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MATERIAL DIDÁTICO EDUCAÇÃO: JUDICIALIZAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA CREDENCIADA JUNTO AO MEC PELA PORTARIA Nº 1.282 DO DIA 26/10/2010 0800 283 8380 www.ucamprominas.com.br Impressão e Editoração 2 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 3 UNIDADE 1 – A JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ............................................... 8 1.1 SURGIMENTO DO FENÔMENO DA JUDICIALIZAÇÃO .................................................... 8 1.2 CONCEITOS E DEFINIÇÕES ................................................................................... 12 1.3 O PRINCÍPIO DA “RESERVA DO POSSÍVEL” E DO “MÍNIMO EXISTENCIAL” ..................... 15 1.4 ATIVISMO JUDICIAL.............................................................................................. 21 1.5 CONSEQUÊNCIAS DA JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ............................................. 23 UNIDADE 2 – O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO DE JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ........................................................................ 28 2.1 A ESTRUTURA DO MINISTÉRIO PÚBLICO (MP) ....................................................... 28 2.2 ÁREAS DE ATUAÇÃO DO MPF .............................................................................. 30 2.3 FUNÇÕES E PRINCÍPIOS DO MP ............................................................................ 32 2.4 ATUAÇÃO DO MPF NA JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO ........................................... 34 UNIDADE 3 – JURISPRUDÊNCIA E A GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO . 38 3.1 CONCEITOS E DEFINIÇÕES ................................................................................... 38 3.2 A RELAÇÃO PÚBLICO-PRIVADO NA EDUCAÇÃO E O STF .......................................... 40 3.3 EMENTAS DE DECISÕES DOS TRIBUNAIS E AÇÕES PROMOVIDAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO (AÇÃO CIVIL PÚBLICA OU INQUÉRITOS CIVIS) RELACIONADAS À EDUCAÇÃO ........ 41 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 49 3 INTRODUÇÃO A efetivação universal do direito à educação tem trazido à baila a questão da judicialização da educação, a qual tem marcado presença na academia e na agenda das pesquisas nesse campo. Esse fenômeno traz implicações seja para as instituições de ensino, para os educandos e educadores, enfim, para a sociedade de maneira geral, principalmente no tocante ao comportamento desses atores e no desfecho das decisões. As atividades que envolvem a efetivação dos direitos previstos na Constituição Federal de 1988 dependem da existência de recursos financeiros, de dotações orçamentárias prévias, executadas segundo programa de prioridades estabelecidos pela própria Administração Pública, razão pela qual, diante da insuficiência de recursos para atender todas as demandas, cabe ao administrador definir qual serviço e em qual região será efetivado prioritariamente. Há ainda a alegação de que não há como se cobrar, somente dos municípios, a manutenção do sistema de ensino, especificamente o atendimento a crianças em creches e escolas de educação infantil e justifica que a matrícula de milhares de crianças em algumas unidades de creches envolve questões de orçamento e disponibilidade do Erário, com dotação específica para a implantação de meios à concretização das medidas pleiteadas e que a carência de novos aportes de recursos para financiar a educação infantil limitou o atendimento em todo o Município e a possibilidade de ampliação do atendimento em educação infantil (ARAÚJO, 2009). Não que concordemos com as justificativas acima, embora em parte sejam alegações verdadeiras, mas fato é que o desenvolvimento do novo direito constitucional ou neoconstitucionalismo no Brasil, após a Constituição Federal de 1988, teve como principais mudanças de paradigma, no plano teórico, a força normativa da Constituição e a expansão da jurisdição constitucional que envolve a interpretação e aplicação da Constituição. Tais fatores foram as causas que propiciaram a constitucionalização e judicialização das relações sociais, sendo necessário enfatizar que, no caso brasileiro, a jurisdição constitucional é exercida amplamente: do juiz estadual ao Supremo Tribunal Federal, já que todos interpretam a Constituição, podendo, inclusive, recusar aplicação à lei ou outro ato normativo que considerem inconstitucional. 4 Além disso, existem outros motivos, conforme destaca LUÍS ROBERTO BARROSO (2006, p. 140), nos seguintes termos, in verbis: [...] Sob a Constituição de 1988, aumentou de maneira significativa a demanda por justiça na sociedade brasileira, em primeiro lugar, pela redescoberta da cidadania e pela conscientização das pessoas em relação aos próprios direitos e pela circunstância de haver o texto constitucional criado novos direitos, introduzido novas ações e ampliando a legitimação ativa para tutela de interesses mediante representação ou substituição processual. Essas breves assertivas justificam os temas de estudo deste módulo: judicialização da educação, o papel do Ministério Público para efetivação do acesso e qualidade de educação e algumas jurisprudências, visto que os Tribunais de Justiça no Brasil produzem milhares de decisões anualmente sobre a temática da educação (CARVALHO, 2014). De acordo com a Constituição Federal, cabe ao Ministério Público brasileiro: a defesa dos direitos sociais e individuais indisponíveis; a defesa da ordem jurídica; e, a defesa do regime democrático. Figura 1: Ministério Público. Fonte: https://draflaviaortega.jusbrasil.com.br/noticias Quanto à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), ela se constitui num conjunto de decisões essenciais para a preservação das garantias expressas no texto constitucional. Além disso, a plena aplicação da Constituição tem o poder de apaziguar os conflitos sociais ao reforçar regras que possibilitam a adoção de soluções eficazes para demandas sociais cada vez mais complexas. Nesse sentido, 5 a atuação da Corte Suprema oferece à sociedade brasileira critérios de identidade e estabilização institucional das legítimas disputas políticas e sociais (PELUZO, 2011). Por meio de suas decisões, o Supremo Tribunal Federal vem exercendo papel de destaque na consolidação da democracia brasileira. O compromisso do STF com a aplicação da Constituição e das leis legitimamente editadas representa a afirmação inequívoca da supremacia da legalidade democrática, a prevalência de uma ordem jurídica justa e a vigência dos grandes ideais humanitários consubstanciados no rol de direitos fundamentais. Figura 2: Jurisprudência. Fonte: http://www.tce.sc.gov.br/acom-intranet-ouvidoria-biblioteca Desejamos boa leitura e bons estudos, mas antes algumas observações se fazem necessárias: 1) Ao final do módulo, encontram-se muitas referências utilizadas efetivamente e outras somente consultadas, principalmente artigos retirados da World Wide Web (www), conhecida popularmente como Internet, que devido ao acesso facilitado na atualidade e até mesmo democrático, ajudam sobremaneira para enriquecimentos, para sanar questionamentos que por ventura surjam ao longo da leitura e, mais, para manterem-se atualizados. 6 2) Deixamos bem claro que esta composição não se trata de um artigo original1, pelo contrário, é uma compilação do pensamento de vários estudiosos que têm muito a contribuir para a ampliação dos nossos conhecimentos. Também reforçamos que existem autores considerados clássicos que não podem ser deixados de lado, apesar de parecer (pela data da publicação) que seus escritos estão ultrapassados, afinal de contas, uma obra clássica é aquela capaz de comunicar-se com o presente,mesmo que seu passado datável esteja separado pela cronologia que lhe é exterior por milênios de distância. 3) Em se tratando de Jurisprudência, entendida como “Interpretação reiterada que os tribunais dão à lei, nos casos concretos submetidos ao seu julgamento” (FERREIRA, 2005)2, ou conjunto de soluções dadas às questões de direito pelos tribunais superiores, algumas delas poderão constar em nota de rodapé ou em anexo, a título apenas de exemplo e enriquecimento. 4) Por uma questão ética, a empresa/instituto não defende posições ideológico-partidária, priorizando o estímulo ao conhecimento e ao pensamento crítico. 5) Pedimos compreensão por usar a lógica ocidental tradicional que funciona como uma divisão binária: masculino x feminino, macho x fêmea ou homem x mulher, mas na medida do possível iremos nos adequando à identidade de gênero, cientes de que no mundo atual as pessoas tem liberdade de se expressarem de forma tão diversa e plural e que o respeito à singularidade e a tolerância de cada indivíduo torna-se fator de extrema importância. 6) Sabemos que a escrita acadêmica tem como premissa ser científica, ou seja, baseada em normas e padrões da academia, portanto, pedimos licença para fugir um pouco às regras com o objetivo de nos aproximarmos de vocês e para que os temas abordados cheguem de maneira clara e objetiva, mas não menos científicos. Por fim: 7) Deixaremos em nota de rodapé, sempre que necessário, o link para consulta de documentos e legislação pertinente ao assunto, visto que esta última 1 Trabalho inédito de opinião ou pesquisa que nunca foi publicado em revista, anais de congresso ou similares. 