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solidão e Liberdade

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Solidão e Liberdade 
 
Jadir Machado Lessa 
 
"Estou sozinho em meu quarto, não saí nem para jantar, ao lado do telefone, mas não te posso ligar. 
Sei que estás pensando em mim, querendo me ver, ouvir e falar, sei que também estás sofrendo, por não poder me tocar. O que parece complicado, fácil pode se tornar, liberte-se das amarras, não há motivo para chorar. Ninguém é de papel, ninguém pode se rasgar, mas respeito o teu medo por isso posso esperar. 
Esperar que a verdade apareça e que possa triunfar, levando para muito longe o teu medo de arriscar. Não há garantia alguma que o futuro possa dar, mas no presente impera uma verdade sem par. Minha menina querida, eu só quero te abraçar." 
(Jadir Machado Lessa) 
 
Dedicatória 
 A Bianca Alves, uma mulher solitária em busca da liberdade e da felicidade. 
 A Elaine Ferreira das Neves, uma mulher determinada a vencer por sua disciplina, dedicação e profissionalismo. 
 A Magda Eiras Moraes, uma mulher vitoriosa por haver conquistado a liberdade e a autonomia. 
 
Prefácio 
 
 Todos sabemos que o homem é um animal gregário (do latim gregariu, que faz parte da grei,do rebanho). Para que se tome efetivamente um ser humano, necessita da presença e da orientação de outros seres humanos. E para que continue a ser humano, é imperioso que este contato seja mantido permanentemente. Então, pode pensar o leitor neófito, que se surpreendeu com o título da obra: "Como Jadir Lessa pode enaltecer a solidão e, mais do que isto, considerá-la como condição de realização e felicidade?" 
 Mas não é desta solidão de que fala o autor. Trata do estar só enquanto ser que só pode "existir" no contexto de sua própria vida e enquanto nela se constrói, que não pode viver como se fosse outro, amar como se fosse outro, sofrer como se fosse outro, morrer como se fosse outro. Como nos faz lembrar Heidegger: a existência é sempre minha e não pode ser compartilhada. Deve ser construída e conquistada por mim. 
 Jadir mostra também que não podemos viver autenticamente sem o nosso mundo: que o mundo está implícito no sujeito e, conseqüentemente, existir é, em sua definição mais precisa, existir com os outros. Defende um relacionamento pleno, do qual não faz parte o medo de expressar sentimentos, de dizer "não", de negar idéias. O medo de se relacionar plenamente cria um simulacro de nós mesmos e, em última análise, exclui o outro de nossas vidas; esvazia nosso mundo. E como não podemos viver fora do nosso mundo, excluímo-nos de nossa própria vida. 
 O autor mostra aos insatisfeitos que, antes de tentar modificar o mundo (o que é impossível), devem tentar modificar a si mesmos. Se não sabemos onde estamos, dificilmente saberemos para onde ir. 
 Sobre este tema, parece oportuno lembrar, como contraponto, o diálogo de Alice - do País das Maravilhas com o Gato de Cheshire: Alice: "Poderia indicar, por favor, para onde tenho que ir?" Gato: Isto depende do lugar para onde você quer ir." Alice: "Não me importa muito para onde..." Gato: ''Neste caso, não importa para onde vai, sempre chegará a alguma parte. " (Que pode não ser o "seu lugar", lembraria Jadir.) 
 De um texto antropológico lido nos meus verdes anos, minha memória guardou fragmentos: para certo povo "primitivo" de um certo lugar distante, o cerimonial de nascimento se completa quando a parteira, ao cortar o cordão umbilical, diz para o recémnascido: "Agora você é responsável por sua própria vida." 
 Se fosse possível estabelecer o mote do texto de Jadir, parece que "responsabilidade por sua própria vida" é o mais adequado. A partir do sentido de responsabilidade com o próprio viver e da medida de suas conseqüências, é que o homem vai viver sua existência: com liberdade, com sucessos - ou não tantos - mas com tudo que nela pode criar. Finalmente, não posso deixar de reconhecer que Jadir Lessa consegue em poucas páginas apresentar, de forma clara e atraente, alguns dos mais importantes aspectos da análise ontológica da existência humana, segundo Martin Heidegger. E Heidegger é um autor que muitos críticos consideram criador de pensamentos profundos e complexos, mas que os expressa numa linguagem igualmente complexa. 
Luiz Fernando Teixeira Dantas 
 lndice 
Introdução, 1 
O Que é Solidão, 5 
A Solidão Interpretada como Abandono e como Liberdade, 7 
Como Lidar Melhor com a Solidão, a Angústia e o Abandono, 13 
A Liberdade Trazida pela Solidão, 19 
Os Riscos de Assumir a Própria Vida, 23 
Solidão - Condição do Ser, 27 
Autenticidade, 29 
É Possivel Mergulhar na Solidão do Outro?, 33 A Angústia como Motivadora da Existência, 35 
O Risco de se Descobrir Só, 39 
Como se Tornar Responsável pela Própria Vida, 41 
A Psicoterapia para o Indivíduo Solitário, 45 
Notas, 49 
Leituras Recomendadas, 53 
 
 
Introdução o que é solidão? É estar só, isolado, distante dos outros? É estar individualizado e autônomo? 
Solidão é um problema? A solução seria encontrar alguém para preencher o vazio existencial? 
 Numa pesquisa realizada em 1998, no Rio de Janeiro, por alunos do 
Curso de Formação de Psicoterapeutas Existenciais da Sociedade de Análise Existencial e Psicomaiêutica (SAEP), foi observado que grande parte das pessoas entrevistadas, independentemente da idade, considera que solidão é um sentimento ruim, é estar só, isolado, distante dos outros. Destacamos alguns depoimentos: 
"Solidão é um sentimento de desamparo." (Robson - 40 anos) "Solidão é muito triste." (Regina Coeli - 76 anos) "Solidão é estar perdido na imensidão do universo." 
(Marilza - 50 anos) 
"Solidão é uma coisa má que deixa a gente triste e muito abalado. Ficar sem amigos, na solidão, é muito triste." (Diego - 8 anos) 
"Solidão é um vazio." (Bianca - 20 anos) 
"Solidão é sentir um vazio mesmo estando acompanhado." (Eneida Maria - 
59 anos) 
"Solidão é tristeza e agonia." (Michele - 20 anos) "Solidão é a sensação de que ninguém se importa com você." (Alessandro - 15 anos) 
 Dando continuidade à pesquisa, observou-se que as pessoas, quando estão sós, geralmente se sentem mal, tristes, abandonadas, deprimidas. Veja algumas das respostas à pergunta "Como você se sente quando está só?" 
"Muito triste e deprimida, e choro." (Regina Coeli - 76 anos) "Tudo, a maior tristeza de sentir- me abandonada depois de servir tanto." (Maria Thereza - 67 anos) "Abandonada." (Virgínia - 43 anos) "Carência de atenção, de valorização, de proteção." (Junia - 38 anos) "Insatisfeita, triste, angustiada. Procuro sempre ocupar-me para não passar por esses sentimentos." (Waldelice- 37 anos) "Muito mal, fico triste, choro e faço tudo para conseguir um amigo." (Diego - 8 anos) 
-"Sem motivação, parece que nada tem sentido. Estou me referindo à verdadeira solidão, à solidão da alma." (Lucia - 43 anos) 
"Triste, só, parece que me abandonaram... deixaram-me largada, e isto é muito ruim." (Flávia - 8 anos) "Triste, a pior pessoa do mundo." (Bianca - 20 anos) "Sinto que ninguém gosta de mim e sinto que eu não existo." (Luci - 15 anos) "Num buraco fundo ou no mar me afogando, onde eu grito e ninguém me ajuda." (Natália - 15 anos) "Perdida, agoniada, começo a chorar mesmo sem motivo." (Simone - 16 anos) 
 Assim como estes entrevistados, as letras das músicas e das poesias geralmente falam de solidão e incompletude. Revelam o sofrimento de alguém que foi abandonado, ou que não se sente amado, ou então que acredita no outro como solução. Este livro pretende levar você a refletir sobre como é a sua solidão, e as possíveis saídas para a superação da dor dessa condição humana. 
 
