confirma-se, então, a estatização das escolas, e o ginásio tornou-se o modelo educacional da época, uma espécie de centro de cultura física e intelectual para osadultos e os adolescentes. Outro aspecto importante é o ensino profissional, que também existia nesse período, embora ainda não houvesse uma grande sistematização, por ser essencialmente prático. A área que mais relacionou teoria e prática foi, sem dúvida, a medicina, seguida da arquitetura. [...] A democratização da escola intelectual e da escrita fez com que o exercício de educar se transformasse em uma profissão pública e conquistasse uma aceitabilidade social maior. [...] [p.22] A monarquia romana (753 a.C. a 509 a.C.) coincidiu com um notável progresso econômico e cultural, porém as relações com outras culturas ainda não eram muito desenvolvidas. Antes mesmo do estabelecimento do Império Romano (período que serviu de cenário para as grandes conquistas romanas, ocasionando a assimilação da cultura do povo vencido - helenística - pelo povo vencedor), os etruscos já haviam adotado o alfabeto grego, modificando-o até criar o latino. A educação, nesse período, era um tanto quanto primitiva, e a aprendizagem de valores morais e disciplinares era essencial. O método de ensino era o da imitação, ou seja, a educação era centralizada na formação do caráter do indivíduo, e quem desempenhava essa função pedagógica era a família, sendo o pai o maior exemplo. A criança era posta sob tutela do pai a partir dos 7 anos para praticar exercícios físicos. Caso a mãe - que, diferente da mãe grega, tinha um papel fundamental na educação prática do filho - não lhe tivesse ensinado os costumes utilitários básicos, o pai o faria. Era fundamental que o jovem romano observasse seu pai e os outros homens agindo de acordo com as normas morais, pois os meninos deveriam, ao longo de seu aprendizado, desenvolver em suas personalidades valores como a piedade, a honestidade e a prudência. No início, a escola do lar era a única. Um pouco mais tarde, mas antes da fusão cultural greco-romana, já era possível verificar uma escola elementar em Roma, que era chamada de ludi, do latim ludus (diversão), visto que, quando estudavam as artes e a escrita, os alunos sentiam prazer, como se estivessem em um jogo, ao contrário do ensino disciplinar e rígido da educação do lar, proporcionado pela família. [p.23] Quando incorporada a Roma, a Grécia passou a influenciar decisivamente a cultura da província conquistadora. As relações comerciais fizeram com que se tornasse vital para a economia romana o estudo da nova língua - a grega (essa prática é atribuída às escolas do gramático, em que se ensinavam o grego e o latim). O ensino nessas escolas era ministrado por escravos pedagogos gregos, que podiam falar ou não o latim e que tinham a função de transmitir a cultura grega e ensinar a própria língua. Vários historiadores afirmam que, naquele tempo, algumas famílias se negavam a entregar a educação dos filhos a esses escravos gregos, preferindo retroceder aos tempos da escola do lar. No ensino romano, temos a ideia de educador como sujeito histórico, com sua origem ligada a um trabalho discriminado e servil. Os professores das escolas consolidadas eram, primeiramente, escravos e, depois, homens que recebiam quantias miseráveis para ensinar. Todavia, os mestres estrangeiros que se tornavam escravos gozavam de certo prestígio por parte dos médicos por representarem ferramentas culturais importantes para o desenvolvimento. Com as reorganizações do império, os mestres tornaram-se assalariados (mal pagos), a instituição escolar generalizou-se, e consolidou-se como órgão do Estado, carregando todas as influências helenísticas. Portanto, podemos afirmar que o sistema educacional romano foi o primeiro a ter uma organização comum que funcionava nas várias cidades do império. O caráter oficial das escolas e a sua estrita dependência do Estado constituem não apenas uma diferença relevante em relação ao modelo de ensino da Grécia, como também uma novidade fundamental para a educação. Nesse tempo, encontramos na oratória a grande virtude intelectual, razão pela qual se [p. 24] fazia necessário priorizar essa temática, o que era feito nas escolas gregas de retórica e gramática. Assim como a escola dos sofistas, a escola do retórico, em Roma, valia-se de um treino focalizado em oratória. Essa escola só estava ao alcance daqueles que seguiriam carreiras públicas, ou seja, a classe dominante. A oratória passou a ser tão importante na vida romana que a um guerreiro só era atribuída a qualidade de bom líder se ele fosse bom orador. Com a invasão dos povos bárbaros, o império enfrentou problemas graves e dilui-se por partes. O sistema educacional romano acompanhou esse desmantelamento, desorganizando-se em seu aspecto formal, e a educação tornou-se, paulatinamente, um privilégio de poucos. Assim, o motivo do declínio da educação romana foi o fato de o ensino ter sido cada vez mais direcionado somente à classe mais elevada da sociedade, deixando de ser vinculada aos problemas práticos da população. [...] A educação egípcia deteve-se na oratória e nas ciências exatas, a Grécia desenvolveu a filosofia e os romanos beberam da cultura grega, desenvolvendo o papel profissional do educador e o estudo da jurisprudência. As três civilizações apresentadas recorreram à educação como recurso de formação dos seus filhos e cidadãos, considerando a família e o Estado como os responsáveis [p.25] pelo desempenho da instrução, e as tradições, as crenças, os valores e as atividades domésticas e produtivas como fontes dos conteúdos para essa atividade. [p.29] [...] O longo período medieval foi marcado pela forte influência da Igreja Católica na cultura ocidental e dos valores hebraico-cristãos que se difundiram entre os bárbaros que invadiram e dominaram o Império Romano do Ocidente, formando vários reinos. [p. 30] [...] Os principais impérios da Idade Média foram o carolíngeo, o bizantino e o muçulmano, cada um com suas particularidades e contribuições [...]. [...] O controle político era todo dos senhores feudais, que exerciam, muitas vezes, o papel de Estado, tendo em vista a fragmentação e a desestruturação do poder institucionalizado nesse tempo. No início da era medieval, houve uma considerável diminuição da densidade populacional dos grandes centros urbanos da Europa, o que se deus pelas inúmeras guerras travadas na época (invasões bárbaras), que provocaram diversas mortes, pela disseminação de várias epidemias que assolaram, principalmente, as camadas pobres da população e pela mudança gradativa da matriz produtiva da sociedade, que deixou de ser centralizada nas cidades e no comércio para se tornar agrária e de pouca circulação monetária. [p. 31] Por longo tempo, os mosteiros figuraram-se como alguns dos poucos espaços educativos da época. Os homens que optavam por seguir uma vida religiosa iam para essas instituições, onde ficavam sujeitos a regras rígidas de conduta. Leigos também frequentavam os mosteiros e recebiam a mesma educação dos futuros padres, mas, aos 18 anos, poderiam optar entre o sacerdócio e o matrimônio. [...] Nesse período, a Igreja também se ocupava da educaçãodas crianças em geral, já que a diminuição do preconceito contra a instrução do povo era uma marca do cristianismo. Havia, nas paróquias ou nos mosteiros, um tratamento diferenciado para crianças, as regras, aliás, previam uma abordagem afetuosa com elas. No entanto, o sadismo pedagógico era o método mais comum, isto é, a aplicação de castigos físicos perante os erros dos pequenos [...]. [p. 32] [...] Chega o momento em que a cultura escolástica confirma-se como dominante no Ocidente europeu [...]