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2 SUMÁRIO 1 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS: HISTÓRICO DA AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA ............................................................................................... 4 1.1 Conceito de avaliação neuropsicológica .............................................. 7 1.2 Etapas da avaliação neuropsicológica ............................................... 13 1.3 Contrastando avaliação psicológica e neuropsicológica: acordos e desacordos 18 1.4 Caracterizando a avaliação e a avaliação neuropsicológica .............. 19 1.5 Avaliação psicológica e neuropsicológica: convergências e divergências ........................................................................................................... 21 1.6 O neuropsicólogo e seu paciente: a construção de uma prática ........ 26 1.7 Contextualizando a avaliação psicológica .......................................... 36 2 AS CONTROVESIAS DA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA: A formação do psicólogo para a prática da avaliação psicológica ..................................................... 39 2.1 Aspectos relacionados à formação em avaliação psicológica ............ 39 2.2 Problemas na prática da avaliação psicológica .................................. 43 2.3 Competências em avaliação psicológica ............................................ 44 3 Responsabilidade e ética no uso de padrões de qualidade profissional na avaliação psicológica ................................................................................................ 45 4 Referências bibliográficas ......................................................................... 50 5 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................... 53 3 Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI , esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta , para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 1 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS: HISTÓRICO DA AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA Fonte: bravineuropsicologia.com.br A neuropsicologia é uma área de estudos que se aproxima da medicina, principalmente com a parte de neurologia, é uma ciência híbrida que se interliga a diversas disciplinas, e que engloba as funções do sistema nervoso conjunturalmente a processos psico-cognitivos e comportamentais. Compreende-se que o ser humano pensa, emociona-se, interage, fala, memoriza, processos quais que são invariavelmente constituídos, processados e enviados pelo sistema nervoso. Do mesmo modo que tais processos neuropsíquicos são elaborados no sistema nervoso, estes influem de forma, integra na acomodação e desenvolvimento das áreas tanto do sistema nervoso central como do sistema nervoso periférico (SILVA, 2011; apud Melo Diego & Borges Mikaelly, 2019). Com o crescimento das áreas científicas e dos avanços ocorridos na tecnologia, novas ciências passaram a existir, criando um rol de disciplinas que visavam explicar o mundo que nos cerca, sendo a neuropsicologia uma destas, iniciou então do encontro de diversas outras áreas do saber, no caso específico pode-se considerar que essa área do conhecimento surgiu da interface entre as neurociências e as ciências do comportamento. De acordo com Lezak (2005), a neuropsicologia emergiu do encontro da neuroanatomia, neurofisiologia, estatística, linguística e das ciências do comportamento. Através da multidisciplinaridade, a neuropsicologia se constrói como uma disciplina de grande relevância na compreensão do comportamento humano, numa 5 época em que, como nos assinalam Kristensen et al (2001), as grandes teorias da psicologia perdem um pouco de seu poder explicativo à medida que os avanços científicos foram conduzidos e reciprocamente conduziram a uma enorme especialização do conhecimento, provocando desse modo o interesse de muitos pesquisadores, de neurologistas a educadores, que procuram compreender o funcionamento cerebral por meio do comportamento humano. Embora o seu campo de estudo envolva áreas como a educação e trabalho, a neuropsicologia tem também sua atenção voltada principalmente para a área da saúde, uma vez que a mesma começou ocupando-se das dificuldades cognitivas ocasionadas por danos neurológicos específicos. No entanto, suas atividades se expandiram e ela passou a atuar ainda no diagnóstico diferencial, na profilaxia, e na reabilitação cognitiva de pacientes com comprometimento tanto neurológico, quanto estrutural e funcional (RANDON, S/D). Deste modo, percebe-se uma óbvia aplicação da neuropsicologia em contextos de saúde, principalmente consultórios clínicos e ambientes hospitalares. Contudo, a atuação da neuropsicologia no Brasil, ao contrário dos grandes centros internacionais de saúde, ainda é bastante tímida. A existência da psicologia nos hospitais ainda é recente, passando a ocorrer somente na década de 50, onde começou com a atuação num modelo herdado do consultório clínico tradicional. Tal modelo teve dificuldades para efetivar o seu funcionamento, já que as exigências específicas dos hospitais, como o atendimento em curtos espaços de tempo, transformavam o modelo clínico tradicional da psicologia em uma atuação importante, no entanto insuficiente para o contexto hospitalar (MIYAZAKI et al 2002). Assim, a psicologia hospitalar tentou superar o desafio de adaptar a sua prática clínica a este novo contexto. A neuropsicologia, então, entra nos hospitais com a missão de adaptar-se ao modelo hospitalar que depende tanto de fatores externos, como as mudanças e avanços no conhecimento e desenvolvimento de tecnologias da área médicas, as mudanças nos padrões e modelos de gestão em saúde, quanto de fatores internos, como a capacidade de atender às exigências do contexto (MIYAZAKI et al, 2002). Compreender as possibilidades da neuropsicologia de se adaptar às necessidades do contexto, vale sempre analisar como se configura a prática da neuropsicologia, que cresce se desenvolvendo progressivamente, contribuindo de 6 forma significativa para a avaliação diagnóstica interdisciplinar, de pacientes portadores de comprometimentos neurológicos e/ou psiquiátrico em várias situações, aumentando as suas possibilidades de atendimento clínico (MALLOY-DINIZ et al, 2010). A década de 1990, a chamada “década do cérebro” foi marcada por uma revolução nos conhecimentos científicos sobre a psicologia e neuropsicologia. Essa revolução foi provocada pelo paradigma do processamento da informação e da metáfora computacional, fazendo surgir uma nova a neuropsicologia cognitiva, formada, por sua vez, pelo diálogo entre neuropsicologia e psicologia cognitiva. De acordo com o paradigma do processamento da informação, a mente se comporta como umsoftware, sendo compreendida como um processador com capacidade limitada, necessitando de um hardware, que seria representado pelo cérebro, uma vez que esse é responsável por programar operações e atividades mentais cujos processos devem ser teoricamente detalhados (CAGNIN, 2010). Para grande parte dos neuropsicólogos contemporâneos, a neuropsicologia cognitiva transforma-se num tipo de modelo para o estudo do funcionamento normal da cognição humana (CAGNIN, 2010; apud Melo Diego & Borges Mikaelly, 2019). É importante salientar que existe uma diferença significativa entre neuropsicologia e neuropsicologia clínica: a primeira é uma disciplina básica e a segunda é uma disciplina aplicada (QUEMADA; ECHEBURÚA, 2008). A neuropsicologia clínica tem como preocupação maior a aplicação de conhecimentos surgidos por meio de investigações clínicas e experimentais a problemas específicos da relação cérebro-comportamento, identificando, mensurando e descrevendo variações comportamentais relativas à disfunção do cérebro, investigando déficits cognitivos e suas consequências na vida diária de pacientes com comprometimento neurológico. No Brasil, a neuropsicologia iniciou-se a partir da segunda metade do século XX, com a união de pesquisadores e clínicos de várias áreas da saúde, sobretudo em função do desenvolvimento da psicologia e da medicina (ANDRADE; SANTOS; BUENO, 2004). Nas décadas de 1950 a 1970, muitos trabalhos sobre os efeitos de psicofármacos sobre o comportamento ganharam espaço em estudos científicos. Segundo Kristensen et al (2001) quem primeiro levantou estudos no país acerca da neuropsicologia foi o médico e psicólogo Antônio Branco Lefévre (1916- 7 1981), sendo apontado como o introdutor de tais estudos no Brasil e desenvolvendo estudos relacionados a aspectos evolutivos da linguagem, como afasias, gnosias e praxias, incluindo a avaliação sobre as funções cognitivas, além de participar de trabalhos práticos sobre distúrbios da linguagem escrita e falada. Os estudos que desenvolveram a neuropsicologia sofreram influência de trabalhos práticos de avaliação topográfica do cérebro de pacientes com epilepsia, pré e pós-cirúrgicos posteriormente, e também da análise sistemática de outros distúrbios de comportamento causados por doenças, intoxicações, traumatismos e infecções. 