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A questão da agressividade em contexto escolar: desenvolvimento infantil e práticas educativas Presidente Prudente | 21 outubro 2014 Profª Juliana C. Pasqualini UNESP/Bauru P R O B L E M A T I Z A Ç Ã O Um tema recorrente... • Significativa frequência de episódios envolvendo comportamentos agressivos na escola • Dificuldades no enfrentamento do fenômeno: • Punições e ameaças (castigo, sala da diretora,etc.) • Informar a família, cobrando providências • ??? Como a ocorrência de ações agressivas é (tradicionalmente) explicada? • A família é desestruturada • O pai está preso • O pai é alcoolista • A mãe usa drogas • É genético • É da personalidade da criança • É filho adotivo • Assiste desenhos violentos na TV A B causa A a’ E d B F f´ C g H Síntese de múltiplas determinações Comportamento humano: • Síntese de múltiplas determinações Desafio: compreender os vários fatores interligados que atuam na produção do comportamento agressivo Analisando o fenômeno do comportamento agressivo como síntese de múltiplas determinações, somos levados a concluir que, embora a vivência familiar seja, sem dúvida, um fator determinante na explicação da conduta da criança, e que, da mesma forma, os modelos sociais violentos exerçam importante influência no comportamento infantil, tais variáveis são apenas integrantes de um conjunto muito mais amplo de fatores operantes na construção de tais comportamentos. É genético? Crianças agressivas ou comportamentos agressivos? • Ações agressivas: ao invés de qualificar a criança, optamos por qualificar a ação que ela apresenta • A ideia de agressividade infantil nos remete a uma característica da própria criança • Rotular uma criança como “agressiva” pode contribuir para a perpetuação do comportamento agressivo – formação da identidade Crianças agressivas ou comportamentos agressivos? A criança faz de propósito? • Intencionalidade na ação do adulto e da criança • Equívoco de tratar a criança como “mini-adulto” • Julgamento moral da criança “A intencionalidade e a consciência que caracterizam as ações da criança são ainda incipientes, principiando seu desenvolvimento, de modo que sua conduta não pode ser compreendida adequadamente tomando-se como modelo explicativo o funcionamento psíquico do adulto.” (p.139) I N S T R U M E N T A L I Z A Ç Ã O Não é possível explicar uma conduta isolando-a do contexto em que ela ocorre. (WALLON, 1975) O contexto em que dada ação ocorre é um dos determinantes fundamentais na explicação do fenômeno. Esse princípio é tanto mais válido quanto menor (menos desenvolvida) é a criança. Se a ação ocorre no contexto escolar... Como o ambiente escolar pode contribuir para desencadear comportamentos agressivos? Ambiente físico da escola • Ausência de espaços que permitam atividades ao ar livre • Exigência que as crianças permaneçam mais tempo em sala de aula do que o indicado para a idade • Grande número de crianças por sala de aula • Salas de aula pequenas, que facilitam esbarrões e conflitos • Brinquedos diversificados em pouca quantidade, gerando disputa entre as crianças • Etc. Atuação do professor • Pode determinar a ocorrência e manutenção de ações agressivas em função da forma como reage diante dos comportamentos das crianças Atuação do professor • Ameaças e punições – Castigo, repreensão verbal, isolamento – Práticas ineficazes, pautadas na produção do medo e da obediência – Controle gera contra-controle, dominação gera resistência – Comportamento “adequado” apenas na presença do professor Atuação do professor • Criança recebe atenção (apenas) quando se comporta de forma inadequada – sai do “anonimato social escolar” Atuação do professor • Atividades pedagógicas: – Aquém das possibilidades da criança: desinteresse – Além das possibilidades da criança: frustração – Falta de clareza dos objetivos e procedimentos: dispersão – Tendência a engajarem-se em ações paralelas Atuação do professor “É preciso garantir que a criança possa explorar e manusear os elementos do meio, bem como exercitar a imaginação e a criatividade, evitando rigidez excessiva de horários e