O QUE É SOLIDÃO? 
 
"O grão de trigo, ao germinar; sai de seu invólucro e flutua cá fora em um trigal onde jante! A rosa, ao florescer; sai da clausura do botão e explode cá fora em pétalas largas e coloridas! O ser - humano, para se realizar, abandona a solidão e se lança para o projeto de existência no mundo.” (Buzzi, AR. Filosofia para principiantes) 
 O filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) afirma, em Ser e Tempo, que estar só é a condição original de todo ser humano. Que cada um de nósé só no mundo. É como se o nascimento fosse uma espécie de lançamento da pessoa à sua própria sorte. Podemos nos conformar com isso ou não. Mas nos distinguimos uns dos outros pela maneira como lidamos com a solidão e com o sentimento de liberdade ou de abandono que dela decorre, dependendo do modo como interpretamos a origem de nossa existência. A partir daí, podemos construir dois estilos de vida diferentes: o autêntico e o inautêntico. 
 o homem se toma autêntico quando aceita a solidão como o preço da sua própria liberdade. E se toma inautêntico quando interpreta a solidão como abandono, como uma espécie de desconsideração de Deus ou da vida em relação a ele. Desse modo não assume a responsabilidade sobre as suas escolhas. Não aceita correr riscos para atingir os seus objetivos, nem se sente responsável por sua existência, passando a buscar amparo e segurança nos outros. Com isso, abre mão da própria existência, tomando-se um estranho para si mesmo, colocando-se a serviço dos outros e diluindo-se no impessoal. Permanece na vida sendo um coadjuvante em sua própria história. Você já pensou nisso? Sendo autêntico você assume a responsabilidade por todas as suas escolhas existenciais, aceita correr os riscos que forem necessários para atingir os seus objetivos, e passa a encontrar amparo e segurança em si mesmo. Com isso, apropria-se da existência, toma-se indivíduo, toma-se autônomo, toma-se dono da sua própria vida, dono da própria existência, torna-se senhor de si mesmo. Você se percebe sendo o senhor de si mesmo? 
 
A SOLIDÃO INTERPRETADA COMO ABANDONO E COMO LIBERDADE 
 
':A angústia banha nosso ser e nos faz sentir no mais intimo que não somos um dado firme e estável. Somos incerteza e risco! Perigo e desamparo. " (Buzzi, AR. Filosofia para principiantes) 
 A angústia provocada pela solidão é o sentimento que muitas pessoas experimentam quando se conscientizam de que estão sós no mundo. É o mal-estar que o ser humano sente quando descobre a possibilidade da morte em sua vida, tanto a morte física quanto a morte de cada uma das possibilidades da existência, a morte de cada desejo, de cada vontade, de cada projeto. 1 
 Cada vez que você se frustra, que você não se supera que você não consegue realizar os seus próprios objetivos, você sente angústia. É como se você estivesse morrendo um pouco. 
 
 Muitas pessoas sentem dificuldade de estarem a sós consigo mesmas. Não conseguem viver intensamente a sua própria vida. Muitas vezes elas acreditam que o brilho e o encantamento da vida se encontram no outro e não nelas mesmas. A sua vida tem um encantamento, um brilho, algo de especial, porque é sua, apenas sua. Independentemente do que você esteja fazendo, sua vida pode ser intensa, prazerosa, simplesmente pelo fato de ser sua e por você ser único. Cada um de nós pode ser uma pessoa especial para si mesmo. 
 
Qual é a essência da angústia? 
 
 "Cada angústia humana tem um do quê, do qual ela tem medo, e um pelo quê, pelo qual ela tem medo. O do quê de cada angústia é sempre um ataque lesivo à possibilidade do estar-aí (dasein). No fundo, cada angústia teme a extinção deste, ou seja, a possibilidade de um dia não estar mais aqui." (Boss, 1988). É por isso que as pessoas têm medo da morte. 
 
 Você sente ou já sentiu medo da morte?2 Não no sentido de ter uma doença grave, não no sentido de uma morte iminente, mas sentir medo da morte por se lembrar dela, por se dar conta de que é finito. Por se lembrar que é mortal. Por ter de repente, num relance, a consciência de que vai morrer um dia? Não precisa ser hoje, nem amanhã, não precisa ser daqui a dez anos. 
Pode ser até daqui a quarenta, cinqüenta anos, mas apenas saber-se mortal, saber-se finito. Você já experimentou isso? Pode ser angustiante. 
 
 A consciência da morte talvez seja a experiência mais profunda do ser humano. O homem é o único animal que tem consciência da morte. 
 
 "O pelo quê da angústia humana é, por isto, o próprio estar-aí, na medida em que ela sempre se ocupa e zela somente pela duração deste. Por isso, as pessoas que mais temem a morte são sempre as mesmas que mais têm medo da vida, pois é sempre o viver da vida que desgasta e põe em. perigo o estar aí." (Boss, 1988) Não é interessante? Por medo da morte, muitas pessoas não se expõem, não se realizam, não vivem plenamente a sua existência, não se lançam nos seus projetos, porque o próprio viver a vida desgasta a existência e assusta. Mas na medida em que se tem medo de se desgastar vivendo a vida, não se vive, e existe desgaste maior do que este? 
 É como aquele indivíduo que compra um carro novo mas não tira o plástico que vem forrando o banco, para protege-lo. Ora, o banco foi produzido com uma técnica aprimoradíssima para dar conforto ao motorista, forrado com um tecido especial, acolchoado especialmente para que o indivíduo se sinta o mais confortável possível. E ele se encosta naquele plástico, naquele material desconfortável. Com isso ele está querendo preservar o banco, preservar o carro novo, o encantamento que o carro novo proporciona. E deixa de se preservar, se descuida de si para cuidar do carro. 
 
 Você já pensou nisso? Você já fez alguma coisa parecida? A serviço de quem está a sua vida? 
O que você está fazendo neste mundo? Qual é o seu propósito? Você está aqui para proteger o seu carro? Para que o seu banco não fique sujo? Você é um guardador de carros? Certamente que não. Certamente não é isso o que você quer. Se você for solicitado a escolher, com certeza vai dizer que não. Mas muitas vezes nós fazemos coisa parecida na vida por não temos consciência disso. Ou pelo menos por não estamos tão claramente atentos a essa questão. 
 Você se dá conta do sentimento de angústia em outras situações? Experimentando a angústia, o ser humano pode derrotar se e deprimir-se ou vencer e alegrar-se. Como? Como num automóvel. O automóvel tem combustível, que pode ser bem ou mal utilizado. Se utilizo bem o combustível do meu carro, posso ir com a minha família de uma cidade para outra. Mas esse mesmo combustível pode ser mal utilizado, servindo para queimar o meu carro. O problema é o combustível? Não. Se ele for mal utilizado, pode queimar o carro. 
Então vamos deixar de usar o carro por causa disso? Porque gasolina pega fogo, porque gasolina pode queimar o carro, inclusive o plástico do meu banco? 
 