1.1 Conceito de avaliação neuropsicológica A avaliação neuropsicológica é um procedimento científico, embasado em teorias psicológicas que tem como objetivo mensurar e descrever as qualidades ou o valor dos fenômenos psicológicos, ou seja, é um processo geralmente complexo, que tem por finalidade produzir hipóteses, ou diagnóstico, sobre uma pessoa ou um grupo. Essas hipóteses ou diagnósticos podem estar relacionadas com o funcionamento intelectual, características da personalidade, aptidões para desempenhar uma ou um conjunto de atividades (ALCHIERI & CRUZ, 2014). Segundo a “Cartilha sobre Avaliação Psicológica” (Conselho Federal de Psicologia, 2007) a avaliação psicológica representa um processo técnico e científico: “Realizado com pessoas ou grupos de pessoas que, de acordo com cada área do conhecimento, requer metodologias específicas. Ela é dinâmica, e se constitui em fonte de informações de caráter explicativo sobre os fenômenos psicológicos, com a finalidade de subsidiar os trabalhos nos diferentes campos de atuação do psicólogo, dentre eles, saúde, educação, trabalho e outros setores em que ela se fizer necessária. Trata-se de um estudo que requer um planejamento prévio e cuidadoso, de acordo com a demanda e os fins aos quais a avaliação se destina” (Conselho Federal de Psicologia, p. 8, 2007 apud Melo Diego & Borges Mikaelly, 2019). A neuropsicologia, por meio da avaliação psicológica, busca compreender as manifestações cognitivas e comportamentais do indivíduo, visando contribuir para o avanço do entendimento acerca das manifestações do ser humano. A avaliação neuropsicológica compreende o campo do conhecimento que trata da relação entre cognição, comportamento e atividades do sistema nervoso em 8 condições normais e patológicas, envolvendo o estudo das manifestações comportamentais (OLIVEIRA, 2016). Este modelo de avaliação não só fornece importantes informações diagnósticas e apresenta um papel fundamental, no que se refere à prevenção, sendo a identificação precoce dos transtornos do desenvolvimento um fator fundamental para estabelecer e estruturar rotinas de tratamentos e orientações com foco na prevenção de dificuldades ou transtornos mais sérios em outras etapas da vida, se tornando assim, um elemento fundamental para o diagnóstico, prognóstico e tratamento (OLIVEIRA, 2016). Malloy-Diniz et al, (2010) vai ressaltar que as principais razões para se solicitar uma avaliação neuropsicológica são: O auxílio diagnóstico: as questões diagnósticas em geral buscam saber qual seria o problema do paciente e como ele se apresenta. Isso implica que seja realizado um diagnóstico diferencial entre quadros que têm manifestações muito semelhantes ou passíveis de serem confundidas. O prognóstico: com o diagnóstico feito, deseja-se estabelecer o curso da evolução e o impacto que a desordem terá à longo prazo. Este tipo de previsão tem a relação com a própria patologia ou condição de base da doença ou transtorno, isso quando há lesão, com o lugar, o tamanho e lado no qual se encontra e, nesse caso, devem ser considerados os efeitos à distância que elas provocam. A orientação para o tratamento: ao estabelecer a relação entre o comportamento e o substrato cerebral ou a patologia, a avaliação neuropsicológica não só delimita áreas de disfunção, mas também apresenta as hierarquias e a dinâmica das desordens em estudo. Tal delineamento pode colaborar para a escolha ou para mudanças nos tratamentos medicamentosos ou outros. O auxílio para planejamento da reabilitação: a avaliação neuropsicológica estabelece quais são as forças e as fraquezas cognitivas, provendo assim uma espécie de mapa para orientar quais funções devem ser reforçadas ou substituídas por outras. 9 A Seleção de pacientes para técnicas especiais: a análise detalhada de funções permite separar subgrupos de pacientes de mesma patologia, possibilitando uma triagem específica de pacientes para um procedimento ou tratamento medicamentoso. A perícia: auxiliar a tomada de decisão que os profissionais da área do direito necessitam fazer em uma determinada questão legal (MALLOY- DINIZ et al, 2010). Segundo a Resolução Nº002/2004 do Conselho Federal de Psicologia existem três campos de atuações que são fundamentais na profissão do Neuropsicólogo, o diagnóstico, no qual através do uso de instrumentos (testes, baterias, escalas) padronizados para avaliação das funções cognitivas, o Neuropsicólogo irá pesquisar o funcionamento de habilidades como atenção, percepção, linguagem, raciocínio, abstração, memória, aprendizagem, habilidades acadêmicas, processamento da informação, visuoconstrução, afeto, funções motoras e executivas. Esse diagnóstico tem o objetivo de coletar os dados clínicos para auxiliar na compreensão da extensão das perdas e explorar os pontos intactos que cada patologia provoca no sistema nervoso central de cada paciente. Por meio desta avaliação neuropsicológica, é possível estabelecer tipos de intervenção, de reabilitação particular e específica para indivíduos e/ou grupos de pacientes com disfunções adquiras ou não, genéticas ou não, primariamente neurológicas ou secundariamente a outros distúrbios (Psiquiátricos). O tratamento (reabilitação), com o diagnóstico em mãos é possível realizar asintervenções necessárias junto aos pacientes, para que possam melhorar, compensar, contornar ou adaptar-se às dificuldades. Essas intervenções podem ser no âmbito do funcionamento cognitivo, ou seja, no trabalho direto com as funções cognitivas (memória, linguagem, atenção, etc.) ou com um trabalho muito mais ecológico, no ambiente de convivência do paciente, junto de seus familiares, para que atuem como coparticipantes do processo reabilitatório, junto a equipes multiprofissionais e instituições acadêmicas e profissionais, proporcionando a cooperação na inserção ou reinserção de tais indivíduos na comunidade quando possível, ou ainda, na adaptação individual e familiar quando as mudanças nas capacidades do paciente forem mais permanentes ou de longo prazo (CFPRESOLUÇÃO Nº002/2004). 10 A pesquisa, que envolve o estudo de diversas áreas, como o estudo das cognições, das emoções, da personalidade e do comportamento sob o enfoque da relação entre estes aspectos e o funcionamento cerebral, para tais pesquisas o uso de testes Neuropsicológicos é um recurso empregado, para assim ter um parâmetro do desempenho do paciente nas determinadas funções que estão sendo pesquisadas (CFP-RESOLUÇÃO Nº002/2004). Na atualidade o uso de drogas específicas, para estimulação ou inibição de determinadas funções, tem sido usada com frequência para observar o comportamento e o funcionamento cognitivo dos sujeitos em dadas situações. Outra técnica que muito tem contribuído nas Neurociências e com grande especificidade na Neuropsicologia é o uso de neuroimagem funcional por Ressonância Magnética (FMRI) e tomografia funcional por emissão de pósitrons (PET-CT) que possibilitam o mapeamento de determinadas áreas relacionadas a atividades específicas, como por exemplo, recordação de listas de palavras durante o exame. Portanto, fica claro que a Neuropsicologia é um campo de trabalho e de pesquisa emergente, tanto para a Psicologia, quanto para as Neurociências, avançando e contribuindo de forma única para a compreensão do modo como pensamos e agimos no mundo. Desta forma, verifica-se que uma das principais atividades da neuropsicologia é a avaliação neuropsicológica, que tem como objetivo verificar mudanças no padrão de desempenho dos sujeitos em relação às funções cognitivas e comportamentais, suspeitando-se de algum tipo de alteração ou disfunção cerebral (ANTUNHA, 1987). Utilizando-se instrumentos psicométricos, escalas do desenvolvimento e análise qualitativa da produção do paciente, é possível identificar precocemente alterações no desenvolvimento cognitivo e comportamental, tornando possível a avaliação de funções cognitivas importantes, já que os principais objetivos da neuropsicologia são localizar as lesões cerebrais, responsáveis pelos distúrbios específicos de comportamento, e permitir uma melhor compreensão das funções psicológicas complexas (LEFRÉVE, 1998). Conforme Simonetti (2014), existem várias formas de se avaliar que não seja com o uso de testes apenas, a observação será um excelente crivo que pode-se utilizar diante de um paciente. Na avaliação neuropsicológica é utilizado uma série de 11 testes psicológicos, que inclui não somente os testes psicométricos, mas também as provas que visam analisar funcionalmente a atividade do córtex cerebral. Entretanto, vale salientar que a neuropsicologia não se resume a simples aplicação de testes, indo a uma análise global e sistemática dos resultados obtidos pela avaliação neuropsicológica, sejam resultados quantitativos obtidos através dos testes psicológicos ou qualitativos, oriundos das provas informais, da observação direta e informações adicionais obtidas em entrevistas com os familiares e profissionais que atendem o paciente. Portanto, os testes psicológicos têm apenas um caráter de instrumento auxiliar na avaliação neuropsicológica e ajuda a traçar um perfil neuropsicológico do paciente. Vale ressaltar, que os testes são apenas ferramentas que ajudam a entender um quadro clínico naquele momento específico, como uma fotografia daquele momento do funcionamento cerebral do sujeito (SIMONETTI, 2014). Segundo Tirapu Ustárroz (2011), o interesse principal do neuropsicólogo clínico está em conhecer a amplitude do déficit em um determinado processo ou processos cognitivos, planejando um programa de reabilitação individualizado, a avaliação neuropsicológica (ANP) é então um procedimento de investigação que se utiliza de entrevistas, observações, provas de rastreio e testes psicométricos, a fim de apresentar diagnósticos e oferecer meios de tratamento. A escolha dos instrumentos da avaliação deve levar em conta o objetivo do exame neuropsicológico, idade, sexo, nível sociocultural, grau de comprometimento e fatores situacionais, como hospitalização ou medicação. Nesse sentido, o estabelecimento de um plano de avaliação é de muita importância, uma vez que é por meio dele que o psicólogo poderá alcançar seus objetivos sem perder tempo e desestabilizar o paciente com testes que não têm uma funcionalidade prática. Em síntese, o plano de avaliação permite o estabelecimento de recursos que vão possibilitar um diagnóstico confiável, pois consiste na seleção de testes e técnicas que é delimitada por determinadas hipóteses diagnósticas (STRAPASSON et al, 2004). Dessa forma, o desenvolvimento de baterias de testes e protocolos específicos de avaliação é imprescindível para aqueles que pretendem atuar com responsabilidade e qualidade em qualquer avaliação neuropsicológica. 