. Sobre a escolástica, partilhamos do conceito de Nelson e Claudino Piletti (1997) de que ela "é um movimento intelectual oriundo da Idade Média preocupado em demonstrar e ensinar as concordâncias da razão com a fé pelo método de análise lógica". [...] Com o aparecimento de um número maior de escolas paroquiais urbanas, houve uma certa universalização da educação, e as classes subalternas, historicamente excluídas, passaram a ter acesso a essas instituições. Essa foi a nova ação da Igreja para fortalecer um processo muito mais de aculturação que de instrução, porém isso representa um salto relevante, se comparado à situação de não haver nenhum tipo de sistematização da cultura e nenhum meio formal de convívio e participação nas vivências nas escolas. Essas eram escolas canônicas do clero secular das cidades, regidas por regras administrativas bem organizadas e que marcaram a entrada do reino carolíngio. Foi no século VIII, na dinastia carolíngia, que houve uma espécie de mescla, no que se refere à educação, entre o clero e o Estado. A responsabilidade pela instrução, embora confiada à Igreja, foi absorvida pelo poder político institucionalizado. Essa medida é atribuída, principalmente, [p. 33] a Carlos Magno, quando a cultura clássica começou a ser revalorizada, desde que seu uso fosse o de aprimorar os conhecimentos do cristianismo. Mais tarde, houve divergências entre o Estado e a Igreja sobre quem seria o responsável pela instrução do povo. [...] Isso fez com que surgissem algumas instituições de ensino diferentes, escolas que eram do Estado, nas grandes cidades e para leigos. As paróquias eclesiásticas continuaram recebendo leigos, mas concentraram-se na formação religiosa dos clérigos. No início, quem dava as aulas nessas escolas eram os bispos, no entanto, esse papel foi logo passado a um professor chamado scholasticus, cargo que foi ganhando credibilidade. Esse educador passou a dar aulas particulares, cobrando certa quantia para fazê-lo, o que provocou revolta em alguns setores da Igreja que afirmavam ser a ciência um dom divino que não poderia ser vendido. Com o passar do ano 1000, quando os conflitos com os bárbaros já eram menores, ocorreu uma gradativa abertura do tráfego no Mediterrâneo, bem como o aparecimento de novos centros urbanos, que fizeram diminuir o poder político feudal. Assistiu-se então a uma grande retomada das atividades culturais e pedagógicas. No âmbito educacional, essas mudanças se fizeram presentes com uma nova abertura das escolas cristãs para a população leiga e pobre. Outra novidade foi a introdução das artes liberais como conteúdo a ser trabalhado nessas escolas. Em 1179, o Papa Alexandre III, em uma surpreendente decisão, fez com que todas as igrejas e mosteiros estendessem a educação para as camadas populares e, [p. 34] ainda, criou uma espécie de benefício financeiro para os mestres ensinarem a todos. Tendo em vista que a economia de mercado havia surgido nas grandes cidades, agora com populações bem maiores, com uma organização em comunas, isto é, formando grandes povoados que, de certa forma, emancipavam-se do feudalismo e que tinham um governo autônomo, o desenho da sociedade modificou-se significativamente. Foi nesse cenário que apareceram os primeiros mestres livres, religiosos ou leigos assalariados, que ensinavam as artes liberais (gramática, dialética, retórica, aritmética, geometria, música e astronomia). O desenvolvimento do trabalho desses professores livres, somado às novas conjunturas da ciência e da política, deu origem às universidades medievais. As primeiras grandes universidades foram as de Bolonha (1088), Paris (1150) e Oxford (1167). Os conteúdos contemplados eram as artes liberais, a medicina e o direito. Inicialmente, a Igreja ainda exercia um poder de supervisão sobre as universidades dos professores livres, pois era ela quem dava a liberação para ensinar e examinava os títulos de todo estudo. Em torno de 1230, havia poucas universidades ainda, mas já se podia notar um reconhecimento para com essas instituições, que, com o passar do tempo, foram se tornado cada vez mais complexas em seus regimentos organizacionais e em suas sistematizações científicas. Nessa época de consolidação das academias, surgiram duas novas ordens religiosas importantes na renovação de várias escolas: os dominicanos e os franciscanos. Os primeiros priorizaram o estudo da teologia, enquanto os segundos se dedicaram particularmente às artes liberais, tendo como expoente uma das mais lidas gramáticas da Idade Média, escrita pelo franciscano Alexandre de Villedieu. [p. 35] Com o surgimento de novas universidades, o Estado, que sempre as apoiara, começou a se interessar mais pelo controle destas, pois era cada vez mais necessária a formação de intelectuais capacitados para gerenciar as grandes cidades e as organizações públicas. Em alguns casos, o poder político chegou a sufocar a autonomia das instituições, como em Paris, onde a universidade resistia a intervenções mais agudas. Já em várias outras experiências, em troca de apoio político e financeiro, as novas universidades adotavam as medidas determinadas dos principados e formavam as elites que seriam mantidas no poder. Desses movimentos advém, aos poucos, o Estado moderno. [...] foi a partir do século XI que começaram a ocorrer as Cruzadas - diversos movimentos militares e religiosos contra os povos da Europa Oriental ou para expulsar os muçulmanos da Península Ibérica e de Jerusalém -, as quais contribuíram enormemente para o gradativo renascimento mercantil e a generalização de uma cultura de comércio. Essas transformações atingiram uma maturidade maior com o desenvolvimento urbano e do artesanato do início do século XIV. Aí nasceu a burguesia urbana, protagonizando as atividades das novas relações de trabalho da sociedade. [...] [p. 36] [...] Um dos aspectos centrais da educação na Idade Média refere-se ao conteúdo essencialmente religioso que ela adquiriu por tratar-se de uma atividade que ficou sob responsabilidade da Igreja. Entretanto, foi um período em que se procurou um conteúdo de cunho simbólico, uma estruturação da educação em seus aspectos metodológicos, a ampliação do alcance da educação para as crianças e os jovens e o surgimento das universidades como centros de acúmulos e manutenção dos saberes e de estudos superiores. [p. 43] (Sobre a idade Moderna) [...] identificamos aqui um ensino tradicional muito enraizado ainda, em que a relação professor-aluno era extremamente hierarquizada, o que provocava, em muitos casos, totalpassividade dos educandos. Os conteúdos eram transmitidos a fim de que os [p. 44] alunos adquirissem noções gerais sobre o conhecimento intelectual, por meio de aulas basicamente expositivas e exercícios de repetição e fixação. A rigidez em termos de horários e disciplina era muito grande, e a avaliação era centrada nos aspectos da memória e da assimilação quantitativa dos conteúdos. [...] [...] Com isso, a escola, de um modo geral, institucionalizou-se de forma mais elaborada, visto que, nessa época, surgiram os currículos, as graduações em séries e a separação dos alunos por idade. [...] o ensino deixa de ser ligado a temáticas contemplativas e passa a ter um teor mais realista, vinculado à sociedade moderna em desenvolvimento. [...] [...] Um dos valores da cultura renascentista que influenciou ativamente a ciência, a filosofia e a educação é o racionalismo [...] [p. 45] pensamento que rejeitava as explicações mistificadas e religiosas da realidade e tinha a razão como fonte de todo o conhecimento [...] [...] [p. 46] [...] Ainda sob o regime absolutista, a Europa foi palco de diferentes contextos, como já mencionamos: de um lado, os estados alemães desenvolveram um sistema educacional bem organizado e plural já no século XVII; de outro, a França - que viveu o apogeu absolutista com Luís XIV -, por ser um Estado católico, teve a educação controlada por jesuítas, os quais a direcionavam aos nobres e aos burgueses ricos. As classes populares francesas viviam, em sua maioria, na zona rural e não tinham acesso à escola. Percebemos que, apesar dos avanços teóricos sobre a educação, ainda se via um ensino elementar bastante precário em muitas monarquias nacionais