2 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio. Versão 5.0. Editora Positivo, 2005. 7 está em constante atualização. Caso esteja com material digital, basta dar um Ctrl + clique que chegará ao documento original e ali encontrará possíveis leis complementares e/ou outras informações atualizadas. Caso esteja com material impresso e tendo acesso à Internet, basta digitar o link e chegará ao mesmo local. 8 UNIDADE 1 – A JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO Figura 3: A judicialização da educação. Fonte: http://www.revistaeducacao.com.br/quando-a-educacao-e-caso-de-justica/ 1.1 Surgimento do fenômeno da judicialização O processo de judicialização da política é um fenômeno relativamente recente no mundo e pode-se afirmar que, de modo geral, está presente em todas as sociedades democráticas. Na América Latina, por exemplo, confluiu com os processos de redemocratização e foi intensificado, sem dúvida, pelo desenvolvimento e falência do Welfare State3. É certo que o processo ganha dimensões diferentes em cada Estado, o que contribui para a formação de opiniões distintas a respeito de seus efeitos, o que não é nosso interesse aprofundar no estudo atual. De modo geral, os fatores que concorreram para a judicialização da política no mundo se concentram, sobretudo, no período após a Segunda Guerra Mundial, a partir da constituição do Estado de Bem-Estar Social; um período marcado por intensa atividade legisladora para regular os direitos sociais e por uma grande 3 Welfare State ou Estado de Bem-Estar Social baseia-se em uma ideia de que o homem possui direitos indissociáveis a sua existência enquanto cidadão, estes direitos são direitos sociais. De acordo com esta concepção, todo o indivíduo tem o direito, desde seu nascimento, a um conjunto de bens e serviços que lhe devem ser oferecidos e garantidos de forma direta através do ESTADO, ou indiretamente, desde que o Estado exerça seu papel de regulamentar isso dentro da própria sociedade civil. Em linhas mais gerais, os direitos sociais no Welfare State visam assegurar que as desigualdades de classe social não comprometam o exercício pleno dos direitos civis e políticos. 9 demanda jurídica para que esses direitos fossem garantidos. Entretanto, já em 1803, com o caso Madison VS. Marbury, no qual a Suprema Corte dos Estados Unidos declarou nulo um ato do Poder Legislativo, entendendo que tal ato feria a Constituição, pode-se dizer que foi aberto um caminho para o Controle de Constitucionalidade, prática disseminada no século XX. Antes disso, ainda por volta dos anos de 1780, já é possível identificar a prática do Controle de Constitucionalidade, mas com um objetivo político diferente do empregado nos dias atuais. Naquele período, sua função estava restrita a dar ao povo a proteção contra legisladores desonestos, que por algum motivo não agiam em conformidade com a lei (OLIVEIRA, 2011). JOSÉ GERALDO ALENCAR FILHO (2011) explica que o fenômeno da judicialização da política é caracterizado por uma involuntária transferência de poder para as instâncias judiciais em detrimento de instituições políticas tradicionais, que são o Legislativo e o Executivo. Por sua vez, juízes e tribunais passaram, dentre outros temas polêmicos e complexos, a revisar e também implementar políticas públicas, revendo com isso as regras do jogo democrático. Esse fenômeno da judicialização se trata de uma interferência que se diz involuntária, que é fruto de um processo normal do constitucionalismo moderno, visto ser a Constituição composta por conceitos de caráter aberto que precisam ter seu sentido interpretado pelo Poder Judiciário, seja por meio do controle de constitucionalidade ou por decisões de natureza política (ALENCAR FILHO, 2011). ERNANI CARVALHO (2004, p. 3) aponta as condições políticas para o surgimento da Judicialização: i) democracia, condição necessária, porém não suficiente; ii) separação dos poderes, que no Brasil é princípio constitucional; iii) direitos políticos formalmente reconhecidos pela Constituição; iv) uso dos tribunais pelos grupos de interesse econômicos e sociais centrais (como movimentos sindicais); v) uso dos tribunais pela oposição, que se utiliza para frear, obstaculizar e até mesmo inviabilizar as alterações promovidas pela maioria; vi) inefetividade das instituições majoritárias, referindo-se a incapacidade dessas instituições em dar provimento às demandas sociais e os tribunais, diante da inércia, acabam em pôr fim a conflitos que deveriam ser resolvidos no âmbito político. 10 Quanto às causas da judicialização, no caso brasileiro estão relacionadas diretamente com nosso modelo institucional e na ótica de LUIS ROBERTO BARROSO (2009, p. 3-5), elas são três: 1ª) A redemocratização do país, que teve como ponto culminante a promulgação da Constituição de 1988. Nas últimas décadas, com a recuperação das garantias da magistratura, o Judiciário deixou de ser um departamento técnico- especializado e se transformou em um verdadeiro poder político, capaz de fazer valer a Constituição e as leis, inclusive em confronto com os outros Poderes. No Supremo Tribunal Federal, uma geração de novos Ministros já não deve seu título de investidura ao regime militar. Por outro lado, o ambiente democrático reavivou a cidadania, dando maior nível de informação e de consciência de direitos a amplos segmentos da população, que passaram a buscar a proteção de seus interesses perante juízes e tribunais. Nesse mesmo contexto, deu-se a expansão institucional do Ministério Público, com aumento da relevância de sua atuação fora da área estritamente penal, bem como a presença crescente da Defensoria Pública em diferentes partes do Brasil. Em suma: a redemocratização fortaleceu e expandiu o Poder Judiciário, bem como aumentou a demanda por justiça na sociedade brasileira. 2ª) A constitucionalização abrangente, que trouxe para a Constituição inúmeras matérias que antes eram deixadas para o processo político majoritário e para a legislação ordinária. Essa foi, igualmente, uma tendência mundial,iniciada com as Constituições de Portugal (1976) e Espanha (1978), que foi potencializada entre nós com a Constituição de 1988. A Carta brasileira é analítica, ambiciosa, desconfiada do legislador. Como intuitivo, constitucionalizar uma matéria significa transformar Política em Direito. Na medida em que uma questão – seja um direito individual, uma prestação estatal ou um fim público – é disciplinada em uma norma constitucional, ela se transforma, potencialmente, em uma pretensão jurídica, que pode ser formulada sob a forma de ação judicial. Por exemplo: se a Constituição assegura o direito de acesso ao ensino fundamental ou ao meio-ambiente equilibrado, é possível judicializar a exigência desses dois direitos, levando ao Judiciário o debate sobre ações concretas ou políticas públicas praticadas nessas duas áreas. 11 3ª) É o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, um dos mais abrangentes do mundo. Referido como híbrido ou eclético, ele combina aspectos de dois sistemas diversos: o americano e o europeu. Assim, desde o início da República, adota-se entre nós a fórmula americana de controle incidental e difuso, pelo qual qualquer juiz ou tribunal pode deixar de aplicar uma lei, em um caso concreto que lhe tenha sido submetido, caso a considere inconstitucional. Por outro lado, trouxemos do modelo europeu o controle por ação direta, que permite que determinadas matérias sejam levadas em tese e imediatamente ao Supremo Tribunal Federal. A tudo isso se soma o direito de propositura amplo, previsto no art. 103, pelo qual inúmeros órgãos, bem como entidades públicas e privadas – as sociedades de classe de âmbito nacional e as confederações sindicais – podem ajuizar ações diretas. Nesse cenário, quase qualquer questão política ou moralmente relevante pode ser alçada ao STF. Guarde... Conforme LOIANE PRADO VERBICARO (2008, p. 390), no contexto brasileiro, entre as condições propiciadoras e/ou facilitadoras do processo de judicialização da política, destacam-se: a promulgação da Constituição Federal de 1988; a universalização do acesso à justiça; a estrutura tripartite de organização dos poderes do Estado; a existência de uma Carta Constitucional com textura aberta, normas programáticas e cláusulas indeterminadas; a crise do paradigma formalista de interpretação inspirado nas premissas do positivismo jurídico; a ampliação do espaço reservado ao Supremo Tribunal Federal; a permissão por parte da Constituição de 1988 para que o Poder Executivo edite medidas provisórias; a ampliação do rol dos legitimados ativos a propor a ação direta de inconstitucionalidade; a veloz modificação da base econômica do Brasil; a existência de novas forças sociais representadas por importantes movimentos, organizações e grupos sociais; 12 o agravamento da crise econômica nas últimas décadas do século XX, a ineficácia da política macroeconômica do país e a consequente explosão da crise social; a hipertrofia legislativa; a desproporcionalidade da representação política e a crescente ineficácia do sistema político-decisório. 