12 Uma atuação neuropsicológica que tem ganhado reconhecimento é a reabilitação neuropsicológica nas mais variadas disfunções cerebrais. Segundo Wilson (2005) a reabilitação neuropsicológica tem o objetivo de minimizar as alterações cognitivas, para que o paciente atinja seu melhor nível de funcionalidade possível na vida diária. Esse tipo de atuação tem como objetivo a melhora da qualidade de vida dos pacientes, por meio de atividades de Pré treino e compensação de funções cognitivas. Tais intervenções devem contar com o apoio de familiares e cuidadores dos pacientes para que bons resultados sejam obtidos, portanto, as pessoas próximas acabam exercendo uma atuação de co-terapeuta no processo de reabilitação do paciente, sendo importante que eles também recebam o mínimo de preparo. Diante disso, percebemos que nas atividades de avaliação e reabilitação, como a neuropsicologia, é importante se atentar para os diversos contextos do paciente, não só hospitalar, uma vez que a avaliação neuropsicológica é um tipo de avaliação apropriada para casos em que há disfunções funcionais relacionadas a um problema caracteristicamente neurológico (SILVA et al, 2016). Embora já esteja bastante difundida, ainda é necessário que a avaliação neuropsicológica seja mais explorada e investigada, já que a maioria dos trabalhos publicados são diretivos à contribuição da avaliação neuropsicológica para determinadas patologias e/ou públicos, evidenciando-se, assim, a urgência na produção de mais estudos na área. Embora, é notório que a evolução das neurociências pode contribuir substancialmente no processo de avaliação neuropsicológica, pois a partir desta tem-se o avanço na compreensão do funcionamento do cérebro (MARQUES, 2013 apud Melo Diego & Borges Mikaelly, 2019). Através da avaliação neuropsicológica, é possível haver a realização de diagnósticos precoces e diferenciais de uma criança, o que torna possível a existência de intervenções terapêuticas capazes de contribuir para o restabelecimento das funções cognitivas com funcionamento inadequado, já que o cérebro da criança encontra-seem desenvolvimento e é plenamente favorecido pela Neuroplasticidade ou Plasticidade Neuronal, áreas referentes à capacidade do sistema nervoso de mudar e adaptar-se tanto em função quanto em estrutura. A neuropsicologia, enquanto área de estudo acadêmico, utiliza conhecimentos de disciplinas que configuram áreas das neurociências, bem como a neurofisiologia, 13 neuroanatomia, neurofarmacologia e neuroquímica, e de atuação profissional do psicólogo, como psicologia clínica, psicopatologia, psicologia experimental, psicometria e psicologia cognitiva. A neuropsicologia é, portanto, o estudo das relações entre o cérebro e o comportamento, que tem como função investigar as alterações cognitivas e comportamentais que se associam às lesões cerebrais (HAMDAN et al 2011). 1.2 Etapas da avaliação neuropsicológica Surgida em 1913, a neuropsicologia vem se atualizando e evoluindo paralelamente aos avanços tecnológicos até os dias atuais, sendo reconhecida como especialidade em 2004 pelo Conselho Federal de Psicologia. Entende-se que esta é uma área promissora das neurociências que investiga os distúrbios cognitivos, emocionais e de personalidade associados a lesões cerebrais, além de ser capaz de avaliar o desenvolvimento neural dos indivíduos. Ressalta-se que a neuropsicologia se utiliza de uma avaliação neuropsicológica específica para diagnosticar os pacientes com alterações de comportamento e correlaciona-las com lesões cerebrais (CORTEZE, 2016). A avaliação neuropsicológica (AN), é uma avaliação de essência sistemática, que observa as relações entre cérebro e comportamento. De acordo com Zillmer et al, (2008), trata-se de um processo neuropsicológico que se aplica a vários contextos, consistindo então num exame sensível usado para avaliar a integridade do funcionamento cerebral, explicitando dificuldades psicológicas ou neurológicas. Sendo assim, é um método útil nos serviços de diagnóstico e em ambientes de pesquisa clínica quando estão envolvidos aspectos cognitivos e comportamentais. Segundo Corteze (2016) a avaliação neuropsicológica possui algumas etapas, sendo elas: A obtenção dos dados clínicos do paciente, onde essas informações podem ser obtidas em hospitais ou mesmo através da carta de encaminhamento dos profissionais (psiquiatra, psicólogo, neurologista) relatando os sintomas apresentados pelo paciente e o evento desencadeador (traumatismos, doenças, etc.), além da solicitação para avaliação da função cerebral. 14 A avaliação clínica do neuropsicólogo, pois de posse dos dados clínicos, o neuropsicólogo fará a anamnese, perguntando ao paciente sobre o início dos sintomas, se utiliza algum medicamento e como se sente em relação aquela situação. Aplicação dos métodos neuropsicológicos, com base nas informações dos profissionais e do paciente, o neuropsicólogo selecionará então o método mais adequado para a função cerebral em análise. Este pode ser feito por meio de testes ou baterias neuropsicológicas. Os testes são utilizados para identificar uma função cognitiva específica e relacioná-la com as estruturas cerebrais envolvidas. Já as baterias neuropsicológicas são compostas por um conjunto de testes com o objetivo de responder dados mais direcionados sobre determinada função cerebral (CORTEZE, 2016). Sabe-se que os instrumentos neuropsicológicos são ferramentas fundamentais e necessárias no processo de avaliação neuropsicológica, e a escolha dos testes pode mostrar maior qualidade nos resultados. A escolha desses instrumentos utilizados irá depender das dificuldades apresentadas, tais como sintomas ou qualquer suspeita de diagnóstico anterior. O avaliador utiliza as informações encontradas com a avaliação, o conhecimento da doença em questão, o conhecimento da anatomia e funções cerebrais, além de conhecimento de aspectos do desenvolvimento evolutivo, a fim de que seja possível prover uma interpretação acertada dos resultados observados nos instrumentos (MEDEIROS, S/D). Os testes cognitivos são bastante utilizados pela neuropsicologia, mas eles são apenas um dos quatro pilares da avaliação neuropsicológica, que são compostos também pelas etapas da entrevista, da observação comportamental e das escalas de avaliação de sintomas. Eles auxiliam no diagnóstico, na compreensão da extensão das perdas funcionais, no estabelecimento dos tipos de intervenções específicas e adequadas, e a desenvolver um plano de reabilitação (MEDEIROS, S/D). Segundo Carazza (2018), a visão da avaliação neuropsicológica reduzida ao uso mecânico dos testes tem sido bastante difundida. 15 Entretanto, mensurar quantitativamente as funções e sintomas não é suficiente para se estabelecer um diagnóstico correto. E uma das justificativas para isso é que não existe um instrumento neuropsicológico autossuficiente para avaliar um determinado componente cognitivo. Desta forma, cabe ao neuropsicólogo escolher os instrumentos que poderão auxiliar na investigação da hipótese diagnóstica e no esclarecimento dos possíveis déficits apresentados pelo paciente. Isso porque um bom diagnóstico precisa, necessariamente, responder a uma série de perguntas (hipóteses). Por exemplo, se as características comportamentais são traços do indivíduo ou é algo que ele apresenta naquele momento em decorrência de alguma alteração neuropsicológica ou mesmo consequência de situações contextuais. Alguns testes padronizados e validados utilizados para população brasileira úteis na avaliação neuropsicológica: NEUPSILIN-inf- Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve Infantil: Trata-se de um instrumento neuropsicológico breve que avalia componentes de oito funções neuropsicológicas, por meio de 26 subtestes: orientação, atenção, percepção visual, memórias (de trabalho, episódica, semântica), habilidades aritméticas, linguagem oral e escrita, habilidades visuoconstrutivas e funções executivas. O NEUPSILIN-INF permite aos profissionais dimensionarem não só a avaliação e o diagnóstico, mas também o prognóstico e o delineamento terapêutico. O seu principal objetivo é identificar e caracterizar o perfil de funcionamento de processos neuropsicológicos visando a descrição cognitiva associada a diagnósticos em transtornos do neurodesenvolvimento, em geral, e da aprendizagem, em particular, quando aliado ao resultado de outros instrumentos e demais procedimentos no processo de avaliação neuropsicológica. O Público-alvo é crianças do primeiro ao sexto ano escolar do Ensino Fundamental (considerando anos de estudo formal), com idades entre 6 e 12 anos e 11 meses. A sua aplicação é individual, sem limite de tempo, sendo que a maioria das aplicações leva em média 50 minutos (SALLES et al., 2016). WISC IV - Escala Wechsler de Inteligência para Crianças: É um instrumento clínico de aplicação individual que tem como objetivo avaliar a capacidade intelectual das crianças e o processo de resolução de problemas. 