e que os métodos de ensino também não acompanhavam tais melhorias. Chegamos ao século XVIII, que é conhecido como Século das Luzes por ter ocorrido nesse período o apogeu do Iluminismo - movimento cultural e intelectual de oposição ao absolutismo e que tinha na razão e na ciência suas formas de explicar a realidade. Portanto, essa época foi marcada por um grande progresso intelectual, por aperfeiçoamentos da filosofia e pela revitalização da educação como formação cultural e científica do ser humano. Foi na conjugação do empirismo científico com o racionalismo cartesiano que se fundou a filosofia iluminista, a qual, com suas múltiplas dimensões, influenciou a formulação dos currículos de disciplinas, tanto na área das humanas como na das ciências naturais. [p. 48] A transformação social e técnica marcada pela transição da manufatura, produzida pela energia humana, para a maquinofatura, movida por energia a vapor, mecânica ou elétrica, bem como o fim do absolutismo, afirmaram o capitalismo como modo de produção vigente, que se caracterizou tanto por mudanças das relações de trabalho, substituindo a servidão pela mão de obra assalariada, quanto pela implantação de uma economia de mercado, em que o direito à propriedade privada dos meios de produção e a mínima intervenção do Estado eram condições necessárias para o bom desenvolvimento da sociedade. Com a Revolução Industrial, os complexos escolares aumentaram, já que o operariado, diferentemente do campesinato, precisava minimamente saber contar, ler e escrever. Com esse aumento, já se percebia, na legislação de vários países, a vontade de tornar a educação, cada vez mais, leiga, gratuita e oferecida estritamente pelo Estado. E isso ocorreu à medida que a educação foi se tornando cada vez mais uma reivindicação primeira de quem a ela não tinha acesso, que, em geral, eram os próprios operários e os membros das classes populares. Então, antes de se construir um sistema educacional público unificado, consolidou-se um quadro de ensino em que uma escola era feita para as elites e outra para os segmentos mais pobres, o que, logicamente, determinava a adoção de conteúdos diferentes. No entanto, logo se constituiu um só sistema. O êxito do processo de industrialização e o desenvolvimento acelerado das ciências fizeram aflorar a necessidade de que a escola deixasse de trabalhar somente com temas morais e [p. 49] humanistas e acrescentasse os aspectos científicos ao conteúdo do ensino Nesse contexto, o positivismo teve papel importante, pois seus representantes preconizavam a formação do espírito científico nos estudantes. Auguste Comte (1798-1857), fundador dessa corrente de pensamento, entendia que o ser humano tem uma ética própria e que a ciência deveria chegar a ela de maneira neutra. O filósofo negava as causas dos fatos, pretendendo estudar apenas suas leis isoladas e observáveis. A tendência positivista é o conteúdo base do cientificismo que marcou, por muito tempo, a escolha dos currículos escolares em todo o Ocidente, e seus resquícios podem ainda ser notados em nossos dias, se não objetivamente, de maneira suave ou disfarçada. Ao negar a teologia e as interpretações místicas da realidade, o positivismo tornou-se um marco científico da Modernidade. O sistema de ensino era frequentado por classes sociais diferentes, entretanto, para seguir para a próxima etapa da sua instrução, os alunos deveriam passar por testes em que os melhores eram escolhidos para continuar seus estudos, e estes, majoritariamente, eram filhos de burgueses, que podia pagar estudo particular. [...] [p. 55] Foi no governo de Tomé de Souza que chegaram os primeiros jesuítas, chefiados por Manoel de Nóbrega. Seis padres jesuítas marcaram o início da história da educação no Brasil (nos moldes europeus). É preciso ressaltar que os portugueses trouxeram um padrão de educação próprio da Europa, o que não quer dizer que as populações que por aqui viviam já não possuíam características próprias de se fazer educação. E convém ressaltar que a educação que se praticava entre as populações indígenas não tinha as marcas repressivas do modelo educacional europeu. (Bello, 2008) Quinze dias após a chegada do grupo jesuíta, foi fundada, na cidade de Salvador, a primeira escola elementar. Em 1554, foram fundadas as escolas jesuítas de São Paulo de Piratininga – tendo como seu primeiro professor o padre José de Anchieta -e a da Bahia. Dois anos depois, fundou-se o Colégio Jesuíta de Todos os Santos, e entraram em vigor as “Constituições da Companhia de Jesus", incluindo a aprendizagem do canto, da música instrumental e o estudo profissional agrícola. No ano de 1567, foi criado o Colégio Jesuíta do Rio de Janeiro e, um ano mais tarde, o Colégio Jesuíta de Olinda (Lima, 1969). Os jesuítas dedicaram-se, com a finalidade de aculturação, ao trabalho educacional e à pregação da fé. Nesse [p. 56] exercício, os padres nem sempre eram recebidos com total cordialidade pelos nativos, que resistiam em certos pontos, resistência essa que não durou muito. Nos primeiros contatos, os jesuítas já percebiam que não seria possível converter os índios à fé católica, sem que antes os ensinassem a ler e a escrever. Durante o governo de Duarte da Costa, os conflitos entre colonos e jesuítas, relacionados ao problema da escravidão indígena, acentuaram-se. Os índios, durante todoesse período, ficaram à mercê dos europeus. Portugal desejava integrá-los ao processo de colonização; os colonos estavam interessados em usá-los como escravos, e os jesuítas desejavam convertê-los ao cristianismo e aos valores europeus. Para alcançarem seus objetivos, os jesuítas afastaram os índios dos interesses dos colonizadores e criaram as reduções, ou missões, no interior do território brasileiro (Lima, 1969) O objetivo inicial dessas organizações era criar comunidades que possuíssem as qualidades da sociedade cristã europeia, mas que fossem imunes aos vícios e valores maldosos. Nessas missões, os índios, além de serem catequizados (educação da alma), também praticavam o trabalho agrícola, o que garantia a fonte de renda dos jesuítas. Uma curiosidade sobre esse processo é que, até em momentos de descontração, os padres praticavam a catequese, principalmente com a música, que era um elemento fundamental da pedagogia jesuítica. Assim, os cantos gregorianos e os instrumentos de sopro foram introduzidos pelos religiosos do antigo continente na cultura de percussão dos índios. [p. 57] Em 1570, 21 anos após a chegada dos jesuítas, o Brasil já contava com cinco escolas de instrução elementar (em Porto Seguro, em Ilhéus, em São Vicente, no Espírito Santo e em São Paulo de Piratininga) e três colégios (no Rio de Janeiro, em Pernambuco e na Bahia). O ensino elementar, que tinha duração de seis anos, fornecia ensinamentos de retórica, gramática portuguesa, latim e grego. Mais tarde, a duração passou a ser de três anos, e as disciplinas administradas passaram a ser Matemática, Física, Filosofia (Lógica, Moral e Metafísica), Gramática, Latim e Grego (Bello, 2008). Em 1575, no colégio da Bahia, já se colava grau de bacharel em Artes e, em 1599, todas as escolas jesuítas estavam sujeitas à regulamentação de um documento, escrito por Inácio de Loiola - que fundou a Companhia de Jesus em Paris, em 1534 –, o Ratio atque Instituto Studiorum, chamado, abreviadamente, de Ratio Studiorum, que, em síntese, é o método administrativo, pedagógico e curricular dos jesuítas. [p. 58] [...] Esse método jesuíta-europeu perdurou de forma absoluta durante 210 anos (de 1549 a 1759), até que um novo rompimento ocorreu: a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal (primeiro-ministro de Portugal de 1751 a 1777). Essa retirada dos jesuítas dos territórios portugueses marcou um dos movimentos violentos da história brasileira, pois, principalmente na Região Sul do país, os jesuítas resistiram, com apoio massivo dos índios, e por isso foi necessário um contingente militar significativo para