1.2 Conceitos e definições No sentido constitucional, a judicialização da política refere-se ao novo estatuto dos direitos fundamentais e à superação do modelo de separação dos poderes do Estado, o que provoca uma ampliação dos poderes de intervenção dos tribunais na arena política (MACIEL; KOERNER, 2002, p. 117). Por meio da efetiva participação no processo referente à formulação e/ou implementação de políticas públicas – a política se judicializa com o objetivo de promover o encontro da comunidade com o seu sistema de valores constitucionalmente assegurado (VERBICARO, 2008). Os juristas usam o termo judicialização para se referirem à obrigação legal de que um determinado tema seja apreciado judicialmente. Próximo a esse sentido, mas já com caráter normativo, afirma-se que judicialização é o ingresso em juízo de determinada causa, que indicaria certa preferência do autor por esse tipo de via. “Refere-se a decisões particulares de tribunais, cujo conteúdo o analista consideraria político, ou referente a decisões privadas dos cidadãos (como questões de família)” (MACIEL; KOERNER, 2002, p. 115). Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas. Algumas delas expressam uma tendência mundial; outras estão diretamente relacionadas ao modelo institucional brasileiro (BARROSO, 2009). 13 As nossas primeiras constituições tinham apenas boas intenções, proteção limitada, não legal e sem instrumentos jurídicos adequados à efetivação do direito à educação, mas a partir da CF/88, a situação mudou. Nos dizeres de CARLOS ROBERTO JAMIL CURY e LUIS ANTÔNIO MIGUEL FERREIRA (2010, p. 55): a educação passou a ser efetivamente regulamentada, com instrumental jurídico necessário para dar ação concreta ao que foi estabelecido, pois de nada adiantaria prever regras jurídicas com relação à educação (com boas intenções) se não fossem previstos meios para a sua efetividade. Na verdade, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu uma verdadeira declaração de direitos relativos à educação que resumem-se em: gratuidade do ensino oficial em todos os níveis; garantia do direito aos que não se escolarizaram na idade ideal; perspectiva da obrigatoriedade do ensino médio, substituída pela perspectiva de sua universalização com a Emenda Constitucional EC. 14; atendimento especializado aos portadores de deficiência; atendimento, em creche e pré-escola, às crianças de até cinco anos de idade (redação de acordo com a Emenda Constitucional nº 53/06); oferta do ensino noturno regular; previsão dos programas suplementares de material didático-escolar; prioridade de atendimento à criança e ao adolescente (OLIVEIRA, 2001). Daí podemos inferir o crescimento de pesquisas no Brasil sobre o tema, isto é, os estudos sobre a exigibilidade do direito à educação pelo Sistema de Justiça estão se tornando objeto de interesse por parte de pesquisadores da área do Direito e da Educação (SILVEIRA, 2008). Algumas pesquisas e estudos, nos últimos anos, analisam, especificamente, o comportamento do Judiciário frente às demandas educacionais, por meio da análise de suas decisões (MACHADO, 2003; MACHADO JÚNIOR, 2003; GRACIANO, MARINHO, FERNANDES, 2006; LOPES, 2006; PIOVESAN, 2007; RANIERI, 2009; PANNUNZIO, 2009; CURY, FERREIRA, 2010). Fato é que a partir da CF/88, o Poder Judiciário passou a ter funções mais significativas na efetivação desse direito, estabelecendo-se uma nova relação com a educação, que se materializou através de ações judiciais visando a sua garantia e 14 efetividade. Pode-se designar este fenômeno como a Judicialização da educação, que significa a intervenção do Poder Judiciário nas questões educacionais em vista da proteção desse direito até mesmo para se cumprir as funções constitucionais do Ministério Público e outras instituições legitimadas (CURY; FERREIRA, 2010). Para os mesmos autores acima, o processo de judicialização da educação ocorre “quando aspectos relacionados ao direito à educação passam a ser objeto de análise e julgamento pelo poder judiciário”. Esse fenômeno se verifica quando da ofensa ao direito à educação decorrentes de: “(a) mudanças no panorama legislativo; (b) reordenamentodas instituições judicial e escolar; (c) posicionamento ativo da comunidade na busca pela consolidação dos direitos sociais” (p. 81). ÁLVARO e RAQUEL CHRISPINO (2008) caracterizaram a judicialização das relações escolares como aquela ação da Justiça no universo da escola e das relações escolares, resultando em condenações das mais variadas, destacando que os profissionais da educação não estão sabendo lidar com todas as variáveis que caracterizam as relações escolares. PAULO DE CAMARGO (2014) conceitua essa judicialização da educação como a interferência da Justiça em relações que antes ou ficavam no âmbito das políticas públicas de educação ou da gestão privada do ensino – ou nem chegavam a ser debatidas. Para falar da responsabilidade objetiva (dano e relação de causalidade, sem a necessidade de demonstração de culpa) dos estabelecimentos de ensino (públicos ou privados) nas relações escolares, como, por exemplo, na obrigação de guarda e vigilância do aluno, acidentes que ocorrem em laboratório de química ou na aula de educação física, e outras hipóteses e da responsabilidade civil dos educadores, podemos tomar como base para apresentar várias decisões da Justiça brasileira de ações envolvendo as escolas, os textos do Código Civil, do Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código de Defesa do Consumidor. PAULO DE CAMARGO (2014) ilustra que ações, mandados de segurança, termos de ajustamento de conduta: conceitos próprios do mundo jurídico vem se tornando cada vez mais comuns no ambiente educacional. Até o início da década de 1990 eram comuns apenas as batalhas judiciais em torno de mensalidades escolares. Hoje, questões como falta de vagas em creches, inclusão de alunos com deficiência, violência, bullying, transferência, 15 reprovação e um amplo espectro de situações típicas da vida pedagógica cotidiana tornaram-se, literalmente, caso de justiça. É difícil estimar o número de processos que se estendem nas diversas instâncias do Poder Judiciário. Mas os estudos disponíveis mostram a tendência de crescimento a partir dos anos 2000. Em artigo a ser publicado em uma revista internacional, a jurista Nina Ranieri, da Faculdade de Direito da USP, fez um levantamento dos casos que chegaram à Suprema Corte brasileira referentes à área de educação. A conclusão é a de que, das 4.410 decisões tomadas pelo Superior Tribunal Federal (STF), entre 1988 e o começo de 2013, mais de 95% (4.222) ocorreram a partir do ano 2000, sendo a imensa maioria no final da década (CAMARGO, 2014). 1.3 O princípio da “reserva do possível” e do “mínimo existencial” Não é uma conclusão que gostaríamos de apresentar de pronto, mas é uma verdade e que “atrapalha” o caminho da educação, além de ser polêmica. A aplicabilidade e eficácia do direito à educação dependem da peculiar proeminência econômica dos recursos materiais. O Princípio da Reserva do Possível (ou Princípio da Reserva de Consistência) pode ser entendido como uma construção jurídica a qual afirma que ao se exigir uma prestação de fazer do Estado, este, estaria sujeito à reserva do possível. Assim, justificar-se-ia a limitação do Estado em razão de suas condições socioeconômicas e estruturais (LIMA; MELO, 2011). Quanto ao mínimo existencial, na visão do pensamento acadêmico predominante, ele apresenta relação íntima com o Princípio da Dignidade Humana e os objetivos e finalidades fundamentais da Ordem Econômica do Estado, compreendendo o mínimo necessário para que os sujeitos de direito usufrua de uma vida digna (VILAR, 2013). O mínimo existencial corresponde ao conjunto de situações materiais indispensáveis à existência humana digna; existência aí considerada não apenas como experiência física – a sobrevivência e manutenção do corpo –, mas também espiritual e intelectual, aspectos fundamentais em um Estado que se pretende, de um lado, democrático, demandando a participação dos 16 indivíduos nas deliberações públicas, e, de outro, liberal, deixando a cargo de cada um seu próprio desenvolvimento (BARCELOS, 2002, p. 45). O direito fundamental à educação considerado um direito essencial para o desenvolvimento da dignidade humana, tem a sua eficácia dependente das normas de cunho programático (PESSOA, 2015). Trata-se, portanto, de normas de eficácia limitada, pois estão condicionadas a programas estatais e políticas públicas. Quanto ao conceito de normas programáticas, José Afonso da Silva (1998, p. 138) leciona que são: Normas constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos e jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado. São normas que dependem de recursos econômicos para a implementação desses direitos. O direito à educação de base obrigatória fornecida pelas instituições oficiais públicas depende da reserva de verbas que estejam em conformidade com a redistribuição orçamentária do Estado. Destarte, a aplicabilidade e eficácia do direito à educação dependem da peculiar proeminência econômica dos recursos materiais. Em contrapartida, a grande discussão referente à eficácia do direito a uma educação pública digna e de qualidade, está associada ao limite da reserva do possível inerente aos custos financeiros do Estado (PESSOA, 2015). A doutrina defende que os direitos sociais, apesar de serem considerados como normas constitucionais