16 Faixa etária: 6 anos e 0 meses a 16 anos e 11 meses. É composto por 15 subtestes, sendo 10 principais e 5 suplementares, e dispõe de quatro índices, à saber: Índice de Compreensão Verbal, Índice de Organização Perceptual, Índice de Memória Operacional e Índice de Velocidade de Processamento, além do QI Total (WECHSLER, 2013). R-2 – Teste não Verbal de Inteligência para Criança: O objetivo do teste é avaliar o fator G de inteligência de crianças. O seu público- alvo são crianças com idade de 5 a 11 anos. A aplicação é realizada individualmente, sem um limite de tempo, sendo que a maioria das aplicações leva em média 8 minutos. O teste é composto por 30 pranchas comfiguras coloridas de objetos concretos e abstratos, que devem ser aplicadas de acordo com sua numeração. A criança escolhe a opção que será registrada pelo aplicador na folha apropriada. A correção é realizada pelo total de acertos, pela avaliação quantitativa e qualitativa, considerando os diferentes tipos de raciocínio exigidos para responder cada item do teste. O instrumento é restrito a psicólogos (ROSA; ALVES, 2018). Observação sobre os testes citados acima: Os testes citados acima são suscetíveis a alterações, portanto aconselhamos sempre o Psicólogo (a), buscar informações sobre os testes no site SATEPSI onde o objetivo é de avaliar a qualidade técnico- cientifica de instrumentos psicológicos para uso profissional, a partir da verificação objetiva de um conjunto de requisitos técnicos e divulgar informações sobre os testes psicológicos, para que a comunidade de psicólogas (os) possa aplicar o determinado teste. A resolução CFP N° 009/2018 estabelece diretrizes para a realização de Avaliação Psicológica no exercício profissional do psicólogo e regulamenta o Sistema de Teste Psicológicos – SATEPSI, bem como estabelece quais requisitos mínimos os instrumentos devem apresentar para serem reconhecidos como testes psicológicos. No site do SATEPSI são apresentados, em duas abas, os instrumentos que podem ser usados pelas (o) psicólogas (os) na prática profissional (testes psicológicos favoráveis e instrumentos não privativos do psicológico) e aqueles que não podem ser utilizados na prática 17 profissional (testes psicológicos desfavoráveis e testes psicológicos não avaliados). Porém, tanto a avaliação neuropsicológica quanto a psicológica, constituem um procedimento de investigação clínica, e compartilham alguns dos instrumentos de avaliação, tais como, entrevistas, observação comportamental, análise de documentos e uso de testes. Desta maneira, a testagem é somente uma das etapas de uma avaliação, seja ela neuropsicológica ou psicológica. Os instrumentos utilizados são meios e não o fim de um processo amplo, complexo, que requer, além de conhecimentos teóricos, prática clínica e engenho por parte do profissional. Por fim, ainda que a avaliação neuropsicológica e a psicológica tenham suas particularidades, avaliar é, sem dúvida, uma arte (CARAZZA, 2018 Melo Diego & Borges Mikaelly 2019). Dessa forma, Malloy-Diniz et al, (2010) vai ressaltar que o exame neuropsicológico é um procedimento de investigação clínica, tendo como objetivo o esclarecimento de questões sobre os funcionamentos cognitivo, comportamental e em menor grau emocional de um paciente e, diferentemente de outras modalidades de avaliação cognitiva, ele parte necessariamente de um pressuposto materialista, de acordo com o qual todo comportamento, processo cognitivo ou reação emocional tem como fundamento primordial a atividade de sistemas neurais específicos. A neuropsicologia apresenta uma adversidade teórico-conceitual e impulsiona não apenas a produção de conhecimento como também a eficiência de suas aplicações. Sobre essa diversidade e sobre a prática clínica da neuropsicologia, Lamberty (apud Malloy-Diniz et al, (2010), sugere que o principal objetivo de um neuropsicólogo clínico é compreender como determinada condição patológica que afeta o comportamento observável do paciente. A avaliação neuropsicológica permite inferências sobre a estrutura e a função do sistema nervoso a partir da avaliação do comportamento do paciente em uma situação bem controlada de estímulo e resposta. Nela, tarefas são desenvolvidas de modo cuidadoso para acessar diferentes domínios cognitivos, sendo então usadas para compreender os comportamentos de um paciente. Segundo Carazza (2018) o processo diagnóstico em Neuropsicologia consiste em observar, mensurar, testar hipóteses a partir do método de correlações estrutura-função. 18 Essas respostas advindas dos estímulos são interpretadas como normais ou patológicas pelo neuropsicólogo. Este, por sua vez, usará não apenas a interpretação de parâmetros quantitativos, mas se valerá principalmente, da análise dos fenômenos observados e de sua relação com a queixa principal do paciente ou de seu representante, da história clínica, da evolução de sintomas, dos modelos neuropsicológicos sobre o funcionamento mental e do conhecimento de psicopatologia. Sua atuação, portanto, é voltada para a avaliação e reabilitação de pessoas que apresentem alguma alteração cognitiva e/ou comportamental, associada às diversas patologias que afetam o sistema nervoso central. Aplica-se em crianças, adultos e idosos (MEDEIROS, S/D). Por fim, a importância da Avaliação Neuropsicológica reside no fato de se procurar identificar e constatar precocemente a presença de algum distúrbio, bem como o grau de sua evolução. Uma vez identificado algum prejuízo funcional, pode- se contribuir para a inclusão social da pessoa, por exemplo, desenvolvendo-se novas estratégias para lidar com as limitações apresentadas, minimizando-as (MEDEIROS, S/D). 1.3 Contrastando avaliação psicológica e neuropsicológica: acordos e desacordos A avaliação, é empreendida com fins profissionais, consiste na melhor descrição possível, por meio de técnicas e teorias cientificas particulares, dos aspectos relevantes de uma pessoa, almejando responder a questões específicas, de forma dinâmica e processual (Tavares, 2003). Conduzir um processo de avaliação está longe de ser tarefa trivial, e talvez, se constitua em as áreas da saúde. Não obstante possa haver diferenças fundamentais na condução de uma avaliação empreendida em contextos e áreas distintas, entende – se que, de maneira geral, a avaliação atende aos seguintes propósitos: Descrever o funcionamento atual do indivíduo, ressaltando suas forças e dificuldades, sua capacidade para viver de forma autônoma e independente e suas possibilidades de adaptação social, profissional e pessoal com vistas à minimização do sofrimento físico e psicológico; 19 Identificar necessidades terapêuticas, recomendar intervenções e apontar resultados possíveis dessas intervenções Contribuir para o diagnóstico diferencial de distúrbios emocionais, cognitivos e comportamentais; Monitorar a evolução do tratamento e identificar novas questões que possam requerer atenção profissional e; Oferecer devolutiva de maneira competente e empática sobre os resultados de todo o processo (Meyer et al., 2001). A avaliação diagnóstica de características comportamentais e cognitivas faz parte da prática profissional de áreas como a psicologia, a psiquiatria, a neurologia e a neuropsicologia desde sua constituição como ciência e profissão (Anastasi & Urbina, 2000; Haase et al., 2012; Meyer et al., 2001). Todas essas áreas têm em comum o comportamento humano como objeto de estudo e aplicação. Sem dúvida, a complexidade da rede de pensamentos, emoções, comportamentos e cognições que constitui o funcionamento idiossincrático humano é condizente com a existência de práticas interdisciplinares entre essas áreas, o que, por vezes, pode ocasionar dúvidas e equívocos quanto aos limites de atuação profissional entre, sobretudo em se tratando da avaliação psicológica e neuropsicológica. Não é à toa, portanto, que estudantes e profissionais constantemente se questionam acerca das semelhanças e diferenças entre os processos de avaliação psicológica e neuropsicológica. Nos parágrafos seguintes, irá caracterizar ambos os processos e apontar algumas semelhanças e diferenças entre eles. 1.4 Caracterizando a avaliação e a avaliação neuropsicológica Partindo de uma análise mais ampla,a avaliação psicológica (AP) pode ser vista como área da psicologia e como atividade levada a cabo em contextos de prática profissional. Seus primórdios remontam ao final do século XIX, e seu surgimento esteve diretamente associado ao desenvolvimento de métodos científicos com objetivos para quantificação e mensuração dos fenômenos psicológicos, especialmente aplicados aos campos da educação e seleção de pessoas (Anastasi & 20 Urbina, 200). Por ter, em sua origem, se voltado à elaboração de testes psicológicos e a psicometria, a AP se viu circunscrita à denominação de área aplicada. Para além da visão simplista que muitas vezes perpassa a compreensão de outros profissionais, leigos, estudantes de psicologia e dos próprios psicólogos, a AP não pode ser entendida como uma área técnica, dedicada exclusivamente à produção de instrumentos para uso por psicólogos (Primi, 2010 apud Diniz Leandro, Fuentes Daniel, Mattos Paulo e Abreu Neander, 2018). Trata – se de uma área intrinsecamente responsável por possibilitar que teorias psicológicas possam ter seus postulados teóricos testados, falseados ou corroborados a partir de sua operacionalização em eventos observáveis (Primi, 2003). Entretanto, é como processo que a AP se confunde com a avaliação neuropsicológica (AN). A AP constitui – se em um processo dinâmico e sistemático de conhecimento a respeito do funcionamento psicológico das pessoas, gerado a partir de demandas e perguntas específicas, de maneira a orientar ações e decisões futura (Primi, 2010). A condução de uma AP deve estar sempre pautada em métodos, técnicas e teorias psicológicas cientificamente reconhecidos. Conforme apontado no início, o processo de avaliação tem propósitos gerais, que passam por adaptações de acordo com as demandas do contexto em que é conduzido. Como os usos e as aplicações da AP são, na atualidade, os mais variados, incluindo os contextos de clínica, escolar, hospitalar, organizacional, jurídico, esportivo e de trânsito, também são diversas as demandas que o profissional encontra em cada um deles, sendo, pois, essencial que tenha conhecimento aprofundado dos métodos, das pesquisas, das teorias e da legislação pertinente à condução da avaliação psicológica em cada contexto. Já a AN é uma atividade que emerge no campo da neuropsicologia e que consiste em um método para investigar as funções cognitivas e o comportamento, relacionando – os com o funcionamento normal ou deficitário do sistema nervoso central (SNC), com vistas a possibilitar o diagnóstico, a determinação da natureza ou etiologia dos sintomas, a gravidade das sequelas, o prognóstico, a evolução do caso e oferecer bases para a reabilitação (Haase et al., 2012). Considerando que a neuropsicologia surgiu do atendimento a pacientes com lesões cerebrais, a NA foi orginalmente concebida para avaliar indivíduos que sofreram danos cerebrais durante o período de guerra e esteve, ao longo do tempo, 21 majoritariamente presente em consultórios, ambulatórios e hospitais (Harvey, 2012; Mader-Joaquim, 1996, 2010; Ramos & Hamdam, 2016). Atualmente, a AN responde a demandas também advindas dos contextos educacional e forense (Lezak, 2004). 1.5 Avaliação psicológica e neuropsicológica: convergências e divergências Fonte: unepneuro.com.br Tanto a (AP) á (AN) consiste em processos complexos que envolvem a utilização de diversas ferramentas, como entrevistas, exame do estado mental, anamneses, escalas, observação em contexto clínico e em situações cotidianas, tarefas e instrumentos padronizados para investigação de diversos aspectos do funcionamento cognitivo e socioafetivo individual. Os instrumentos padronizados, que seguem procedimentos sistemáticos para construção e aplicação, são, geralmente, conhecidos como testes psicológicos (Urbina, 2007). Os testes psicológicos são ferramentas padronizadas, cujos resultados são interpretados com relação a uma norma, que toma como base o desempenho de um grupo como parâmetro para interpretação do funcionamento individual (Hutz, 2015). Desde os seus primórdios e mais acentuadamente a partir das décadas de 1970 e 1980, a preocupação com a qualidade psicométrica do teste psicológico, por 22 meio da investigação sistemática dos parâmetros de validade e fidedignidade, é constante no campo da AP. No Brasil, essa preocupação assumiu status de regulamentação por meio de resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP), em 2003 (CFP, 2003; Reppold & Gurgel, 2015). Embora os testes psicológicos sejam ferramentas importantes e recorrentes em processos de AP, esta não se resume à utilização deles. Há muitos profissionais que realizam processos inteiros de AP sem recorrer a testes psicológicos. O uso do teste psicológico em um processo de AP deve estar pautado em uma análise de demanda (ou seja, da melhor forma de responde – lá) e do custo – benefício de usa – ló naquele processo em particular (Meyer et. Al, 2001). Não há testes disponíveis e/ ou confiáveis para tudo o que se quer avaliar e tampouco todo e qualquer aspecto do funcionamento individual depende unicamente de um teste para ser avaliado de forma confiável e clinicamente útil. Aqui, faz – se importante uma ressalva: o processo da AP não se baseia somente no uso de testes psicológicos. Porém, segundo a Lei Federal n° 4.119/62, constitui função privativa do psicólogo a utilização de métodos e técnicas psicológicas com objetivos de diagnóstico psicológico, orientação e seleção profissional, orientação psicopedagógico e solução de problemas de ajustamento (Brasil, 1962, Art. 13°§ 1). Em outras palavras, seguindo a interpretação corrente dessa lei, entende – se que, quando um instrumento de avaliação é definido pelo CFP como testes psicológico, ele só pode ser usado por psicólogos. Essa é uma diferença entre a (AP) e a (AN): como nem todo especialista em neuropsicologia tem formação superior em psicologia (a neuropsicologia é, por definição, um campo de atuação e pesquisa interdisciplinar), nem todo especialista em neuropsicologia poderia usar testes psicológicos em processo de AN, ao passo que todo e qualquer psicólogo tem permissão legal para uso de testes psicológicos em um processo de AP. Destaca – se que essa não é uma questão isenta de controvérsias. Tais controvérsias vão desde as diferentes formas de interpretação da lei a discussões relativas ao estabelecimento de critérios para formação superior em AP e a necessidade e viabilidade de processos de certificação dos profissionais já formados, objetivando, se não solucionar, ao menos minimizar os impactos éticos, sociais e 23 legais da formação, por vezes insuficiente, superficial e inconsistente em AP no Brasil (Noronha et.al., 2010). Não obstante, cabe ressaltar que, em processos de NA, é comum que o profissional inclua, como fonte de informação complementar, resultados de exames de neuroimagem, que podem auxiliar na investigação dos substratos neurais de processos cognitivos específicos (Ramos & Hamdam, 2016). A interpretação adequada dos exames de neuroimagem exige conhecimentos específicos sobre estrutura e função do SNC, que, quando ausentes, podem contribuir para a construção de inferências equivocadas, superficiais e estatísticas sobre a relação cérebro- comportamento (Ramos & Hamdam, 2016). Outro ponto que merece atenção é quanto ao uso de análises quantitativas e qualitativas em AP e A N. Nas primeiras, a atenção se volta à comparação do indivíduo com um grupo normativo ou de critério (abordagem nomotética); ao passo que, na segunda, não se objetiva verificar a performance do indivíduo relativa ao grupo,mas sim comparar sua própria performance em momentos e situações diferentes (abordagem ideográfica) (Haase, Gauer, & Gomes, 2010). Frequentemente se advoga que a AN extrapola a questão quantitativa para incluir complementarmente a análise qualitativa. Grande parte dos primeiros métodos de avaliação na neuropsicologia estiveram baseados na neurologia comportamental e no modelo médico. Assim, pois, o método tradicionalmente usado na AN era de natureza qualitativa e largamente baseados em normas internas, informalmente elaboradas, com base em estudo de caso (Frazen, 2013). Mais recentemente, contudo, o desenvolvimento da neuropsicologia clínica e sua aproximação com modelos psicológicos dimensionais têm fomentado a aplicação das teorias psicométricas aos instrumentos de avaliação neuropsicológicos e a sofisticação progressiva das análises quantitativas na AN (Franzen, 2013; Hasse et al., 2012). No que se refere ao uso de abordagens qualitativas e quantitativas na AP, essa é caracterizada por uma diversidade de estilos de pensamento que dão origem a diferentes práticas na área (Primi, 2010 apud Diniz Leandro, Fuentes Daniel, Mattos Paulo e Abreu Neander, 2018). Há profissionais que primam pelo uso de abordagens mais quantitativas, outros que utilizam quase que exclusivamente análises qualitativas e, ainda, os que fazem uso de ambas as abordagens de maneira complementar. Inclusive, muitos testes 24 psicológicos possibilitam o uso simultâneo das abordagens nomotéticas e ideográficas. Pode – se citar, por exemplo, um teste de inteligência, contudo dependendo do determinado teste a análise dos resultados pode ser estendida muito além dos escores de QI e indicies fatoriais (Tavares, 2003). Pode-se identificar os tipos de erros, respostas com conteúdos bizarros nas subprovas verbais, tipo de estratégias na solução de tarefas de aritmética e memória de trabalho, habilidades metacognitivas, entre outras. Parece, pois, plausível supor que tanto a AP quanto a AN fazem uso de análises quantitativas e qualitativas em seu processo diagnóstico. A diferença é que a AN o uso de ambas as abordagens não é somente complementar, mas tradicionalmente imprescindível. As demandas e a interpretação