concretizar [p. 59] as ordens vindas da metrópole. [...] A preocupação de Pombal era retirar Portugal da decadência em que se encontrava e reerguer o país diante de outras potências europeias da época: “A educação jesuítica não convinha aos interesses comerciais emanados por Pombal. Ou seja, se as escolas da Companhia de Jesus tinham por objetivo servir aos interesses da fé, Pombal pensou em organizar a escola para servir aos interesses do Estado" (Bello, 2008). Portugal, quando percebeu que a educação no Brasil estava paralisada, ofereceu uma solução: instituiu o subsídio literário para a manutenção dos ensinos primário e médio. Criado em 1772, era uma espécie de imposto, que incidia sobre a carne verde, o vinho, o vinagre e a aguardente, e cujo valor arrecadado seria revertido para as instituições educativas. No entanto, além de insuficiente, essa taxação nunca foi cobrada com regularidade, e os professores ficavam longos períodos sem receber seus vencimentos. Esses educadores eram, geralmente, mal preparados para a função (já que atuavam de forma improvisada e eram mal pagos) e nomeados por indicação ou com a concordância de bispos, tornando-se “proprietários" vitalícios de suas aulas-régias. [p. 60] Ainda em 1772, o Marquês de Pombal implantou o ensino público oficial por meio das aulas-régias de latim, grego e retórica. Criou, também, a Diretoria de Estudos, que só passou a funcionar após o seu afastamento. Cada aula-régia era autônoma e isolada, com professor único, e uma não se articulava com as outras. Essas aulas deveriam dar conta das disciplinas oferecidas nos já extintos colégios jesuítas, e os educandos, menos numerosos do que antes, formavam um pequeno grupo que se preparava para estudar na Europa. Em todo o período colonial, sobressaiu-se a criação, no Rio de Janeiro, de um curso de Estudos Literários e Teológicos - destinado à formação de sacerdotes -, em julho de 1776, e do Seminário de Olinda, em 1798, por Dom Azeredo Coutinho, governador e bispo de Pernambuco. Foi só com a criação desse seminário que se pôde observar uma estrutura escolar propriamente dita, em que havia uma sequência lógica na apresentação das matérias, uma duração precisa dos cursos e uma organização dos estudantes em sala de aula, trabalhando de acordo com um plano de ensino previamente estabelecido. Além do Seminário de Olinda, Dom Azeredo Coutinho fundou em Pernambuco, em 1802 (cinco anos antes de a Família Real refugiar-se no Brasil), o Recolhimento de Nossa Senhora da Glória, apenas para meninas da nascente nobreza e fidalguia brasileira (Lima, 1969). [p. 70] A finalidade principal da educação no Brasil Império que, a partir de 1808, passou a ser administrada diretamente pelos funcionários da corte consistia na formação das elites dirigentes do país. Fundaram-se com esse fim somente escolas superiores, cujo ingresso era obtido por meio da realização de provas seletivas. Os alunos que estavam em condições de serem aprovados nesses processos seletivos eram aqueles que faziam parte da corte e das elites econômicas e políticas nacionais. Os cursos superiores, criados por Dom João VI para dar conta das elites dirigentes do seu reinado, foram: ● no Rio de Janeiro - a Academia de Marinha, Anatomia e Cirurgia, em 1808; a Academia Real Militar, em 1810; o Curso de Agricultura, em 1814; a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, em 1817. ● na Bahia - o Curso de Cirurgia; a Cadeira de Economia, em 1808; o Curso de Agricultura, em 1812; os Cursos de Química e de Desenho Técnico, em 1817. [p. 71] O ensino primário não constava nas preocupações da administração imperial nem era estimulado na capital ou nas províncias. Entretanto, em 1823, por meio de um Ato Administrativo, que ficou conhecido como Decreto 1o de Março, foi fundada uma escola que desenvolveria o método criado por Joseph Lancaster. Esse método monitoral funcionava com um professor por escola. Os alunos se dividiam em grupos de dez, chamados de decúria, entre os quais o menos ignorante ou com mais informações, chamado de decurião, ensinaria os demais. Tal método foi utilizado até 1838. Em 1832, o Ministro Lino Coutinho realizou uma avaliação sobre a qualidade e a funcionalidade desse método, concluindo que, após três anos nele, os alunos não estavam preparados para progredirem a outros níveis de ensino. No Brasil, esse método não produziu as vantagens que havia proporcionado em outros países.Em 1827, foi promulgada uma lei que determinava a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugarejos, além de escolas de meninas nas cidades mais populosas. No ensino primário, que a partir de 1854 passou a ser denominado elementar, as disciplinas que compunham o currículo eram: instrução moral e religiosa, leitura e escrita, noções básicas de gramática, princípios elementares de aritmética e o sistema de pesos e medidas. Contudo, a legislação promulgada e a definição do currículo não saíram do papel. A criação de um [p. 72] sistema nacional de ensino primário demandava administração, formação de professores, construção de escolas etc. Todas essas condições, necessárias ao funcionamento de uma rede nacional de ensino primário, requeriam investimentos que a Coroa não cogitava realizar, pois a finalidade principal do ensino era a formação superior. O ensino secundário, assim como o ensino superior, tinha como grande objetivo atender à formação das elites dirigentes do país, e era nesses dois níveis que o governo central concentrava seus esforços e investimentos. A função específica do ensino secundário consistia em preparar os estudantes para o ingresso nos cursos superiores, sendo que, para ingressar no ensino secundário, eles não precisavam ter cursado o primário. O ensino primário ficou a cargo das províncias. O acesso a essas escolas era vetado para os escravos. Em 1834, um Ato Adicional outorgou às províncias o direito de legislar e promover a instrução pública e a ter estabelecimentos próprios para essa atividade. Entretanto, as faculdades de Medicina, os cursos jurídicos e as academias ficaram excluídos dessa competência Em 2 de dezembro de 1837, o Seminário São Joaquim foi transformado em estabelecimento de ensino passou a ser chamado de Colégio Pedro II, o qual serviu como a primeira expressão do poder central de organizar o ensino secundário regular no país, devendo servir como referência para as demais escolas de ensino secundário. O ensino técnico-profissional foi deixado de lado ao longo do período imperial no Brasil. Dados sobre o número de alunos matriculados ilustram o oficial para com essa modalidade ensino. Em 1864, 53 alunos estavam matriculados no Instituto Comercial do Rio de Janeiro; 25, no Curso Comercial de Pernambuco; 14, na Escola Agrícola do Pará; e 14, na Escola Agrícola do Maranhão. Além do [p. 73] descaso com a oferta e com a acessibilidade ao ensino técnico profissional, aos alunos que concluíam esse tipo de ensino não era facultado o ingresso no ensino superior Com a urbanização das cidades e das vilas, com a ampliação e a diversificação das vias de comunicação das estradas de ferro, com a navegação a vapor e com a instalação de cabos telegráficos e iluminação pública, surgiu também a demanda por formação técnica. Temos de destacar que esses fatos ocorreram na segunda metade do século XIX, quando a atividade comercial de compra e venda de escravos tornara-se difícil e pouco rentável, e quando os capitais passaram a ser investidos nesses processos de urbanização e de abertura e ampliação das comunicações, Para as elites ilustradas, a defesa da educação do povo passou a ter interesses eleitorais e de preparação de uma mão de obra que fosse capaz de substituir, e não sem vantagens, o trabalho escravocrata e servil. Essas mudanças também chegaram às regiões rurais, nas quais as novas técnicas de produção agrícola e a substituição "dos pés e dos braços dos escravos" por mão de obra assalariada, além de ensejarem a imigração, remeteram às