de eficácia limitada a efeitos programáticos, não podem deixar esvaziar o conteúdo do seu mínimo existencial. E para isso, a reserva do possível não pode de forma alguma restringir a cláusula desses direitos. Ou seja, o Estado não pode se negligenciar diante da concretização do direito educacional (PESSOA, 2015). Fica claro que o direito, enquanto direito prima facie, é um direito vinculante, e não um simples enunciado programático, quando o tribunal afirma que o direito, em sua validade normativa, não [pode] depender de um menor ou maior grau de possibilidades de realização. Mas a natureza de direito prima facie vinculante implica que a cláusula de restrição desse direito – a “reserva do possível, no sentido daquilo 17 que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade” – não pode levar ao esvaziamento do direito (ALEXY, 2011, p. 515). Que há um eterno debate em torno da efetivação dos direitos sociais não há dúvida, o qual sempre gira em torno de um núcleo econômico. O orçamento público aparece como obstáculo constitucional, mandamental e (in)vencível. Ao determinar as escolhas políticas de quais direitos sociais privilegiar – as chamadas escolhas trágicas –, o executivo e legislativo encontram o limite das despesas públicas – recursos limitados – e, portanto, o equilíbrio das contas públicas, com o fornecimento de prestações materiais. Trata-se do princípio da reserva do possível, que limita a plenitude das prestações positivas (BEZERRA, 2017). Sendo então os recursos limitados, deve-se fazer escolhas trágicas, e no momento histórico atual, insuficientes para a efetivação dos mandamentos constitucionais vinculantes relacionados a direitos públicos subjetivos, notadamente, ao direito social fundamental à educação pública de qualidade. Desse modo, ficam o executivo e o legislativo, vinculados a gastar prioritariamente com o que está constitucionalizado e legalizado – normas pré- orçamentárias impositivas – a fim de se preservar o mínimo existencial da pessoa humana. Não se trata, obviamente, de envolver o Ministério Público e os Tribunais nas escolhas trágicas, mas sim, na discussão acerca da vedação ao retrocesso e no controle preventivo e concomitante dos orçamentos e dos atos discricionários do executivo. Isso porque,estando estes desconforme, os ditames mandamentais juridicamente vinculantes da Constituição e da Lei, serão contrários e, portanto, ilegais, ilegítimos e inconstitucionais, vinculando o Ministério Público à exercer o poder-dever de provocar o controle jurisdicional (BEZERRA, 2017). Vejamos as palavras de MAURÍCIO PEDROSA FILHO (2012, p. 117), a respeito da elaboração dos orçamentos e alocação de recursos para a implantação de políticas com a saúde pública: Mercê de toda essa normatização atinente à questão orçamentária é que os gestores públicos têm a obrigação de alocar recursos necessários ao cumprimento dos direitos sociais, eis que são prestações garantidas e dispostas na Constituição aos cidadãos, a exemplo da prestação da saúde (nela incluída a assistência farmacêutica). 18 Essa obrigação do gestor decorre do seu dever legal e funcional de honrar os ditames da Constituição e das leis em geral, haja vista que ele – gestor – enquanto no exercício do seu múnus público, só poderá agir secundum legem. Na esteira das linhas precedentes, a ausência ou escassez de recursos no orçamentário serve de mote para o gestor se eximir do cumprimento de alguma prestação estatal imposta pela Constituição, a exemplo dos serviços de saúde de cuja deficiência e reclamos são notórios em nosso país. A reserva do possível reflete a ausência de recursos para atender a alguma atividade estatal típica, como a saúde. A ausência de recursos, ou seja, a sua inexistência, representa o vazio dos cofres públicos. Outro exemplo... Será que é possível falar em falta de recursos para a saúde quando existem no orçamento, recursos para propaganda de governo? Antes de os finitos recursos se esgotarem para os direitos fundamentais, precisam estar esgotados em áreas não prioritárias do ponto de vista constitucional e não do detentor do poder (FREIRE JÚNIOR, 2005, p. 74 apud BEZERRA, 2017). Voltemos à questão da omissão estatal na concretização de políticas públicas e a ausência de aplicação dos recursos financeiros destinados às diretrizes educacionais, que tem causado intensos danos à formação escolar infantil e juvenil. Tanto por isso, tem sido tarefa dos tribunais, em especial das Cortes, definirem o conteúdo dos direitos fundamentais sociais através do controle jurisdicional, de forma a assegurar e preservar o núcleo essencial desses direitos. Para MARCOS SAMPAIO (2013, p. 248): Resta asseverar que o Judiciário brasileiro, embora não exclusivamente, pode e deve, como defendeu Andreas Krell, mediante decisões firmes, exercer seu importante papel no processo político da realização dos direitos fundamentais sociais através da melhoria gradual e permanente dos serviços públicos básicos. Entretanto, a polêmica que rege as discussões jurídicas tem aduzido que, o caráter proativo dos órgãos jurisdicionais veio a invadir consideravelmente a esfera das funções típicas dos demais Poderes. Por se tratar de direitos de cunho social, caberia tão somente ao Legislativo e ao Executivo a execução das políticas públicas. 19 A dependência de recursos econômicos para a efetivação dos direitos de caráter social leva parte da doutrina a defender as normas que consagram tais direitos, assumem a feição de normas programáticas, dependentes, portanto, da formulação de políticas públicas para se tornarem exigíveis. Nessa perspectiva, também se defende que a intervenção do Poder Judiciário, ante a omissão estatal enquanto à construção satisfatória dessas políticas, violaria o princípio da separação dos poderes e o princípio da reserva do financeiramente possível (MENDES; BRANCO, 2014, p. 628). Em âmbito jurisdicional, a Suprema Corte brasileira tem decidido de forma unânime que, em situações excepcionais, o Poder Judiciário poderá determinar aos órgãos públicos medidas necessárias e assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos, sem que esteja configurada a violação ao princípio da separação dos poderes4. Dessa forma, no ano de 2014 foi julgado o Agravo Regimental do Recurso Extraordinário com Agravo 761.1275 pelo Supremo Tribunal Federal sob a relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, na qual definiu a possibilidade do Poder Judiciário determinar ao Executivo a implementação de políticas públicas para avalizar o acesso à educação básica, sem que isso violasse a separação tripartite dos poderes. Mas de onde “tiramos” esse princípio da reserva do possível? 4 O julgado do Recurso Extraordinário 700.227EDD /AC, sob a relatoria da Ministra Carmen Lúcia no ano de 2013, determinou o seu voto que: “O Tribunal de origem restringiu-se a extinguir o processo sem resolução de mérito, por impossibilidade jurídica do pedido, por considerar inviável ao Poder Judiciário intervir na implementação de políticas públicas. Todavia, esse entendimento não se harmoniza com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, que assentou que o Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure contrariedade ao princípio da separação dos Poderes” (Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. RE 700.227ED/AC- Acre, rel. Min. Carmen Lúcia. Decisão por unanimidade. Brasília 23.04.2013. DJ 31.5.2013. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3890562> 5 EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. DETERIORAÇÃO DAS INSTALAÇÕES DE INSTITUIÇÃO PÚBLICA DE ENSINO. CONSTRUÇÃO DE NOVA ESCOLA. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO BÁSICA. PRECEDENTES. As duas Turmas do Supremo Tribunal Federal possuem entendimento de que é possível ao Judiciário, em situações excepcionais, determinar ao Poder Executivo a implementação de políticas públicas para garantir direitos constitucionalmente assegurados, a exemplo do direito ao acesso à educação básica, sem que isso implique ofensa ao princípio da separação dos Poderes. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento. (Supremo Tribunal Federal. Primeira Turma. ARE 761.127- AgR -AP, Rel. Min. Roberto Barroso. Decisão por unanimidade. Brasília. 24.06.2014. DJ de 18.08.2014. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28direito+%E0+educa% E7%E3o%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/nd7f5te 20 A chamada reserva do possível foi desenvolvida na Alemanha, num contexto jurídico e social totalmente distinto da realidade histórico-concreta brasileira. Nestas diferentes ordens jurídicas concretas não variam apenas as formas de lutas, conquistas e realização e satisfação dos direitos, mas também os próprios paradigmas jurídicos aos quais se sujeitam. Assim, enquanto a Alemanha se insere entre os chamados países centrais, onde já existe um padrão ótimo de bem-estar social, o Brasil ainda é considerado um país periférico, onde milhares de pessoas não têm o que comer e são desprovidas de condições mínimas de existência digna, seja na área da saúde, educação, trabalho e moradia, seja na área da assistência e previdência sociais, de tal modo que a efetividade dos direitos sociais ainda depende da luta pelo direito entendida como processo de transformações econômicas e sociais, na medida em que estas forem necessárias para a concretização desses direitos (CUNHA JR., 2013, p. 744). Desse modo, no Brasil, a cláusula da reserva do possível não está apenas associada à ideia de pretensão proporcional ou razoável da exigibilidade dos direitos no caso concreto. Mas, está vinculada ao fundamento da redistribuição de riquezas das receitas orçamentárias (PESSOA, 2015). Para INGO WOLFGAN SARLET (2007, p. 304), a partir do exposto, há comosustentar que a assim designada reserva do possível apresenta pelo menos uma dimensão tríplice, que abrange: a) a efetiva disponibilidade fática dos recursos para a efetivação dos direitos fundamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursos materiais e humanos, que guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas, administrativas, entre outras, e que, além disso, reclama equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no contexto do nosso sistema constitucional federativo; c) já na perspectiva (também) do eventual titular de um direito a prestações sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade. Ocorre que, para os órgãos públicos, a decisão sobre o critério de disponibilização dos recursos financeiros é ocupação típica e inerente da política legislativa e da própria administração. Sem maiores discussões, podemos concluir que no Brasil, a polêmica não está no conteúdo protegido e assegurado pela legislação. Mas, sim na má repartição e alocação dos recursos econômicos e financeiros voltados para os programas de cunho social. 21 1.4 Ativismo judicial LUIS ROBERTO BARROSO (2010, p. 09), numa perspectiva histórica, ensina que ativismo judicial é uma expressão cunhada nos Estados Unidos e que foi empregada, sobretudo, como rótulo para qualificar a atuação da Suprema Corte durante os anos em que foi presidida por Earl Warren, entre 1954 e 1969. Ao longo desse período, ocorreu uma revolução profunda e silenciosa em relação a inúmeras práticas políticas nos Estados Unidos, conduzida por uma jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais [...] Todavia, depurada dessa crítica ideológica – até porque pode ser progressista ou conservadora – a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. Entende-se por “Ativismo Judicial” o papel criativo dos tribunais ao trazerem uma contribuição nova para o direito, decidindo sobre a singularidade do caso concreto, formando o precedente jurisprudencial, antecipando-se, muitas vezes, à formulação da própria lei (GRANJA, 2013). Para LUIS FLÁVIO GOMES (2009), o ativismo judicial retrata, em realidade, uma espécie de intromissão indevida do Judiciário na função legislativa, ou seja, ocorre ativismo judicial quando o juiz ‘cria’ uma norma nova, usurpando a tarefa do legislador, quando o juiz inventa uma norma não contemplada nem na lei, nem nos tratados, nem na Constituição. A doutrina traz vários conceitos para o ativismo judicial, existindo posições favoráveis e contrárias, mas não vamos entrar no mérito dessas críticas. Entretanto, o Ativismo Judicial é uma postura, ou seja, é uma escolha de um determinado magistrado que visa buscar através de uma hermenêutica jurídica expansiva, cuja finalidade é a de concretizar o verdadeiro valor normativo constitucional, garantindo o direito das partes de forma rápida, e atendendo às soluções dos litígios e às necessidades oriundas da lentidão ou omissão legislativa, e até mesmo executiva (GRANJA, 2013). Diante de novas necessidades, nas quais a lei não se mostra suficiente ou diante de necessidades que forjam uma determinada interpretação do texto de lei, é o momento em que o esforço do intérprete faz-se sentir. Tem-se como Ativismo Judicial, portanto, “a energia emanada dos tribunais no processo da criação do direito” (MIARELLI; LIMA, 2012, p. 16). 22 Dessa forma, podemos destacar que o vocábulo ativismo no âmbito da ciência do Direito é empregado para designar que o Poder Judiciário está agindo além dos poderes que lhe são conferidos pela ordem jurídica. Para LUIS ROBERTO BARROSO (2009, p. 3), a judicialização nasceu do modelo constitucional que se adotou e não de um exercício deliberado de vontade política, já o ativismo, há uma escolha, do magistrado no modo de interpretar as normas constitucionais a fim de dar-lhes maior alcance e amplitude. Assim, o autor acima faz as seguintes distinções: A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, frequentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Em todos os casos referidos acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais. A definição de ativismo judicial se extrai da relação existente entre participação, a maior, por parte do Poder Judiciário na concretização dos valores e finalidades constitucionais, interferindo, assim, na esfera de competência dos outros poderes. Entretanto, para parte da doutrina, essa atuação pode macular o equilíbrio advindo do sistema de freios e contrapesos disposto no art. 2º da CF de 1988 (VILAR, 2013). São exemplos do ativismo judicial no Brasil: Um primeiro exemplo que merece ser destacado é o da declaração de inconstitucionalidade do regime integralmente fechado, previsto no artigo 2º, da Lei n° 8.072/19906 (Lei de Crimes Hediondos). Segundo o STF, o aludido dispositivo viola o núcleo essencial do direito à individualização da pena, previsto no rol de direitos e garantias fundamentais do artigo 5º, da Constituição Federal (NUNES JÚNIOR, 2010). 6 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8072.htm 23 Outro exemplo que merece destaque é a decisão proferida pelo STF na ADPF n° 54 (Tal ação aborda a questão da possibilidade de se realizar o aborto do feto anencefálico ou antecipação terapêutica do parto no Brasil). A corte suprema considerou, por maioria, que incumbia a esta e não ao Congresso Nacional regular o tema por meio de uma ação de controle objetivo de constitucionalidade das leis. Tal opção revelou uma nítida postura ativista em favor de uma minoria, qual seja, as mulheres (APPIO, 2008). Ao analisar o direito à educação (Brasil. Supremo Tribunal Federal. RE nº 410715, AgR, Relator(a): Min. Celso de Mello. Julgamento: 22.11.2005), o STF decidiu que a educação infantil se afigura como um direito constitucional indisponível, fundamental, haja vista que confere um desenvolvimento integral à criança. O impedimento de efetivo acesso e de atendimento em creches e unidades de pré-escola por parte do Poder Público Municipal configura inaceitável omissão governamental, violando, assim, dispositivos constitucionais. Por se revelar como direito fundamental de toda criança, a educação infantil não deve se expor, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública. Por fim, lembremos o notório exemplo da distribuição de medicamentos e a determinação de terapias mediante decisões judiciais. A matéria não foi apreciada, ainda, de forma aprofundada pelo STF, exceto nos casos onde constam pedidos desuspensão de segurança. No entanto, constata-se, em diversos tribunais estaduais e federais, uma grande quantidade de decisões, condenando a União, o Estado ou o Município a fornecer medicamentos e terapias que não constam das listas e protocolos do Ministério da Saúde ou das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde (BARROSO, 2008). 1.5 Consequências da judicialização da educação É inegável que, em razão da relação estabelecida entre a justiça e educação7, várias são as consequências para os atores envolvidos (CURY; FERREIRA, 2010). Merecem destaque as seguintes hipóteses: 7 A justiça passou a ser chamada amiúde a solucionar conflitos no âmbito escolar, que extrapolam a questão da responsabilidade civil, ou seja, se antes se contemplava na esfera do judiciário, ações de indenizações ou reparação de danos envolvendo o sistema educacional, ou mandados de segurança para garantia de atribuições de aulas a professores, hoje, a realidade é bem diversa, e várias são as situações em que se provoca o judiciário com questões educacionais. A efetividade do direito à 24 a) SISTEMA DE EDUCAÇÃO: a.1) Transferência de responsabilidade – grande parte das questões escolares e que devem ser solucionadas na própria escola, são transferidas para a esfera judicial. Os responsáveis pela educação não assumem o compromisso que é próprio da educação em esgotar os recursos internos baseados no diálogo. Exemplo típico dessa situação refere-se à questão da violência. Hoje, muitos casos encaminhados à justiça revestem-se mais de características de ato de indisciplina do que ato infracional. A escola, muitas vezes, sequer esgota os mecanismos previstos no próprio regimento escolar, preferindo provocar a atuação do Judiciário, Ministério Público, Autoridade Policial e Conselho Tutelar. Sendo ato de indisciplina, a competência para analisá-lo continua sendo da própria escola e não do sistema de garantia de direitos. a.2) Desconhecimento da legislação relacionado à criança e ao adolescente – outra questão da judicialização da educação diz respeito a este desconhecimento legal. Várias são as situações em que a escola provoca a instituição errada para o encaminhamento das ocorrências. Provoca-se o Poder Judiciário ou Ministério Público quando, na verdade, o caso deveria ser encaminhado ao Conselho Tutelar. Desconhecem as atribuições do sistema de garantia de direitos. Há também situações em que este desconhecimento legal acaba por levar ao Judiciário ou Conselho Tutelar, situações que não poderiam ser encaminhadas, antes do esgotamento das medidas administrativas. No mesmo sentido, ocorre essa hipótese quando da instauração de procedimento em face do aluno e não são obedecidos os princípios constitucionais básicos da ampla defesa e do contraditório. Vale lembrar que não está se pretendendo que todo e qualquer profissional da educação tenha o conhecimento do direito. No entanto, toda legislação que lhe diga respeito diretamente, não pode ser ignorada. Exemplo dessa situação ocorre educação prevista na Constituição Federal, a ocorrência de atos infracionais ocorridos no ambiente escolar e a garantia da educação de qualidade passaram a ser objeto de questionamento judicial. Até mesmo a responsabilidade penal tem sido chamada posto que poucas são as informações que mostram a aplicação do art. 246 do Código Penal, que estabelece o crime de abandono intelectual, prevendo: Art. 246 – Deixar sem justa causa de prover à instrução primaria de filho em idade escolar – Pena: detenção de quinze dias a um mês e multa. 