dos achados podem diferir entre AP e a AN, no que se refere ás demandas, para a AN elas são eminentemente clínicas e, em geral, direcionadas para: Diagnóstico ou detecção precoce de sintomas de transtornos do neurodesenvolvimento (p.ex., transtornos específicos de aprendizagem, transtorno de déficit de atenção/ hiperatividade, perfil cognitivo nas síndromes genéticas) e mudanças cognitivas decorrentes de doenças neurodegenerativas (p.ex., demências), lesão cerebral fruto de traumatismos, acidentes vasculares ou abuso de substâncias; Para elaboração de programas de reabilitação, acompanhamento de procedimentos cirúrgicos que possam resultar ao SNC e consequentes alterações cognitivas e comportamentais e; Procedimentos legais que envolvam documentar incapacidades mentais de pessoas com lesões ou doenças que afetam o SNC (Mader-Joaquim; Ramos & Hamdam, 2016). Não obstante a AP pode decorrer de demandas clínicas para diagnóstico, detecção precoce de sintomas ou dificuldades cognitivas e emocionais, e preparação psicológica para a realização de procedimentos cirúrgicos (p.ex., bariátrica), muitas das demandas que chegam para essa avaliação não são clínicas. Elas podem ser resultantes de uma necessidade de autoconhecimento (p.ex., orientação profissional ou de tomada de decisão acerca da aptidão ou preparação 25 psicológica do indivíduo para adaptação a vários contextos (como para habilitação veicular no trânsito, concessão de porte de armas ou seleção de pessoas em contextos de instituições ou organizações). No campo da clínica, independentemente da procedência da demanda, tanto a AP quanto a AN se pautam em um trabalho investigativo, em que o enfoque principal é o teste de hipóteses, o diagnóstico, o prognóstico e a indicação de condutas terapêuticas. Todavia, o teste de hipóteses e o processo inferencial e interpretativo na AN são realizados em função de modelos neurocognitivos, de correlação estrutura – função, ou seja, os resultados são interpretados sempre a partir de correlatos entre as funções cognitivas, executivas e os comportamentos com a topografia e o funcionamento do SNC (Haase et al., 2012). Na AP, são as teorias e os modelos psicológicos aqueles que embasam a elaboração de hipóteses e as interpretações acerca dos achados, sem que o profissional tenha de recorrer a modelos explicativos neurobiológicos. Faz – se importante, contudo, destacar que nem sempre o processo de AP está baseado no teste de hipóteses e na investigação mais detalhada acerca do funcionamento psicológico. Para alguns contextos e demandas, o processo de AP é muito mais sucinto, pontual, prescindindo de análises mais sofisticadas, tal como ocorre, por exemplo, no exame psicológico pericial do trânsito. Ainda, acrescenta – se que a natureza do processo investigativo em AN pode também estar associada ao tipo de teste utilizado. Testes psicométricos que avaliam funções cognitivas (memória, atenção, linguagem) são comuns e frequentes aos dois tipos de avaliação. Entretanto, testes psicológicos expressivos (gráficos ou não), projetivos ou mesmo testes psicométricos de personalidade e interesses são comumente menos usados como ferramentas em processos de AN, embora alguns autores compartilhem da ideia de que questões relativas ao desajustamento emocional poderiam influenciar a resposta ás tarefas cognitivas (Fuentes et al., 2010). Mesmo quando utilizados na AN, os testes de personalidade não são centrais nos processos ou os únicos usados, tampouco são realizadas inferências baseadas em teorias psicológicas, inferências mais lineares acerca da relação de construtos, como a personalidade, com estruturas cerebrais específicas, são limitadas pelo estado da arte atual. 26 As avaliações psicológicas e neuropsicológicas constituem – se em processos fundamentais para a prática de profissionais da saúde, contribuindo não apenas para o diagnóstico, mas também para o desenvolvimento de programas ou estratégias interventivas adequadas e individualizadas. Ambas são dinâmicas, multifásicas, teoricamente embasadas e utilizam – se de testes psicológicos como uma de suas ferramentas de apoio diagnóstico. Entretanto, há diferenças importantes entre os dois processos no que se refere as diretrizes legais para uso de testes e formação profissional, aos tipos de testes utilizados, as demandas de encaminhamento, aos contextos de utilização e aos modelos teóricos que embasam o raciocínio inferencial envolvido nesses processos. Não obstante as convergências e divergências, faz-se importante destacar que os profissionais envolvidos com cada uma delas devem estar sempre atentos a necessidade de formação de qualidade, atualização constante, postura ética e humana e, acima de tudo, falibilidade do processo de avaliação e sua natureza contextual e social (Tavares, 2010; apud Diniz Leandro, Fuentes Daniel, Mattos Paulo e Abreu Neander, 2018). 1.6 O neuropsicólogo e seu paciente: a construção de uma prática O desenvolvimento tecnológico é surpreendente nos dias de hoje. As invenções do século XX transformaram a vida do cidadão comum de um modo que, em 1900, só livros de ficção poderiam sugerir. A primeira metade do século XX viu a transformação do transporte, das carroças e dos bondes aos aviões, encurtando, assim, as distâncias entre as pessoas. A segunda metade transformou a comunicação, passando da simplescarta manuscrita ao e-mail pela internet, e hoje, textos e imagens são transmitidos a uma velocidade inimaginável há poucas décadas. A internet revolucionou a comunicação cientifica e pessoal. Quais as modificações esperadas para os próximos 50 anos? Quais serão os novos hábitos diários? As duas últimas décadas do século XX proporcionaram um avanço das técnicas de imagem para exames do corpo humano lançando luz sobre as estruturas cerebrais. Dessa forma, hoje, permitem maior precisão diagnóstica tanto de localização como de causa das doenças no sistema nervoso central (SNC). Outras áreas, como a biologia e a genética, igualmente avançaram com seus microscópios. 27 Compreender a complexidade do funcionamento cerebral é absolutamente necessário para o bom desenvolvimento da prática clínica de psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais. Em primeiro lugar é preciso compreender que as neurociências envolvem vários campos de pesquisa, abrangendo a neuroanatomia, a neuropsicologia e a psiquiatria. A história do desenvolvimento das neurociências está calcada nas contribuições dos cientistas em todas essas áreas. A neuropsicologia, tal como cunhada por William Osler em 1913 (Bruce, 1985), surge como a ciência de interface que enfoca a complexa organização cerebral e suas relações com o comportamento e a cognição, tanto em relação ás doenças que afetam o SNC como no desenvolvimento normal. Lezak, Howieson, Loring, Hannay e Fischer (2004) definem a neuropsicologia clínica como a ciência aplicada que estuda a expressão comportamental das disfunções cerebrais. J. Odgen (1996) aborda o tema como o “ ... estudo do comportamento, das emoções e dos pensamentos humanos e como eles se relacionam com o cérebro, particularmente o cérebro lesado”. McCarthy e Warrington (1990) enfocam a neuropsicologia cognitiva como um campo interdisciplinar drenando informações tanto da neurologia como da psicologia cognitiva, investigando a organização cerebral das habilidades cognitivas. O termo “ função cognitiva” refere-se à integração das capacidades de percepção, ação, linguagem, memória e pensamento. Mesulam (2000) define a neurologia comportamental como o campo de interface entre neurologia e psiquiatria que trata dos aspectos comportamentais das doenças que afetam o SNC. Embora com abordagens um pouco diferentes, todas essas disciplinas voltam seus olhares para o cérebro em relação ao comportamento. A avaliação neuropsicológica consiste na avaliação objetiva do desempenho cognitivo, linguístico, perceptual e psicomotor de uma pessoa com o objetivo de relacionar esse desempenho com as condições funcionais e estruturais do cérebro (Benton, 2000). Trata – se da aplicação de técnicas de entrevista, exames quantitativos e qualitativos, o exame neuropsicológico, segundo Bento, é a extensão e o refinamento da observação clínica. 28 Dessa forma, esse autor ressalta que um teste neuropsicológico se define por seu uso, especificamente com relação a função cerebral, e não por sua natureza. A história da neuropsicologia está demarcada principalmente pelo estudo de casos clássicos, Gage, Leborne, H.M., entre os mais conhecidos. Os relatos desses casos permitiram a exploração de vários casos similares. Leonor Welt (uma das primeiras mulheres que estudou medicina em Zurich), em 1988, analisou um de seus pacientes em conjunto com outros 10 casos relatados na literatura, associando lesões nas áreas orbitofrontais com a alterações afetivas e sociais. Essa integração pela literatura que atravessou o atlântico levou ao desenvolvimento das técnicas de avaliação. A primeira bateria de testes neuropsicológicos foi publicada por Rieger, um neuropsiquiatra, em 1888, em Wurzburg, Alemanha. Praticamente desconhecida pela história, essa bateria de longa duração influenciou o trabalho de outros, como Poppelreuter, Goldstein e Liepmann. No início do século XX, foram desenvolvidos vários testes para avaliação de funções neuropsicológicas específicas, assim como os testes de inteligência, (Benton, 2000). Sir Francis Galton estabeleceu em Londres, em 1884, um laboratório psicométrico na Internacional Health Exibition, que, posteriormente, foi transferido para a University College de Londres. O norte-americano James McKeen Cattel esteve com W. Wundt (Alemanha) no laboratório de psicologia experimental de Leipzig e, depois, trabalhou com Galton. Tais experiências reforçaram a psicometria nos estados unidos por ocasião de seu retorno. No início do século XX, na França, Alfred Binet e Theodore Simon publicaram a Escala de Inteligência Binet-Simon, estabelecendo os princípios básicos para uma bateria de avaliação psicométrica. Alexander Luria (Rússia), na década de 1960, elaborou a teoria dos sistemas funcionais, trazendo uma visão mais dinâmica do funcionamento cerebral. Brenda Milner (Canadá), estudando o caso H.M., cuja cirurgia para tratamento das crises epiléticas foi realizada pelo doutor Scoville, em Hartford (Estados Unidos), estabeleceu as diretrizes para a metodologia de avaliação neuropsicológica dos atuais centros de cirurgia de epilepsia. 