 A angústia é a mesma coisa. Não querer sentir angústia é como querer ter carro novo mas não usá-lo por medo do combustível. O homem autêntico usa a angústia como combustível para lutar e vencer. O inautêntico utiliza o mesmo combustível para dar explicações de suas derrotas e para se deprimir. Muitas vezes, para desesperar-se também. 
 Muitas pessoas falam mal do sentimento de angústia; do sentimento de ansiedade. Só nos sentimos mal com a angústia e com a ansiedade quando não sabemos lidar com ela. Aí ela se toma um veneno, porque é como se eu estivesse acumulando combustível no meu carro, sem usá-la, e o tanque fosse ficando mais cheio, até transbordar. Não dá. É preciso usá-lo. É preciso viver. O indivíduo que não vive sofre com a angústia. O indivíduo que não arrisca, que não se entrega aos seus objetivos, aos seus propósitos, sofre.4 
 
 Muitas pessoas tomam tranqüilizantes para amenizar a ansiedade e a angústia. É como achar muito perigoso um carro que está com o tanque cheio, e, por isso, o esvazia. Ele pensa que resolveu o problema, mas na realidade não pode mais ir a lugar algum. Ora, se eu preciso ficar vazio para me sentir bem, o que é a vida para mim? Você precisa se sentir vazio para se sentir bem? O que é a vida para você? Ou, o que será a vida para as pessoas que sentem assim? 
 
 Em que sua angústia é igual à dos outros? Como é que você lida com a sua angústia? Você se sente deprimido ou vitorioso? Você quer aprender a lidar melhor com a angústia, a solidão e o abandono? 
 
COMO LIDAR MELHOR COM A SOLIDÃO, A ANGÚSTIA E O ABANDONO 
 
"Só atinge o longe quem volta a si e se recolhe sobre suas próprias forças. É do fundo da almasolitária que caem as energias e as esperanças para o empreendimento da existência-humana-no-mundo. (Buzzi, A.R. Filosofia para principiantes) 
Para que você aprenda a lidar melhor com a solidão, com a angústia e com o abandono é preciso que você decida tornar-se autêntico. Comece melhorando o seu relacionamento pessoal e social, o contato que você tem consigo mesmo, procurando conhecer melhor seus sentimentos, aprendendo a dar nomes aos seus sentimentos e a expressá-los de uma forma mais firme e mais clara. 
 
 Não diga que você tem medo de expressar seus sentimentos porque tem medo do que os outros vão pensar. Ora, só nos vinculamos ao outro através dos sentimentos; quando uma pessoa não expressa seus sentimentos, por medo do que o outro vai pensar, essa pessoa está excluindo o outro da sua existência. Se você age deste modo com muitas pessoas ou com todas, na realidade você não excluiu ninguém, você excluiu a si mesmo. Você se excluiu, porque deixou de se relacionar com as pessoas. Quando você expressa seu sentimento para o outro, ele pode gostar ou não, pode se sentir atraído por você ou pode sentir vontade de se afastar de você, são duas possibilidades. 
Você tem, matematicamente, 50%. 
 
 Você não precisa atrair todo mundo, você nem daria conta de se relacionar com todo mundo. 
Basta que você se expresse para que tenha a possibilidade de saber quem está com você, quem quer estar com você e quem se sente identificado com você. Algumas pessoas vão querer se aproximar, vão se sentir bem quando você expressar seus sentimentos, vão sentir que há uma sintonia, uma integração, uma identificação. Outras pessoas vão preferir se afastar, e isso é excelente, porque é um critério de seleção das suas amizades. Você vai poder saber quem está perto de você, com quem você pode contar, trocar mais, e, ao mesmo tempo, vai saber com quem você não pode contar, quem não está perto. 
 Então, o medo de expressar os sentimentos é uma forma de medo de viver? Lógico! É necessário que você descubra que precisa se modificar, para que aprenda a lidar melhor com a angústia, a solidão e o abandono. Você precisa se modificar, porque, se continuar fazendo as mesmas coisas como sempre fez, você vai ter na vida os mesmos resultados que sempre teve. E se você não está satisfeito com esses resultados é preciso que você se modifique, porque os outros não vão se modificar. 
14 
 Você tem uma atitude diante da vida que, de certa forma, determina a atitude dos outros para com você. Se você não está satisfeito com a atitude dos outros em relação a você, você tem que modificar-se, em vez de esperar ou de cobrar que o outro modifique a atitude dele. A atitude dele é proporcional à sua. Se você sorrir para alguém é muito provável que você receba um sorriso de volta. Se você faz uma cara feia para alguém ou faz uma careta é muito provável que o outro não sorria, ele pode nem fazer uma careta de volta, ele pode até nem fazer uma cara feia, mas é pouco provável que ele sorria em retribuição a uma careta ou cara feia, a menos que você tenha feito isso brincando. 
 
 Então, quanto mais você se modifica internamente, mais intensamente você vai modificar o resultado que obtém da vida, você vai modificar as relações que você tem com as outras pessoas. 
 É preciso, antes de mais nada, abrir mão da obstinação em modificar o outro. Muitas pessoas se sentem verdadeiramente obstinadas na tentativa de convencer o outro a ser diferente, diferente de um modo que a favoreça. E o outro não muda, porque ele tem os interesses dele, tem os propósitos dele. Não posso ficar esperando ou cobrando que o outro se modifique para atender ao meu interesse. É preciso que eu me modifique para conseguir os objetivos que eu quero na relação com os outros. 
 Mas será que você tem uma vontade sincera de se modificar? Não basta ter uma estratégia: ah! descobri que se eu me modificar eu vou modificar o outro, e aí você modifica a aparência, modifica uma atitude, mas não se modifica intemamente, não modifica a energia que você passa com essa atitude. Não vai adiantar nada. É preciso que haja um desejo sincero de se modificar Você precisa de auto-aceitação, um pouco mais. Você se aceita como você é? Será que você pode se aceitar um pouco mais? Quanto mais você se aceita, mais você evolui. Aceitar-se não quer dizer valorizar os próprios defeitos, não quer dizer conformar-se ou acomodar-se. Você se aceita como é. E parte desse ponto como um ponto inicial, um ponto de partida para se tomar quem você quer ser. É importante que você aceite onde você está, como você é, e a partir desse ponto comece a se aperfeiçoar, mas partindo de como você é. Não adianta inventar uma fantasia, não adianta criar um personagem, não adianta fingir que você é outra coisa ou outra pessoa, porque você pode até ter êxito nisso, mas esse êxito pode acarretar o seu maior fracasso. Porque se você consegue produzir um personagem idealizado, que agrada o outro, que desperta o amor do outro, o carinho do outro, a admiração do outro, a simpatia do outro, o máximo que você vai conseguir é a ilusão de que o outro está bem impressionado com você. É a ilusão de que o outro gosta de você, lhe admira, porque na realidade o outro não está admirando a sua personalidade, não está gostando da sua pessoa, ele está simplesmente gostando do personagem que você está representando, e ninguém se vincula' a um personagem, porque se o outro estabelece com você um vinculo com base no personagem que você representa, ele vai estar interessado no personagem. Na convivência o outro vai descobrir em pouco tempo que você não é aquele personagem e vai se desencantar, se decepcionar. O outro vai embora e você continuará só. 
 Então, não adianta querer pegar o atalho de representar, de construir um personagem, é preciso que você se construa. Se você só tem o 10 grau, por exemplo, e quer fazer universidade e consegue um diploma falso do 2° grau, você pode até se matricular no vestibular. Mas será que você vai passar? O fato de ter o diploma é falso, você não tem o conhecimento que as pessoas adquirem quando fazem o 20 grau. Você dizer que tem o 2° grau não faz diferença alguma. 
 Você faz algo assim na sua vida? Você representa algum personagem? Preste bem atenção, veja se vale a pena, veja o que você ganhou com isso. 
 