25 com o capítulo do direito à educação previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, que não pode ser desconhecido do educador. Como afirma JANE BEATRIZ BATISTA (1999, p. 233), os graves problemas da escola brasileira não podem ser solucionados sem a ação dos profissionais que nela trabalham. Mas, neste caso, tais profissionais devem ter ciência da legislação relacionada a sua atuação. a.3) Trabalho em parceria: não há como negar que a tarefa educativa é de competência do professor. Contudo, vários problemas que ocorrem na escola, antes mesmo de se transformarem em questões judiciais, podem ser resolvidos com um trabalho conjunto do sistema educativo (diretores, coordenadores, supervisores e professores) com o sistema de proteção dos direitos da criança e do adolescente (Conselho Tutelar, Poder Judiciário, Ministério Público, Policia Militar e Civil). Nesse sentido, vale destacar Batista (1999, p. 237) quando afirma que o pedagogo precisa estar preparado para ações integradas com os demais profissionais e com o espaço educativo como um todo, assim como para o entendimento da realidade e a produção de saberes pedagógicos com vistas à construção de práticas educativas que veiculem os conhecimentos e valores necessários à sociedade contemporânea. Até porque, “os problemas escolares deixaram de ser eminentemente educacionais, os problemas sociais converteram-se em problemas escolares e os professores não estão preparados pra enfrentar essa nova realidade” (ALMEIDA, 1999, p. 12). O enfrentamento destes problemas deve ocorrer de forma conjunta. Todos em prol de uma educação de qualidade. b) SISTEMA DE PROTEÇÃO: b.1) Desconhecimento do sistema educacional: nesta situação, ocorre o inverso do que foi mencionado no item anterior, ou seja, o despreparo dos integrantes do sistema de proteção – Juiz de Direito, Promotor de Justiça, Delegado de Polícia, Policial Militar, Conselheiro Tutelar e Conselheiro Municipal. Desconhecem o sistema de ensino e há um despreparo para lidar com os problemas da educação. Para muitos integrantes desse sistema, o problema educacional ainda está restrito ao professor. Se a escola é ruim ou não atrativa, se ela não apresenta educação de qualidade, se os alunos são indisciplinados: a culpa é do professor, transformado em culpado de todos os fracassos escolares. 26 Os professores foram transformados em verdadeiros bodes expiatórios frente aos imensos problemas presentes nos sistemas de ensino, favorecendo o enfraquecimento de sua profissionalização e do seu reconhecimento social. Responsabilizá-lo pelos insucessos da escola atende a vários interesses, dentre eles aos dos governantes, que podem se eximir das responsabilidades quanto ao que acontece; aos dos pais, que não conseguem enfrentar os problemas escolares com seus filhos; aos dos pesquisadores, que não precisam rever a direção de suas pesquisas, em boa parte sem sintonia com a realidade escolar (ALMEIDA, 1999, p. 11). Mesmo posicionamento aponta JOSÉ ESTEVE (1995, p. 104): Grande parte da sociedade, alguns meios de comunicação e também alguns governantes chegaram à conclusão simplista e linear de que os professores, como responsáveis diretos do sistema de ensino, são também os responsáveis diretos de todas as lacunas, fracassos, imperfeições e males que nele existem. Acabam por culpar o professor e consequentemente a escola pelo fracasso do aluno. Conforme esclarece DONALD SCHÖN (1997, p. 79): atribuímos a culpa às escolas e aos professores, o que equivale a culpar as vítimas. Sim, porque outros fatores se somam para apontar a situação atual da escola como financiamento, retribuição salarial, jornada, carreira e condições de trabalho, entre outras. A aplicação da lei na esfera educacional requer do profissional do direito o conhecimento real da situação educacional, sob pena de cometer erros e equívocos. b.2) Exagero na forma de agir: existe ainda a situação em que, na ânsia de provocar a defesa do direito à educação, os integrantes do sistema de proteção extrapolam na judicialização dos atos, instaurandoprotocolados, inquéritos civis, procedimentos judiciais de situações que não deveriam merecer a atenção do sistema de justiça. Nesta hipótese, há uma indevida invasão do sistema legal no educacional. b.3) Burocratização das ações: num mundo informatizado e dinâmico, as instituições jurídicas ainda convivem, em sua grande maioria, com um sistema retrógrado e burocratizante. As relações entre este sistema e o educacional ficam muitas vezes emperradas. Exemplo típico dessa intervenção burocrática diz respeito ao combate à evasão escolar. Quando ocorre a efetiva intervenção, muitas vezes é tardia, posto que a criança e o adolescente não mais têm condições de voltar ao sistema de ensino. A síntese é essa: 27 a judicialização da educação representa a busca de mais e melhores instrumentos de defesa de direitos juridicamente protegidos. Essa proteção judicial avança na consolidação desse direito da criança e do adolescente e significa a exigência da obrigatoriedade da transformação do legal no real (CURY; FERREIRA, 2010). 28 UNIDADE 2 – O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO PROCESSO DE JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO Tem sido notória a participação do Ministério Público na defesa dos direitos sociais, portanto, vamos conhecer um pouco dessa estrutura independente que agrega valor ao Estado Democrático de Direito. Para garantia do direito à educação, os membros do Ministério Público atuam como um terceiro elemento para a resolução de problemas decorrentes de desajustes sociais e de gestão dos interesses públicos. O estabelecimento da defesa da educação como meta a ser atingida pelo Ministério Público demonstra a importância do ensino-aprendizagem para a construção da cidadania e revela que o direito à educação não tem sido concretizado satisfatoriamente. O Ministério Público tem o papel de garantir as condições necessárias para o desenvolvimento da democracia. Essa tarefa passa, inarredavelmente, pela realização do direito à educação (CARIBÉ, 2016, p. 15). 2.1 A estrutura do Ministério Público (MP) O Ministério Público Federal (MPF) integra o Ministério Público brasileiro, conquista garantida pela Constituição Federal de 1988, sendo composto pelos Ministérios Públicos nos estados e pelo Ministério Público da União (MPU), que, por sua vez, possui quatro ramos: o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Trabalho (MPT), o Ministério Público Militar (MPM) e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). O MPU e o MPF são chefiados pelo procurador-geral da República e a sede administrativa do MPF é a Procuradoria-Geral da República. O Ministério Público tem autonomia na estrutura do Estado: não pode ser extinto ou ter atribuições repassadas a outra instituição. Os membros (procuradores e promotores) possuem as chamadas autonomia institucional e independência funcional, ou seja, têm liberdade para atuar segundo suas convicções, com base na lei. Cabe ao MPF assegurar o respeito aos direitos dos cidadãos, por meio da fiscalização e cobrança na aplicação das leis. O MPF também atua extrajudicialmente, ou seja, propondo acordos (Termos de Ajuste de Conduta, recomendações, inquérito civil público, audiências públicas). O Ministério Público Federal, assim como o Ministério Público brasileiro, não faz parte de nenhum dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e tem 29 independência funcional assegurada pela Constituição Federal. O MPF atua em casos federais, regulamentados pela Constituição e pelas leis federais, sempre que a questão envolver interesse público. Figura 4: Estrutura do Ministério Público. Fonte: http://www.mpf.mp.br/conheca-o-mpf/sobre/sobre-a-instituicao Os Ministérios Públicos nos estados atuam na Justiça estadual, enquanto os diversos ramos do MPU têm a seguinte atuação: MPF – o Ministério Público Federal atua na Justiça Federal, em causas nas quais a Constituição considera haver interesse federal. A atuação pode ser judicial como fiscal da lei, cível e criminal, mas também pode ser extrajudicial, quando atua por meio de recomendações e promove acordos por meio dos Termos de Ajuste de Conduta (TAC); MPT – o Ministério Público do Trabalho (MPT) busca dar proteção aos direitos fundamentais e sociais do cidadão diante de ilegalidades praticadas na seara trabalhista; MPM – o Ministério Público Militar (MPM) atua na apuração dos crimes militares, no controle externo da atividade policial judiciária militar e na instauração do inquérito civil também para a proteção dos direitos constitucionais no âmbito da administração militar; MPDFT – o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) é o ramo do Ministério Público da União responsável por fiscalizar as leis e defender os interesses da sociedade do Distrito Federal e dos Territórios. 