29 Elisabeth Warringon (Inglaterra) enfocou basicamente a análise das funções cognitivas relacionadas ás disfunções cerebrais, voltando seus métodos para a análise de habilidades complexas, seus componentes e subcomponentes. Arthur Benton (Estados Unidos) elaborou métodos de avaliação neuropsicológico com testes de memória, percepção visual e práxis construtivas. Edith Kaplan e o grupo de Boston (Estados Unidos) desenvolveram métodos de avaliação do processamento das informações nos diversos testes psicométricos, conhecidos como “ Process Approach” (Benton, 2000; Kaplan, 1990; Mader, 1996; Sattler, 1992). O enfoque fundamentalmente localizacionista referido nas publicações antes do desenvolvimento das técnicas de neuroimagem foi embasado no estudo de pacientes com lesões cerebrais. Atualmente, com os exames de imagem (a tomografia foi desenvolvida na década de 1970; e a ressonância magnética, na de 1980), o foco primordial da neuropsicologia, na de 1980), sendo o foco maior da neuropsicologia está na observação de correlação entre modelos cognitivos e as áreas cerebrais e no desenvolvimento de métodos de avaliação coerentes com o contexto sociocultural e, se possível adequados ecologicamente (Ardilha, 2005; Barbizet & Warrington, 1990). A psicometria contribuiu largamente para o desenvolvimento da neuropsicologia, mas é necessário diferenciar a postura do neuropsicólogo e a do psicometrista. O neuropsicólogo tem por objetivo principal de correlacionar as alterações observadas no comportamento do paciente com as possíveis áreas cerebrais envolvidas, realizando essencialmente um trabalho de investigação clínica que utiliza testes e exercícios neuropsicológos. O enfoque é clínico e, como tal, deve ser compreendido. Já o psicometrista observa atentamente a construção da metodologia e o desenvolvimento dos testes, privilegiando as amostragens e padronizações de grandes grupos de pessoas normais. Face a face com o paciente, o neuropsicólogo trabalha com enfoque diagnóstico, seja para a descrição das alterações cognitivas em determinada doença, seja para o diagnóstico diferencial. Tanto testes como exercícios neuropsicológicos são seus instrumentos, mas o profissional experiente na aplicação de testes neuropsicológicos sabe que situações diferentes podem interferir no desempenho do paciente durante a testagem. 30 Parte do trabalho do neuropsicólogo consiste em controlar essas variáveis e observar cuidadosamenteesses dados a fim de interpretar os resultados à luz da ciência e não apenas das tabelas. O treinamento do profissional está justamente calcado em dominar seus instrumentos, pois o trabalho fascinante da neuropsicologia consiste em interpretar comportamentos e resultados dos testes no contexto clínico (Ewing, 2000; Mader, 2001; Miranda, 2005; Walsh, 1992; Weintraub, 2000). Walsh e Darby (1999) sugerem que o treinamento em avaliação neuropsicológica deve abordar principalmente casos extremos, graves e bem- localizados. Dessa forma, o profissional aprende a observar os sintomas em sua expressão máxima e pode, assim, identificar melhor as alterações sutis das funções cognitivas nos casos mais leves. A oportunidade de avaliar pacientes com doenças diferentes mantém o neuropsicólogo alerta para a variabilidade das manifestações clínicas dos comprometimentos cerebrais. A formação em neuropsicologia deve privilegiar o treinamento, de preferência em um ambiente com equipe multiprofissional. Esse é um campo de trabalho que depende essencialmente da prática supervisionada. A neuropsicologia é uma ciência com contribuições multidisciplinares, mas há estruturas de trabalho diferentes conforme as organizações profissionais de cada país. No Brasil, a Sociedade Brasileira de Neuropsicologia é uma instituição multidisciplinar fundada em 1988. Em 2004, o Conselho Federal de Psicologia reconheceu a especialidade de neuropsicologia para os psicólogos. Em 2014, o Conselho Federal de Fonoaudiologia reconheceu a especialidade para os fonoaudiólogos. A academia Brasileira de Neurologia contempla um Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e Envelhecimento. Cada profissional, dentro de sua habilitação técnica, colabora para a integração das neurociências, mas essa interseção é delicada e merece atenção das instituições formadoras, buscando beneficiar um objetivo comum, o paciente. O processo de avaliação inicia com uma entrevista clínica, na qual o histórico do paciente é investigado (escolaridade, ocupação, antecedentes familiares e história da doença mental) e esses parâmetros são utilizados na análise de resultados e na interpretação do impacto cognitivo das doenças neurológicas. 31 No Brasil, apesar da unidade da língua em todo o território, a diversidade cultural é imensa. As imigrações ao longo dos séculos XIX e XX proporcionaram uma integração entre as culturas europeias, africanas e asiáticas. As diferenças educacionais relacionadas ás condições econômicas são tão importantes quanto as diferenças culturais. As áreas economicamente bem- desenvolvidas dos grandes centros contrastam com regiões de extrema pobreza. Todos esses brasileiros podem, em algum momento, tornar –se pacientes para os neuropsicólogos. O questionamento sobre a diversidade cultural e suas implicações para a interpretação de determinado resultado leva ao problema da adaptação aos testes estrangeiros. No mundo globalizado pela rigidez dos meios de comunicação, as fronteiras são mais amplas e permitem uma compreensão mais precisa das diferenças entre as culturas. Evocando a história dos testes psicométricos, esses métodos nascem com Binet (na França) e atravessam o Atlântico Norte (Estado Unidos) para sofrer as adaptações. A própria construção das escalas Wechler é uma composição de vários métodos é uma composição de vários métodos com a preocupação de resolver os problemas culturais e educacionais observados no início do século XX (Boake, 2002 apud Diniz Leandro, Fuentes Daniel, Mattos Paulo e Abreu Neander, 2018). Hoje, a demanda na neuropsicologia difere um pouco daquela observada antes da viabilização dos exames de imagem. A localização específica das lesões cerebrais é detectada de modo mais preciso por meio desses métodos, mas a avaliação neuropsicológica é capaz de revelar as alterações sutis, o nível e a qualidade do funcionamento cognitivo (Jones-Gotman, 1991). Em linhas gerais, as demandas por avaliação neuropsicológica estão direcionadas para: Quantificação e qualificação detalhadas de alterações das funções cognitivas, buscando diagnóstico ou detecção precoce de sintomas, tanto em clínica como em pesquisa. Avaliação e reavaliação para acompanhamento dos tratamentos cirúrgicos, medicamentosos e de reabilitação. Avaliação direcionada para o tratamento, visando principalmente à programação de reabilitação neuropsicológica. 32 Avaliação direcionada para os aspectos legais, gerando informações e documentos sobre cerebral ou uma doença, afetando o SNC. As baterias fixas são extremamente úteis no contexto de pesquisas ou serviços especializados em determinadas doenças neurológicas em que é necessária uma avaliação o mais formal possível. Por exemplo, um serviço de investigação preparatória para a cirurgia de epilepsia exige um protocolo com ênfase em funções de memória, já uma equipe voltada para avaliação em crianças com transtornos de aprendizagem ressalta aspectos da leitura, da escrita e do cálculo. As baterias fixas são desejáveis e praticamente obrigatórias em pesquisas clínicas, portanto, a escolha dos testes deve ser abrangente o suficiente para cobrir a investigação das funções geralmente comprometidas nas doenças a serem investigadas. O protocolo deve ser organizado considerando o tempo e o local para avaliação. As baterias breves e os testes de rastreio são mais indicados para aplicação no contexto ambulatorial ou de internação hospitalar. A avaliação breve propicia apenas um resultado indicativo de alteração e sugere possíveis áreas de investigação, mas não permite uma avaliação mais detalhada e, em casos que podem envolver uma questão jurídica, uma conclusão diagnóstica baseada apenas no “teste breve”. Deve –se ressalta que, em casos nos quais a alteração é sutil, essas técnicas são evidentemente insuficientes. Justamente por isso, é necessária uma boa integração do neuropsicólogo com a equipe. Na avaliação clínica, na qual é comum a diversidade de manifestações (trauma craniencenfálico, acidentes vasculares, demências, transtornos de aprendizagem), a abordagem por meio de baterias flexíveis é mais indicada. A partir de uma história clínica detalhada, são estabelecidas as bases para a investigação neuropsicológica (Camargo, Bolognani, & Zuccolo, 2008; Ewing, 2000; Walsh, 1992). As habilidades de entrevista clínica são necessárias para estabelecer o contato e avaliar a demanda do paciente e do profissional que solicitou a avaliação. O profissional solicitante quer complementação do diagnóstico, objetivo que abrange, ás vezes, documentar as condições do paciente antes ou depois de um tratamento. 