 Auto-aceitação é um pré-requisito de qualquer mudança, para aprender a aceitar o outro, para aprender a tolerar a si mesmo e a tolerar o outro, para aprender a gostar mais de si mesmo, e a gostar mais do outro. Não se preocupe com as suas limitações, não se preocupe com a sua incompletude. Sabe por quê? Porque todo mundo é incompleto, todo mundo é limitado. Não existe no mundo uma pessoa completa, não existe no mundo uma pessoa ilimitada. 
 Se o indivíduo sabe muito um assunto, ele sabe pouco sobre outro; se ele tem uma habilidade muito grande para fazer determinadas coisas, ele não tem habilidade para fazer outras que talvez você tenha. Na realidade, cada um de nós é incompleto e é justamente essa incompletude que permite, facilita e favorece o relacionamento humano, porque na medida em que eu sou incompleto, eu não tenho coisas que você tem, eu não faço bem coisas que você faz e você não tem coisas que eu tenho e você não faz bem coisas que eu faço. E com isso nós podemos trocar, com isso eu posso dar a você o que eu tenho em troca daquilo que você tem e que eu não tenho. Eu posso fazer para você as coisas que você não sabe fazer ou não tem habilidade para fazer e você faz para mim as coisas que eu não sei fazer ou não tenho habilidade para fazer. 
 Com isso, estabelecemos uma relação de interdependência com todas as pessoas. Se você se conhecer bem e conhecer bem cada pessoa, vai descobrir que pode ter uma relação de troca com qualquer um. Você sempre pode trocar alguma coisa com alguém, há sempre alguma coisa que você tem que o outro não tem e há sempre alguma coisa que o outro tem e você não tem. Você sempre pode aprender com qualquer pessoa, sempre pode ensinar alguma coisapara qualquer pessoa. 
 Não se preocupe de ter limites, não se preocupe de ser incompleto, isso não afasta o outro, pelo contrário, isso aproxima. Quando você revela uma limitação sua, o outro se alegra porque certamente ele terá alguma coisa para complementar. E quando você revela alguma qualidade sua, certamente o outro poderá usufruir dela. Existe a possibilidade da troca. Não há nenhuma vantagem numa relação em que um só dá e o outro só recebe. É muito importante que cada um aprenda a trocar. 
 Então, a incompletude pode ser um motivo para você se lamentar, um pretexto para você se envergonhar, se culpar, se sentir inferiorizado, mas também pode ser um instrumento que favorece a troca. Uma grande vantagem que cada ser humano tem e que pode explorar no sentido de estar com os outros. Pense nisso! Veja de que maneira você pode aproveitar a incompletude. 
De que maneira você pode trocar com o outro, de que maneira você pode enriquecer a sua vida e enriquecer a vida do outro. 
 
A LIBERDADE TRAZIDA PELA SOLIDÃO 
 
"Podemos sempre escolher a possibilidade, o modo ou a maneira de viver a existência-humana-no-mundo... Ninguém pode tirar de nós a liberdade da cruz, da saude, da doença, do sofrimento, da esperança, do desespero, da ciência, da técnica, da morte.” (Buzzi, A.R. Filosofia para principiantes) 
A liberdade ao mesmo tempo assusta e seduz. Cada um de nós quer ser livre, mas muitas vezes sentimos medo da liberdade. 
Ser livre para quê? Para realizar os próprios desejos e as próprias vontades. 
 Você realiza seus próprios desejos e suas próprias vontades? Você aprendeu a fazer isso? Está acostumado a realizar seus desejos e suas vontades? Sente orgulho de realizar seus desejos e suas vontades? Sente-se merecedor de realizar seus desejos e suas vontades? Ou lhe disseram que isso é feio, que isso é errado? Ou lhe disseram que você tem que realizar a vontade dos outros, que tem que atender aos desejos dos outros? 
 
 Você foi educado para se beneficiar e se servir da vida ou foi educado para servir aos outros e beneficiar os outros? É muito importante que você descubra isso. Porque essa é a raiz da liberdade. Se você de alguma maneira se convenceu, ou foi convencido, de que deve favorecer o outro, que deve servir ao outro, que deve agradar o outro e que viver a vida é dar prazer ao outro à custa de seu próprio sofrimento, que viver a vida é fazer a vontade dos outros à custa de não fazer a sua vontade, há alguma coisa muito errada com você. É muito importante que você perceba isso, para que possa compreender melhor a origem do seu sofrimento. 
 Você é livre! É importante que você descubra que você é livre. Livre para quê? Livre para ser você mesmo. Livre para ser quem você quiser ser. Cada ser humano é livre, mas a liberdade não é uma coisa natural, a liberdade não é uma coisa que acontece simplesmente. A liberdade não é um presente que alguém pode lhe dar. A liberdade é o resultado de um esforço, de uma conquista. É importante que você aprenda a lutar no sentido de conquistar a sua liberdade. 
 Você sabe fazer isso? Você aprendeu isso? Você aprendeu a lutar no sentido de conquistar a sua liberdade? Ensinaram isso a você? Não é comum as pessoas aprenderem isso, nem na família, nem na escola, nem em outros lugares onde se aprende alguma coisa. Essa é a diferença entre uma pessoa bem-sucedida e uma pessoa malsucedida na vida. É o quanto ela se apropria da liberdade, o quanto ela se apropria do direito de ser livre e do direito de ser ela mesma. Ser livre, como eu disse, para realizar os desejos e as vontades, ser livre para realizar os projetos de vida, para realizar aquilo que se quer realizar e aquilo que se quis realizar e não conseguiu, mas ainda há tempo. 
 Quantas coisas você quer realizar e acredita que não pode? Ou que vai ser difícil, que não vai conseguir? Quantas vezes no passado você quis realizar alguma coisa, não conseguiu e passou a acreditar que não conseguiria nunca? 
 Pense bem! Lembre-se de cada situação na vida em que você desistiu, em que você abriu mão. É tempo! Se ainda for importante para você, ainda há tempo. Você pode conseguir tudo aquilo em que se empenhar verdadeiramente, mas é preciso que você acredite que tem o direito de conseguir, porque se você acredita que não tem direito, você é o seu pior adversário, você é o primeiro a dificultar as suas conquistas, você é o primeiro a se impedir de chegar lá.12 
 Como você pode se apropriar da liberdade?!3 Assumindo a responsabilidade por sua própria existência, decidindo fazer as suas próprias escolhas, ao invés de perguntar para o outro o que ele quer que você faça. Acreditando e apostando no seu sentimento, correndo os seus próprios riscos, sem precisar consultar o outro e perguntar a ele: será que vale a pena fazer isso? Será que vai dar certo?!4 
 
 O outro tem a experiência dele, o outro tem os limites dele, o outro tem a descrença nele mesmo e em você. Se você dá ouvidos ao outro, ele pode lhe influenciar a não arriscar, pode lhe convencer de que não arriscar é muito bom. Só que quando você não arrisca, você não perde, mas também não ganha. 
E se você se habitua a não arriscar, você não vai perder nunca, mas também não vai ganhar nada. 
E uma pessoa que não ganha nada, tem apenas a ilusão de que não perdeu nunca, porque na realidade ela perdeu a vida inteira. 
OS RISCOS DE ASSUMIR A PRÓPRIA VIDA 
 
Por falar nisso, como é que está o balanço da sua existência? Você ganhou a vida inteira? 
Você perdeu a vida inteira? Ou você está no meio, entre uma coisa e outra? Pense bem! 
Pegue um pedaço de papel e uma caneta agora. Faça um balanço: o que você ganhou e o que você perdeu na vida? Você desperdiçou ou aproveitou a sua vida? Pense nisso! Porque quanto mais você pensar, mais preparado você vai estar para tomar a próxima decisão, para correr o próximo risco. Você estará em condições de apostar mais em si mesmo, porque tudo na vida é uma aposta, não há garantia de nada. Correndo os seus próprios riscos você realiza a sua vida, e neste processo ora você vai perder, ora vai ganhar. Não espere ganhar sempre, mas aceite tanto as vitórias quanto as derrotas. É diferente, por exemplo, de uma partida de futebol. Se você está no Maracanã assistindo a um jogo e seu time perde, você fica triste, deprimido e irritado; mas se ele ganha, você fica feliz, comemora. Na realidade, você está triste com a derrota de quem jogou ou está feliz com a vitória de quem jogou. Mas você estava apenas assistindo, a vitória ou a derrota não são suas, são de quem jogou. Mas você está tão acostumado a comemorar a vitória do outro como se fosse sua, que quando o seu time ganha, você diz "ganhei", ou às vezes faz uma concessão e diz "ganhamos". Mas será que ganhou mesmo? Ou você só foi lá assistir à vida dos outros? 
 