questões educacionais. A regulamentação sobre a formação e o exercício da docência foi definida na Lei de 15 de outubro de 1827, na qual se estipulava que o cargo de professores e mestres era vitalício, e aqueles que não estivessem suficientemente [p. 74] capacitados deveriam em pouco tempo adquirir instrução necessária, podendo contar somente com seus próprios recursos (Brasil, 1827). Essas medidas demonstram despreocupação com a qualificação profissional dos professores, o que resultava em um baixo desempenho na prática docente. Como não havia concursos, o processo de seleção dos professores passava pela verificação de três requisitos: maioridade, moralidade e capacidade. Em 1830, foram criadas Escolas Normais nas províncias da Bahia e do Rio de Janeiro e, em 1875, instituíram-se dois tipos de Escolas Normais, uma para o sexo feminino e outra para o sexo masculino, as quais, em 1880, foram unificadas na capital do Império. Foi esse tipo de Escola Normal que começou a se espalhar por todo o Brasil. Quadro 5.1 - Características principais da Escola Normal MODALIDADE DE ENSINO Escola Normal IDADE MÍNIMA PARA O INGRESSO NO CURSO 16 anos. EXAME DE ADMISSÃO Mesmos níveis da escola primária elementar. DURAÇÃO DO CURSO Seis séries anuais em 1880, que passou para quatro em 1881 e para três em 1888. TURNO Noturno FREQUÊNCIA Nominalmente obrigatória. COMPONENTES CURRICULARES DO CURSO NORMAL Economia doméstica, agricultura, pedagogia, caligrafia, música vocal, trabalho de costura para as alunas e ginástica e prática manual para os alunos. [p. 75] O alto índice de analfabetismo, bem como o descaso do governo central com o ensino primário e a completa ausência de políticas educacionais que atendessem ao conjunto da população, fizeram com que o conselheiro Carlos Leôncio de Carvalho, destacado professor de São Paulo, enviasse ao Parlamento um decreto executivo objetivando reformar os ensinos primário e secundário na sede da corte e o ensino superior em todo o Império. Rui Barbosa (1947) foi nomeado relator do decreto. Abstendo-se de elaborar um parecer tecnocrático, ele resolveu estudar a fundo a situação educacional e, a partir desse estudo, propôs mudanças em um escrito que ficou conhecido como Reforma do ensino primário: a. dedicou quatro anos para estudar a situação do ensino no país; b. contatou professores que exerciam as atividades de ensino; c. assistiu às aulas nos estabelecimentos de formação; d. estudou a bibliografia disponível sobre a educação norte-americana; e convocou conservadores e liberais para debaterem sobre as reformas necessárias do ensino, considerando-as “a primeira de todas as necessidades da pátria"; f. propôs uma recriação do ensino no Brasil, pois "o que aí está, salvo raríssimas exceções, e quase todas no ensino superior, constitui uma perfeita humilhação nacional"; [p. 76] g. estabeleceu a educação da população como suporte para o progresso econômico do país, sem a qual não poderia haver desenvolvimento: "Todas as leis protetoras são ineficazes, para gerar a grandeza econômica do país; todos os melhoramentos materiais são incapazes de determinar a riqueza, se não partirem da educação popular, a mais criadora de todas as fontes econômicas, a mais fecunda de todas as medidas financeiras [...]"; h. criticou o método pedagógico vigente, ou melhor, propôs a criação de um método de ensino. "Porquanto o que existe entre nós usurpou um nome, pois não é um método de ensinar; é, pelo contrário, o método de inabilitar para aprender"; i. criticou as práticaspedagógicas que não consideravam as necessidades completas do aluno: "O primeiro atentado contra a criança; contra sua existência normal, contra seus direitos indefesos que cometem o mestre e o método é esquecerem no aluno a existência de um corpo com as mais impiedosas de todas as necessidades"; j. incluiu a educação física, o ensino musical, o ensino de desenho e de trabalhos manuais no currículo escolar; k. previu a criação de um Conselho Superior de Ensino Nacional e de um Ministério dedicado exclusivamente à educação. A análise de Rui Barbosa sobre a situação do ensino no Brasil e o conjunto de propostas na área pedagógica, curricular, administrativa e política constituíram uma verdadeira lei de educação nacional. O caráter avançado dessa proposta, comparada à racionalidade monárquica, fez com que ela se perdesse nos gabinetes e nas mentalidades administrativas do Império. [p. 77] Em seu último discurso realizado no trono imperial, o imperador Dom Pedro II solicitou que fossem feitos esforços para criar um ministério que tratasse dos "negócios da instrução pública". Imediatamente após a Proclamação da República (1889), o marechal Deodoro da Fonseca criou o Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. O titular desse ministério era Benjamin Constant Botelho de Magalhães, que começou a administrar o primeiro grande desafio – tornar pública a educação em um país em que apenas 12% da população em idade escolar estavam matriculados nas escolas. [p. 81] Não é por acaso que a chamada Primeira República é conhecida, também, como República Oligárquica, pois os grandes produtores, principalmente de café, administravam o Estado, direta ou indiretamente, de acordo com seus interesses. Esse governo de poucos se refletia em uma educação para poucos, já que não existia ainda uma rede escolar pública que atendesse ao conjunto da população brasileira. Com a concentração do poder econômico e político entre Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, os modelos educacionais implantados nesses estados atingiram certo grau de organização, principalmente o ensino superior. [p. 82] Entretanto, deve-se ter claro que a educação brasileira era bastante regionalizada, isto é, com a autonomia de que gozavam os estados para legislar sobre a educação, a qualidade e as condições do ensino eram muito particulares. [...] [p. 84] A primeira Constituição Republicana, de 1891, tinha caráter federalista, pois determinava que os estados podiam ter constituições próprias, assim como códigos judiciais, eleitorais e forças militares públicas. Instauraram-se o governo representativo e o sistema presidencialista. Outra novidade trazida por essa Constituição era a eliminação do critério de renda para votar, no entanto, ela mantinha a proibição do voto para os analfabetos. Essa proibição teve fortes consequências na configuração dos valores morais da sociedade brasileira e, principalmente, na educação, pois a exclusão dos iletrados da esfera eleitoral criou um cenário de discriminação, que reconhecia somente como capaz aquele que dominava as letras. Por conseguinte, a instrução era um elemento de diferenciação de classe social: como o corpo eleitoral é constituído apenas por uma classe, somente chegam ao poder membros dessa classe. Dentro desse montante de pessoas analfabetas, estavam ex-escravos, que buscavam trabalhos braçais e informais. Portanto, a educação elementar, até que surgisse a necessidade de aumentar o número de eleitores na década de 1910, foi esquecida pelo governo republicano, já que a ele não interessava que as camadas populares se alfabetizassem. Nessa nova Constituição, reafirmou-se, também, a descentralização do ensino. Eram os estados, agora, os responsáveis pela educação elementar e secundária, sendo que a União não auxiliava nessa empreitada. [p. 85] Esse procedimento histórico de delegar aos poderes locais a educação, prática existente até hoje, só fez com que as disparidades educacionais entre as regiões, herdadas do império, aumentassem e se agravassem, e que as escolas primárias, em sua grande maioria, continuassem frágeis e desqualificadas. Esse período, compreendido entre 1889 e 1930, foi rico em reformas educacionais, [...] e o ensino secundário foi tema central dessas revisões. Benjamin Constant promoveu uma reforma no currículo da escola secundária e acrescentou o estudo das ciências, por meio de disciplinas como sociologia, moral, direito e economia