30 A organização e as atribuições do MPU estão dispostos na Lei Complementar nº 75/19938, conhecida como Lei Orgânica do Ministério Público da União. 2.2 Áreas de atuação do MPF O MPF atua como fiscal da lei, mas tem atuação também nas áreas cível, criminal e eleitoral. Na área eleitoral, o MPF pode intervir em todas as fases do processo e age em parceria com os ministérios públicos estaduais. A atuação do MPF ocorre perante o Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Superior Eleitoral, os tribunais regionais federais, os juízes federais e os juízes eleitorais, nos casos regulamentados pela Constituição e pelas leis federais. O MPF tem atuação judicial (como fiscal da lei, na área civil e criminal) e extrajudicial. Fora da esfera judicial e antes de propor ações à Justiça, o MPF pode adotar medidas administrativas, por meio de instrumentos como inquéritos civis públicos, recomendações, termos de ajustamento de conduta e audiências públicas, utilizados para coletar provas sobre a existência ou não de irregularidades. Comprovada a existência de irregularidades, o MPF pode propor, antes de ingressar com a ação, a assinatura de termo de ajustamento de conduta (TAC). Se as irregularidades também forem consideradas crime, cópias dos procedimentos são encaminhadas aos procuradores que atuam na área criminal. Na área cível, o MPF ingressa com ações em nome da sociedade para defender: interesses difusos (interesses que não são específicos de uma pessoa ou grupo de indivíduos, mas de toda a sociedade); interesses coletivos (interesses de um grupo, categoria ou classe ligados entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica); e, interesses individuais homogêneos (que têm um fato gerador comum, atingem as pessoas individualmente e da mesma forma, mas não podem ser considerados individuais, como os direitos do consumidor). 8 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp75.htm 31 Nesses casos, o MPF age por meio da ação civil pública, da ação civil coletiva ou da ação de improbidade administrativa. O MPF também age preventivamente, extrajudicialmente, quando atua por meio de recomendações, audiências públicas e promove acordos por meio dos Termos de Ajuste de Conduta (TAC). A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) coordena, com a colaboração de seu Grupo de Trabalho, a atuação dos membros do MPF no tema Educação. A atuação da PFDC se dá por meio de: instauração de procedimento administrativo, expedição de notificação a autoridades, requisição de informações e documentos, expedição de recomendações, celebração de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), realização de audiências públicas e participação em grupos interinstitucionais, além do diálogo e interlocução direta com parlamentares, representantes da sociedade civil e demais setores interessados. O Grupo de Trabalho (GT) Educação da PFDC foi instituídoem 2005 e, por meio de portarias, vem tendo sua vigência renovada a cada ano. O GT atua examinando as demandas relacionadas ao tema e propondo à PFDC estratégias de atuação e diretrizes para orientação dos trabalhos dos Procuradores dos Direitos do Cidadão. Os focos de atuação do GT estão em: garantir o acesso democrático e isonômico aos cursos de pós-graduação, nas Universidades Públicas, através do aperfeiçoamento do processo seletivo; enfrentar a questão relativa à cobrança de contribuições compulsórias em estabelecimentos oficiais de ensino, em especial nos Colégios Militares; exigir a implementação de políticas públicas de educação profissionalizante para os adolescentes em conflito com a lei; exigir o fomento de políticas públicas de capacitação de professores para o magistério das disciplinas Filosofia, Sociologia (Lei 9.394/1996 – LDB), História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena (Leis 10.639/2003 e 11.645/2008) e Educação Ambiental (Lei 9.795/1999); exigir o acompanhamento e fiscalização do cumprimento dos requisitos de adesão ao sistema educacional para os beneficiários do Programa Bolsa Família; cobrar a promoção de mecanismo público que garanta a revalidação dos diplomas dos médicos formados em Cuba; 32 exigir e acompanhar a fiscalização da qualidade do ensino universitário, incluindo o ensino a distância9. 2.3 Funções e princípios do MP ROGÉRIO ARANTES (2000) destaca os dois princípios que têm regido a atuação do Ministério Público desde a Constituição de 1988: o combate à improbidade administrativa e a fiscalização de serviços de relevância pública, combinados, pode-se dizer que é o conceito de cidadania da instituição. Quanto aos seus princípios de organização, coincidem com os do Poder Judiciário. O Ministério Público está dividido em dois ramos: Estadual e União. O que os diferencia é a área de atuação. Apenas membros do MPF podem oficiar perante o STF, composto pela cúpula do Poder Judiciário, que profere a palavra final sobre a interpretação da Constituição Federal e o STJ, que uniformiza a interpretação da lei infraconstitucional. No âmbito federal, o chefe do Ministério Público é o Procurador Geral da República, que é indicado pelo Presidente da República e deve ser aprovado por maioria absoluta no Senado Federal. O mandato é de dois anos, permitida a recondução sucessiva. Já no âmbito estadual, o chefe do Ministério Público é o Procurador-Geral, e sua escolha se inicia com a elaboração de uma lista tríplice com nomes indicados pelos próprios membros da instituição. O Governador do estado, então, decide por um nome da lista. Nesse caso, a Assembleia Legislativa não tem poder de escolha, mas tem a faculdade de destituir o escolhido do cargo, por maioria absoluta. O mandato é de dois anos, sendo possível apenas uma recondução (MAZZILLI, 2007). O MP, para que consiga exercer suas atividades, precisa gozar de autonomia funcional. Para tanto, ele é provido de três tipos de garantias: as garantias nas suas atividades-meio, ou seja, as garantias que envolvem a autonomia administrativa, a autonomia financeira e a iniciativa da lei, que se traduz em autonomia para organizar as atribuições e o estatuto do Ministério Público, assim como criar e extinguir seus cargos e planos de carreira e criar ou extinguir serviços auxiliares; 9 Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/pfdc/institucional/grupos-de- trabalho/educacao 33 as garantias relativas a suas atividades-fim, ou seja, a garantia de exercer seu ofício com liberdade de ação em relação aos três poderes, limitando-se apenas à observância da lei; as garantias dos órgãos e agentes, o que se traduz na liberdade funcional dos membros do Ministério Público em exercer seu ofício, podendo ser responsabilizados por atuação irregular. Conforme HUGO NIGRO MAZZILLI (2007), as garantias dos órgãos e agentes se evidenciam de várias formas, como: i. na proibição da irredutibilidade dos subsídios e na justificativa de bons salários, para que o promotor se dedique exclusivamente ao cargo e não se corrompa; ii. na vitalicidade, que veda demissões administrativas, possíveis apenas em decorrência de sentença judicial julgada; iii. na inamovibilidade, que impede que o funcionário seja afastado de seu cargo e de suas funções; iv. na definição de seus poderes e da escolha dos Procuradores Gerais; v. na existência do Promotor natural, que requer a existência de cargos e funções predeterminadas em lei, que não podem ser alteradas na atuação dentro do Ministério Público; vi. na vedação de Promotor ad hoc, que impede que funcionário de outra carreira atue nas funções destinadas à instituição; e, vii. na responsabilidade do membro do Ministério Público, segundo a qual, a ação irregular de um membro recairá sobre a responsabilidade dele e não da instituição. No Ministério Público não existem hierarquias, ou seja, sua organização é monocrática, o que garante aos seus membros uma independência funcional. Para MARIA TEREZA SADEK (2000), esse fato contribui para que haja um espaço para “vontade política”, ou seja, para que a motivação e as características individuais de seus membros tornem efetivas as prerrogativas da lei. Um exemplo da independência funcional é a escolha dos Procuradores- Gerais da República e da Justiça; outro, é a própria dificuldade de mensurar a real autonomia da instituição, tendo em vista que as atribuições do Ministério Público podem ser limitadas pelo Poder Judiciário e pela Polícia, quando facilitam ou 34 impedem as investigações ou ações. Note-se que essas instituições muitas vezes podem sofrer pressões políticas para tanto (OLIVEIRA, 2011). 