 Quando você se senta no sofá diante da televisão e assiste à novela também é uma outra situação interessante. Coisas boas e ruins acontecem aos personagens da novela, mas você as vivencia como sendo suas? Você fica emocionado quando assiste à novela? É como se, de certa forma, você estivesse vivendo a vida daquele personagem? Tudo bem, mas você tem a sua vida também. Ou você deixa de viver a sua vida para ficar vivendo através dos personagens da novela? Se você assiste à novela de vez em quando, mas vive a sua vida intensamente, tudo bem! 
Mas se você deixa de sair para ficar em casa assistindo à novela, será que você não está fazendo uma troca? Será que é uma boa troca? Na novela as coisas acontecem de uma forma muito arrumada, porque tudo na novela é editado. Mas na vida as coisas não acontecem da mesma maneira. Na novela as pessoas são mais bonitas, mais elegantes, a casa é mais arrumada que a sua, mas ali tudo é editado. Eles não mostram as pessoas se maquiando, eles não mostram as pessoas arrumando o estúdio, eles não mostram quando as coisas estão desarrumadas. Temos a ilusão de que a vida na novela é bem melhor. E se você acredita que o galã da novela é mais bonito do que o seu marido ou que o seu namoradoou se você acredita que aquela menina que aparece na novela é mais bonita que a sua mulher ou que a sua namorada, a coisa se complica. 
Porque tudo aquilo é editado, mas sua vida não. 
Será que vale a pena trocar a concretude da sua existência pelas coisas editadas que aparecem na televisão? 
 A escolha é sua! Quando você vive a sua vida, quando aceita a sua existência, você chora e lamenta as suas próprias perdas e comemora as suas próprias vitórias. Não importa se você perdeu ou se você ganhou nessa ou naquela situação. O que importa é que são os seus fracassos e as suas vitórias, porque é a sua vida. 
 
 E então? O que é que você está esperando? Na vida não há garantia de nada. O medo sempre vai existir, porque tudo pode ser maravilhoso, mas também tudo pode ser horrível. Tudo apenas pode ser, nada é. 
 Nossa felicidade tem que ser construída. Deixe o amor fluir, deixe todos os seus sentimentos fluírem. Faça a sua parte do melhor modo possível, seja a melhor pessoa que você puder ser, mas não espere garantias de ninguém. A vida é um risco. A vida só é pobre para quem não arrisca. O amor só é pobre para quem não o expressa. Somente podemos ganhar quando estamos dispostos a perder. Tudo na vida tem um preço. Sabe qual é o preço do nosso amor? A liberdade e o risco de se poder vivê-lo, dê no que der. Podemos perder tudo, mas não perdemos a liberdade de ser, nem o direito de arriscar, nem a possibilidade de amar. Meu querido amigo! Minha querida amiga! Não deixe que a incompletude e a solidão atrapalhem a sua vida. Assuma sua verdadeira condição nesse mundo, para se fortalecer e poder compartilhar com os outros todas as coisas boas que a vida pode oferecer. Tome-se autêntico. 
 
 SOLIDÃO CONDIÇÃO DO SER 
 
"Falando em solidão. torna-se claro que ela não é lima coisa que nos seja possível tornar ou deixar. Somos nós. Podemos enganar-nos a este respeito e agir como se não fosse assim; nada mais. Mas melhor é admitir que se é só. e mesmo partir daí. " 
(Rilke, R.M. Cartas a um jovem poeta) 
 
 
A solidão é a condição do ser humano no mundo. Todo ser humano está só. Esta é a grande questão da existência, mas não significa uma coisa negativa, nem que precise de uma solução definitiva. Ou seja, a solução não é acabar com a solidão. A solução não é deixar de sentir angústia, suprimindo este sentimento. A solução não é encontrar uma pessoa para preencher o vazio existencial. A solução não é encontrar um hobby ou uma atividade. A solução não é se matar de trabalhar e se concentrar nisso para não se sentir sozinho. Também não é encontrar uma estratégia para driblar a solidão. A solução é aceitar que se está só no mundo. Simplesmente isso. E sabendo-se só no mundo, viver a própria vida, respeitar a própria vontade, expressar os próprios sentimentos, buscar a realização dos próprios desejos. 
Quando se faz isso, a vida se enche de significado, de um brilho especial. 
 O objetivo não é fingir que a solidão não existe, não é buscar a companhia dos outros, porque mesmo junto com os outros você está e sempre estará solitário. O outro é muito importante para compartilhar, trocar. O outro é muito importante para a convivência, mas não para preencher a vida, não para dar sentido e significado a uma outra existência. A presença do outro ajuda, compartilhando, mostrando a parte dele, dando aquilo que não temos e recebendo aquilo que temos para dar, efetivando a troca. Mas o outro não é o elemento fundamental para saciar a angústia ou para minimizar a condição de solidão. 
 
Cada um de nós nasceu só, vive só e vai morrer só. 
 
 A experiência de cada um de nós é única. O nascimento é uma experiência única, pois ninguém nasce pelo outro. Da mesma forma, a morte é uma experiência única, pois ninguém morre pelo outro. E a vida inteira, cada momento, cada segundo da existência, é uma experiência única. Ninguém vive pelo outro. 
 
 
AUTENTICIDADE 
 
"É na angustia que a liberdade de ser para o poder-ser mais próprio e, com isso, para a possibilidade de propriedade e impropriedade, se mostra numa concreção originária e elementar.” (Heidegger,M Ser e Tempo) 
 
A solução para a questão da solidão é a autenticidade. E assumir que se é só e que sempre se será só, e não ter a ilusão de que um dia virá alguém para preencher o sentimento de incompletude, nem que um dia virá alguém para amenizar a sua dor. Para que você se realize é preciso que faça as suas coisas, realize seus propósitos, seus objetivos, expresse seus sentimentos, concretize suas vontades. Cada vez que você faz isso sua vida se ilumina e fica repleta de significado. Mas nós temos a ilusão de que o grande significado da vida é dado pelo outro. 
 
 Quando nos apaixonamos, o outro passa a ter uma importância extraordinária, um significado único, uma importância vital, como se a presença dele, ou o fato de ele nos querer, fosse o motivo da nossa felicidade. Não é verdade. Se cada um não buscar a própria realização sozinho, não há quem possa fazê-lo. Nenhuma mulher pode realizar um homem, e nenhum homem pode realizar uma mulher. A presença do outro pode trazer uma alegria maior, mas não traz a vida. A vida é exclusivamente nossa. A vida e o significado da vida são exclusivamente nossos. A presença do outro muitas vezes faz com que a vida fique melhor, mas não é tudo. A presença do outro pode complementar a nossa vida, mas não é a parte principal. Então, quando criamos a expectativa - que eu chamo de ilusão - de que o outro é que vai dar o principal significado à nossa existência, neste momento estamos sendo inautênticos. Nesse momento, estamos virando as costas para nós mesmos, estamos deixando de nos escolher, e escolhendo o outro. Nesse momento, como numa paixão avassaladora, nos tomamos um vassalo da pessoa amada, e os desejos e a vontade da pessoa amada são mais importantes que meus próprios desejos e minha própria vontade. Nesse momento nos perdemos de nós mesmos e nos entregamos ao outro, nos colocamos nas mãos do outro como se nossa vida dependesse dele. E quando vivemos assim, os momentos de separação são terríveis. As maiores crises existenciais acontecem nestes momentos, porque enquanto está tudo bem, ótimo, mas se a outra pessoa diz que não nos ama, que não nos quer mais, a vida se toma uma tragédia. É como se a separação fosse uma separação do nosso próprio corpo, é como se o outro fosse o nosso coração, ou nosso cérebro ou nosso pulmão, e o afastamento do outro é como se fosse a nossa própria morte, porque é como se tivéssemos perdido um órgão vital. 
 É muito comum nas poesias, nas músicas e nas declarações de amor se dizer: "eu não vivo sem você, você é a minha vida." Isso não é verdade, é uma ilusão, mas uma ilusão muito bonita. Não se deve abrir mão"desta ilusão, mas é preciso ter consciência de que mesmo quando acreditamos que nossa vida é o outro, isso é apenas uma ilusão. É como nos ensinou 
Vinícius de Moraes: "que seja infinito enquanto dure", apenas enquanto dure. É importante que acreditemos no amor como a coisa mais importante do mundo, vivê-lo intensamente, mas sabendo que existem outras coisas importantes e que o amor não é eterno. Pode ser a coisa mais importante do mundo naquele momento, pode ser eterno em nossa crença, em nossa convicção momentânea, mas no fundo sabemos que a coisa mais importante do mundo é a nossa existência, nossa própria vida, e que nada é definitivo, tudo é transitório. 
 