política. É importante dizer que a precária formação dos professores para esses cursos secundários era um problema não solucionado nessa época, pois esse tema só foi debatido com afinco pelos escolanovistas, a partir de 1932. Com essas ações, passou a vigorar no ensino brasileiro uma mistura de temáticas humanísticas com um enciclopedismo inspirado no iluminismo e, principalmente, no positivismo. A laicização da educação foi um grande avanço do período republicano, haja vista que essas tendências [...] romperam com a religiosidade e passaram a se basear na cientificidade do conhecimento. A reforma de Constant atendeu a interesses de modernização e de expansão do ensino da elite brasileira, que desejava as configurações educacionais importadas da Europa. Então, por um lado, a imensa maioria da população era analfabeta ou semianalfabeta, ligada ao atrasado processo produtivo brasileiro da agroexportação e não necessitava de uma formação vinculada ao desenvolvimento da racionalidade, que caracterizava o modelo europeu. Por outro lado, [p. 86] havia a elite nacional, sedenta por uma formação ligada à investigação e ao caráter cientificista vindo do velho mundo. Então, o início da modernização do ensino brasileiro se deu com o ingresso das ciências positivas nos currículos das escolas superiores. No entanto, foi com a Lei Orgânica Rivadavia Corrêa, de 1911, que os anseios positivistas foram atendidos de maneira mais direta, pois essa lei acabou com o controle do Estado sobre a concessão de diplomas, voltou com os exames de admissão nas faculdades e desqualificou o ensino secundário. A sociedade senhorial brasileira ofereceu limites a todos esses anseios pela modernização educativa, e essa resistência logo se notou na Reforma Carlos Maximiliano, em 1915. Essa reforma retomou a tradicional educação elitista brasileira e apresentou algumas alternativas à necessidade de expansão do ensino. Além disso, criou um exame de ingresso no ensino superior, assim como aplicou a obrigatoriedade da apresentação do diploma da escola secundária para realizá-lo. Em meio a um processo de transição do modelo agrário-exportador para o urbano-industrial, a sociedade brasileira resistiu a mudanças nas esferas econômica e política, pois o poder das oligarquias rurais ainda era muito grande. Foi nesse contexto que ocorreu a última reforma educacional da República, a Rocha Vaz, em 1925, que, bastante conservadora, carregava ainda o caráter elitista da sociedade agroexportadora. As principais medidas dessa reforma foram: aplicação dos currículos do ensino superior, criação da disciplina de Instrução Moral e Cívica nas escolas elementares,acréscimo de elementos ao processo do vestibular e o estabelecimento de uma espécie de comando ideológico do Estado sobre o sistema educativo. [p. 89] Nos início da década de 1920, também foi criado o Partido Comunista Brasileiro, que, no processo de planejamento de um projeto político amplo, traçou alguns princípios educacionais. Entre esses princípios, destacam-se: a ampliação da escola pública e leiga, a multiplicação das escolas profissionais para ambos os sexos, a melhoria das condições de vida dos educadores e o auxílio financeiro para crianças pobres em idade escolar. O partido ainda é uma ferramenta educacional muito eficaz para seus membros, pois, internamente, há cursos e aulas de formação política muito organizadas e densas. [p. 95] Devido à forte pressão popular, Vargas aprovou a promulgação da Constituição de 1934, que tinha como fator progressista a incorporação da ainda incipiente legislação trabalhista e sindical. [...] A nova Magna Carta foi a primeira a ter um capítulo inteiro sobre educação e cultura. Estabeleceu a educação como direito de todos, a gratuidade do ensino primário, a obrigatoriedade da escola primária integral e a assistência a estudantes necessitados. Passaram a ser competência da União elaborar um plano nacional de educação, fiscalizar a execução desse [p. 96] plano e traçar as diretrizes da educação. Mesmo que alguns autores critiquem a educação no período republicano, por causa da descentralização, Piletti e Piletti (1997) destacam que Se, por um lado, tais atribuições constituíram o início da construção de um sistema nacional de educação, por outro lado, assinalaram uma profunda centralização das competências. A autonomia dos Estados e dos diversos sistemas educacionais foi limitada, quase tudo passou a depender da autoridade superior. [p. 102] O início da Era Vargas foi marcado por uma disputa ideológica no campo da chamada educação Nova, que abarcou tanto intelectuais elitistas (como Fernando de Azevedo) quanto liberais igualitaristas (como Anísio Teixeira). Era portanto, bastante heterogênea. [...] [p. 103] É importante ressaltar que, apesar de a primeira Constituição da Era Vargas ter sido promulgada em 1934, a primeira lei do ensino primário só foi aprovada em 2 de janeiro de 1946. Foi a única regulamentação nacional do ensino primário desde 1827. Essa lei tinha três objetivos principais: • desenvolver a personalidade do aluno; • prepará-lo para a vida cultural e familiar; • e iniciá-lo ao trabalho. O ensino primário passou a ser dividido em fundamental (destinado às crianças de 7 a 12 anos, que compreendia 4 anos do curso elementar) e supletivo (voltado aos adultos e adolescentes maiores de 13 anos). Em relação ao ensino secundário, a regulamentação se fez logo após a tomada do poder por Vargas e sofreu a primeira reforma em 1931, e a segunda, em 1942. Tanto na primeira (realizada pelo ministro da Educação Francisco Campos), quanto na segunda (feita pelo também ministro Gustavo Capanema), o objetivo era a formação geral e a preparação para o ensino superior. Nas duas leis, a consciência patriótica é acentuada, bem como a formação do homem para todos os grandes campos de atividade nacional. Tanto em 1931 quanto em 1942, o ensino secundário foi dividido em dois graus: curso fundamental e curso complementar ou pré-universitário. Contudo, a duração desses cursos variava em cada uma das reformas: em 1931, o curso fundamental durava cinco anos, e o complementar, dois, já em 1942, havia um curso ginasial de quatro anos, que sucedia um curso colegial de três anos. Mais tarde, este perdeu [p. 105] secundário, em dois ciclos. Na tentativa de atender às reivindicações dos educadores, que ressaltavam a necessidade de se instituir o ensino universitário no país, foi decretado o Estatuto das Universidades Brasileiras, em 1931. Esse estatuto possibilitou a criação da Universidade de São Paulo (em 1934), modificando a estrutura do ensino superior, até então caracterizado por escolas superiores isoladas e de caráter marcadamente profissional. Nos anos seguintes à criação da referida instituição, foi criada, no Rio de Janeiro, a Universidade do Distrito Federal. O referido estatuto vigorou, com poucas modificações, até 1968, quando foi realizada a reforma universitária. Como já vimos, a Constituição de 1946 carregou consigo o processo de redemocratização que vivia o país. Consta nela que a União deveria elaborar um projeto de lei sobre as bases e as diretrizes da educação. Em 1947, período em que Vargas não estava no poder, um grupo de intelectuais, organizado pelo Ministério da Educação, elaborou esse projeto e, no ano seguinte, encaminhou-o, pelas mãos do ministro Clemente Mariani, ao Congresso Nacional. O primeiro projeto da LDB foi, então, arquivado, logo passando por algumas rediscussões, mas só foi promulgado em 1961 [p. 106] A estrutura tática administrativa descrita anteriormente estende-se à educação, pois o governo sempre se colocava de forma ambígua, no sentido de apoiar em alguns momentos as camadas conservadoras e, em outros, os setores liberais. A centralidade burocrática, principalmente da primeira gestão getulista, conferiu regularidade ao sistema escolar brasileiro, ou seja, uma organização mais madura e certa continuidade das ações educativas. A reforma Capanema