favorecendo sua atuação de forma autônoma no ambiente.” (p.152) Relação entre comportamento e contexto • Atitude analítica: que elementos ou fatores do contexto escolar podem estar relacionados à ocorrência e manutenção do comportamento agressivo? que função o comportamento agressivo cumpre nesse contexto? (análise funcional) o que esse comportamento expressa? Miguel é uma criança de 6 anos. Foi recentemente adotado por uma família. Num episódio de agressividade, desceu até a garagem do prédio e amassou 6 carros. Foi levado à psiquiatra, que receitou Ritalina e Risperidona. Resgatando a história de Miguel, é possível entender que se trata de um menino que sofreu violência doméstica e, por isso, foi enviado para uma entidade de acolhimento (abrigo). Miguel viveu por muito tempo a expectativa da adoção por uma nova família. Várias crianças que conviviam com ele (mas que eram mais novas) estavam sendo adotadas e a constatação de que ele poderia não ter um novo lar o deixava mais ansioso, agitado e com episódios de agressividade. A enfermeira que acompanhava o menino conversou sobre o caso com a psiquiatra (para o qual o menino foi indicado) e ambas entenderam que não se tratava de um distúrbio e, muito menos, fazia-se necessário a medicação. Ocorre que Miguel foi escolhido por uma família e, ao chegar em sua nova casa (ainda no período de adaptação) ouviu um membro familiar dizendo que não queria aquela criança negra em casa. Miguel desceu até a garagem e amassou 6 carros. Após esse fato, a criança foi novamente encaminhada para uma nova psiquiatra (a antiga não trabalhava mais na instituição), que receitou Ritalina e Risperidona, a despeito das tentativas da enfermeira de reconstruir a história de vida daquela criança. Ritalina e Respiridona, para quê? O encaminhamento dado ao caso expressam uma dupla violência social: os maus tratos (sofridos na infância) e a medicalização de seu comportamento, que colabora para seu assujeitamento. (MARIA APARECIDA MOYSES) O comportamento agressivo é uma mensagem a ser decifrada! P R Á T I C A S E D U C A T I V A S Construção de regras e combinados A construção de regras constitui uma importante estratégia educativa na medida em que orientam o comportamento cotidiano da criança. REGRINHAS* Fazer a fila em ordem. Na hora do lanche não devemos conversar e ficar em pé Quando o colega fala, eu escuto Quando a professora não está devemos ficar quietinhos Devo pedir quando quiser ir ao banheiro O que eu quero, devo pedir Sempre dizer: com licença, por favor e obrigado Não devo fazer fofocas Não devo fazer com os colegas o que não quero que eles façam comigo 2 ouvidos para ouvir e 1 boca para falar * Cartaz exposto em sala de aula de uma creche do município de Bauru/SP Construção de regras e combinados • Caráter concreto, operacional • Enunciados afirmativos (orientar sobre o que fazer) • Universo de significações da criança • Memorização • Consistência e coerência das regras CUIDAR DOS LIVROS CONVERSAR SEM BRIGAR SER AMIGOS ARRUMAR A SALA CONVERSAR NA RODA O BEIJA-FLOR COMBINOU: Creche Carochinha / USP Riberão Preto Construção de regras e combinados “as crianças só assimilam as regras através da experiência prática, isto é, no processo de violação e restabelecimento dessas regras” (MUKHINA, 1996) Construção de regras e combinados Não se trata de uma mera técnica: a construção compartilhada de regras que visa orientar o funcionamento de um coletivo constitui um processo de auto- regulação das ações erelações humanas dimensão ético- política Desenvolvimento do auto-domínio da conduta Funcionamento psíquico primitivo/ elementar: comportamento impulsivo – dependência da situação visual imediata Funcionamento psíquico superior: auto- domínio da conduta possibilitado pela mediação dos signos da cultura capacidade conquistada pela cultura e não garantida pela natureza Referência: PASQUALINI, J. C., FERRACIOLI, M. U. A questão da agressividade em contexto escolar: desenvolvimento infantil e práticas educativas. In: MARTINS, L. M & ARCE, A. (orgs) Ensinando aos pequenos de zero a três anos. Eidtora Alínea, 2009. Obrigada! jupasqualini@uol.com.br