E POSSÍVEL MERGULHAR NA SOLIDÃO DO OUTRO? 
 Quando mergulhamos profundamente na solidão do outro, na dor do outro, estamos sentindo compaixão pelo outro. Compaixão é sentir com. E nesses momentos podemos nos perder no outro, podemos nos diluir no outro. Isso acontece quando não estamos firmes, quando não estamos centrados em nós mesmos. 
 
 Na nossa cultura somos educados e incentivados a sentir compaixão. Nietzsche faz uma crítica muito intensa e detalhada a isso, no seu livro O Anticristo. O cristianismo, que é o fundamento da cultura ocidental, estimula a compaixão, mas não a compaixão de um modo genérico, não a compaixãopor todas as pessoas e por todos os sentimentos - ele estimula a compaixão pelo pobre, pelo miserável, pelo doente, pelo que está sofrendo, estimula a compaixão por todo tipo de situação em que o ser humano está inferiorizado, miserável, enfraquecido ou enfermo. Quando sentimos compaixão nessas situações, podemos nos enfraquecer, podemos até adoecer e nos deprimir. É como se, de certa forma, esse sentimento fosse contagioso, e passássemos a sentir a mesma miséria, a mesma dor, a mesma fraqueza, o mesmo empobrecimento do outro. Quando fazemos isso freqüentemente, nos exercitamos a nos enfraquecer, fazemos um exercício constante para nos tornarmos pessoas fracas e nos colocarmos à mercê do outro. 
 
 Para o outro pode parecer bom, mas para nós é muito ruim. É importante trabalharmos no sentido de descobrirmos por que sentimos compaixão pelas pessoas derrotadas, pelas pessoas infelizes, pelas pessoas que estão sofrendo com a solidão. Por que não sentimos compaixão pelos vitoriosos? Por que não sentimos compaixão por quem está bem? Pelo rico em lugar do pobre? Pelo sadio em lugar do doente? Se nos observarmos profundamente, veremos que existe um padrão que se repete. Poderemos descobrir que talvez façamos uma escolha preferencial para nos identificarmos com o pior do outro. Se fizermos uma psicoterapia, teremos grandes chances de descobrir o que há em nós que faz com que nos identifiquemos com as coisas piores que o outro pode oferecer ou sentir. O psicólogo pode nos ajudar muito nesse sentido. Descobrindo isso, nós nos fortalecemos, passamos a reformular nossos valores, nossa auto-imagem, nossos propósitos e objetivos, passamos a nos identificar com aquilo que de fato queremos. E se queremos crescer, se queremos vencer, nos aprimorar, passaremos a sentir compaixão e a nos identificar com quem vence, com quem se aprimora, com quem cresce. 
 
 A ANGÚSTIA COMO MOTIVADORA DA EXISTÊNCIA 
A angústia é um combustível, da mesma forma que a fome. Sentir fome é bom ou ruim? 
Sentir fome é algo muito importante para a sobrevivência do ser humano, porque se não sentimos fome, não nos alimentamos e se não nos alimentamos morremos em alguns dias. 
É fundamental sentir fome. Mas a fome em si só não é boa nem ruim; é boa no sentido de avisar que nosso organismo está precisando de alimento, só. Mas se não temos como nos alimentar, se não temos recursos para comprar alimento ou se estamos perdidos em um lugar deserto, numa floresta ou numa ilha, onde não exista alimento, essa fome vai se tomar um tormento. Vamos nos sentir famintos, e isso vai ser uma situação desesperadora. 
A fome, nesse caso, passa a ser uma coisa muito ruim. 
 
 A angústia é como a fome: é um indicativo de que estamos vivos. Então, nesse sentido, a angústia é um sentimento muito bom, porque avisa: "olha, você está vivo!" Sente angústia? 
Ótimo, você está vivo o que você pretende fazer com a sua vida? É isso que a angústia diz: "você está vivo! e agora?" Se não fazemos nada, essa angústia vai se agravando, se intensificando, da mesma forma que a fome. E vamos sofrendo, sofrendo e sofrendo e talvez adoeçamos. Qual é a solução? 
Tomar um remédio para não sentir angústia, por exemplo? Dopar-se, anestesiar-se, neutralizar a angústia? Isso seria eficiente? Claro que não! Isso seria tão ineficiente quanto tomar um remédio para neutralizar a fome. 
 Se resolvemos o problema da fome tomando remédio para não senti-Ia, vamos morrer sem sermos avisados. Vamos morrer sem saber que estamos precisando tomar uma providência para continuarmos vivos. A angústia é a mesma coisa. Se tomamos um remédio para não sentir angústia é como se estivéssemos dizendo: "olha, eu não estou mais vivo", e aquele aviso que diz: "você está vivo" pára de existir. 
 A angústia se torna inconveniente, se torna desagradável, quando não expressamos nossos sentimentos durante um período prolongado, quando não expressamos nossa vontade, quando não nos realizamos enquanto pessoa, quando não nos escolhemos e, portanto, não nos tornamos autênticos. Então, nesse sentido, a angústia nos incomoda, nos dá malestar, mas é indispensável que dê, porque é como se nosso ser estivesse avisando: "olha, você não está vivendo, o que está havendo com você? A vida está aí, viva!" Mas não, não estamos querendo correr riscos, temos medo de perder, não estamos querendo viver a vida, paramos de viver. A angústia até nos deixa viver, mas incomoda muito. O sofrimento da angústia é como a fome, é um aviso de que precisamos tomar uma providência, precisamos tomar uma atitude, precisamos fazer alguma coisa. É um aviso de que precisamos viver. Aproveite este aviso e sempre que sentir angústia tenha consciência de que você não está vivendo e viva. Viva no sentido de seguir o seu movimento, de expressar o seu sentimento, de realizar os seus desejos, seus propósitos e sua vontade. E sua vida vai se preencher de significado. 
 Quando escolhemos e fazemos alguma coisa, deixamos de sentir angústia, passamos a sentir alegria, frustração, tristeza, qualquer outro sentimento, menos angústia, porque se escolhemos e fazemos alguma coisa, se o resultado for positivo sentimos alegria, nos sentimos realizados; se for negativo sentimos frustração, tristeza, mas sentimos alguma coisa. Enquanto estivermos sentindo essa coisa, não sentiremos angústia. Sentimos angústia quando nossos sentimentos estão paralisados, congelados ou não estão funcionando. 
Viva! E você não vai saber o que é angústia. 
 
O RISCO DE SE DESCOBRIR SÓ 
 
Qual é o risco e a vantagem de o indivíduo se dar conta de que é só no mundo? Quando nos damos conta de que estamos sós no mundo, temos uma grande vantagem, que é passar a ter uma existência autêntica, a expressar nossos sentimentos, a acreditar neles, a nos aceitar, a investir em nós. Passamos a nos sentir livres para expressar o que sentimos, a fim de realizar nossa vontade. Nos sentimos livres para ser quem somos e lutarmos para ser uma pessoa realizada. Esta é a grande vantagem de descobrir que se está só no mundo. 
 