2.4 Atuação do MPF na judicialização da educação Faz parte das atribuições do Ministério Público exercer o controle das políticas públicas educacionais; fiscalizar a realização do direito à educação, contribuindo para que a mesma se transforme em elemento de inclusão e transmutação das estruturas sociais (CARIBÉ, 2016). Em casos de ineficácia, o Ministério Público, sempre que necessário, pode movimentar o Poder Judiciário, que deve interferir nas políticas públicas educacionais, para garantir um mínimo existencial que proteja a dignidade da pessoa humana e a máxima efetividade dos direitos fundamentais sociais, aproximando, tanto quanto possível, o dever-ser normativo e o ser da realidade social, como forma de contribuir para o progresso humano e propiciar maiores oportunidades de vida para os excluídos. Abaixo são elencadas, conforme ANTÔNIO CARLOS OSÓRIO NUNES (2012, p. 2-3), algumas sugestões de trabalhos que estão ao alcance dos membros do Ministério Público para uma atuação eficiente como articulador, mediador e protagonista de ações sociais que efetivamente possam contribuir para a melhoria da qualidade da educação nos seus respectivos municípios de atuação (e também nas regiões ou no âmbito estadual). 1 – Diagnóstico da situação: a primeira ação importante a ser feita é a realização de um diagnóstico sobre a situação educacional do município. Para tanto, se houver possibilidade, pode ser feita uma Audiência Pública na qual serão levantados os problemas relacionados à comunidade escolar do respectivo município. A audiência servirá para a colheita de informações, obtenção de dados e levantamento de problemas gerais e relacionados à comunidade escolar. 2 – Estabelecimento de canais de conversação e núcleos de articulação: na própria audiência pública será possível estabelecer contatos com os principais atores relacionados à comunidade escolar do município: representantes das Secretarias de Educação; membros dos Conselhos da Educação, dos Conselhos do Fundeb e da Alimentação Escolar; dos Conselhos de Escolas; representantes de ONG; servidores,representantes dos pais, alunos, professores, entre outros. Dessas pessoas, o representante do Ministério Público selecionará aquelas que ele entende 35 mais importantes ou adequadas para funcionar como elementos de interlocução para a discussão, reflexões conjuntas e busca de melhorias na qualidade do ensino do município. Estabelece-se uma rede de contatos na área, com possíveis cronogramas de trabalho, com pautas predefinidas. Cabe ainda ao MP: Zelar corretamente pela correta aplicação das verbas de financiamento da educação. O artigo 212 da CF/88 estatui que “a União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino”. Os artigos 68 e seguintes da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) tratam dos recursos financeiros destinados à educação. Nessa direção, cabe ao MP a prerrogativa e o dever de atuar preventiva e repressivamente para uma boa fiscalização dessas verbas. Para tanto, diversas ações podem ser feitas, entre outras: a) zelar, com o apoio dos Conselhos ligados à educação, pelo orçamento detalhado da Educação Básica; orçamentos genéricos permitem desvios e fraudes e dificultam o acompanhamento de sua execução; b) cobrar e fiscalizar a transparência da folha de pagamentos das Secretarias da Educação; c) fiscalizar, ou cobrar para que os conselhos fiscalizem a aquisição de bens e a prestação de serviços ligados à Educação; d) acompanhar e fiscalizar a eficiência nos trabalhos dos Conselhos do Fundeb (NUNES, 2012). Verificação da existência e da regularidade no funcionamento dos Conselhos municipais relacionados à Educação, a saber: Conselho Municipal de Educação, Conselho do Fundeb e Conselho da Alimentação Escolar. Verificar como está a situação da educação infantil: é importante que seja feito um levantamento para saber como anda o atendimento e a oferta de vagas à educação infantil, que abrange as creches, de zero aos três anos, e a pré-escola, dos quatro aos cinco anos. Todas as crianças nestas faixas etárias têm direito à educação infantil. Verificar a não criação/implantação do Plano de Carreira dos Profissionais da Educação Básica: essa é uma irregularidade ainda comum em mais da 36 metade dos Municípios brasileiros, em descumprimento ao dever constitucional. É preciso checar se o Município implantou o Plano de Carreira e Remuneração dos profissionais de educação básica, conforme exigência dos seguintes dispositivos constitucionais e legais: art. 206, V da CF, art. 40 da Lei nº 11.494/200710, art. 67 da Lei nº 9.394/199611, e item 10.3.1 do Plano Nacional de Educação (Lei nº 13.005/201412). Incentivar o funcionamento dos Conselhos Escolares. Cobrar uma escola mais inclusiva, uma vez que esta permite que os alunos em geral vivenciem as diferenças e que aqueles discriminados pela deficiência, ou qualquer outro motivo, ocupem o seu espaço na sociedade e sejam cidadãos. Toda criança e adolescente têm o direito à educação na diversidade, garantindo-se o seu aprendizado de acordo com suas potencialidades (art. 208, V, CF). Segurança escolar: os cuidados com a segurança escolar interferem no processo de ensino e de aprendizagem e, portanto, na qualidade da educação. O Ministério Público pode colaborar com mais paz nas escolas incentivando-as a melhorar e ampliar as relações com a comunidade local, sobretudo com a criação e o fortalecimento dos Conselhos Escolares; a apoiar e cobrar as ações de segurança no entorno da escola, tais como: rondas escolares, limpeza de terrenos, fornecimento de iluminação adequada, entre outros; zelar pela observância do perímetro escolar, que é a área contígua aos estabelecimentos escolares na qual devem ser vedadas determinadas atividades, tais como vendedores ambulantes, venda de bebidas alcoólicas, entre outros. Prevenir e combater a evasão escolar que é um sério problema brasileiro e desafio para todos, muito mais do que garantir a matrícula nas escolas. Muitas são as ações das quais o Ministério Público pode participar, dando sua contribuição para a efetivação do direito à educação, seja articulando, 10 Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, de que trata o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; altera a Lei nº 10.195, de 14 de fevereiro de 2001; revoga dispositivos das Leis nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, nº 10.880, de 9 de junho de 2004, e nº 10.845, de 5 de março de 2004; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11494.htm 11 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm 12 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm 37 fiscalizando, mediando socialmente as relações e mesmo impulsionando o Estado na escolha de critérios e prioridades de gastos (NUNES, 2012). 38 UNIDADE 3 – JURISPRUDÊNCIA E A GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO 3.1 Conceitos e definições Segundo o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), Jurisprudência é um termo jurídico, que significa o conjunto das decisões, aplicações e interpretações das leis. A jurisprudência pode ser entendida de três formas: como a decisão isolada de um tribunal que não tem mais recursos; pode ser um conjunto de decisões reiteradas dos tribunais; ou, as súmulas de jurisprudência, que são as orientações resultantes de um conjunto de decisões proferidas com mesmo entendimento sobre determinada matéria. Precedente é a decisão judicial tomada em um caso concreto, que pode servir como exemplo para outros julgamentos similares. Há contudo, muitas discussões, no sentido que decisões isoladas poderiam ser consideradas jurisprudência. Jurisprudência é ainda a interpretação reiterada, de mesmo sentido, que os tribunais dão às leis, nos casos concretos que são levados a julgamento. Jurisprudência é um termo jurídico que significa o conjunto das decisões, aplicações e interpretações das leis. Também é descrita como a ciência do Direito e do estudo das leis. 39 Figura 5: Jurisprudência. Fonte: http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/direito-facil-1/jurisprudencia-x-precedente A jurisprudência surgiu com o Direito Inglês, que foi desenvolvido para ir contra os costumes locais que não eram comuns. Para combater isso, o rei enviava juízes que presidia o juri e constituía um sistema de regras em tribunais separados. O direito inglês apresentou-se então como direito jurisprudencial, no qual predominava a regra do precedente. O real significado de jurisprudência significa “a ciência da lei”. A jurisprudência pode ter outros significados, como a decisão de um tribunal que não pode ser recorrida, ou um conjunto de decisões dos tribunais, ou a orientação que resulta de um conjunto de decisões judiciais proferidas num mesmo sentido sobre uma dada matéria ou de uma instância superior como o STJ ou TST. Jurisprudência em sentido amplo é a coletânea de decisões proferidas pelos juízes e tribunais sobre uma determinada matéria jurídica. (...) Jurisprudência em sentido estrito, dentro desta acepção, consiste apenas no conjunto de decisões uniformes, prolatadas por órgãos do Poder Judiciário, sobre uma determinada questão jurídica (NADER, 2013, p. 172). Em pesquisa que investigou e analisou a atuação do Poder Judiciário, especificamente do Supremo Tribunal Federal (STF), com relação às demandas 40 judiciais no campo do direito à educação de crianças e adolescentes no período de
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