33 O paciente, ou seu familiar, pode ter uma demanda diferente. Quando um familiar acompanha um paciente que sofreu alguma lesão cerebral, ele quer mais explicações sobre as dificuldades que observa em casa, precisa saber como lidar com as situações do dia a dia e, principalmente, qual o prognóstico. Nem sempre as notícias são boas, mas, na maioria dos casos, uma longa conversa com o familiar expõe o alcance das alterações observadas nos testes e o auxilia a compreender a origem dos comportamentos. A partir da demanda, o profissional seleciona as técnicas adequadas e compõe sua bateria flexível, pois o processo de avaliar acaba por sugerir áreas a serem investigadas em profundidade. Para os pacientes submetidos à avaliação pela primeira vez, as tarefas iniciais podem ser mais simples, de modo a introduzir o ritmo e verificar sua capacidade de se adaptar e colaborar com o processo. A escolha do método de trabalho depende, assim, das questões a seremrespondidas. A abordagem quantitativa é fortemente baseada em normas, análises fatoriais e estudos de validade. O processo de avaliação privilegiada traz consigo uma bateria de testes essencialmente quantitativos e enfoca as propriedades psicométricas dos testes. A abordagem qualitativa – flexível, em contrapartida, é referendada por diversos autores que alertam para as armadilhas da interpretação rápida de escores, embora não abandonem por completo as técnicas formais (Kaplan, 1990; Lezak, 2004; Odgen, 1996; Walsh, 1992; Walsh & Darby, 1999; Weintraub, 2000). Os instrumentos neuropsicológicos podem ser classificados, em linhas gerais, como testes e exercícios. Os testes formais são métodos estruturados aplicados com instrumentações especificas e normas derivadas de uma população representativa. Os resultados são medidos em escalas padronizados ou descritos a partir de média e desvio padrão que permitem a utilização de cálculos para comparação (p. ex., escores z ou t) (Fachel & Gamey,2000). Embora permitam uma avaliação quantitativa, os testes formais podem ser também interpretados qualitativamente. Os exercícios neuropsicológicos são métodos de exploração da cognição e do comportamento, abordando as diversas etapas necessárias para desempenhar determinada função. São fundamentados nos sintomas neuropsicológos, desenvolvidos gradualmente pela experiência clínica (Goldstein & Scheerer, 1941; McCarthy & 34 Warrington, 1990) ante as diversidades dos pacientes com lesões cerebrais. São exercícios destinados a explorar as etapas dos processos cognitivo. De fato, a forma como o paciente confronta – se com o exercício (seja ele um cálculo ou um desenho) e que tem significado clínico. Algumas dessas técnicas foram encorpadas as baterias de avaliação cognitiva e validadas. Weintraub (2000) ressalta que não existe testes formais com normas definidas para avaliar algumas alterações neuropsicológicas mais específicas, nem uma bateria de testes completa, abrangente e totalmente padronizada. A autora argumenta que não é possível ter normas detalhadas para todas as variáveis que podem interferir nos testes (como idade, gênero, educação e cultura). Do mesmo modo que não é possível evitar por completo os efeitos de “ teto” e “ chão” em todos os níveis de testes. Walsh (1992) adota uma postura essencialmente clínica quando afirma que “... na realidade, não existem testes neuropsicológicos. Apenas o método de construir as inferências sobre os testes é neuropsicológico”. O impacto dessa colocação é destacado anos depois por Ewing (2000) e Lezak e colaboradores (2004). Diversos fatores podem interferir no desempenho do paciente, sendo assim, a interpretação baseada apenas em resultados quantitativos pode levar a concepções errôneas. A partir dessa linha de pensamento, a concepção da validade ecológica cresceu, isto é, a capacidade dos exames neuropsicológicos de inferir sobre a adaptação do paciente ao meio em que vive e seu retorno ao trabalho ou à escola após a lesão cerebral. Tal aspecto torna- se importante justamente quando a avaliação subsidia o campo jurídico (Ewing, 2000). O relatório (ou parecer) da avaliação neuropsicológica é o resultado final do processo, o fechamento da avaliação e a abertura das orientações para reabilitação. Deve incluir aspectos descritivos (com ou sem dados numéricos) e a interpretação dos dados obtidos. Esse é o meio de comunicação oficial, o documento que responde à demanda e pode ter desdobramentos jurídicos. O relatório (parecer) pode também subsidiar profissionais de outras áreas nas decisões sobre retorno ao trabalho ou interdição. Para o paciente, em contrapartida, o importante é a entrevista devolutiva. As alterações observadas devem ser traduzidas com exemplos das situações práticas. 35 Tanto o paciente como o familiar precisam de orientações e indicações para o acompanhamento futuro. Os termos técnicos dos relatórios, então, podem ser explanados; e as dúvidas, sanadas. A avaliação neuropsicológica não é um processo de investigação pronto e acabado; está em estruturação e provavelmente estará assim por muito tempo. Lezak e colaboradores (2004) instigam os neuropsicólogos a buscarem novas formas de abordagem, alterando que “... nesse campo complexo e em expansão, poucos fatos ou princípios podem ser tomados como verdade, poucas técnicas não vão se beneficiar das modificações de conhecimento e experiência. ” Ao contrário dos testes, as tarefas neuropsicológicas não são restritas a nenhuma categoria profissional, podendo ser utilizadas pelos demais profissionais da saúde com formação em Neuropsicologia. A escolha dos instrumentos utilizados na Avaliação Neuropsicológica deve levar em conta vários fatores como a idade e a escolaridade do examinando, assim como o objetivo da avaliação. De acordo com Abreu, Fuentes, Malloy-Diniz e Mattos (2010) os instrumentos escolhidos podem ser estruturados por meio de baterias fixas ou flexíveis, ambas avaliam uma série de domínios cognitivos. No entanto, enquanto as baterias flexíveis são compostas por testes e tarefas escolhidos com base na condição individual do examinando, as baterias fixas caracterizam-se pelo uso dos mesmos instrumentos para um grupo de pessoas. As baterias fixas são extremamente úteis dentro do contexto de pesquisas e, nesse contexto, a escolha dos testes deve ser suficientemente abrangente para cobrir a investigação das funções cognitivas comumente comprometidas nas patologias a serem investigadas. Já na avaliação clínica, onde é comum a diversidade de manifestações (por exemplo, trauma crânioencefálico, acidentes vasculares, demências, distúrbios de aprendizagem), a abordagem por meio de baterias flexíveis é mais indicada. Embora Haase (2009) sugira que a formação do neuropsicólogo deve ocorrer preferencialmente em um nível de pós-graduação, o interesse pela área geralmente ocorre ainda na graduação. Para o psicólogo, uma forma bastante frequente de aprendizado da Avaliação Neuropsicológica ocorre no contexto de pesquisas cuja metodologia utiliza esse tipo de avaliação. Tais pesquisas podem ser realizadas por 36 laboratórios de pesquisa vinculados às instituições de ensino ou mesmo por iniciativa de professores. 1.7 Contextualizando a avaliação psicológica A avaliação psicológica é considerada uma das primeiras referências profissionais do psicólogo e uma prática que se insere nos mais diversos campos de aplicação dos conhecimentos da profissão: clínicas, escolas, processos seletivos para empresas, concursos públicos, auxílio em perícias judiciais, concessão para a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e para o porte de armas (NUNES et al. 2012). Deste modo, torna-se fundamental ao profissional da área aliar o conhecimento teórico e metodológico ao conhecimento dos instrumentos e procedimentos aplicados neste processo. A testagem psicológica enquanto ferramenta utilizada na tomada de decisões envolvendo pessoas teve seu início antes mesmo do reconhecimento da psicologia enquanto profissão (URBINA, 2007:18). No final de século XIX e início do século XX, vários pesquisadores empenharam-se na atividade de elevar a psicologia ao status de ciência através da criação de instrumentos mensuráveis que representassem uma amostragem de comportamentos ou processos mentais. Nesse contexto vale destacar as contribuições pioneiras do inglês Francis Galton, que introduziu o estudo das diferenças individuais; do americano James McKenn Catell, com a realização das provas denominadas "testes mentais"; e pelos franceses Alfred Binet e Theophile Simon, organizadores de um teste para
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