 A desvantagem de descobrir que se está só no mundo é descobrir também que nossa vida é uma ilusão, que os referenciais que temos são fracos e não nos sustentam, embora pareçam sustentar, e ainda, que as garantias dadas pelo outro são garantias fracas. Costumamos acreditar que podemos contar com o outro, o que de fato não podemos, ou, pelo menos, não o tempo todo ou para tudo. Mesmo que o outro afirme: "estou contigo e não abro", isso não é verdade. Em alguns momentos o outro não vai estar presente e vamos perceber que estamos sozinhos. A desvantagem é descobrir que nossa vida não está bem formulada, não está bem estruturada, descobrir que temos sido um personagem na vida e não uma pessoa. 
 Muitas pessoas, depois de viverem um certo tempo, preferem continuar na ilusão, sem querer perceber que estão sós no mundo, acreditando que estão acompanhadas e que é muito bom estar acompanhada, no sentido de se poder contar com o outro para realizar-se e para se sentir feliz. 
Não é verdade. Temos que contar conosco para nos sentirmos felizes, não podemos esperar que a felicidade e a realização venham do outro, que a segurança venha do outro, que as coisas boas que almejamos para nós venham do outro. Temos que conquista-las todas. Ou pelo menos tentar. 
 
COMO SE TORNAR RESPONSÁVEL PELA PRÓPRIA VIDA 
É mais fácil realizar coisas que dependerem exclusivamente de nós, não há dúvida, mas quando queremos mesmo, podemos influenciar até o do queremos mesmo podemos influenciar até o resultado das coisas que dependem de outras pessoas. Você pode me dizer, por exemplo, que eu não 
Você pode me dizer por exemplo que eu não posso fazer com que alguém se apaixone por mim, verdade. Mas eu posso com minhas atitudes, E verdade. Mas eu posso com minhas atitudes favorecer ou dificultar que isso aconteça com o outro. 
Eu também posso analisar isso de duas maneiras. A primeira é a seguinte: não penso que o amor seja unilateral, acredito que os sentimentos são seja unilateral, acredito que os sentimentossão dinâmicos e interativos. Considero muito pouco provável eu mar uma mulher que não esteja me amando, ou eu amar uma mulher que não esteja me amando, ou seja, quando me dou conta de que estou amando uma lher, entendo que estou me dando conta de que mulher, entendo que estou me dando conta de que está acontecendo amor entre nós e certamente alguma coisa esta acontecendo com ela também 
 Normalmente as pessoas não são autênticas, não expressam seu sentimento com facilidade; o assim como o ar, que entra e sai dos nossos sentimento das pessoas não flui assim como o ar, que entra e sai dos nossos pulmões. 
É possível que eu, como psicólogo, por ser mais treinado e ter meus sentimentos mais trabalhados, possa me dar conta primeiro desse amor. É possível que eu me declare a ela e ela diga: "ah, não! isso é coisa sua, são fantasias suas, eu não estou apaixonada por você, eu não te amo, não quero nada contigo", é possível que ela diga isso, o que não quer dizer necessariamente que o amor não exista. Ela pode estar bloqueada, pode estar negando, pode estar lutando contra o próprio sentimento para não mudar a rotina de vida, para não mudar a forma como a vida dela está organizada, pode também não estar querendo correr riscos, pode achar que se envolver comigo pode ser uma experiência arriscada para ela, pode tecer uma série de considerações e impedir o sentimento de fluir. Pode até dizer que não me ama, mas isso não quer dizer necessariamente que não ame. Pode até nem ter consciência disso, mas não significa que isso não esteja acontecendo. 
 
 E a segunda maneira pode ser exemplificada assim: se neste momento você fechar os olhos e imaginar um animal feroz na sua sala, perto de você e pronto para atacar, provavelmente você irá sentir medo. Se eu pedir a você para imaginar que está cortando um limão e espremendo esse limão em cada um de seus olhos, provavelmente você terá uma sensação desagradável, você poderá salivar, ou até lacrimejar. Esse sentimento real de medo que você teve diante do animal selvagem, ou essa reação fisiológica real de lacrimejar ou de produzir saliva diante da imagem que você fez do limão são situações reais, mas não autênticas, porque o limão não é real, e o animal selvagem não é real. Então, nós podemos despertar o nosso sentimento pela imaginação. 
Ora, quando despertamos o sentimento pela imaginação, estamos racionalizando nosso sentimento. Quando sentimos a partir do contato com o animal selvagem, com o contato do limão, estamos tendo uma experiência concreta, uma experiência autêntica. 
 Então, se nos apaixonamos por alguém porque ficamos imaginando esse alguém, isso não é paixão, é como sentir medo do animal selvagem, como salivar e lacrimejar quando imaginamos o contato com o limão, mas na realidade não estamos tendo uma relação com ninguém. Se estamos em contato com nosso sentimento, se estamos presentes na relação e na troca que temos com as pessoas, temos maior possibilidade, maior probabilidade, de ter sentimentos mais autênticos e mais profundos, e esses sentimentos são dinâmicos, interativos, estão presentes em nós e na outra pessoa. Por outro lado, os sentimentos produzidos pela nossa imaginação são unilaterais, do nosso mundo de fantasia, são coisas nossas, não são do outro, não são da relação. 
 
 A PSICOTERAPIA PARA O INDIVÍDUO SOLITÁRIO 
 
Na psicoterapia não se fala dessa forma objetiva para o cliente. Ele não está preparado para receber tais informações nessa intensidade. Isso causaria um impacto muito grande. 
Na psicoterapia, nós trabalhamos aos poucos, dentro do limite do cliente. Não dizemos: "ah! se vira, você vai ficar sozinho, sempre foi só e sempre vai ser só e é assim mesmo, a vida é assim, pronto". Nós fazemos a maiêutica com ele: procuramos saber como é a solidão dele, como é a dor dele, como ele a experimenta. E à medida que ele vai falando da sua dor e da sua solidão, fazemos algumas perguntas que vão ajuda-lo a se compreender e a se centrar, que vão ajudá-lo a fazer a diferença entre ele e o outro, para que ele vá se construindo enquanto indivíduo, enquanto pessoa, para que ele vá se descobrindo, se revelando e se construindo. Não no sentido de ele se tomar uma pessoa individualista, voltada para si mesmo, como uma ilha, sem contato com ninguém. Não é isso, é no sentido de ele se tomar um indivíduo, porque somente quando se tem consciência de que se é um indivíduo, somente quando se apropria da individualidade, é que o indivíduo pode estar com o outro de uma forma autêntica. 
 Então, quando ele, na sua individualidade, se encontra com o outro, na individualidade do outro, é que os dois podem pensar no nós. O nós é a interação da individualidade de um com a individualidade do outro. Nesse sentido podemos concluir que é impossível duas pessoas estarem juntas o tempo todo. Por exemplo, quando duas pessoas apaixonadas dizem: "eu e você somos um, somos um casal e um casal é como se fosse uma pessoa composta de duas metades", isso não é verdade, porque nós somos dois, juntos formamos um casal. Mas o casal não tem vida própria, o casal não tem uma individualização única de pessoa; ele é o resultado da interseção de duas pessoas que se gostam e não o resultado da superposição ou da fusão de duas pessoas. Um casal tem uma interseção de aspectos comuns, aspectos em que ambos se identificam, mas não tem uma superposição, ou seja, os dois não deixam de ser quem são para se tornar o casal. Um continua sendo quem é e o outro também e, apesar disso, e por causa disso, estão juntos formando um casal. O casal não exige que uma pessoa deixe de ser ela mesma. 
 