tem, portanto, como legado essencial, o pioneirismo da estruturação do ensino nacional. Podemos afirmar, portanto, que a Era Vargas é o verdadeiro início do século XX, no que se refere ao surgimento dos diferentes projetos de sociedade para o Brasil. Depois dos anos de 1930, as organizações populares passaram a participar mais intensamente da política nacional, o que se reflete na educação, pois essa se sistematiza de forma definitiva. [p. 117] A primeira lei brasileira sobre diretrizes e bases da educação nacional foi promulgada em 1961, apesar de ter permanecido no Congresso Nacional desde 1948. Essa lei define os fins da educação: Art. 1º A educação nacional, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por fim: a) a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana, do cidadão, do Estado, da família e dos demais grupos que compõem a comunidade; b) o respeito à dignidade e às liberdades fundamentais do homem; [...] Art. 25. O ensino primário tem por fim o desenvolvimento do raciocínio e das atividades de expressão da criança, e a sua integração no meio físico e social. Art. 26. O ensino primário será ministrado, no mínimo, em quatro séries anuais. [...] Art. 33. A educação de grau médio, em prosseguimento à ministrada na escola primária, destina-se à formação do adolescente. [p. 118] Art. 34. O ensino médio será ministrado em dois ciclos, o ginasial e o colegial, e abrangerá, entre outros, os cursos secundários, técnicos e de formação de professores para o ensino primário e pré-primário. [...] Art. 69. Nos estabelecimentos de ensino superior podem ser ministrados os seguintes cursos: a) de graduação, abertos à matrícula de candidatos que hajam concluído o ciclo colegial ou equivalente, e obtido classificação emconcurso de habilitação; b) de pós-graduação, abertos à matrícula de candidatos que hajam concluído o curso de graduação e obtido o respectivo diploma; c) de especialização, aperfeiçoamento e extensão, ou quaisquer outros, a juízo do respectivo instituto de ensino abertos a candidatos com o preparo e os requisitos que vierem a ser exigidos. Nesse contexto educacional, devemos destacar a atuação de Paulo Freire, que fez parte do Movimento de Cultura Popular e difundiu como experiência significativa o seu método de alfabetização para adultos. Ele trouxe também ao campo pedagógico a concepção problematizadora da educação. Outra grande discussão travada na época se referiu à coexistência da escola pública e da escola privada. Os temas centrais diziam respeito aos riscos de laicização que as escolas públicas corriam, por ser o Estado leigo o responsável pela educação, e não a Igreja, que de várias formas influenciava o pensamento educacional e a hegemonia das escolas primárias e secundárias. Outra questão dizia respeito ao financiamento da educação. Se o Estado se tornasse o único responsável pelo [p. 119] oferecimento da educação gratuita, deixaria em situação precária a sustentação das instituições privadas, o que as obrigaria a cobrar pela prestação desse tipo de serviço, que as tornaria elitistas. [p. 129] O Ministério da Educação e Cultura (MEC) reorganizou o sistema educacional brasileiro, a partir dos conceitos trazidos pelos técnicos da United States Agency for International Development (Usaid), pagos pelo governo brasileiro. Esse acordo de cooperação se traduziu em uma série de projetos que foram desenvolvidos entre o MEC, a Usaid e o Conselho [p. 130] de Cooperação Técnica da Aliança para o Progresso (Contap), [...] a. Acordo MEC/Usaid - acertado em 26 de junho de 1964, consistiu na contratação de seis assessores estadunidenses por dois anos para o aperfeiçoamento do ensino primário. b. Acordo MEC/Contap/Usaid - acertado em 31 de março de 1965, consistia na contratação de assessoria técnica estadunidense para o planejamento do ensino médio com vistas à sua melhoria, e contemplava treinamento de técnicos brasileiros nos Estados Unidos. c. Acordo Ministério da Agricultura (MA)/Contap Usaid - realizado em 5 de maio de 1966, tinha como objetivo treinar técnicos rurais. d. Acordo MA/Contap/Usaid - de 24 de junho de 1966. Com esse acordo, o governo contratava assessoria estadunidense para a expansão e o aperfeiçoamento do quadro de professores de ensino médio no Brasil e o treinamento de técnicos brasileiros nos Estados Unidos. Esse acordo contemplava, ainda, a elaboração de uma proposta para reformular as faculdades de filosofia no Brasil. e. Acordo MEC/Instituto Nacional de Educação Pública (INEP)/Contap/Usaid - de 30 de junho de 1966, que contratava assessoria estadunidense e treinamento de técnicos e professores brasileiros e visava ao aperfeiçoamento do ensino primário, com o objetivo de elaborar planos para estabelecer um entrosamento entre a educação primária e a secundária e superior. f. Acordo MEC/Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL)/Usaid - de 6 de janeiro de 1967. Esse acordo de cooperação delimitou responsabilidades e [p. 131] competências legais às instituições cooperantes para publicações técnicas, científicas e educacionais, que colocariam 51 milhões de livros nas escolas, no prazo de três anos, a partir de 1967. As competências ficaram assim distribuídas: os técnicos da Usaid tinham todo o controle sobre a produção dos livros - desde os detalhes técnicos de fabricação até a ilustração, editoração, distribuição e sobre a orientação quanto à compra de direitos autorais de editores não brasileiros (ou seja, estadunidenses). g. Acordo MEC/Usaid - de 30 de junho de 1966, que consistiu na contratação de assessoria técnica e de técnicos da Usaid para a modernização da administração universitária. [...] a partir de junho de 1964, o sistema de ensino brasileiro, em todos os seus níveis e modalidades, foi objeto de transformações e mudanças, tendo como referência os aspectos conceituais, metodológicos e administrativos das tecnologias educacionais, trazidas pelos técnicos da Usaid ou pelos técnicos e professores brasileiros na volta ao Brasil, após o treinamento nos Estados Unidos. Vale dizer que os ensinos primário, secundário, universitário, técnico e agrícola foram editados e formatados pelas tecnologias educacionais trazidas pela Usaid e aplicadas por seus técnicos, assim como ocorreu a colaboração, a elaboração, a publicação e a distribuição dos livros didáticos. Estes vinham com seus respectivos procedimentos, tais como estudos dirigidos, reforços de aprendizagem, preenchimento de lacunas, relação entre colunas com informações fragmentadas etc. [p. 132] Foram excluídos dessas tecnologias educacionais os procedimentos metodológicos e didáticos que favoreciam a reflexão crítica e a construção do conhecimento, fruto de situações de pesquisa sobre a realidade circundante e produzida coletivamente. Não é mera coincidência que o pedagogo Paulo Freire tenha sido preso nesse período e, posteriormente, expulso do Brasil e se isolado no Chile. A partir dos produtos desses acordos de cooperação, foi elaborado um conjunto de leis, objetivando estabelecer o caráter legal dessas mudanças e transformações, conhecido mais tarde como “estrutura e funcionamento do ensino". [...] 1. A Lei nº 5.540/1968 (Brasil, 1968) tratou da reforma do ensino superior. Para elaborar essa reforma, formou-se uma comissão de cinco estadunidenses e dois brasileiros, dentro do acordo de cooperação MEC/Usaid, que trabalhou durante dois anos, mas não divulgou os resultados dos seus estudos, nem das recomendações sugeridas para as reformas do ensino universitário. O marechal Artur da Costa e Silva nomeou, mediante decreto, um grupo de trabalho de dez componentes, que, no prazo de um mês, deveria apresentar um projeto de lei sobre a reforma do ensino superior. A comissão demorou pouco mais do que isso, e o projeto foi aprovado rapidamente pela Câmara e pelo Senado. A reforma sugerida e aprovada teve como referência o modelo universitário estadunidense. Alguns aspectos dessa reforma foram: a determinar dois níveis para a pós-graduação, o mestrado e o doutorado; b. adotar o sistema de créditos, isto é, a matrícula por disciplina; [p. 133] c. dissolver as cátedras e introduzir a modalidade de departamentalização (art. 33, §1º; art. 11), os cursos de pequena duração (2 anos), a licenciatura de 4 anos e a pós-graduação de 2 a 4 anos (art. 23, § 1º), além da obrigatoriedade de frequência ao ensino para professores e alunos (art. 19); d. introduzir o vestibular unificado e classificatório. 