 Você pode abrir mão de certas coisas, você pode ser levado a escolher abrir mão de certas coisas para favorecer o encontro, mas isso não quer dizer que você abriu mão da sua individualidade, que você abriu mão da sua condição de pessoa. Também não quer dizer que o casal tem que estar junto o tempo todo e fazer sempre as mesmas coisas, como se fosse uma pessoa. Para que duas pessoas formem um casal é preciso que cada um tenha vida própria, é preciso que tenham autonomia, caso contrário, não vai existir um casal, mas apenas uma pessoa que coisifica a outra, ou então duas pessoas que ora são pessoa e coisa, ora são coisa e pessoa, quer dizer, se eu e você temos que ficar juntos o tempo todo, na verdade nós estamos fazendo a vontade de quem? A minha ou a sua? Se estamos juntos agora, seria porque a minha vontade é estar aqui escrevendo para você e a sua vontade é estar aí lendo o que escrevo. Agora, se eu e você ficamos juntos o tempo todo, vai haver um momento em que um de nós não estará com vontade de fazer a mesma coisa que o outro, um momento em que um de nós não vai ter vontade de ficar no mesmo lugar que o outro. 
E se, apesar disso, nós ainda continuamos juntos é porque um está deixando de fazer a sua própria vontade, de realizar seus próprios desejos, para realizar assim os desejos e as vontades do outro, o que significa que um está se tomando coisa e deixando de ser pessoa.22 
 
E para finalizar quero apenas lhe fazer uma pergunta: 
Durante todo esse tempo você vem se trabalhando para se construir enquanto pessoa livre e autônoma ou vem sendo trabalhado pelo outro para se tomar uma coisa ou um objeto? 
 A escolha é sua. É você quem paga o preço e é você quem colhe os resultados. 
 
Boa sorte. 
Notas 
 
1. "O homem é um ser em particular que tem que estar consciente de si mesmo, ser responsável por si mesmo. É também aquele ser em particular que sabe que em algum momento futuro não mais será, é o ser que está sempre em relação dialética com o não-ser, a morte... Não é uma escolha que deve ser feita para sempre e sempre. Ela reflete, até certo grau, a decisão tomada a cada instante. Uma vez que sou tenho o direito de ser." (May, R. A descoberta do ser, pág. 106) 
2. "A morte é uma possibilidade ontológica que a própria presença sempre tem de assumir. Com a morte, a própria presença é impendente em seu poder-ser mais próprio. Nessa possibilidade, o que está em jogo para a presença é pura e simplesmenteseu serenomundo. Sua morte é a possibilidade de poder não mais estar presente." (Heidegger, M. Ser e tempo, parte lI, pág. 32) 
3. "(...) De inicio e na maior parte das vezes, a presença não possui nenhum saber explícito ou mesmo teórico acerca do fato de ela se achar entregue à sua morte e de a morte pertencer ao sereno-mundo. É na disposição da angústia que o estar-lançado na morte se desentranha para a presença do modo mais originário e penetrante. A angústia com a morte é angústia "com" o poder-ser mais próprio, irremissivel e insuperável. O próprio ser-nomundo é aquilo com que ela se angustia. Não se deve confundir a angústia com a morte com o temor de deixar de viver 
(...)." (Heidegger, M. Ser e tempo, pág. 33). 
4. "Vive melhor quem traz a morte para a vida. Somente assim se vive cada dia como se fosse o último, com a mais plena consciência dos próprios atos." (AngeramiCamon, V.A Solidão -A ausência do outro, pág. 30) 
5. "Compreender os sentimentos é a chave para o dominio de nós mesmos, para achar a verdadeira independência... se cada pessoa aceitasse a responsabilidade de pôr em ordem seu próprio mundo emocional, o mundo como um todo poderia também tornar-se mais real, mais harmonioso e, quiçá, mais pacífico." (Viscott, D. A linguagem dos sentimentos, pág. 13) 
6. "Estar em contato com nossos sentimentos é a única maneira pela qual sempre poderemos ser o melhor de nós mesmos, a única maneira de nos tomarmos abertos e li\Tes, a única maneira pela qual poderemos ser nós mesmos." (Viscott, D. A linguagem dos sentimentos, pág. 19) 
7. "Agir é modificar a figura do mundo, é dispor meios com vistas a um fim, é produzir um complexo instrumental e organizado de tal ordem que, por uma série de encadeamentos e conexões, a modificação efetuada em um dos dos acarrete modificações em toda a série e, para finalizar, produza um resultado previsto. !\Ias ainda não é isso o que nos importa. Com efeito, convém observar, antes de tudo, que uma ação é por princípio intencional." (Sartre, J.P. O ser e o nada, pág. 536) 
8. "O homem que perdeu o seu reflexo, tal como aquele que perdeu a sua sombra, é um condenado." (Augras, M. O ser da compreensão, pág. 59) 
9. "O vir-a-ser é a condição dinâmica que move e transforma." (1\Iay, R. A descoberta do ser, pág. 88) 
10. "A liberdade faz-se ato, e geralmente a alcançamos através do ato que ela organiza com os motivos, os móbeis e os fins que esse ato encerra." (Sartre, J.P O ser e o nada, pág. 541) 
11. "A liberdade não se encontra na ilusão do 'posso tudo' nem no conformismo do 'nada posso'. 
Encontra-se na disposição para interpretar e decifrar os vetores do campo presente como possibilidades objetivas, isto é, como abertura de novas direções e de novos sentidos a partir do que está dado." (Chaui, 1\1. Convite à Filosofia, pág. 363) 
12. "O desejo jamais será capaz de se manifestar em sua verdadeira força, exceto aliado à vontade." (May, R. A descoberta do ser, pág. 29) 
13. "Estou condenado a existir para sempre para-além da minha essência, para-além dos móbeis e motivos de meu ato: estou condenado a ser li\Te. Significa que não se poderia encontrar outros limites à minha liberdade além da própria liberdade, ou, se preferirmos, que não somos li\Tes para deixar de ser li\Tes." (Sartre, J.P. O ser e o nada, pág. 543) 
14. "Pior é a renúncia à liberdade." (Chaui, 1\1. Convite à Filosofia, pág. 357) 
15. "O sentimento de ser cria uma base para a auto-estima que não é reflexo das opiniões dos outros e não depende da confirmação social." (May, R. A descoberta do ser, pág. 112) 
16. "A nova escolha sedá como começo na medida em que éum fim, e como fim na medida em que é começo; acha-se limitada por um duplo nada, e, como tal, realiza uma ruptura na unidade ek-slatica de nosso ser." (Sartre, J.P. O ser e o nada, pág. 575)
17. "Nada é tão inoportuno ao homem como o estar em pleno repouso, sem paixões, sem nada fazer, sem divertimento, sem ocupação, porque começa então a sentir sua dependência e o desespero subir-Ihe-á do fundo da alma." (Pascal, B. Pensées, citado por Buzzi, A.R. Filosofia para principiantes, pág. 69) 
18. "... o fato de estar só não é eliminado porque 'junto' a mim ocorre um outro exemplar de homem ou dez outros." (Heidegger, 1\1. Ser e Tempo, parte I, pág. 272) 
19. "Com a abertura de fato de seu mundo, a natureza se descobre para a presença. Em seu estar-lançado, ela se entrega à mudança de dia e noite. Com sua claridade, o dia propicia a visão possível e a noite a retira." (Heidegger, 1\1. Ser e Tempo, parte lI, pág. 223) 
20. "A solidão desperta até mesmo sentimentos que são um insulto à dignidade humana, como a compaixão... uma forma de amor ou simpatia pelos que sofrem." (Angerami-Camon, V.A Solidão - A ausência do outro, pág. 8) 
21. "Cada rosto é digno de ser retratado pelo pincel. Uma obra de arte é algo único." (Cancello, L.AG. O fio das palavras, pág. 20) 
22. "Recuperar a escolha significa escolher essa escolha, decidir-se por um poder-ser a partir de seu próprio si mesmo. Apenas escolhendo a escolha é que a pre-sença possibilita para si mesma o seu próprio poder-ser." (Heidegger, M. Ser e Tempo, parte 11, pág. 53)

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