2. A institucionalização do Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) sob o Decreto nº 5.379/1967. Essa lei pretendia realizar a alfabetização funcional de jovens e adultos. Embora promulgada em 1967, a lei começou a vigorar apenas em 1970, quando foi arranjada uma fórmula que desse sustentação para o seu funcionamento. [...] 3. A Lei nº 5.962/1971 tratou da reforma do ensino de 1ºe 2º graus. Semelhante aos procedimentos que levaram à formulação da reforma do ensino superior, o ministro da Educação do governo do Marechal Artur da Costa Silva, em 1969, nomeou um grupo de trabalho com 32 participantes, que passou para dez membros após uma [p. 134] crise interna. Com a chegada de Jarbas Passarinho ao Ministério da Educação e Cultura, o grupo dos dez recebeu a missão de apresentar um projeto de lei que atualizasse e expandisse a lei de ensino de 1º e 2º graus, no prazo de 60 dias. Veremos a seguir alguns dos pontos relevantes dessa lei, que foi aprovada em agosto de 1972: a. extensão do ensino primário obrigatório de 4 para 8 anos (art. 8), gratuito em escolas públicas (art. 20), e do ensino médio para 3 anos; b. definição de um núcleo comum de matérias obrigatórias em todo o território nacional e de um leque de matérias optativas de escolha dos alunos (definidas pelas escolas); c. profissionalização do ensino médio, possibilitando que a qualificação para o trabalho se tornasse uma meta, e não apenas um ramo da escolaridade, com o declarado objetivo de beneficiar a economia nacional, propiciando um fluxo contínuo de profissionais qualificados, e preparando em número suficiente e em espécie necessária o quadro de recursos humanos de nível intermediário. Com esse objetivo, a Lei nº 5.962/1971 (Brasil, 1971) tentou resolver dois problemas que tensionavam a discussão educacional: de um lado, fazer com que os alunos egressos do ensino médio entrassem no mercado de trabalho com qualificação técnica, em um mundo laboral que demandava essa preparação para a absorção pelo mercado; e do outro lado, o ensino superior deixaria de ser pressionado por expansão. Com essas estratégias de contenção do acesso ao ensino superior, ele seria reservado a uma minoria de estudantes, não casualmente advindos das classes média e alta da sociedade brasileira. [p. 135] O Decreto nº 71.737/1973 (Brasil, 1973) sobre a institucionalização do ensino supletivo, contemplado na Lei nº 5.692/1971. O ensino supletivo era tratado pela Lei nº 5.692/1971, sobre o ensino de 1º e 2º graus, cujas finalidades principais são: 4. suprir a escolarização regular para os adolescentes e adultos que não a tenham seguido ou concluído na idade própria; 5. proporcionar, mediante repetida volta à escola, estudos de aperfeiçoamento ou atualização, para os que tenham seguido o ensino regular no todo ou em parte. Curiosamente, não foi regulamentado o ensino supletivo, ficando para o Estado apenas o direito de aplicar os exames finais e expedir os diplomas. Dessa maneira, abriram-se as portas para que o setor privado assumisse essa "fatia de mercado", para preparar os jovens e os adultos para os exames aplicados pelas Secretarias Estaduais de Educação. [...] [p. 144] No que se refere à educação, foram incorporados à Constituição de 1988 os objetivos relativos ao 1º e ao 2º graus, presentes na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1971 (revogada pela Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 - Brasil, 1996). Além disso, quanto ao texto que trata dos aspectos gerais e conceituais da educação, dos arts. 205 ao 214, é notável o avanço em relação às outras constituições. Destacamos aqui alguns pontos relevantes da nova Constituição: • valorização dos profissionais da educação, com planos de carreira para o magistério público; • estabelecimento do ensino fundamental obrigatório e gratuito e da extensão da obrigatoriedade e da gratuidade ao ensino médio; • distribuição dos recursos públicos, assegurando prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório; • afirmação dos deveres do Estado para com a educação, incluindo o atendimento em creche e pré-escola para crianças de 0 a 6 anos; [p. 145] • oferta de ensino noturno regular, para se ajustar às condições de vida do educando. [...] [p. 146] O ensino público, por ser afetado direta ou indiretamente em todas as suas etapas, acompanha as modificações que as políticas neoliberais promovem. Portanto, já podemos caracterizar alguns conceitos e medidas que representam essas políticas no campo educacional. São eles: produtividade, competitividade, qualidade total, abertura do ensino superior para a iniciativa privada, ampliação de uma abordagem utilitária da pesquisa científica, entre outros. Com essa abordagem, a educação, gradativamente, [p. 147] deixa de fazer parte do espaço público como um direito e ingressa na esfera do mercado e dos serviços. [...] Como mencionado, trataremos agora do fato jurídico mais relevante para a educação na década de 1990, a nova LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 20 de dezembro de 1996. [...] Em seu primeiro artigo, a LDBEN afirma que a educação ocorre em todos os espaços sociais e culturais, e que a educação escolar deve estar ciente dessa concepção, bem como vinculada ao mundo do trabalho e da prática social. No art. 4º, fica claro que o Estado é o responsável por garantir, além do ensino fundamental obrigatório e gratuito, a contínua extensão da obrigatoriedade e da gratuidade do ensino médio. É no Título V da lei que se começa a tratar de maneira mais detalhada dos níveis e das modalidades de educação e ensino. Nos arts. 22 e 23, ao se tratar das disposições gerais da educação básica, vemos que os objetivos desse nível de ensino são preparar o educando para o exercício da cidadania [p. 148] e fornecer-lhe meios para progredir em suas atividade e estudos posteriores. Percebe-se a flexibilidade da lei no que se refere à organização da estrutura da educação básica, que pode ocorrer por séries, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos ou outras formas diversas, que atendam às necessidades de aprendizagem. Ainda sobre a educação básica, encontramos, no art. 24, as regras comuns desse nível de ensino, a regulamentação da carga horária mínima anual de 800 horas e a obrigatoriedade de essas horas serem distribuídas, em, no mínimo, 200 dias letivos, sem contar os dias de provas finais, quando estes existirem. Sobre os critérios estabelecidos para avaliação dos alunos, vemos que esta deve ser contínua e acompanhar o desenvolvimento do educando, privilegiando os aspectos qualitativos em detrimento dos quantitativos. Já no art. 26 da LDBEN, consta que os currículos da educação básica devem ser compostos por uma base nacional comum, mas que cada escola ou rede deve complementá-los, levando em conta as peculiaridades econômicas, sociais e culturais da região e da localidade dos alunos. Em seu parágrafo 4º, o presente artigo ainda prevê que, ao se trabalhar a história do Brasil, deve-se levar em conta a formação do povo brasileiro, totalmente permeada por diferentes culturas e etnias, devendo, portanto, as culturas indígena, africana e europeia fazerem parte do ensino de história. A primeira etapa da educação básica é a educação infantil, e é dela que trata o art. 29, que afirma o desenvolvimento integral da criança em todos os seus aspectos como a grande finalidade dessa educação. No art. 30, vemos a garantia de que
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